Polêmicas que envolvem a música e a letra
da valsa contribuem com a beleza da história
Certa vez, no início da década de 1940, um garoto voltava de sua pescaria no Rio São Lourenço quando avistou, Ã sombra de uma triste casa, papéis colocados na calçada. Eram composições inéditas, partituras, cartas, e artigos. "Vou levá-los para papai", pensou Alaércio, o menino.
Ele sabia da fatídica história daquela família que se desfizera dos papéis e da associação que alguns faziam entre o incidente ocorrido com ela e a letra da valsa "Saudades de Matão". Seu pai, o músico Grimaldo Bonini, lhe contara muitas versões que envolviam a música; por isso, Alaércio resolveu levar o achado ao velho Grimaldo.
Particularmente, Grimaldo Bonini defendia a tese de que a música não era de Jorge Galati e sim de Pedro Perches de Aguiar, que foi seu amigo e lhe afirmara ser o autor. Assim, como seu pai, Alaércio preferia depoimentos a lendas. Desse modo, pelos testemunhos que havia ouvido, o menino não fez nenhuma associação entre a letra da valsa e o suicídio que chocara a pequena Matão.
A cidade crescia com pessoas vindas das fazendas. A chamada "Fazenda dos Ingleses" tinha mais moradores do que o centro matonense da época. Aquele quadro, pouco a pouco, foi mudando. As causas e consequências do período entre guerras, da crise do café e da própria II Guerra Mundial foram modificando a política sócio-económica do País, dos Estados e dos Municípios. Os anos passavam depressa e a depressão perseguia o mundo.
Alaércio enveredava-se pelo universo das notas musicais e ouvia muitas histórias sobre a composição da valsa "Saudades de Matão". Matonenses conceituados contestavam a autoria de Galati e reuniam-se para discutir o assunto, em casas ou nas ruas, em clubes ou esquinas.
Testemunhavam nessas reuniões, sem hora e local marcados, Adelino Bordignon, Aldo Aldano Bottura, Aldo Gorgatti, André Rizzo, Ferrucio Quaresma, Grimaldo Bonini, Mario Gandini, Pedro Tagliavini, entre outros. Alaércio Bonini e demais jovens ouviam atentamente os depoimentos.
Versões sobre a autoria da música
Alguns cidadãos, naquelas conversas cercadas por novidades e dúvidas, refletiam: "A valsa seria uma variação de uma cançoneta italiana?". Uma vez, levantaram a questão: "Pedro Perches de Aguiar não teria vendido a valsa para Jorge Galati?". Sabiam que os dois foram amigos, que tocaram juntos e que chegaram até a compor em parceria. Alguns, de imediato, descartaram a hipótese. Outros, porém, acreditaram que tudo era possível, em uma vida boêmia.
Discutia-se também, entre um elenco de assuntos, o por quê de Pedro Perches de Aguiar deixar a cidade de Matão por volta de 1930. Acreditavam em um motivo político, nas reviravoltas que aconteceram na capital, Rio de Janeiro, e no posicionamento constitucionalista de São Paulo, enfim, de alguma forma, talvez houve um reflexo em Matão e Perches de Aguiar preferiu morar em Campinas.
Voltando à autoria polêmica, lembravam que Galati dizia ter composto a sua "Francana" (que é a valsa "Saudades de Matão") por volta de 1904 e, posteriormente, Perches de Aguiar teria decorado a música de ouvido. Aguiar, por sua vez, disse que compós a valsa de inspiração, de improviso, quando um negro chamado Hilário lhe pediu um chorinho para clarineta e piston, entre os anos de 1909 e 1910.
Perches de Aguiar e Galati concordavam que a cidade de Taquaritinga ouviu pela primeira vez aquela valsa que seria sucesso em todo país e no além-mar. Matão teria ouvido a `sua música´, pela primeira vez, em torno de 1912, segundo depoimentos da época e cronistas como Januário Groppa (da segunda metade do século).
Os dois exímios músicos falavam que tinham composições melhores do que a valsa "Saudades de Matão", com arranjos tecnicamente mais trabalhados. O que seria um dos motivos pelos quais eles demoraram a requerer a autoria. Todavia, Galati oferecia a música para Franca; Perches de Aguiar, para Matão.
Jorge Galati coordenou uma banda musical em Taquaritinga, era de Marília e tinha forte afinidade com Franca. Pedro Perches de Aguiar era mestre de banda em Matão, onde morou e sua esposa lecionou no Grupo Escolar "José Inocêncio da Costa"; com a família, ele viveu muito tempo em Campinas, cidade onde trabalhou no escritório do almoxarifado da Santa Casa.
Publicamente, também requereram a autoria da valsa "Saudades de Matão" ou "Francana" Antonio Carreri (São Paulo) e Biagi Cimini, (Jaboticabal), entre outros. Mas, a principal disputa e mais comentada por todo o país, fica entre Pedro Perches de Aguiar e Jorge Galati.
Os mistérios que envolvem a letra
Hoje, Alaércio Bonini ainda guarda aqueles documentos que ele encontrou em seu caminho, além de outras matérias que tratam da polêmica entre Matão e Franca. Sobre o assunto, ele detém cartas, artigos e partituras. São papéis antigos e atuais. Bonini também tem as recordações daqueles que conviveram com Pedro Perches de Aguiar.
Retomando depoimentos de músicos contemporàneos a Perches de Aguiar e baseado nos documentos que guardou por toda vida, o músico matonense Alaércio Bonini acha que "moralmente, a valsa é nossa".
"Com referência à letra, certa vez, apareceu em minha loja um cidadão olhando miniaturas com os dizeres `Matão, Terra da Saudade´. Ele me disse: `estou maravilhado com essa coleção, quero levá-la. Sou Raul Torres, um dos autores da letra da valsa `Saudades de Matão´. Fiquei extremamente emocionado em atendê-lo e acabei lhe dando as peças de presente", lembra Alaércio.
Raul Torresescreveu a letra para "Saudades de Matão" em 1936, de acordo com o jornal "Comércio de Franca". Nessa linha, segundo registro da Irmãos Vitale S.A (gravadora de São Paulo), a música da valsa pertence a Jorge Galati e Antógenes Silva, com letra de Raul Torres e Florêncio.
Porém, contrários ao registro, alguns matonenses acreditam que o saudoso músico Sétimo Rossi teria participado das composições da melodia e dos versos da letra. Atribui-se ainda, neste último caso, o poema triste à morte de Sétimo, que era amigo inseparável de Pedro Perches de Aguiar.
Mesmo aqueles que não gostam da letra, todos se compadecem à possibilidade do poeta ter evocado o fim de sua própria vida, escrevendo: "Quero morrer / Vou partir para bem longe daqui / Já que a sorte não quis / Me fazer feliz".
Assim, entre a memória de um tempo primordial e o lendário popular, Alaércio Bonini toca "Saudades de Matão" maravilhosamente.
Depoimentos registrados pela imprensa
O historiador Azor Silveira Leite publicou uma série de artigos em seu livro "Uma História Para Matão"
O município matonense teria ouvido a valsa "Saudades de Matão", pela primeira vez, por volta de 1912, segundo cronistas que defendem a tese de que o maestro Pedro Perches de Aguiar foi autor da melodia e, por isso, a autoria pertence à Matão. Contudo, para os que acreditam que a música é de Franca (daí o nome "Francana"), ela teria sido composta por Jorge Galati, em 1904.
Declarações de Galati, publicadas no Jornal A Comarca, em junho de 1949, foram combatidas por muitos matonenses defensores de Perches de Aguiar, incluindo ele próprio que contra-atacou com o texto "Satisfação que dou ao carinhoso e inesquecível povo de Matão, a propósito de uma carta do Sr. Jorge Galati", com data de agosto daquele ano.
Ainda em 1949, em matéria publicada em A Gazeta (SP), Perches de Aguiar afirma que improvisou a música pela primeira vez em Taquaritinga, por volta dos anos de 1910 e 1911, a pedido de um negro chamado Hilário, tocador de contrabaixo que queria um chorinho para clarineta e piston. A valsa, posteriormente, teria sido acabada e dedicada ao povo de Matão.
Para o jornal "Comércio de Franca", de fevereiro de 1966, Galati começou a brigar pela autoria da valsa em 1919 e resolveu registrá-la com o nome "Saudades de Matão (Francana)", para se evitar maiores confusões, já que "Saudades de Matão" era a denominação mais conhecida e "Francana" o nome original.
Januário Gropa, cronista de A Comarca, rebatendo a tese de Franca, lembra uma citação de D. Lúcia (viúva de Perches de Aguiar): "O Galati só não arranjou documentos provando que compós a valsa `Saudades de Matão´ antes de nascer por que viu que era impossível".
Além de Perches de Aguiar, que residiu em Campinas, e Jorge Galati, de Marília, também conclamaram a autoria da valsa "Saudades de Matão", publicamente, Antonio Carreri, de São Paulo, e Biagi Cimini, de Jaboticabal.
Alguns dados acima citados, entre outras opiniões sobre a polêmica composição, foram publicados no livro "Uma História Para Matão" (Volume I), do historiador matonense Azor Silveira Leite, em 1992.
Recentemente, a Revista "Já" (1999), do Diário Popular, e "Caros Amigos" (2000) publicaram matéria falando das controvérsias que envolvem a valsa "Saudades de Matão". Retratadas por várias versões, as polêmicas fazem a música e a letra perpetuarem pelas belezas artística e histórica.