Eu tenho pouca coisa - fiz vistoria -
igual a fiscal de rendas,
mas não roubei nada de mim.
Vistoriei meus bens:
eu tenho:
um pacote de balas de crianças,
um retrato da 1a. Comunhão,
tenho também um isqueiro quebrado,
e um par de alianças esquecidas,
cartas opacas, de amor eterno,
e um terno de missa.
Tenho também:
Uma vasta coleção de
revistas velhas,
de mocinho e
bandido, e também
de modas passadas,
com a maioria das
mulheres,hoje, bastante
envelhecidas.
Tenho tudo guardado
com medo de gatunos;
tenho-os alguns, em caixa
de papelão,
outras embrulhadas às pressas,
antes de fugir.
Tenho também
uma caixa de fósforos
vazia.
E porque,pergunto eu,
pelos santos,porque
a guardaria?
Tenho um maço de
papel onde pretendia
escrever minhas
memórias.
O papel amarelou
e as idéias
desapareceram.
Foi nesta história
de leva-vida e traz
idade,que esqueci a
maior parte do que ia
dizer.
Esqueci meu passado
onde só me lembro
de ter tido uma mulher.
Sempre de saia grossa,
com um cachecol avermelhado,
que lhe caia muito bem,
pois o pano lhe escorria
até os seios.
E me lembro que ela
até se iluminava como
estrela, com aquela
roupa feita de rendas,
pela avó desconfiada.
Foi tudo que me restou.
Hoje só olho pela janela
e penso comigo
que coisa larga é a vida:
uma hora você é dono das coisas,
noutra as coisas são seu dono.
E digo, sim Senhor!
Senhor das espirais,
dono da vida e da morte,
não rogai por mim,
pois tal desavença,não mereço.
Mas minhas coisas
ninguém me tira,
pois sou senhor também
da corda-bamba, que
a qualquer instante,
me coloca na
eternidade.