Brasília, 23/04/2004
O relógio é , a um tempo,
meu consolo e meu desespero.
A cada vez que atento,
vejo nos seus ponteiros
que ele é, além do mais,
o guardião do tempo.
E, a exemplo do seu mestre,
funcionário aplicado,
guardião inflexível,
juiz inexorável,
do alto dos seus ponteiros,
determina, inabalável,
que passe o tempo,
acabem as horas,
e que sigamos vida afora,
marionetes impotentes,
observadores apenas.
O tempo segue
levando consigo tudo:
passam com ele as horas,
os minutos, os segundos,
as horas infindáveis,
modorrentas, intermináveis,
mas com muito mais eficiência,
nos leva as melhores, as memoráveis.
Ele passa e com ele os amores
que um dia ousamos amar
na ingênua certeza
que jamais iriam passar.
O ponteiro se mexeu.
Outro momento se foi, morreu.
Junto com ele, um pedaço
do que fui, que agora não é mais eu.
Passam as coisas, as pessoas,
você, eu...
O relógio é o nosso algoz.
Tira-nos o tempo
que tentamos reter no vão dos dedos.
Tira-nos a vida que queremos eternizar
e, aos poucos,
tira-nos também a voz.
|