Nada sei e muito sei a respeito da malvada depressão. Chega de fininho, apossa, toma conta e não que mais ir embora.
Convivo com ela, dezenas de anos e ainda me prega peças enganadoras. Não sei como ela é, onde reside e quando vai aumentar de intensidade. Traiçoeira como a cascavel.
Aquele que é acometido pela depressão, não quer saber de mais nada, se desliga do mundo. Uma prática usada pelo depressivo é o isolamento. É marcante a solidão. Os desejos de vitórias, de busca de objetivos, são esquecidos, abandonados.
A vida já não é importante, muitas vezes até ameaçada pela própria pessoa. As relações amorosas, romànticas, que tanto faz bem, são respeitadas, esquecidas.
O convívio social, cada vez mais difícil. A voz, a palavra, recua se escondendo.
As respostas à s perguntas são dadas apenas com o dedo na vertical num sim ou não.
No lugar do riso o choro da vida, sempre em clima de tempestade. Nem o canto das aves o traz à realidade. O olhar vaga no infinito não importa com o pêndulo do relógio. Não precisa de horas, minutos, tempo algum. Nada a fazer, só tem à sua frente pensamentos vagos e oscilantes.
Depressão é doença de muitos. A que acometeu o vizinho do lado perece ser uma das piores, que mais sacrifica a pessoa.
A família tenta, inventa maneiras inéditas para amenizar as agruras de um ser humano.
A mãe num cata piolho delicado move os dedos sobre os cabelos encaracolados, num ritmo lento. Muitos suspiros longo, gemidos sem solução atenta a cada movimento do rapaz. Frequentemente caminha na sala, quilómetro e mais quilómetros indo para um lado e para outro. Mede várias vezes a sala de estar, o quarto e a varanda. Os gestos sófregos dificultam o caminho do sossego que o medicamento pode ocasionar.
As manhãs serenas se foram vieram as tumultuadas.
A mãe contempla o filho que agora perece dormir. Um quadro do time preferido enfeita a parede clara do quarto. Time que o fez dar alegria à torcida atleticana imensa no Mineirão. Momentos de glória ainda no juvenil.
Na outra cama o ronco se espalha como fumaça pelo ar em movimentos circulares. É o contraste. Um dorme o sono dos mortos o outro é consumido pela dor dos vivos.
A mão esquerda ainda tenta, com tapinhas ritmadas sobre o peito do filho, segurar a calma difícil conquistada.
Ajusta o cobertor e se levanta pé ante pé para de novo discar o número do próximo remédio. Apaga a luz e na escuridão sente o tic-tac do acelerado coração.
Suspira aliviada:
"Está vivo."