Brasília, 13/12/2004 – 23:40h
(ao meu amigo “Doido”, de vinte anos atrás)
Há vinte anos, companheiro,
éramos nós os dois esquisitos,
falávamos uma língua estranha
àqueles que nos acompanhavam.
E por nos quererem tanto,
riam assim meio desentendidos,
e nos olhavam com aquela cara de estranho,
são dois perdidos, os nossos queridos.
E era bonito que nos quisessem assim,
dessa maneira generosa,
de quem não nos entende,
não concorda e nem discorda,
mas ouve toda aquela prosa
com um carinho que só existe mesmo
no coração paciente de quem gosta.
Há vinte anos, companheiro,
éramos nós os dois tão parecidos
com tanta coisa em comum,
que aos olhos distraídos
éramos nós o casal
e nossos pareceiros,
apenas mais dois de um grupo.
Éramos os que liam poesias
e passávamos horas a senti-las.
Éramos os que se emocionavam
com as palavras lidas
e era quase possível saber com exatidão
a emoção sentida.
E pobres nossos companheiros,
sem entender por que diabos
choram estes dois ...
Éramos nós os dois de sempre.
Vinte anos nos separam daqueles tempos.
Reencontrar-se depois de tanto
nos leva de volta ao que já fomos,
tanta coisa está mudada
e é bom ver que a essência
permanece intocada.
A poesia ainda me toca,
ainda choro nos filmes,
ainda acho o Nietzche um
tremendo de um esnobe e
você ainda não se conforma com isso.
Nossos companheiros se foram,
quem sabe cansados das nossas doideiras,
quem sabe porque o amor também
não resiste tempo demais
às estranhezas do outro...
E você tem que entender.
Você, que gosta tanto do Foucault,
(ou era o Proust, nem me lembro)
tem que entender:
O inferno é o outro, lembra?
A gente se esquece que é o outro.
O outro do outro.
Surpreende e encanta
que você ainda acredite
que da minha boca vai sair,
a toque de caixa,
com ar de autoridade,
(e isso é você quem acha)
alguma frase brilhante,
algum conselho sábio,
uma porrada desconcertante...
Notícia pra você:
Não tenho nada pra dizer,
nada pra ensinar,
nada pra querer,
nada pra chorar.
Ignoro o que vim fazer,
não tenho nada pra provar,
não sei como te dizer,
não há nada pra falar.
Sou só eu, e mais nada.
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