Usina de Letras
Usina de Letras
166 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62181 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140792)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->O Homem do Lixo -- 09/11/2000 - 23:23 (Silvio Freitas Teixeira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Como todas as outras noites, eu fazia o meu trajeto noturno, onde após um dia de exaustivo trabalho e uma noite de estudos gratificantes, sentia que meus pés queriam me matar indignados com o excesso de trabalhos aos quais eles eram submetidos, mas como sabem todos aqueles que já tiveram a necessidade e oportunidade dessa jornada dupla, absolutamente normal.
Quando de repente aquela figura me chamou a atenção. Não sei porque chamou, era apenas um mendigo, apenas mais um dentre tantos outros que perambulam pela cidade e que a noite assombram nossos espíritos assustadiços. Tantas vezes disse não aos que pouco pediam, ou dei pouco, muito mais para minha própria consciência que propriamente a quem tanto necessitava. Porém ao ver aquela imagem do que já havia sido um homem, sublimado à calçada da avenida, adentrando solitário por um desses containers de lixo espalhados pela cidade, catando rejeitos e resíduos que serviriam provavelmente como única fonte de alimentação para suprir o que não obteve durante o dia inteiro, senti um nó na garganta. Não que eu mesmo estivesse satisfeito, de fato até aquela hora tão tarde eu mantinha-me apenas com um rápido sanduíche que havia devorado perto do meio-dia, mas convenhamos que é muito mais fácil controlar a fome quando sabemos poderemos sacia-la quando e como melhor nos aprouver. Não conseguia imaginar qual o tamanho da impotência que o levara a engolir de pronto toda a sua dignidade e respeito, e de publico, adentrar naquele tonel de sujeira a procura da comida de hoje. Mas desta vez não, hoje eu faria a minha parte, não apenas para minha consciência mas além dela. Eu faria a minha parte. Rebusquei em minha carteira, pois sabia que carregava algum dinheiro, juntei R$200,00, que por certo me fariam falta para garantir minha cota de supérfluos, rompi a barreira inexpugnável da vergonha que separava nossos mundos, apenas da minha parte diga-se de passagem, pois ele a rompe sem nem saber que o faz, e decidi fazer o que julgava certo e necessário. A passos hesitantes me aproximei. Chamei-o por amigo, e então olhos carregados de um peso que jamais compreenderei em sua plenitude, me questionaram. Ofereci o dinheiro e disse que era para ele. Que não deveria mais juntar coisas do lixo para comer, que com aquele dinheiro eu esperava devolver-lhe uma parte de sua dignidade e respeito, inserindo-o uma vez mais em nossa sociedade. Ainda arranjei arrogância para dizer que não deveria gastar em bebida. O homem me olhou com tal olhar de gratidão que todos os reais do mundo não poderiam pagar. Ficou me olhando e sorrindo até que eu perdesse o jeito, então me afastei para ouvir uma voz suave, que me surpreendeu em ver que era dele, e que dizia: “Deus te abençoe!”.
Afastei-me com tal satisfação que parecia prestes a ter meu peito explodindo. Ninguém mais saberia o que eu havia feito, mas eu sabia que havia feito a minha parte. Uma parte muito pequena é verdade, ainda assim mais do que havia feito até hoje, mais do que a maioria das pessoas iriam fazer durante uma vida inteira. Antes de dobrar a esquina não pude evitar de voltar o olhar para aquele que havia repartido um momento único comigo e que deveria me considerar seu benfeitor. Antes de que ele desaparecesse na escuridão pude observar que o velho homem uma vez mais adentrava a grande lixeira à busca de restos e sobras que já faziam parte de sua vida.
Essa imagem, ainda que rápida, me marcou e chocou. Percebi de repente que aquele era o homem do lixo e que, apesar de aplacar definitivamente o constante grito de minha consciente consciência, eu não havia feito nada para tirar o homem do lixo, do lixo. Apenas dei o peixe, não ensinei a pescar, não disse onde fica o mar.
Amanhã vou cruzar com outros tantos, dizer não para muitos, dar pouco à poucos e fazer nada a todos. Então descobri que tenho dúvidas sobre quem realmente é o homem que está dentro do lixo...
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui