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Artigos-->Ducha fria -- 11/01/2000 - 00:22 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Hora morta, beba-me com citações célebres, pensamentos românticos, eu varando muros, trepando árvores, olhando o avião que decola, qualquer coisa. Conte-me das manhas (interrogações) que não tive tempo de decifrar na semana. Traga-me de volta o exercício do refrão da música que ouvi no rádio só uma vez pra nunca mais. Leve-me flanar num salão de beleza sem marcar hora, a moça me jogando no colo revistas de fofocas, frescuras, ao sul do secador empalhador de idéias.

Tanta coisa fazer agora. Mas adie. Mas deixe pra lá. Continue, coração, pendurado atrás da porta. Minha agenda poética, sufoque-me de mensagens de amor bem mastigadas e mordidas, do jeito "Quando você passa". Permita-me a invasão de rabiscos distraídos, mesmo na página errada. O bilhete pode ser este: "Seu anjo sente sua falta. Sempre lhe envia beijos em asas de borboleta, pura leveza. Nada de tristeza, nada de ressentimentos, nada de nada, pleno amor. Até quando até".

Vão-se os sonhos, ficam os números, sambando com datas pontualíssimas ("pontuais" soaria a "meio-pontuais": ou se é "pontualíssimo" ou se é "furão"). O sombreado verde me tonteia, porque me avisa do compromisso ritualístico que me obriga. A implacável tarja verde são os óculos que inventei para enxergar minhas urgências nesta agenda que não ganhei de presente. Derredor de uma inscrição tão curta, a moldura verde. A inscrição é uma cabecinha-de-alfinete, mas vale tanto quanto qualquer outra de moldura verde. Vale mais até do que a lembrança "ligar para" (sem nenhuma moldura de nenhuma cor).

A rua é toda de grama bem penteada, canteiros proibidos. Só eu passeio nela à cata de primeiros socorros. Daqui a pouco, estou plantada diante da cafua de mal-entrelaçadas tábuas, escultura aberrante, e lá o poema num soco, bem estampado em faixa: "Conserto chuveiro, máquina de lavar, ferro elétrico". Entro sem pio, a porta aberta. Cato do mais profundo da minha sacola-bolsa o dito- cujo aparelho, embrulhado em papel-jornal, mas embalado com respeito, que não sou dada a rancores. Ele, bem no âmago da sacola-bolsa, enganchado à escova de cabelos, os dois atracando-se e eu arrancando-o pelo pescoço de veias plásticas à mostra, para entregá-lo aos cuidados de seu médico.

O moço recebe a oferenda, mas não me olha, seus olhos tanto o que querem é o chuveiro (graças-a-deus!).

Eu e minha boca! Já neste instante agora, o olhar me espicaça, querendo-queira eu lhe decifre a mensagem alada rumo ao ponto máximo do meu coração, este ainda doído do cinema que não me verá esta tarde. Desisto de toda a água gelada que possa regar minha garganta seca e dou a luta por entregue. Meus olhos fogem bêbados, mas, coitados, topam com a escultura de tábuas empenadas, obra cujo título é "Costelas de Tatu" ou o que mais possa haver de feio.

Do tempo em que eu levava a vida ao pé da letra, o tempo me vinha em preguiça... Hoje sou uma sem-tempo, primeiro cheiro o sumo, depois sonho os gomos, o prazer só para quando, esse "quando" dobrando a curva do Eixão. Minha pedra filosofal bambeia em riba das tabuadas, meu social visita médicos, meu alegre disputa festa combinada - número de convidados, número de acompanhantes, dia tal, às tantas horas, não esqueça, tá? Castigo maior do que o prazer à força?

Ah, mas trancafio ainda na famosa moldura verde aquela viagem ao lugar onde corro descalça, cabelo despenteado, vestido solto, feia de doer. Fora, certeza de todos os nuncas! Consertado esse chuveiro malcriado, assunto que me ruge, nem queira saber o que farei!

Só posso estar muito viva mesmo. Queira saber, a vida me tem em espera. E o que de mim ela espera?

- Resistência, moça!

- Um presságio!

- Não, a resistência, que queimou.

No aguardo.

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