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Artigos-->O professor penitenciário -- 26/07/2002 - 18:14 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O professor penitenciário



Desconfie de quem alardeia sua honestidade, bem como daquele que tem rígidos preceitos éticos.

Sem que isto requeira maior aprofundamento neste momento, podemos afirmar que nossos valores refletem aquilo que somos. A concepção ética que temos está relacionada a nossa concepção de mundo e a nossa visão acerca do ser humano. Dizendo de outra forma: agimos eticamente, ou não, em função dos valores coletivos que orientam o mundo em que vivemos. A ética é inerente a nossa condição de seres gregários e, em essência, permanece a mesma no que se refere aos valores inalienavelmente humanos. No entanto, os seus procedimentos mudam com o tempo, de região para região, de circunstância para circunstância. A ética positivista do final do século XIX, no contexto do nosso fazer cotidiano, não era a mesma do começo do mesmo século que vivia sob a égide do sturm und drag e esta, por sua vez, diferia da de Antônio Ferreira e o seu querido Horácio. Göethe apreciava Dante porque nunca se sentaram à mesma mesa para discutir o que fazer diante de problemas prementes.

A apreciação que temos do ser humano, os sentimentos que desenvolvemos das nossas relações pessoais, a nossa índole interior, o nível de tolerância, a capacidade de empatia, estruturas e superestruturas, etc., etc., etc., irão determinar a nossa concepção ética.

Invariavelmente, um homem, com uma visão restrita de mundo, terá altamente delimitada as regras éticas. No mais das vezes, este homem é extremamente ambicioso, egoísta e incapaz de ver as coisas em constante processo de transformação e o quanto tudo isto pode ser saudável. As transformações o assustam porque abalam o establisment. Ele, então, lutará desesperadamente para se manter numa situação confortável, no que se refere ao seu poder, e reagirá brutalmente a qualquer atitude exterior que o ameace. Saberá ver, dentro das regras mesquinhas do seu pequeno universo, um atentado à ética.

A sua visão do ser humano é, por conseqüência, limitada. Há quem diga que nós próprios somos a medida pela qual julgamos as manifestações circundantes. Nosso homem ético, fraco e inseguro, vê inimigo por toda parte. Ora, todos são como ele, indignos de confiança.

Não é difícil imaginá-lo professor numa sala de aula. Aliás, não precisamos imaginar, todos já o vimos em ação, no desempenho da sua decantada ética. Ele, partindo da sua própria vivência enquanto aluno, tratará seus alunos como inimigos. Com ele o diálogo é difícil. No mais das vezes, infrutífero. Sim, proteção.

Supervalorizará seus conhecimentos em detrimento daqueles conteúdos que não domina. Encontrará sempre, no caminho, uma vítima propícia para beber o sangue e alimentar o seu vampirismo e a sua egolatria. Faz-se, com freqüência, acompanhado do terror: é mais um dos seus mecanismo de proteção. Dificultará o processo de aprendizagem se esta, eventualmente, exibir sua limitação de conhecimentos. Acabará, portanto, em fechar o saber num fetichismo. Da mesma forma, confunde competência com autoritarismo, eficiência com prepotência, respeito com medo, profissionalismo com ódio.

Aprimorará os esquemas de punição e repressão. Ora, funcionaram com ele que só estudava sob pressão. E continua assim no seu trabalho, sob o peso do relho, e, desta forma, como dizíamos há pouco, julgará toda a humanidade, investindo grande parte de sua energia em articulações políticas, tramas de bastidores e chiliques histéricos, arrotando ética.

As regras positivistas do seu pequeno universo, que lhe trazem segurança, constituem a própria negação do fenômeno humano que busca liberdade e transcendência.

Esse professor ético fará da Universidade uma organização como as penitenciárias. Estas, as penitenciárias, buscam readaptar, reeducar o infrator para ser novamente aceito pela sociedade, através da pressão coercitiva e da punição; a primeira, e é esta a concepção de Universidade desejável, buscam educar o homem para instaurar uma sociedade melhor. Sim, uma sociedade de liberdade e transcendência, propícia ao florescimento do fenômeno humano. Não é difícil perceber que os métodos aplicados deverão ser substancialmente diversos para uma e outra. Não é difícil, mas o professor ético, e é isto que fundamentalmente o caracteriza, é incapaz de concretizar, na sua prática em sala de aula, está escandalosa diferença.

Esse tipo, no entanto, não está sozinho. Possui toda uma horda de seguidores: inimigos íntimos por natureza. Afinal, o rancor, o ressentimento, a vingança, e tudo o mais que os valham, que lhes esverdeiam o sangue envenenado, tem poder para servir de alimento à medida em que geram valores.

O leitor, que sobreviveu até aqui, poderá, ainda, num último fôlego, perguntar-se até que ponto não necessita da chibata, a sangrar-lhe o lombo, para realizar seu ofício de existir. Se não precisa, caminhamos juntos. Se for o contrário, parabéns ao professor penitenciário.



Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br
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