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Contos-->A Calcinha da Professora -- 14/03/2004 - 11:33 (Antonio Perdizes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A Calcinha da Professora

- É branca.
- Não, o Vado disse que conseguiu ver na sala de aula e é vermelha.

A discussão vinha se arrastando há algum tempo e Tomate que era um dissimulado se jogou no chão, junto a trilha que conduzia ao colégio, fingindo estar fazendo uma brincadeira qualquer, na tentativa de ver a cor das calcinhas da professorinha Cláudia, apesar de afirmar que tinha visto e era branca mesmo, ninguém acreditou que, na posição em que ele ficou, pudesse ter visto algo escondido por uma saia tão comprida.
Cláudia era de longe a mais bonita, a única que chamava a atenção e não fazia diferença saber que ela poderia estar mudando a cor de suas calcinhas todos os dias, a cor era apenas um pretexto para se criar algo, gerar alguma polemica e partir para a ação.

Alguém deu a idéia e foi assim que iniciaram a construção do túnel, todos os dias a tarde, uma turma com cinco meninos, liderados por Tomate, traziam as ferramentas e uma vela para a iluminação e partiam para a escavação. No interior do túnel só podia trabalhar um menino de cada vez num revezamento, os outros ficavam dando cobertura e retirando a terra.
O caminho que dava para a escola e que Cláudia utilizava, era uma trilha que passava a uns cinco metros de um barranco e foi onde se começou a escavação. O segredo sobre a escavação era total, se alguma menina ou um puxa-saco qualquer avisasse a diretora todo o trabalho ficaria perdido.
O túnel foi construído com uma passagem estreita, só para uma pessoa caminhar agachada, quase se arrastando, e no final, embaixo da trilha, foi escavado um compartimento maior que dava para uns quatro meninos se acomodarem, o teto deste compartimento ficou a 1,00 metro de profundidade, e no teto se fez um pequeno buraco, na vertical, que servia de respiradouro ligando o compartimento ao centro da trilha, o que exigiu diversas medições utilizando a trena do pai de Vavá. Toda a obra demorou uma semana para ficar pronta.

Era através deste orifício, na vertical, que pretendiam ver as calcinhas da professora. Ela teria que passar sobre o buraco e, quando ela desse o passo maior sobre o pequeno buraco, no interior do túnel, dois meninos verificariam a cor de suas calcinhas. O orifício foi aumentado, só na parte interna para que, depois de muita discussão sobre quem deveria estar lá, se decidiu por dois meninos e não apenas um, já que Tomate deu a si este direito por ser o chefe dos executores da obra e, como não era confiável, o outro escolhido foi Vavá porque era honesto e não enganaria ninguém.
Foram feitos testes, eram meninos passando de um lado para outro sobre o buraco enquanto outros ficavam no interior olhando. As meninas foram desprezadas.

- Calcinha de menina não tem graça, se eu quiser ver uma, levanto a saia dela no recreio. - Decretou Tomate, como de fato já havia feito diversas vezes.

No dia seguinte lá vinha, inocente e pontualmente as 1:15 horas da tarde, a professorinha caminhando pela trilha. Foram colocados galhos e pedras para guiá-la diretamente por sobre o buraco, sem poder se desviar. A turma estava posicionada ao longo do caminho para não dar nada errado. Algumas meninas souberam e na última hora tentaram se aproximar para avisá-la e foram impedidas à força.
Claudia começou achando estranho a quantidade e o olhar disfarçado dos meninos ao redor do caminho.
- Devem estar aprontando algo, mas o quê?
Ficou ainda mais intrigada quando precisou dar um passo maior sobre um buraco rodeado de pedras, que não existia no caminho, e da comemoração de alguns meninos erguendo os braços para o ar num gesto de vitória e, então, seguiu para a escola.
Todos os meninos correram para a boca do túnel, gritando:
- Mais uma!!! Mais uma!!!

Cláudia não tardou a descobrir o que acontecera. As meninas contaram. Ficou roxa de ódio, entrou na sala da direção e ameaçou pedir demissão. Então, Irmã Solange, a diretora da escola, ficou sabendo de tudo e se lembrou que também havia passado por sobre este buraco naquela manhã. A professora Rosa também.
- São uns diabos, umas pestes. – Repetia colérica e possessa Irmã Solange.
Saiu vermelha na direção do buraco, precisava pegar os responsáveis por isto, só não os crucificaria numa parede da escola para não serem confundidos com Jesus Cristo.
Quando viu a quantidade enorme de meninos ao redor do buraco rindo e conversando percebeu que todos estavam envolvidos, e ainda por cima falando dela, desceu o barranco e todos os meninos, vendo a aproximação, debandaram correndo e ela não pode colocar a mão em nenhum o que a deixou ainda com mais raiva. Retornou para a escola e iniciou a investigação, alguém iria abrir o bico. Não foi difícil descobrir quem eram os principais culpados. Mandou soar a sineta para dar início as aulas.

Eles foram se aproximando devagar. Ninguém havia pensado nas conseqüências. Todos eram artífices na hora de elaborar um plano, de fazer uma sacanagem, o depois pouco importava, sabiam que para cada crime havia um castigo, mas se pensassem no castigo não fariam nada, não criariam nada então o castigo era coisa para ser resolvida depois. Já estavam acostumados a levar uma surra dos seus pais pelas travessuras cometidas.
- O que de pior poderiam lhes fazer?
- Perder o prazer de uma boa aventura por causa de uma surra ou um castigo qualquer?
- Nunca!

Até os castigos faziam parte emocionante das historias e eram contados com orgulho pela coragem em enfrentá-los e por terem consciência de que era merecido.
- Cheguei em casa e meu pai me deu uns tabefes na cabeça e um ponta-pé na
bunda, tão forte que me jogou contra a parede, agüentei firme e não chorei, fui para o meu quarto e fiquei sem comida (era a pior parte).

Tomate e Vavá também nunca haviam se importado com as conseqüências. Ser enviado ao quartinho escuro já fazia parte de suas vidas e fora de Tomate a idéia de ludibriar os professores. Na parte de trás da escola o quartinho era fechado com um tapume de madeira, ele cavara no chão uma passagem por baixo do tapume, quando ia para o quartinho saia arrastado por esta passagem e retornava antes do final da aula para ninguém desconfiar de nada. O segredo sobre esta passagem era compartilhado apenas pelos freqüentadores habituais do mesmo.
Os dois foram parar na sala da diretora e ficaram lá num cantinho, como prisioneiros aguardando a chegada dos seus pais para serem comunicados da sua expulsão da escola. Só aí eles viram que foram longe demais nas brincadeiras.
A expulsão da escola significava a perda do ano letivo, ficariam em casa sem ter o que fazer até o próximo ano, nenhum colégio os aceitaria agora, ainda mais sabendo que não eram bons alunos.

Tomate estava ali, olhando para a Irmã Solange, se pudesse diria a ela que não tinha visto suas calcinhas, apesar de que ele havia dito para todos, depois de um acordo tácito com Vavá, que ela usava um cuecão parecido com o de um homem.
Quando ela passou por sobre o buraco tudo ficou preto, escuro por causa de sua roupa de freira e, então, não pode ver nada, apesar de ter feito o túnel para isto, na realidade não era esta a sua intenção, nem previra que Irmã Solange passaria sobre o mesmo, agora isto era o que menos importava, aquilo fora apenas para fazer uma brincadeira, uma obra, uma construção, ter uma atividade, um objetivo e um ponto de união de todos.
Mas não sabia falar tudo isso e se conformou, a expulsão lhe parecia algo certo, impossível de ser impedido, pois quer fosse a sua mãe ou o seu pai a entrar por aquela porta o fato ficaria consumado e pouco importava, já estava no último ano do primário e pelo que ouvira falar em casa este seria o seu último ano de estudo, e então, porque não antecipar um pouquinho.
Só não se sentia bem porque não queria ter magoado Irmão Solange, gostava dela e nos anos em que estivera estudando ali, apesar de tudo o que ele fizera, ela sempre lhe castigara merecidamente, sempre fora justa e até demonstrara com ele, em algumas ocasiões um certo carinho, que ele sempre ficou querendo retribuir mas não conseguira.

O pai de Tomate, seu Alcides era especialmente duro para com ele, a vida era muito difícil, tinha um pedaço de terra próximo a cidade onde plantava um pouco de tudo para vender e sempre o levava junto para trabalhar na preparação da terra, limpeza com a enxada, pulverização e colheita. Fora daí o apelido de Tomate, alguém o viu vendendo tomate de porta em porta e não teve dúvida, colocou o nome que pegou na hora, ele era grande, forte, bruto e tinha a pele avermelhada.
Quando alguém chegou na sua casa avisando que a diretora havia mandado chamar alguém, Seu Alcides resolveu ir pessoalmente ver o que havia acontecido com aquele malandro, por ser um homem simples que não sabia usar palavras, ficou calado ouvindo o discurso da diretora, Irmã Solange, e concordou na mesma hora com a punição, achando que seu filho deveria mesmo ser expulso da escola. Daí desandou a falar.

- Ele é mesmo um imprestável Irmã, até quando trabalha na roça eu tenho de ficar de olho nele mandando e apontando o serviço, agora que ele vai ficar em casa servirá para outro negócio que eu estou começando, vai trabalhar o dia inteiro e se arrependerá de ter saído da escola.
- Acho até que ele não vai mais estudar, já sabe escrever seu nome e fazer algumas continhas para que aprender mais? Agora ele vai aprender a trabalhar para se virar na vida.
- Na idade dele eu também trabalhava o dia inteiro, comandava a junta de boi que puxava o arado nas terras do meu pai, isto nunca me fez mal algum, ele nunca iria chegar a ser um doutor mesmo.

Fez uma reverência, pediu desculpas a Irmã e a professora, pegou Tomate pela camisa e deu um empurram na direção da porta, na saída deu-lhe um tabefe na cabeça e disse:
- Agora peça desculpas a professora e a Irmã, seu vagabundo
Tomate, com a voz tremula e titubeante, olhando para o chão, pediu desculpas.
- Então era por isso que eu não encontrava a pá, seu moleque, usando minha pá para as tuas safadezas heemm... – aplicou mais um tabefe na cabeça.

Irmã Solange e professorinha Claudia, ficaram consternadas sem poderem dizer uma palavra, elas também não haviam pensado nas conseqüências da expulsão para estas crianças, agiram movidas pelo sentimento momentâneo de raiva. Compreenderam o porquê de tomate ser assim. Agora se pudessem voltariam atrás, dariam uma advertência com uma suspensão só por uma semana. Mas já estava feito.
Quando a mãe de Vavá chegou e chorou se desculpando pelo que fizera seu filho e pedindo para elas não o expulsarem, que isso não iria acontecer novamente, as duas não tiveram dúvidas em concordar com ela e trocaram a expulsão pela suspensão.

Irmã Solange até havia admirado a criatividade da obra de engenharia destas crianças e o perigo que correram, aquilo pode até desabar e soterrar alguém, deveria mandar fechar aquilo o quanto antes.
Não podia perdoar porque fora com ela, era muito desrespeito, sentada em sua escrivaninha se recordou da sua infância na roça com seus onze irmãos, cinco homens e seis mulheres. Fora enviada para o convento para aliviar a quantidade de bocas para alimentar, com isso, fora a única que tivera educação superior, o resto ficara lá trabalhando na terra, sem progredir com o pouco estudo que tiveram, sem nenhum futuro. Uma geração perdida. Sempre que podia intervia na educação de seus sobrinhos, ajeitando uma escola melhor aqui ou ali, não deixando que desistissem.
Sua família a via como uma interventora, uma mandona que vivia do bom e do melhor sem precisar trabalhar e não gostavam da intervenção porque na colônia um filho na escola é um filho a menos para trabalhar, era por isso que o pai de Tomate ficara até contente pelo que aconteceu, agora tinha uma desculpa e com isso ganhava uma mão a mais.
Sabia das dificuldades para sobreviver da maioria das famílias cujos filhos freqüentavam a escola, mas mesmo assim, nada podia justificar o uso dos filhos e negar a eles a oportunidade de um futuro melhor.
No próximo ano visitaria a família de Tomate, ajeitaria uma escola para que ele pudesse continuar estudando, usaria todos os argumentos e o levaria a força se fosse possível. Então, não era esta a sua missão, educar e levar as crianças para o caminho do bem. Agora não podia fazer mais nada, precisava ser dura, não podia deixar a moral e a disciplina desandarem.

Antonio Perdizes
antoperd@cidadeinternet.com.br

Este conto é parte das histórias sobre ¨O Campinho¨
Leia também: "O Campinho" e "A Espiada"








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