A SOLIDÃO, A ILUSÃO E O LÍRIO MEU
Com o açoite do sofrer levaríeis meu bem-querer feito ventania que meu leito invadiria e noutra direção sopraria meus anseios de viver.
Foste tu, pois, solidão, barco que o charco cruzaria para aqui roubar o lírio meu que há pouco nascera e nem pudera desabrochar. E como de mim desejarias enamorar-te se um sem-fim de farpas ao meu peito lançarias de um jeito frio, demente, olvidando o brio de um valente coração?
E, tu, ilusão, não imaginaria que irias de destino disfarçar-te e, de inopino, tomar-me o que me era a quimera do amar... Queria, ao menos, sonhar pouco mais, porém aos meus ais chegarias para roubar a metade de tudo.
Contudo, quando a saudade do meu todo punha minh alma a prantear, eis que se me apresentaria, na fantasia do viver, o querido lírio meu, no esplendor do seu crescer, sem trazer a dor de seu algoz.
Milagre do perdão, da razão sábia voz, que ora retorna o meu amor, sem mágoas nem rancor, de um tempo que o tempo apagou, posto que gravado ficara no livro do saber um certo querer, também seu, porquanto tanto eu quanto o lírio meu buscamos o calor do Universo que nos conduz ao maior verso que se pode compor.
E quase o arrastara meu egoísmo ao abismo de mim, pois o lírio meu à matéria nunca pertenceu, mas, sim, ao infinito do Céu, sob o perfumado véu de uma estrela a brilhar.
Por fim, urge quedar-me, assim, sob o manto da verdade, e despir-me da vaidade, clamando à eternidade ceder um instante seu para, no semblante das nuvens e diante de Deus, um dia rever o amado lírio meu.
MAURICIO DE MELO PASSOS |