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Textos_Religiosos-->REINO DE DEUS, UM PROJETO COMUNITÁRIO -- 01/03/2007 - 22:58 (Nelson Ricardo Cândido dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
NELSON RICARDO CÂNDIDO DOS SANTOS




REINO DE DEUS:
UM PROJETO COMUNITÁRIO




Síntese Teológica apresentada ao Instituto de Filosofia e de Teologia Paulo VI – IFITEPS, como parte dos requisitos para obtenção do título de Bacharel em Teologia.
Orientador: Prof. Pe. Medoro de Oliveira Souza Neto




SEMINÁRIO DIOCESANO PAULO VI – NOVA IGUAÇU
INSTITUTO DE FILOSOFIA E DE TEOLOGIA PAULO VI
IFITEPS

Nova Iguaçu, 29 de novembro de 2002
REINO DE DEUS: UM PROJETO COMUNITÁRIO

SUMÁRIO

I. O Povo de Israel: embrião comunitário do Reino de
Deus
1. Eleição-Aliança: Deus deu um projeto
comunitário para o seu povo
(A eleição em Abraão e a libertação do Egito)
2. Criação: a vida comunitária de Israel é para
todos os povos
3. Pecado: recusa do projeto comunitário de
Salvação
4. A pregação profética e a instauração do Reino

II. A plena realização do Reino de Deus em Jesus Cristo
1. O Magnificat: teologia da encarnação em vista
do Reino
2. A pregação de Jesus e a instauração do Reino
3. Páscoa: o Reino definitivo é comunitário
4. O Espírito é doado para levar à consumação
comunitária do Reino

III. A Igreja-comunidade: Sacramento do Reino de Deus
1. “Mas tudo eles tinham em comum”: origem e
natureza da Igreja
2. A história dos dogmas: a Igreja busca a fidelida-
de à Palavra e garante o Reino como dom comu-
nitário
3. Os Sacramentos fazem a Igreja ser sacramento
do Reino
4. A Graça: o Reino comunitário acontecendo em
busca de plenitude (Escatologia)

















LISTA DE ABREVIATURAS

1Cor - Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios
1Cr - Primeiro Crônicas
1Pd - Primeira Epístola de São Pedro
1Rs - Primeiro Reis
1Sm - Primeiro Samuel
2Cor - Segunda Carta de São Paulo aos Coríntios
2Cr - Segundo Crônicas
2Rs - Segundo Reis
2Sm - Segundo Samuel
At - Atos dos Apóstolos
Dt - Deuteronômio
Ex - Êxodo
Gn - Gênesis
Hb - Carta de São Paulo aos Hebreus
Is - Isaías
Jo - Evangelho segundo João
Js - Josué
Jz - Juízes
Lc - Evangelho segundo Lucas
LG - Constituição Dogmática Lumen Gentium sobre a Igreja
Mc - Evangelho segundo Marcos
Mt - Evangelho segundo Mateus
Rm - Carta de São Paulo aos Romanos

INTRODUÇÃO

O presente trabalho de síntese teológica, apresentado ao Instituto de Filosofia e de Teologia Paulo VI, de Nova Iguaçu, surgiu a partir da confrontação da leitura, estudo e reflexão bíblicos com a realidade do mundo. Vivemos num mundo profundamente egocêntrico, individualista, que pretere o bem comum em favor do indivíduo. O importante, hoje, é a satisfação da pessoa individual a qualquer custo, não se levando em conta o aspecto social.
Essa característica do mundo moderno e contemporâneo apresenta desafios imensos ao nosso trabalho de evangelização, que exige uma reflexão séria e profunda a fim de que o projeto de Cristo não se perca. Neste mundo que incentiva projetos individuais e auto-realizações pessoais, como podemos falar de injustiça social e de suas conseqüências? Como articular fé e vida, mantendo a identidade cristã dentro da estrutura cultural moderna?
Assim, este trabalho procura refletir justamente o aspecto comunitário do projeto de Deus para toda a humanidade. Naturalmente não vamos chegar à solução para os desafios de nosso tempo, mas pretende-se apresentar subsídios que apontem para a impossibilidade de concretização do Reino de Deus entre nós fora do âmbito comunitário.








I. O Povo de Israel: embrião comunitário do Reino de Deus

Como não poderia deixar de ser, o Antigo Testamento é o ponto de partida de nossa reflexão, compondo o nosso primeiro capítulo. A Aliança de Iahweh com Israel, longe de ser uma eleição excludente dos povos não contemplados nessa eleição, é como o embrião da universalidade salvífica de Deus. Procuramos, assim, iniciar justamente com a Aliança de Deus não com um indivíduo, mas com todo um povo, já demonstrando desde o início o aspecto comunitário da salvação operada por Deus. O Deus que salva é aquele que liberta; essa primeira experiência de Israel com seu Deus o leva a refletir sobre a infidelidade de todo o povo à Aliança, quando se encontra exilado na Babilônia, descobrindo, nessa experiência traumática, a universalidade de Deus como criador de todas as coisas. A partir dessa revelação de Deus Criador, Israel compreende as conseqüências do pecado humano, que vai atingindo todas as esferas da vida: pessoal, familiar, social e cósmica. A pregação dos profetas, na última parte do primeiro capítulo, denuncia a situação de injustiça social contrária ao projeto de Deus e lança uma luz para a compreensão da situação exílica em que o povo vai-se encontrar.

1. Eleição-Aliança: Deus deu um projeto comunitário para o seu povo

Iahweh disse a Abrão: “Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, para a terra que te mostrarei. Eu farei de ti um grande povo, eu te abençoarei, engrande-cerei teu nome; sê uma bênção! Abençoarei os que te abençoarem, amaldiçoarei os que te amaldiçoarem. Por ti serão abençoados todos os clãs da terra”. (Gn 12, 1-3)

O Magistério da Igreja nos ensina que “Deus, no seu amor, planejando e preparando com solicitude a salvação de todo o gênero humano, escolheu por especial providência um povo a quem confiar suas promessas” . Estabeleceu inicialmente a Aliança com Abraão (cf. Gn 15,18) e, mais tarde, com o povo de Israel através de Moisés, (cf. Ex 24,8).
Sabemos que as Sagradas Escrituras nasceram dentro de uma comunidade visando a própria comunidade, devendo, portanto, ser lidas e interpretadas à luz da vida comunitária.
O Deus que estabelece a Aliança com Abraão é um Deus comunitário. Embora El Shaddai (o antigo nome divino da época patriarcal ) faça uma aliança com Abraão - “Eu instituo minha aliança entre mim e ti...” (Gn 17,2) -, a resposta de Abraão é movida pela fé no Deus que será o Deus de sua posteridade: “Quanto a ti, observarás a minha aliança, tu e tua raça depois de ti, de geração em geração. E eis que a minha aliança, que será observada entre mim e vós, isto é, tua raça depois de ti: todos os vossos machos serão circuncidados”. (Gn 17, 9-10). Percebe-se aqui que Deus escolheu um homem, mas não limita sua aliança apenas a ele; nota-se que o Senhor pede que a descendência de Abraão, expressa pelo pronome “vós”, continue a cumprir a aliança.
Como se observará em todo o Antigo Testamento, desde Abraão, não existe uma fé particular, privada, isolada, mas sim a fé de um povo, no caso, o povo escolhido por Deus para revelar-se economicamente a toda a humanidade. Por isso, Abraão, considerado o “Pai de todos os crentes”, em seguida a esta aliança com El Shaddai, “tomou seu filho Ismael, todos os que nasceram em sua casa, todos os que comprara com seu dinheiro, todos os machos dentre os de sua casa e circuncidou a carne de seu prepúcio, nesse mesmo dia” (Gn 17, 23). Com este “rito” comunitário, a fé de Abraão torna-se também a fé da sua casa, de sua descendência, do povo que dali nasceria.
A partir dessa Aliança, inicia-se a revelação do projeto comunitário de Deus.
Deus cumpre sua promessa a Abraão e lhe dá uma descendência. O livro do Gênesis nos narra o nascimento de Ismael e de Isaac (cf. Gn 16 e 21). Deste último, nascem Esaú e Jacó (cf. Gn 25). Jacó, após a luta com Deus (cf. Gn 32, 23ss), tem seu nome mudado para Israel; tem 12 filhos, que darão início às 12 tribos de Israel, sendo que o mais novo, José, é vendido como escravo pelos irmãos enciumados (cf. Gn 37, 12ss), indo parar no Egito (cf. Gn 37 36), onde conquista a confiança do Faraó (cf. Gn 41) e torna-se administrador do palácio e do povo (cf. Gn 41, 40). Através de José, durante um grande período de seca e fome, seu pai Israel, seus irmãos e toda sua descendência passam a morar no Egito (cf. Gn 46).
Logo no início do Livro do Êxodo, conta-se que, após a morte de José, de seus irmãos e de toda aquela geração, “os filhos de Israel foram e se multiplicaram; tornaram-se cada vez mais numerosos e poderosos, a tal ponto que o país ficou repleto deles. Levantou-se sobre o Egito um novo rei, que não conhecia José. Ele disse à sua gente: ‘Eis que o povo dos filhos de Israel tornou-se mais numeroso e mais poderoso do que nós. Vinde, tomemos sábias medidas para impedir que ele cresça; pois do contrário, em caso de guerra, aumentará o número de nossos adversários e combaterá contra nós, para depois sair do país’. Portanto impuseram a Israel inspetores de obras para tornar-lhe dura a vida com os trabalhos que lhe exigiam” (Ex 1, 8-11a). Esta passagem inicial estabelece a ligação do Livro do Êxodo com o primeiro livro da Bíblia, o Gênesis.
Nota-se, nesta passagem que conta o início da opressão que o povo de Deus sofrerá no Egito, o caráter metonímico e comunitário que assume o nome de Israel: de “filhos de Israel”, o povo passa a ser chamado de “Israel”; o nome individual passa a ser um nome coletivo.
“Muito tempo depois morreu o rei do Egito, e os filhos de Israel, gemendo sob o peso da servidão, clamaram; e do fundo da servidão o seu clamor subiu até Deus. E Deus ouviu os seus gemidos; Deus lembrou-se da sua Aliança com Abraão, Isaac e Jacó. Deus viu os filhos de Israel, e Deus conheceu...” (Ex 2, 23-25).
O Deus de Israel não esquece seu povo - Ele “ouve”, “lembra-se”, “vê” e “conhece”, verbos que em um primeiro momento parecem indicar um certo distanciamento de Deus em relação a Israel - e manifesta-se na escravidão, a fim de romper a cadeia da opressão no Egito, pois enquanto seu povo estiver sem liberdade, o Senhor não poderá ser cultuado, uma vez que isso só acontece na liberdade. Daí o Senhor Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó manifestar-se a Moisés no monte Horeb (cf. Ex 3,1ss) e confiar-lhe uma missão em favor de todo o Israel (cf. Ex 3,7ss). Já aqui, os verbos que se referem à ação do Senhor O colocam próximo a seu povo”, inclusive sendo apresentado em primeira pessoa, ou seja, palavras pronunciadas pelo próprio Deus: “vi”, “ouvi” e “desci”; que se ligam ao verbo “enviar”, referente à missão de Moisés: “Vai, pois, e eu te enviarei a Faraó, para fazer sair do Egito o meu povo, os filhos de Israel”.
Como no caso de Abraão, Deus escolhe uma pessoa - aqui, Moisés - para fazer cumprir Sua Aliança com todo Israel.
Ante a insegurança de Moisés para cumprir a missão que lhe estava sendo confiada - “Quem sou eu para ir a Faraó e fazer sair do Egito os filhos de Israel?” (Gn 3,11b) - Deus revela o sinal de que Ele o enviara: “quando fizeres o povo sair do Egito, vós servireis a Deus nesta montanha” (Gn 3,12c). A conquista da liberdade para servi-lO é o sinal da presença de Deus em meio ao povo. Em outras palavras, revela-se, pois, o projeto de Deus: libertar seu povo para que este o sirva em liberdade.
E para mostrar não só que Deus estava com Israel, mas que era o único e verdadeiro Deus, revela o Seu nome: Iahweh / EU SOU. No Egito havia o culto a dezenas de deuses, a idolatria que gerou a injustiça e a opressão. Ao revelar Seu nome - e para os hebreus o nome revela a identidade de quem o leva consigo - alguns exegetas acreditam que Deus está revelando sua identidade em oposição aos falsos deuses egípcios: “EU SOU” opõe-se aos deuses que não o são, mas que foram, pelos homens, alçados à condição divina. O sinal dessa verdade é a liberdade: os falsos deuses levam o povo à escravidão, enquanto que o único e verdadeiro Deus o conduz à libertação. E mais: a revelação do nome divino significa que Iahweh é (“EU SOU”) junto a seu povo, caminha a seu lado.
A partir dessa revelação tem início o confronto entre o poder opressor do Faraó e a mão libertadora de Iahweh, confronto esse que se observa na descrição da conhecidas “dez pragas do Egito” - 1. a água transformada em sangue (cf. Ex 7,14-25); 2. as rãs (cf. Ex 7,26 - 8,11); 3. os mosquitos (cf. Ex 8, 12-15); 4. as moscas (Ex 8-16-28); 5. a peste dos animais (cf. Ex 9, 1-7); 6. as úlceras (cf. Ex 9, 8-12); 7. a chuva de pedras (cf. Ex 9,13-35); 8. os gafanhotos (Ex 10,1-20); 9. as trevas (cf. Ex 10,21-29); 10. a morte dos primogênitos egípcios (cf. Ex 12, 29-34), prenunciado em Ex 11, 1ss, que indica o extermínio da descendência do poder faraônico, opondo-se, assim, à promessa de Iahweh a Abraão de que a descendência deste seria incontável como a poeira da terra (cf. Gn 13,16) e numerosa como as estrelas do céu (cf. Gn 15,5).
Com a morte dos primogênitos egípcios, Israel, o povo oprimido, sai do Egito (cf. Ex 12, 37ss) e celebra a Páscoa (cf. Ex 37, 43-51). Esta e a passagem pelo mar dos Juncos “a pé enxuto” (cf. Ex 14) completam o processo de saída de Israel do Egito, processo esse que só se concluirá com a posse definitiva da terra, em cumprimento à promessa de Iahweh feita a Moisés: “Por isso desci a fim de libertá-lo da mão dos egípcios, e para fazê-lo subir daquela terra a uma terra boa e vasta, terra que mana leite e mel...”(Ex 3,8); isto é, a terra em que o povo possa viver em liberdade e não na escravidão.

2. Criação: a vida comunitária de Israel é para todos os povos
Como o presente trabalho trata-se de uma síntese teológica conduzida pelo tema do projeto comunitário de Deus para a humanidade, não é possível apresentar toda a riqueza e detalhes da revelação divina, presentes nas Sagradas Escrituras. Assim, continuaremos, como no primeiro capítulo, a resumir a história da Revelação sempre que necessário, até chegarmos ao ponto que interessa a nosso propósito.
Diversos textos apresentam o cumprimento da promessa de Deus a Israel, com a chegada à Terra Prometida e a posse da terra (Js 1ss), prosseguindo com os relatos dos conflitos com os habitantes locais (Js 6ss), a divisão da Terra Prometida entre as 12 tribos (Js 13ss) , o período dos juízes (Jz), a instituição da monarquia em Israel (1Sm 8ss), a história da sucessão do rei Davi e de seus sucessores (1-2Rs; 1-2Cr).
A história da monarquia em Israel é vista como o início da ruína do povo eleito por Iahweh e sinal da rejeição desse povo à Aliança: “Iahweh, porém, disse a Samuel: ‘Atende a tudo o que te diz o povo, porque não é a ti que eles rejeitam, mas a mim, porque não querem mais que eu reine sobre eles. Tudo o que têm feito comigo desde o dia em que os fiz subir do Egito até agora - abandonaram-me e seguiram outros deuses - assim fizeram contigo. Portanto, atende ao que eles pleiteiam. Mas, solenemente, lembra-lhes e explica-lhes o direito do rei que reinará sobre eles’” ( 1Sm 8,7-9).
Os textos do Antigo Testamento vão-nos mostrando a constante infidelidade do povo de Israel ao projeto de Deus e à Sua Aliança. Assim, no tempo do rei Sedecias c. 722 a.C., que a exemplo de seus sucessores “fez o mal aos olhos de Iahweh, seu Deus” (2Cr 36,12a.), quando o rei da Babilônia, Nabucodonosor, invade a Palestina, derruba as muralhas de Jerusalém, incendeia os palácios, toma para si os tesouros do Templo e deporta para a Babilônia “todo o resto da população que escapara da espada” (2Cr 36,20b), obrigando-a “a servir a ele e a seus filhos” (2Cr 36,20c), Israel faz a experiência mais marcante desde o Êxodo, e a mais traumatizante de sua história: o povo libertado do cativeiro no Egito vê-se agora escravo na Babilônia. E começa a questionar-se: a promessa de Deus a nossos antepassados terá sido quebrada? Ele nos prometera esta terra e a liberdade. Perdemos ambas. Por que caímos novamente numa situação de opressão? Quem ou o que foi responsável por esta situação em que nos encontramos?
O povo cativo e oprimido, que fizera tão intensamente a experiência com o Deus Libertador, aprofunda teologicamente antigas tradições do Deus Criador. Volta-se, portanto, às origens do mundo para tentar compreender a situação presente. É a partir da experiência do exílio na Babilônia que Israel faz a experiência profunda com o Deus Criador. Histórica e existencialmente, portanto, a teologia da Criação é posterior à teologia da Libertação. Portanto, se Deus é o criador de todas as coisas, a teologia da Criação afirma implicitamente a universalidade da salvação.
Há no livro do Gênesis duas narrativas da criação: uma de origem sacerdotal (Gn 1) e outra de origem javista (Gn 2,4bss). A primeira mostra Deus criando todas as coisas existentes no universo; “e viu que isso era muito bom” . A segunda, centra-se na criação do ser humano e na situação em que se encontrava a humanidade no Paraíso, quando vivia junto a Deus. Ali a humanidade fazia a experiência perfeita da liberdade. Tanto uma narrativa quanto a outra permitem a Israel, exilado na Babilônia, compreender sua situação presente.
O relato sacerdotal, presente em Gn 1, lança uma luz sobre a história passada de Israel e sua infidelidade ao Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó. O contato com outros povos fizera com que Israel esquecesse sua Aliança com o Senhor, cultuasse deuses pagãos, que na verdade eram divinizações do que o único e verdadeiro Deus criara, e rejeitasse a soberania, o senhorio do Senhor sobre seu povo, instituindo a monarquia. O relato sacerdotal leva Israel a compreender, implicitamente, o absurdo que é cultuar como deus o que é criatura, e deixar-se reger por seres humanos, relativizando o senhorio de Deus.
Percebe-se, no relato sacerdotal, que Deus cria todas as coisas e todos os seres, devendo, portanto, ser adorado como Deus por todos os povos e nações, e não apenas por Israel.
Em Gn 2, há o que podemos chamar de uma “proto-história”, narrando a situação de liberdade em que Deus criou o ser humano. Na proto história da humanidade, apresenta-se as relações básicas do ser humano: com Deus, com o próximo, com a natureza. Esta situação apresentada permite a Israel refletir sobre sua situação atual, de não liberdade, da qual deve ser libertada, para se cumprir, assim, o desígnio de Deus, que criou a humanidade para a liberdade e não para a escravidão; criou o ser humano para administrar a natureza e não para ser submetido e escravizado por outros homens. “Com a ‘proto-história’, o Javista pretende, a partir da constatação da situação ambígua em que o povo e todo homem singular se encontram, responder à pergunta tão legítima pela origem de tal situação. E isto com o objetivo bem prático de ver como sair deste estado de não-salvação para a vivência da salvação” .

3. Pecado: recusa do projeto comunitário de Salvação
O ser humano é um ser de relações, criado para viver em comunidade e não sozinho. Gn 2 nos conta que, após modelar o homem com a argila do solo e torná-lo um ser vivente (cf. Gn 2,7), Deus plantou um jardim em Éden e ali colocou sua criatura (cf. Gn 2,8). E Deus ainda disse: “Não é bom que o homem esteja só” (Gn 2,18b), criando, então, uma “auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2,18c), a mulher (cf. Gn2,22).
Na situação de liberdade em que se encontravam o primeiro homem e a primeira mulher, e na relação que estabeleciam com Deus, entre si e com a natureza, “os dois estavam nus, o homem e a mulher, e não se envergonhavam” (Gn 2,25). Podemos compreender, através dessa imagem da nudez que não causa vergonha, que ambos, homem e mulher, estavam voltados para o “outro” e não para si, daí não se perceberem nus. No momento em que há o primeiro rompimento das suas relações - no caso narrado em Gn 3, a primeira relação rompida é com Deus, através da desobediência -, voltando-se para si, reconhecem que estão nus e se escondem (cf. Gn 3,7). Bela imagem para falar do egoísmo como princípio do pecado, como princípio de uma série de rompimentos relacionais.
Portanto, Gn 3 nos apresenta a primeira relação que o ser humano rompe: com o Criador. Devido a esse rompimento pela desobediência a Deus, que os proibira de comer os frutos da árvore que estava no centro do Jardim do Éden (cf. Gn 3,3), homem e mulher, expulsos do Éden (cf. Gn 3,23), são atingidos “nas suas atividades essenciais: a mulher como mãe e esposa [cf. Gn 3,16], o homem como trabalhador” [cf. Gn 3,17-19] .
O livro do Gênesis vai mostrando que esse rompimento do ser humano com Deus é, como já foi dito, o primeiro de uma série, que atinge todas as relações humanas essenciais. Como conseqüência desse primeiro rompimento, podemos ver quebra da ordem querida e estabelecida por Deus na criação, no que se refere à relação entre homem e mulher: aquela que foi criada como “uma auxiliar que lhe corresponda” (Gn 2,8c), isto é, a mulher foi associada ao homem e criada como igual, torna-se sua sedutora e será sujeitada por ele para ter filhos.
O segundo rompimento, encontramos expresso na história de Caim e Abel (cf. Gn 4, 1-160, ou seja, a luta do ser humano contra o ser humano, contra o seu irmão. Mais tarde, Jesus apresenta à humanidade o que se conhece como o “mandamento maior”, que procura restaurar a relação perdida por este duplo rompimento do ser humano com Deus e com o próximo: amar a Deus dobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo (cf. Mt 22,40).
Em Gn 4, está escrito: “Abel tornou-se pastor de ovelhas e Caim cultivava o solo. Passado o tempo, Caim apresentou produtos do solo em oferenda a Iahweh; Abel, por sua vez, também ofereceu as primícias e a gordura de seu rebanho. Ora, Iahweh agradou-se de Abel e de sua oferenda. Mas não se agradou de Caim e de sua oferenda...”. Esta passagem lida fora de contexto, parece mostrar um Deus injusto, que aceita uma oferta e rejeita outra. No entanto, a história de Caim e Abel, lida à luz da história de Israel e, particularmente, à situação de escravidão na Babilônia, permite ao povo oprimido, a partir dessa proto-história, reconhecer o momento de sua história em que, rompido com Deus, passa a romper com o irmão. Para que haja cultivo de solo, faz-se necessário a um povo fixar-se na terra; e a fixação sempre leva à construção de um aglomerado de casas, que, com o passar do tempo, torna-se uma cidade . O pastoreio de ovelhas indica a existência de um povo nômade, não fixado na terra. Assim, à luz da história de Israel, enquanto Israel vivia em estado tribal, com um conselho de anciãos dirigindo a comunidade, o povo vivia em relativa liberdade; a fixação na terra e a construção de cidades levaram à passagem da sociedade tribal para a monarquia. Se a história da monarquia em Israel é vista como o início da ruína do povo eleito por Iahweh e sinal da rejeição desse povo à Aliança, é compreensível que Deus rejeite a oferta de Caim e aceite a oferta de Abel: a experiência do presente do povo se reflete na construção do texto que narra um evento passado.
O episódio do Dilúvio (cf. Gn 6,5-8,22) mostram a conseqüência dos rompimentos anteriores atingindo a própria natureza. “Iahweh viu que a maldade do homem era grande sobre a terra, e que era continuamente mau todo desígnio de seu coração. E disse Iahweh: ‘Farei desaparecer da superfície do solo os homens que criei - e com os homens os animais, os répteis e as aves do céu -, porque me arrependo de os ter feito’” (Gn 6,5-7). Essa relação da natureza encontra sua origem no mesmo livro do Gênesis, no capítulo 1, quando Deus, ao criar o homem, disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem e semelhança, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do céu, os animais domésticos, todas as feras e todos os répteis que rastejam sobre a terra” (Gn 1,26b).
“Mas Noé encontrou graça aos olhos de Deus” (Gn 6,8). O autor sagrado apresenta, nesta pequena frase que vem logo após o arrependimento de Deus pela criação do homem, o tema da justiça de Deus sobre o homem pecador e da misericórdia divina que salva o homem justo, no caso, Noé, “um homem justo, íntegro entre seus contemporâneos, e andava com Deus”(Gn 6,9b). Assim, Iahweh estabelece uma aliança com Noé, ordenando: “entrarás na arca, tu e teus filhos, tua mulher e as mulheres de teus filhos contigo. De tudo o que vive, de tudo o que é carne, farás entrar na arca dois de cada espécie, um macho e uma fêmea, para os conservares em vida contigo. De cada espécie de aves, de cada espécie de animais, de cada espécie de répteis do solo, virá um casal, para os conservares em vida” (Gn 6,18-20).
Assim, os animais irracionais estão associados ao homem seja no castigo, seja na salvação, pois a corrupção humana estendeu-se para toda a criação. Daí Paulo, em sua carta aos Romanos, escrever: “De fato, a criação foi submetida à vaidade (...) na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8,20-21).
Findo o dilúvio, baixadas as águas e saídos da arca todos as animais e pessoas que lá se encontravam, Deus estabelece uma aliança do Noé e com seus descendentes, repetindo as palavras que havia dito a Adão, dizendo-lhes que fossem fecundos, multiplicassem-se e enchessem a terra; entregou-lhes toda a criação (cf. Gn 1,28-30; 9,1-4). A nova criação aqui apresentada também não está fechada em si mesma, e a aliança não se limita a Noé, mas a toda sua descendência e a toda criatura, ficando, mais uma vez, a criação submetida ao destino do ser humano. Assim, mais uma vez o projeto de Deus apresenta-se como coletivo, destinado a uma comunidade e não a uma única pessoa.
Estabelecida, a partir de Noé, uma nova ordem no mundo, a terra é novamente povoada (cf. Gn 10).
“Todo o mundo se servia de uma mesma língua e das mesmas palavras.”. Assim se inicia o capítulo 11 de Gênesis, que narra a história da torre de Babel. Há, nessa passagem bíblica muito conhecida, três aspectos que merecem destaque:
1) O tema da torre está intimamente relacionado ao tema da cidade, cf. já visto na história de Caim e Abel. Há, portanto, como que a confirmação de que a sociedade urbana é uma das principais causas da opressão em que Israel se encontra, quando do exílio na Babilônia.
2) Babel está intimamente relacionada à Babilônia, a começar pela mesma raiz das duas palavras, bll; a construção da torre dá-se, segundo Gn 11,2, em uma vale na terra de Senaar, ou seja, onde se encontrava a Babilônia;
3) Pela tradição de Israel, a montanha é o lugar por excelência para o encontro com Deus (cf. Ex 3,1; 19,20; Dt 12,2; 1Rs 18,20ss...). Na Babilônia desenvolveu-se a arquitetura para construção de altas torres para o culto religioso, simbolizando as montanhas sagradas. Portanto, não eram montes naturais, mas erguidos por mãos humanas, com “pedras” confeccionadas pelo próprio ser humano, ou seja, o tijolo cozido, como é mencionado em Gn 11,3b.
A partir desses 3 aspectos destacados, podemos compreender o episódio da Torre de Babel como uma espécie de alegoria à dominação sócio-político-cultural-religiosa realizada pelo império babilônico contra outras nações, em particular contra Israel.
“Todo o mundo se servia de uma mesma língua e das mesmas palavras” (Gn 11,1). Esta primeira frase da narração do episódio da Torre é compreendida por muitos exegetas como sinal dessa dominação. A política babilônica retirava da terra dominada sua elite e a enviava para o exílio, obrigando-a a inculturar-se na Babilônia, enfraquecendo, assim, os laços constitutivos de um povo: cultura, língua, religião.
Foi isso exatamente o que aconteceu com Israel no século VI a.C., quando Nabucodonosor reinava na Babilônia e invadiu a Judéia.
Também o episódio da Torre de Babel, embora conste na Bíblia como anterior a Moisés e ao exílio na Babilônia, histórica e teologicamente refere-se ao período desse segundo exílio. Assim, se a montanha foi o local onde Iahweh se revelou a Moisés para dar-se a conhecer à humanidade por iniciativa própria e revelar a libertação do cativeiro no Egito (cf. Ex 3), a “falsa montanha”, ou seja, a torre que Babel construía, não visava o conhecimento de Deus, mas o domínio dos céus (“Vinde! Construamos uma cidade e uma torre cujo ápice penetre nos céus!” – Gn 11,4b-c) e o domínio dos povos (“Façamo-nos um nome e não sejamos dispersos sobre a terra” – Gn 11,4d) .
Portanto, pode-se ver no capítulo 11 do livro do Gênesis uma oposição entre o projeto de Deus apresentado a Moisés e o projeto babilônico. Iahweh dando-se a conhecer na montanha opõe-se à iniciativa humana de chegar aos céus; o projeto de libertação de Iahweh opõe-se à dominação sócio-político-cultural-religiosa babilônica. Essa oposição, que contraria os desígnios do Senhor, está expressa na reação de Iahweh à construção da Torre de Babel: “Ora, Iahweh desceu para ver a cidade e a torre que os homens tinham construído. E Iahweh disse: ‘Eis que todos constituem um só povo e falam uma só língua. Isso é o começo de suas iniciativas! Agora, nenhum desígnio será irrealizável para eles. Vinde! Desçamos! Confundamos a sua linguagem para que não mais se entendam uns aos outros’” (Gn 11,5-7).
Muitos estudiosos, hoje, lêem o atual processo de globalização do mundo à luz dessa passagem bíblica da Torre de Babel, considerando a globalização como contrária à vontade divina. A eliminação das culturas locais em favor de uma única cultura dominante impediria que o anúncio da Boa Nova pudesse se dar de forma plena. Somente na cultura de cada povo a revelação de Deus poderia ser acolhida, compreendida e vivida.
Assim, com o episódio da Torre de Babel (capítulo 11 do Gênesis) encerra-se a série de rompimentos do ser humano – e de suas conseqüências – a partir do que se convencionou chamar de pecado original (Gn 3): com Deus (Adão e Eva), com o próximo (Caim e Abel), com o povo (Babel) e com a natureza (Dilúvio). Nesta série de recusas humanas ao projeto comunitário de Deus, podemos perceber um paralelismo textual: inicia-se e termina com o ser humano procurando auto-divinizar-se; no centro desse paralelismo estão claramente apresentadas as conseqüências dessas atitudes humanas: egoísmo, inveja, ódio, morte. A partir do capítulo 12, com a história de Abraão (a qual iniciou este capítulo), tem início a aliança de Iahweh com a humanidade para resgatá-la da situação de pecado em que se encontra.

4. A pregação profética e a instauração do Reino
Explicando de forma sucinta, o profetismo surge em Israel durante o período da monarquia . Como já visto anteriormente, a experiência do exílio na Babilônia foi uma das mais marcantes em toda a história de Israel e responsável pela revisão de toda a sua história à luz da Aliança com Iahweh. Sob esse prisma, história da monarquia em Israel foi vista como o início da ruína do povo eleito e sinal da rejeição desse povo à Aliança.
Segundo a Bíblia, a monarquia teria surgido por razões externas, por causa das ameaças dos povos inimigos: “(...) teremos um rei e seremos, nós também como as outras nações: o nosso rei nos julgará, irá à nossa frente e fará as nossas guerras” (1Sm 8,19c-20). No entanto, foram principalmente as razões internas que levaram à instalação da monarquia em Israel. Anteriormente à monarquia, vigorava em Israel o sistema tribal. Este sistema tem sua estrutura definida em torno e a partir da figura do homem, do pai. Estar ligado a ele garante a pertença à família e à posse da terra. O sistema tribal, por ser comunitário, trouxe fartura e riqueza às tribos; no entanto, a ocupação de um território mais fértil naturalmente fazia com que uma enriquecesse e se fortalecesse mais que outras, criando tanto os grupos de pobreza como a corrupção. O desenvolvimento de técnicas agrícolas e a utilização do boi na agricultura favoreceram uma maior produção de alimentos e, conseqüentemente, a possibilidade da comercialização do excedente. Tribos como Judá e Efraim, mais próximas das rotas comerciais, beneficiavam-se disso. As terras, vistas como férteis e geradoras de riquezas, precisam ser defendidas contra os inimigos.
Com o passar do tempo, a diferença entre as tribos foi-se acentuando e, com isso, também os conflitos entre elas. Surgem então, como elemento unificador contra o inimigo externo comum, as figuras dos Juízes, cuja função inicial era organizar as tribos na resistência contra os exércitos estrangeiros. Em tempo de guerra, o juiz organizava um exército popular; terminada a guerra, terminava a sua função.
Segundo a Bíblia, após a instalação do povo de Israel na Terra Prometida (Js e Jz 1), após o Êxodo, “O Anjo de Iahweh subiu de Guilgal a Betel e disse: ‘Eu vos fiz subir do Egito e vos trouxe a esta terra que eu tinha prometido por juramento a vossos pais. Eu dissera: Jamais quebrarei minha aliança convosco. Quanto a vós, não fareis aliança com os habitantes desta terra; antes, destruireis os seus altares. No entanto, não escutastes a minha voz. Por que fizestes isso? Por isso eu digo: não expulsarei estes povos de diante de vós. Serão vossos opressores e os seus deuses serão uma cilada para vós’” (Jz 2,1-3).
Mais adiante, o mesmo livro narra: “E os filhos de Israel habitaram no meio dos cananeus, dos heteus, dos amorreus, dos ferezeus, dos heveus e dos jebuseus; desposaram as filhas deles, deram os seus próprios filhos às filhas deles e serviram aos seus deuses” (Jz 3,5). Continuando, no livro dos Juízes consta que “Os filhos de Israel fizeram o que é mau aos olhos de Iahweh. Esqueceram a Iahweh seu Deus para servir aos baals e às aserás. Então a ira de Iahweh se acendeu contra Israel e os entregou nas mãos de Cusã-Rasataim, rei de Edom, e os filhos de Israel serviram a Cusã-Rasataim durante oito anos. Os filhos de Israel clamaram a Iahweh, e Iahweh lhes suscitou um salvador que os libertou, Otoniel, filho de Cenez, irmão caçula de Caleb. O espírito de Iahweh esteve sobre ele, e ele julgou Israel e saiu à guerra. Iahweh entregou nas suas mãos Cusã-Rasataim, rei de Edom, e ele triunfou sobre Cusã-Rasataim” (Jz 3, 7-10). Esta é a construção teológica bíblica para o surgimento do primeiro juiz em Israel, suscitado por Deus, ante uma ameaça externa.
O livro dos Juízes vai contando as histórias dos juízes de Israel. Ao falar de Gedeão, conta que o povo o quis fazer rei e a seus descendentes (cf. Jz 8, 22ss), mas Gedeão não aceitou, porque “é Iahweh quem reinará sobre vós” (Jz 8,23c). Mas o clima para a monarquia parece já estar preparado. Os próximos juízes passam a desempenhar sua função por mais tempo, não apenas lutando contra os povos inimigos, mas mediando os conflitos entre as tribos. Os últimos capítulos do livro dos Juízes e os capítulos que iniciam o livro de Samuel apresentam conflitos entre grupos e tribos, violência contra a mulher (cf. Jz 19-21); a corrupção entre os juízes (cf. 1Sm 2, 12-17); e os problemas externos, como os ataques dos filisteus (cf. 1Sm 4, 1-11) e dos amonitas (cf. 1Sm 11, 1-2). Nesse contexto, na época de Samuel, o povo exige: “(...) teremos um rei e seremos nós também como as outras nações” (1Sm 8,19c). Na verdade, a monarquia é o anseio de grupos privilegiados que, defendendo um poder central, defendem na verdade seus interesses particulares internamente e contra os inimigos externos.
Os livros 1 e 2 de Samuel e 1 e 2 Reis contam a história da monarquia em Israel, tanto no reino do Norte quanto do Sul.
Saul foi o primeiro que reinou sobre Israel (cf. 1Sm 13ss). No entanto, o período monárquico mais importante para a história do povo na Bíblia refere-se aos reinados de Davi ( cf. 2Sm 5ss) e de seu filho Salomão (cf. 1Rs 1,20ss), pois ambos simbolizam um Israel unido, que durou pouco tempo.
O primeiro passo importante de Davi para a consolidação da monarquia deu-se quando conquistou Jerusalém, fazendo dela sua capital, o que garantiu o controle de todo o país, devido à sua posição geográfica central. A tendência à centralização do poder se percebe quando Davi transfere a Arca da Aliança para Jerusalém (cf. 2Sm 6). As Escrituras vão contando como Davi foi perdendo o poder; as intrigas e conflitos internos com seus filhos em constante luta pelo poder (cf. 2Sm 13-19); o surgimento de grupos separatistas rompendo o reino em nome da vida nas tendas (cf. 2Sm 20); a morte de Urias, mostrando a que ponto chega a prepotência de quem julga ter o poder absoluto (cf. 2Sm 11).
O poder enfraquecido em Davi consolida-se em Salomão, através de meios nada edificantes: chantagens, desterros, mortes. O reinado de Salomão tem início marcado pela violência e pela ilegitimidade, visto não ser o primogênito. Já rei, Salomão promove a construção do templo em Jerusalém, ao lado do palácio real, para abrigar a Arca e centralizar todo o culto ali, o que não é visto com bons olhos pelo povo, uma vez que essa centralização tem como conseqüências um distanciamento tanto geográfico quanto cúltico, as mais variadas formas de exclusão, particularmente das mulheres, a manipulação e o controle da religião e da vida religiosa do povo.
Apesar disso, Salomão passou para a história como um rei tão sábio que vinha gente de longe para apreciar sua sabedoria (cf. 1Rs 10). Também ficou conhecido como excelente administrador, organizando o pagamento de tributos e das funções administrativas (cf. 1Rs 4), consolidando a divisão das 12 tribos, de forma que cada uma fosse responsável durante um mês ao ano do sustento do palácio real.
No entanto, a carga tributária e de serviço tanto para sustento do palácio real como para a construção do Templo era tão pesada que, mais tarde o rei Roboão, filho de Salomão, escuta a respeito de seu pai: “Teu pai tornou pesado o nosso jugo” (1Rs 12,4). Devido a esses pesados tributos, que continuaram com Roboão, as tribos do norte romperam com o sul, em 931 a.C., e se organizaram autonomamente.
O capítulo 11 do primeiro livro dos Reis conta, ainda, as “sombras” do reinado de Salomão: seu casamento com centenas de mulheres estrangeiras “pertencentes às nações das quais Iahweh dissera aos filhos de Israel: ‘Vós não entrareis em contato com eles e eles não entrarão em contato convosco: pois, certamente, eles desviarão vossos corações para seus deuses’” (1Rs 11,2). De fato, “quando ficou velho, suas mulheres desviaram seu coração para outros deuses e seu coração não foi mais todo de Iahweh, seu Deus, como o fora o de Davi, seu pai. Salomão prestou culto a Astarte, deusa dos sidônios, e a Melcom, a abominação dos amonitas” (1Rs 11, 4-5). Construiu ainda santuários para os deuses estrangeiros de suas mulheres (cf. 1Rs 11,7-8).
Personagem contraditória, com Salomão o reino experiencia essa mesma contradição: ao mesmo tempo em que está unificado e no auge de seu poder e glória, está com seus dias contados.
O restante do primeiro livro dos Reis e o segundo vão narrar as infidelidades a Iahweh pelos reis tanto do norte (que mantém o nome de Israel) quanto do sul (que passa a ser chamado de Judá), dois reinos enfraquecidos pela divisão e pelos conflitos internos. Resumidamente, o reino do norte é dominado pelos assírios em 722 a.C., quando a capital Samaria é tomada e as lideranças de Israel são deportadas. O reino do sul dura até 586 a.C., quando sofre o exílio na Babilônia.
Os conflitos, as injustiças, as corrupções existiram tanto no sistema tribal quanto na monarquia. No entanto, foi durante a monarquia que o sonho de liberdade se desfez: o povo da Aliança havia perdido sua liberdade e a terra que Iahweh prometera a seu povo através de Moisés. Daí a história da monarquia em Israel ser vista como o início da ruína do povo eleito e sinal da rejeição desse povo à Aliança.
Como foi dito inicialmente, o profetismo surge com toda a força nesse contexto da monarquia, embora alguns já estejam mencionados ainda na época dos Juízes, como é o caso de Samuel, cuja vocação profética está relatada em 1Sm 3,1ss, e que por ordem de Iahweh tanto consagrou Saul como rei (cf. 1Sm 7-10) como também proferiu um oráculo depondo-o do trono (1Sm 13.15).
Tradicionalmente define-se o profeta bíblico como alguém que denuncia as injustiças humanas e sociais e anuncia o Reino de Deus. Estruturalmente, a profecia anunciada possui uma forma típica que a caracteriza como tal: apresenta uma censura moral, a ameaça de punição divina e a afirmação da vontade salvífica de Iahweh em relação a todo Israel.
Desde o princípio da monarquia em Israel, o profetismo esteve presente. Aconteceu com Samuel em relação a Saul; com Gad em relação ao rei Davi, cujas profecias o advertiram (cf. 1Sm 22,5) e o ameaçaram de punição por ter mandado fazer o recenseamento (cf. 2Sm 24, 11-13), e Natã com o mesmo Davi, reprovando-o por adultério e assassinato (cf. 2Sm 12, 1-14); com Aías, que encarrega Jeroboão de rebelar-se contra Salomão e fundar o reino separado de Israel (cf. 1Rs 11, 29-40), mas que ameaça de destruição a casa do mesmo Jeroboão por sua infidelidade a Iahweh (cf. 1Rs 14, 1-19); Miquéias prediz a derrota e a morte de Acab, em oposição às vitórias preditas por outros profetas (cf.1Rs 22); e assim muitos mais, sendo estas citações apenas para exemplificação.
De maneira geral, o que se percebe é que em Israel há uma oposição em desenvolvimento entre profetismo e monarquia, pois os profetas estavam convencidos de que a monarquia era uma instituição ímpia. Quanto maior a opressão, maior a reação por parte da profecia.
Na época do rei Acab, o profeta Elias atua e passa à história como profeta exemplar. Vivendo em tempo de crise, quando a seca assola o país e a fome atinge os pobres, Elias favorece a partilha e faz a opção preferencial pelas viúvas e pelas crianças (cf. 1Rs 17, 1-24). Vendo que o rei Acab está mais preocupado com seus burros e com seus cavalos do que com a fome do povo (cf. 1Rs 18,5), censura-o, assim como aos 450 profetas de Baal que comiam à mesa do rei (cf. 1Rs 18,19). Em relação à rainha, Jezabel, que trouxera de Tiro o deus Baal e os seus 450 profetas para confundir o povo, Elias profere palavras ainda mais duras (cf. 1Rs 21,23).
Eliseu deu prosseguimento à ação de Elias contra a classe opressora e a favor do povo simples, como se observa no milagre da multiplicação do óleo da viúva (cf. 2Rs 4, 1-7), repetindo, de certa forma, o milagre de Elias (cf. 1Rs 17, 7-16) em favor da viúva de Sarepta, mas em contexto diferente: Elias multiplicou o óleo e a farinha para saciar a fome da viúva e de seu filho; Eliseu multiplicou o óleo para garantir a liberdade dos dois filhos da viúva.
É impossível não associar a ação de Eliseu à ação de Jesus. Se com Jesus se instaura o Reino de Deus, com Eliseu a instauração desse Reino está intensamente prefigurada. Presenciamos, com Eliseu a multiplicação dos pães (cf. 2Rs 4, 42-44) e a devolução da saúde ao leproso Naamã (cf. 1Rs 5,1ss), milagres semelhantes aos realizados por Jesus e que sinalizavam a presença do Reino de Deus entre nós.
Vão surgindo mais profetas ao longo da história da monarquia, que, falando a partir de suas próprias experiências, comungam com o sofrimento do povo. É o caso de profetas camponeses como Amós e Miquéias que denunciam a situação campesina; ou de Oséias, que fala da infidelidade do povo a Iahweh a partir de seu casamento dramático; ou de cidadãos urbanos, como Isaías, Sofonias e Jeremias que denunciam a situação dos pobres na capital. Nas palavras desses profetas estão contidas as críticas e as esperanças do povo.
Um dos profetas mais importantes, Isaías atua em Jerusalém. A visão que o profeta tem da cidade é desoladora (cf. Is 1,21-26) e seus governantes são apresentados como insensíveis (cf. Is 10, 1-4). Devido a essa situação, faz-se necessário pensar o futuro em outros termos: daí as crianças apontarem os novos caminhos. No “Livro do Emanuel” (Is 6-12), Isaías anuncia o nascimento de uma criança em cujas mãos estará o destino do país (cf. Is 7, 10-17) e que indica novas luzes para um povo que habita nas trevas (cf. Is 8,23-9,6). Os próprios filhos de Isaías tornam-se sinal de Iahweh (cf. Is 8,18).
Já no fim da monarquia, destaca-se a figura de Jeremias, cuja ação durou décadas, desde a reforma de Josias até depois da destruição de Jerusalém pelos babilônios (586 a.C.). A passagem Jr 22,13-19 sintetiza a razão da oposição: acúmulo de riquezas, luxo, opressão e violências praticadas pelo rei. Em sua profecia, após a destruição de Jerusalém, Jeremias afirma que o exílio não havia sido um incidente, mas deveria ser objeto de reflexão, como de fato se deu com o povo exilado que realizou uma revisão de toda a sua história à luz da Aliança com Iahweh para compreender a razão da situação em que se encontrava, contrária à promessa de Iahweh a seus antepassados.











II. A plena realização do Reino de Deus em Jesus Cristo

Este segundo capítulo trata do Reino de Deus revelando-se plenamente em Jesus Cristo. Já no momento da concepção de Jesus, após o fiat de Maria, a Encarnação justifica-se objetivando o Reino, o comunitário. A pregação de Jesus durante sua vida pública procurou sempre destacar a necessidade de viver-se intensamente a vida comunitária libertadora, desapegando-se das estruturas opressivas e do individualismo. Destacamos de modo especial o aspecto libertador das parábolas de Jesus como elemento de transformação do mundo. A Ressurreição apresenta-se, então, como um evento que realiza plenamente as promessas de Iahweh a seu povo e abre essa promessa a toda a humanidade. Finalmente, a vinda do Espírito Santo coloca os discípulos de Jesus como mensageiros da Boa Nova a toda a humanidade, em todos os lugares da terra.

1. O Magnificat: teologia da encarnação em vista do Reino
A figura de Maria, nas Sagradas Escrituras, embora apareça poucas vezes, reveste-se da mesma importância metonímica de outras personagens bíblicas. O anúncio da encarnação do Filho de Deus feito pelo Anjo não se deve a méritos pessoais de Maria, mas exclusivamente à salvífica vontade e graça do Pai, que, através daquela jovem e simples judia, quis realizar Sua “nova e eterna Aliança” com toda a humanidade.
O fiat de Maria não lhe concede o privilégio de acomodar-se a uma situação que poderia ser considerada humanamente especial de escolhida para ser a mãe do Salvador; ao contrário, à resposta positiva de Maria – “Eu sou a serva do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” (Lc 1,38b) –, o Espírito Santo desceu sobre ela e o poder do Altíssimo a cobriu com sua sombra (cf. Lc 1,35b), e essa ação do Espírito, além de promover a concepção do Verbo, impulsiona a jovem de Nazaré a dirigir-se apressadamente à região montanhosa onde vivia sua velha prima Isabel, então grávida de seis meses, para a servir (cf. Lc 1,39).
O Magnificat, que Maria entoa em casa de Isabel e Zacarias após a recepção pela primeira (cf. Lc 1,41-45), parece expressar a ação do Espírito Santo, que permite à humilde jovem compreender a grandiosidade da obra que o Senhor estava realizando através dela, da mesma maneira como, mais tarde, o Paráclito ensinará e recordará tudo o que Jesus disse aos apóstolos (cf. Jo 14,26).
O canto de Maria anuncia um momento novo na história, pela atuação de Deus, que inverte as relações sociais visando a criação de um novo relacionamento entre a humanidade, apresentando uma mudança de sujeitos na direção da história: com a Encarnação, o orgulhoso, o poderoso e o rico não têm mais a última palavra na história, mas os humildes e os pobres libertos da exploração e da opressão social. Lucas, ao colocar o Magnificat na boca de Maria, torna-a a porta-voz da esperança de todos os excluídos que anseiam por libertação e por vida digna, pois não é vontade de Deus que seus filhos vivam como o pobre Lázaro que “desejava saciar-se do que caía da mesa do rico...” (cf. Lc 16,21a), mas cumular de bens os famintos (cf. Lc 1,53a).
O projeto do Reino de Deus, que Jesus apresentará no início de sua vida pública através das bem-aventuranças (Mt 5, 3-12; Lc 6, 20-23), já se apresenta antecipado no Magnificat , como cumprimento das promessas de Deus: “conforme prometera a nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência para sempre” (Lc 1,55).
Apreende-se das palavras de Maria uma teologia da encarnação do Verbo em vista do Reino de Deus, reino no qual prevalece a justiça divina, oposta à injustiça humana. Daí apresentar uma inversão daquelas estruturas sociais que refletem a injustiça do ser humano em relação a seus semelhantes: “Depôs os poderosos de seus tronos, e a humildes exaltou. Cumulou de bens a famintos e despediu ricos de mãos vazias” (Lc 1,52-53). Portanto, a encarnação de Jesus no seio de Maria é sinal da chegada desse Reino de Deus. E o Reino cantado por Maria é aquele que atende às necessidades humanas fundamentais de todos os membros da sociedade.
Nessa teologia da encarnação ganha destaque o termo “misericórdia”, que aparece duas vezes no Magnificat (Lc 1, 50.54). O “coração” de Deus sofre, se compadece da miséria humana, da injustiça que irmãos impõem sobre irmãos. O Filho de Deus encarnado ensinará à humanidade pecadora a chamar Deus de Pai (Abba) e a reconhecer em cada ser humano, desde o mais pequenino, um irmão que tem o mesmo direito à dignidade da vida. Jesus apresenta o Reino de Deus como uma comunidade de irmãos, filhos todos de um único e mesmo Pai, da qual ninguém deverá excluído.

2. A pregação de Jesus e a instauração do Reino
Segundo a perspectiva judaica, era fundamental cultuar Iahweh no único local onde o contato com Deus era possível, ou seja, no Templo, como também era fundamental observar todas as prescrições da Lei contidas na Torah. Só assim o Senhor manteria sua aliança com seu povo.
Durante sua vida pública, Jesus critica essa perspectiva, mas não rejeita totalmente a validade do Templo e da Torah como símbolos da eleição de Israel, tanto é que subiu ao Templo (cf. Lc 19, 45-48; Jo 2,13; 5,1; 7, 1-14; 10,22ss; 12,12; Mt 21, 12-16; Mc 11, 15-18) e em diversas oportunidades referiu-se à validade da Lei: “Não penseis que vim revogar a Lei e os Profetas. Não vim revoga-los, mas dar-lhes pleno cumprimento, porque em verdade vos digo que, até que passem o céu e a terra, não será omitido nem um só i, uma só vírgula da Lei, sem que tudo seja realizado” (Mt 5,17-18). O que Jesus faz é apresentar uma perspectiva inovadora que coloca o próprio povo como lugar do poder e da presença de Deus (cf. Mt 5, 13-16; Lc 17,20-21). Na defesa dessa nova perspectiva, Jesus articula a tradição veterotestamentária e a esperança escatológica, pregando um Deus criador de todos, mesmo dos aleijados, dos impuros e dos pecadores. Assim, o Reino de Deus apresentado por Jesus implica na inclusão de todos, excluindo-se apenas os que não aceitam essa inclusão universal.
Apesar dessa inclusão universal, a pregação de Jesus prioriza o Reino para três grupos principais: os pobres (cf. Mc 10,25; Lc 1,52ss;...); os doentes e aleijados, considerados “impuros” (cf. Mc 5,25-34; Lc 13,10-17;...); e os pecadores públicos e as prostitutas (cf. Mt 11,19; Lc 7,34;...). Essa prioridade faz-se presente nas curas (cf. Mc 1,40-42; Lc 7,1-10;...) e nos exorcismos (cf. Mt 9,32-34;...), nas parábolas que incluem os perdidos (cf. Lc 15, 1-32;...) e os não convidados (cf. Mt 22,8-10;...), na refeição com os pecadores (cf. Mt 9, 10-13; Lc 19,1-10;...), ou seja, no acolhimento por Deus de todos aqueles que estavam excluídos do “povo santo”, segundo a perspectiva legalista judaica.
Outra grande novidade apresentada por Jesus foi o rompimento de uma mentalidade que via Deus como vingativo e que subjugava as nações inimigas de Israel. Jesus apresenta Deus como Pai de todos os povos; portanto, o povo não pode ter a mentalidade de violência e vingança, de domínio e de subjugo, conforme a lei deuteronomista (“Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé” – Dt 19,21b) –, mas de amor aos inimigos (“Eu, porém, vos digo a vós que me escutais: Amai os vossos inimigos, fazei o bem aos que vos odeiam, bendizei os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos difamam” – Lc 6,27-28), pois só assim “sereis filhos do Altíssimo, pois ele é bom para com os ingratos e com os maus” (Lc 6,35d).
Com Jesus, o Reino de Deus já acontece no tempo presente, enquanto que para João Batista acontecerá num tempo futuro próximo; daí resultarem dois estilos de vida bem diferente entre ambos: enquanto João é um asceta apocalíptico, Jesus é visto como um glutão e beberrão, amigo de publicanos e pecadores (cf. Lc 7,34, Mt 11,19). Até os discípulos de João Batista procuram Jesus para saber a razão de seus discípulos não jejuarem, enquanto eles e os fariseus o faziam (cf. Mt 9,14; Mc 2,18; Lc 5,33). Ao que Jesus responde: “Por acaso podem os amigos do noivo estar de luto enquanto o noivo está com eles? Dias virão, quando o noivo lhes será tirado; então, sim, jejuarão” (Mt 9,15b). De fato, posteriormente, a comunidade cristã reintroduz a prática de jejuar, justificando-a com referência à ausência de Jesus.
A prática que caracteriza Jesus é a participação na festa de casamento: sua simbólica central é a do banquete festivo. A partilha do alimento ao redor da mesa era uma simbologia importante para muitos movimentos judaicos (p.ex.: os essênios, os fariseus,...), mas Jesus a despe de elementos de pureza ritual (cf. Mt 15, 1-20) e de santidade moral (cf. Mc 2, 15-17). Com isso, a partilha do alimento reveste-se do significado inclusivo e igualitário do Reino instaurado por Jesus, que se plenifica com a instituição da Eucaristia (cf. Mt 26, 26-29; Mc 14, 22-25; Lc 22; 19-20; 1Cor 11, 23-25). Podemos perceber na instituição da Eucaristia esse aspecto inclusivo e igualitário na expressão “... entregue por vós e por todos...”, compreendendo-se o “vós” como aqueles que aderiram à fé e o “todos” como aqueles que, embora estejam fora da mediação salvífica de Cristo, não estão excluídos do processo universal de salvação .
Um dos aspectos mais interessantes da pregação de Jesus – perceptível sobretudo nas parábolas – é sua capacidade de desmontar o “esquema mental simbólico ” da sociedade judaica, na qual viveu, apresentando outro em seu lugar.
As parábolas de Jesus, por exemplo, são a expressão do seu mundo simbólico, pondo em prática toda a sua força na criação de uma nova forma de pensar e de agir para, a partir de então, destruir o “inimigo”, ou seja, tudo o que impede que o Reino de Deus aconteça entre nós.
Jesus trabalhou seu povo a partir do esquema mental simbólico desse povo. Desnuda-o de tal maneira nas parábolas, que deixa clara suas contradições, sua inconsistência, sua injustiça, sua necessidade de mudança. Ele sabia que não se muda uma sociedade com símbolos importados, porque estes não apelam para a consciência profunda do povo, e sim a partir da cultura de cada povo. Atacar uma sociedade sem tocar ou questionar seus esquema simbólico não produz nenhuma real mudança. O esquema mental simbólico não faz apenas pensar de determinada maneira, mas agir de acordo com o modo de pensar.
É através do esquema mental simbólico pessoal e social que cultura e fé se relacionam. Assim, se uma instituição religiosa quer ser realmente libertadora, deve incorporar a cultura de cada grupo humano – seu mundo simbólico – a todas as formas de aproximação de Deus.
Portanto, em relação às parábolas de Jesus, elemento fundamental de sua pregação do Reino, estas devem ser lidas levando-se em conta o fundo histórico-cultural subjacente a cada parábola ou grupo de parábolas, pois é este fundo que alimenta a estrutura simbólica que Jesus quer mudar ou melhorar. No tempo de Jesus, o fundo cultural-sócio-religioso mais grave é o legalismo, com todas as conseqüências de alienação e opressão social e espiritual que traz consigo. As parábolas sempre apresentam uma alternativa para aquelas situações desesperadoras ou aparentemente sem saída; nesse sentido, são expressão de libertação, uma vez que são sempre boa nova para os pobres e oprimidos, oferecendo não só uma saída libertadora, mas também uma análise profunda das causas de sua situação.
O auge do processo da parábola é o choque simbólico, no qual a mentalidade opressora, já assimilada pelo grupo social, é confrontada com a proposta de Jesus e, neste ponto, o esquema da sociedade é questionado: neste momento, fica aberto o caminho da libertação, o caminho da conversão, o caminho do Reino. A parábola do bom samaritano (Lc 10, 29-37), por exemplo, apresenta um homem sem vínculos legais que, por isso, tem maior liberdade para demonstrar concretamente o que é solidariedade. Assim, o esquema mental simbólico legalista é confrontado pela liberdade sadia que abre a possibilidade de maior compromisso solidário. A parábola visa a libertação das leis desumanizantes da época de Jesus que, mesmo diante das urgências de solidariedade, colocavam o legalismo acima da necessidade humana.
Com sua vida e com sua pregação, com sua morte e ressurreição, Jesus Cristo reconcilia a humanidade com Deus Pai e Criador, restabelecendo as relações rompidas pelo pecado, conforme destacamos na terceira parte do primeiro capítulo deste trabalho. Paulo nos ensina que “Se pela falta de um só [Adão] todos morreram, com quanto maior profusão a graça de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre todos.(...) como pela desobediência de um só homem todos se tornaram pecadores, assim, pela obediência de um só, todos se tornarão justos” (Rm 5, 15b.19). E, mais adiante, “a criação em expectativa anseia pela revelação dos filhos de Deus. De fato, a criação foi submetida à vaidade – não por seu querer, mas por vontade daquele que a submeteu – na esperança de ela também ser libertada da escravidão da corrupção para entrar na liberdade da glória dos filhos de Deus. Pois sabemos que a criação inteira geme e sofre as dores de parto até o presente” (Rm 8, 20-22).

3. Páscoa: o Reino definitivo é comunitário
A leitura do Novo Testamento nos mostra que existe uma diferença muito grande entre os relatos da Ressurreição de Jesus, o que não acontece tão acentuadamente com os relatos da Paixão.
Nas histórias da Paixão de Jesus Cristo existe um quadro fixo de tradição comum: entrada em Jerusalém (cf. Mt 21,1-11; Mc 11, 1-11; Lc 19, 28-38; Jo 12, 12-15), última ceia (cf. Mt 26, 20-35; Mc 14, 17-31; Lc 22, 14-38; Jo 13,1-17,26), Getsêmani (Mt 26, 36-46; Mc 14, 32-42; Lc 22, 39-46; Jo 18,1), prisão (Mt 26, 47-56; Mc 14, 43-52; Lc 22, 47-53; Jo 18, 214), Sinédrio (Mt 26, 57-68; Mc 14, 53-65; Lc 22, 66-71), negação de Pedro (Mt 26, 69-75; Mc 14, 66-72; Lc 22, 54-62; Jo 18, 15-27), Barrabás (Mt 27, 15-26; Mc 15, 6-15; Lc 23, 17-25; Jo 18, 39-40), Pilatos (Mt 27, 11-26; Mc 15, 1-15; Lc 23, 1-7.13-25; Jo 18,28-19,16), cruz (cf. Mt 27, 32-56; Mc 15, 23-41; Lc 23, 33-49; Jo 19, 16b-37), sepultamento (cf. 27, 57-61; Mc 15, 42-47; Lc 23, 50-56; Jo, 19- 38-42).
Já com as narrativas pascais, podemos afirmar que, em comum entre elas, há apenas o fato de apresentarem a seqüência túmulo vazio – aparições. Nos detalhes, as narrativas da Ressurreição de Jesus são divergentes quanto ao lugar (cf. Mt 28,16ss; Mc 16,7.9ss; Lc 24, 13-50; Jo 20,11-21,1; At 1,4), ao tempo (em Lc, as aparições concentram-se no dia da Páscoa, em Jo, estendem-se pó cerca de uma semana, e em At, por 40 dias), às testemunhas e às circunstâncias. Essa diversidade funda-se nos próprios acontecimentos narrados: a Paixão deu-se em Jerusalém, em poucos dias; já as cristofanias (aparições do Ressuscitado) estenderam-se por um longo tempo e só mais tarde a tradição restringiu-as a apenas 40 dias (cf. At 1,3).
Essas diferenças na apresentação dos relatos pascais são, na verdade, riquezas que temos em mãos para compreender a experiência pascal das primeiras comunidades. As diferentes tradições pascais são, portanto, elaborações, interpretações das comunidades para responder a seus problemas particulares à luz da fé na ressurreição de Jesus. Por ser um evento único e novo, naturalmente a ressurreição de Jesus gerou diversas interpretações e compreensões, dúvidas e certezas, que se refletem nos relatos pascais.
Talvez uma das maiores dúvidas das comunidades era a respeito de quem era o Ressuscitado. Os relatos das aparições de Jesus tornam-se, ante as dúvidas das comunidades, a revelação de que Jesus está vivo, não se tratando de visões ou de sonhos. Por isso são tão importantes passagens, nos dois Evangelhos mais tardios, como a da aparição aos apóstolos, em que Jesus mostra-lhes as mãos e os pés e pede-lhes que o apalpe (cf. Lc 24, 38-40); aquela em que lhes pede algo para comer (cf. Lc 24, 41-42); a da dúvida de Tomé (que representa a dúvida da comunidade), que cessa com Jesus mostrando-lhe as feridas nas mãos e no lado, também pedindo a ele que o tocasse (cf. Jo 20, 24-28). Em outras palavras, tais relatos querem testemunhar aos que ainda duvidam: o Cristo glorioso que a nossa fé professa é aquele mesmo Jesus histórico que foi crucificado em Jerusalém.
Porém, o aspecto mais importante da Ressurreição é que se trata não de uma ressurreição individual e única, mas da garantia da ressurreição para todo o gênero humano no Reino definitivo e comunitário. A passagem mais significativa (e “bela”, embora este seja um termo subjetivo e, portanto, nada científico ou técnico) desse aspecto encontra-se nos textos paulinos: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15,20b). Para apreender-se toda a profundidade e riqueza dessa frase, faz-se necessário compreender o significado do termo “primícias”, pouco usual em nossa sociedade atual urbana. Para o povo judeu (e outros povos antigos também, mas a nós interessa particularmente a cultura presente nas Sagradas Escrituras), as primícias eram os primeiros frutos colhidos, para serem ofertados a Deus; só após a oferta das primícias se realizava a colheita. Assim, se após as primícias segue-se a colheita, podemos afirmar que, sendo Jesus as primícias dos que morreram, à sua ressurreição segue-se a nossa própria ressurreição .
Mas esse Reino definitivo e comunitário não se dá apenas na transcendência, mas já a partir do aqui e do agora, embora ainda não plenamente. No mandato de Jesus a seus apóstolos, antes de sua ascensão aos céus, encontramos os aspectos desse Reino em nossa realidade histórica: “Ide, portanto, e fazei que todas as nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo e ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28, 19-20a). É, pois, um Reino missionário (“Ide”), universal (“todas as nações”), seguidor de Jesus (“se tornem discípulos (...) a observar tudo quanto vos ordenei”), sacramental (“batizando-as”), trinitário (“em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo”) e catequético (“ensinando-as”).

4. O Espírito é doado para levar à consumação comunitária do Reino
Durante a última ceia de Jesus com seus discípulos, narrada por João, o Senhor disse a eles: “é de vosso interesse que eu parta, pois, se eu não for, o Paráclito não virá a vós. Mas se eu for, enviá-lo-ei a vós. (...) Quando vier o Espírito da Verdade, ele vos conduzirá à verdade plena, pois não falará de si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas futuras” (Jo 16, 7b-c.13).
Essa promessa de Jesus, segundo as Sagradas Escrituras e a Tradição mais aceita deu-se no dia de Pentecostes. No entanto, o Espírito Santo teve uma presença marcante em toda a vida de Jesus, como a terá também nas comunidades que seguem o Cristo. O Espírito está junto de Jesus, inspirando-o sempre (cf. Lc 3,22; 4,1-14), e o levando para junto dos pobres, dos doentes, dos excluídos, dos injustiçados, dos pecadores. É o Espírito que o unge, para que Jesus realize sua missão de levar a Boa Nova a essas pessoas, conforme afirma o próprio Jesus, no início de sua vida pública, ao citar a passagem do profeta Isaías na sinagoga de Nazaré: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para evangelizar os pobres; enviou-me para proclamar a remissão aos presos e aos cegos a recuperação da vista, para restituir a liberdade aos oprimidos e para proclamar um ano de graça do Senhor” (Lc 4,18-19), e afirmar em seguida: ”Hoje se cumpriu aos vossos ouvidos essa passagem da Escritura” (Lc 4,21b).
Essa missão de Jesus é passada, no dia de Pentecostes, à comunidade, representada inicialmente pelos discípulos de Jesus (cf. At 1, 13-14). Cabe a ela, agora, levar o Reino à sua consumação comunitária. Assim como o Espírito agira em Jesus, ele se faz presente no início da pregação do Evangelho nessa primeira e minúscula comunidade reunida em Jerusalém, na “sala superior, onde costumavam ficar” (Lc 1,13a). A comunidade não fica fechada em si, mas, ao contrário, se abre a gente de toda parte (cf. At 2, 5-11; 10, 44-48). O Espírito vai dirigindo os discípulos e apontando os novos caminhos que a Palavra vai agora trilhar, fora do restrito mundo judeu: Filipe vai anunciar a Boa Nova na Samaria (cf. At 8,5ss); a Palavra será levada à África pelo eunuco batizado por Filipe (cf. At 8,26ss); Pedro evangeliza pagãos (cf. At 10, 19ss).
Os próprios elementos da narrativa de Pentecostes nos Atos dos Apóstolos (At 2, 1ss) expressam a passagem de uma comunidade fechada para uma comunidade aberta. Pentecostes pode ser visto como um divisor de águas na consumação comunitária do Reino. Em relação ao aspecto temporal, passa-se de um período que está-se acabando (“Tendo-se completado os dias” – v.1) para um novo começo e um novo tempo que se abre ao futuro (“e começaram” – v. 4); espacialmente, deixam o espaço fechado para um espaço aberto; de uma atitude passiva (“estavam todos” – v. 1) passa-se a uma atitude ativa (“Pedro, então, de pé” – v.14); de um pequeno grupo reunido (cf. v. 1), passa-se ao anúncio a pessoas de todas as nações e que se achavam em Jerusalém (cf. v. 5.9-11).
Muitos exegetas vêem a narrativa de Pentecostes como uma anti-Babel . Aqui, ao contrário do que acontece em Gn 11, são nomeados os povos mais diversos; com isso, podemos compreender tanto a universalidade da mensagem evangélica como também essa evangelização não suprimindo as culturas, e sim se realizando por meio delas: “(...) cada qual ouvia falar em seu próprio idioma” (At 2,6b); “como é que os ouvimos falar, cada um de nós, no próprio idioma em que nascemos?” (At 2,8). Esses exegetas compreendem, assim, que a comunidade iniciada no dia de Pentecostes deve ser um lugar de diálogo, de encontro, de comunicação e não de opressão sócio-cultural-político-religioso. O Espírito parece indicar que a comunidade agora presidida e guiada por ele, segundo a promessa de Jesus, deve ser um lugar de comunhão, de unidade (na diversidade das culturas), de acolhimento de todos os povos.
A leitura dos Atos dos Apóstolos nos mostra que é o Espírito Santo que capacita a abertura dos seguidores de Jesus aos novos desafios, possibilitando, ainda, o testemunho corajoso e ousado de Jesus Cristo, como o é o discurso de Pedro, logo após o Pentecostes (cf. At 2,14ss), a pessoas de todos os lugares que ali se encontravam (cf. At 2, 5-11), mas que deve ser levado até os confins do mundo (cf. At 1,8).
O testemunho de Jesus Cristo por seus discípulos é, como missão, levado a todos, sem exclusão de ninguém, mas a conversão exige uma vivência comunitária da fé, que se inicia com o batismo: “Aqueles, pois, que acolheram a sua palavra, fizeram-se batizar. E acrescentaram-se a eles, naquele dia, cerca de três mil pessoas” (At 2,41). E essa vivência comunitária gira em torno de 4 principais elementos, que podemos dizer serem os principais elementos da comunidade ideal: o ensinamento dos apóstolos a respeito de Jesus, a comunhão fraterna, a fração do pão e a oração comum (cf. At 2,42).
Interessante notar nos relatos finais dos Evangelhos e nos Atos dos Apóstolos que, inicialmente, ninguém planejou a Igreja. Os Evangelhos mostram a desilusão dos discípulos após a morte de Jesus, pois o que acontecera com o Mestre não era o que esperavam. Mesmo após a Ressurreição, havia medo e apreensão entre eles. No entanto, em Pentecostes “nasce a Igreja”, não como obra humana, mas como obra de Deus. O Espírito sopra uma nova vida, que lhes dissipa o medo e a apreensão. E essa nova vida inspirada pelo Espírito conduz à vida comunitária , onde se pratica o amor a Deus, aos irmãos e ao mundo.
O mesmo livro dos Atos e as várias cartas paulinas nos mostram que os membros das comunidades eram muito diversos, mas tinham em comum o fato de terem suas vidas modificadas pelo Espírito Santo. Portanto, o mesmo Espírito Santo, que a todos inspirava, era o que unia a comunidade e a consuma.



III. A Igreja-comunidade: Sacramento do Reino de Deus

Este último capítulo procura apresentar a vivência do Reino de Deus na terra, no aqui e no agora da existência humana a partir da Igreja. Narra as primeiras experiências comunitárias cristãs e a novidade que isso representou. A breve reflexão sobre os dogmas procura demonstrar que sua existência deve-se, sobretudo, à necessidade de haver uma fidelidade à revelação de Deus nas Sagradas Escrituras, a fim de que a comunidade não incorra em erros doutrinais e, com isso, se divida. Na parte sobre os Sacramentos, tratados também de forma sucinta, procura-se destacar sua importância como elementos unidade da comunidade cristã e de sua relação com Cristo. Por fim, a última parte vai procurar demonstrar que a salvação é um dom de Deus comunitário e não individual.

1. “Mas tudo eles tinham em comum”: origem e natureza da Igreja
Uma das passagens mais significativas do Novo Testamento é a descrição, no livro dos Atos dos Apóstolos, da primeira comunidade cristã, que ocorre em duas passagens:
• “Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão fraterna, à fração do pão e às orações. Apossava-se de todos o temor, pois numerosos eram os prodígios e sinais que se realizavam por meio dos apóstolos. Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades de cada um. Dia a dia, unânimes, mostravam-se assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo. E o Senhor acrescentava cada dia ao seu número os que seriam salvos” (At 2, 42-47);
• “A multidão dos que haviam crido era um só coração e uma só alma. Ninguém considerava exclusivamente seu o que possuía, mas tudo entre eles era comum. Com grande poder os apóstolos davam testemunho da ressurreição do Senhor, e todos tinham grande aceitação. Não havia entre eles necessitado algum. De fato, os que possuíam terrenos ou casas, vendendo-os, traziam os valores das vendas e os depunham aos pés dos apóstolos. Distribuía-se então, a cada um, segundo a sua necessidade” (At 4,32-35).

A descrição dessa primeira comunidade cristã apresenta a experiência cristã sendo vivida comunitariamente, rompendo com as estruturas sociais excludentes e discriminatórias então em vigor. A universalidade da pregação evangélica dos apóstolos já foi vista na última parte do capítulo anterior, ao citarmos algumas passagens dos Atos.
Algo que chama a atenção de todos os historiadores é a espantosa rapidez com que a “Igreja” cresceu: em cerca de vinte anos, de umas poucas pessoas na Palestina, ela se espalhou pelo mundo romano. Mas é preciso lembrar (e isso torna ainda mais admirável esse rápido crescimento) que não existia Igreja como organização. Muitos dos convertidos eram judeus ou gentios convertidos ao judaísmo, que tomavam parte do culto judeu nas sinagogas locais ou mesmo no Templo e que se encontravam com aqueles que acreditavam em Jesus. Mas logo uma organização faz-se necessária, devido ao crescente número de cristãos (cf. At 6,1ss).
Inicialmente, as comunidades eram estruturadas na pluralidade de carismas (cf. 2Cor 12). A Igreja vai-se configurando a partir dos ministérios que se vão criando de acordo com a necessidade das comunidades. No capítulo 6 dos Atos dos Apóstolos, temos, por exemplo, o surgimento do acólito para atender às viúvas helenistas, que se sentiam esquecidas na distribuição diária, uma vez que, devido ao crescente número de discípulos, os apóstolos não tinham condições de atender a todos e não julgavam conveniente abandonar a pregação da Palavra de Deus (cf. At 6, 1-2). E as necessidades das comunidades vão determinando a criação de novos ministérios. Assim, inicia-se a passagem de uma comunidade estruturada na pluralidade de carismas para a concentração de funções nos cargos que presidem a comunidade, tendência que se confirma nos século II e III.
Mas é importante ressaltar que, na Igreja primitiva, há um elemento em comum entre todos os ministérios, que é o seu caráter diaconal, ou seja, todos os ministérios são serviços às igrejas/comunidades e não dignidades pessoais. Assim, os ministérios não são importantes em si mesmos, mas importante é a comunidade; os ministérios, como já dito anteriormente surgem em função do crescimento da Igreja.
Ainda em relação à rápida difusão do cristianismo, esse êxito deve-se ao fato de o cristianismo oferecer elementos de solidariedade e integração social a muitas pessoas que vivem na periferia das cidades do Império Romano. Há o que podemos chamar de “eclesiologia da fraternidade” (cf. 1Pd 2,17). As primeiras comunidades tinham uma consciência profunda e, conseqüentemente, uma forte convicção de que Deus é nosso Pai e de que todos os cristãos e as cristãs são, de fato, irmãos e irmãs. Essa convicção passava, naturalmente, à prática na tomada de decisões que interessavam a essas comunidades primitivas.
A imagem da Igreja como “Corpo de Cristo”, que encontramos nas cartas paulinas expressam bem essa eclesiologia da fraternidade:
“Pois assim como num só corpo temos muitos membros e os membros não têm todos a mesma função, de modo análogo, nós somos muitos e formamos um só corpo em Cristo, sendo membros dos outros. Tendo, porém, dons diferentes, segundo a graça que nos foi dada, quem tem o Dom da profecia, que o exerça segundo a proporção da nossa fé; quem tem o dom do serviço, o exerça servindo; quem tem o dom do ensino, ensinando; quem o da exortação, exortando. Aquele que distribui seus bens, que o faça com simplicidade; aquele que preside, com diligência; aquele que exerce misericórdia, com alegria” (Rm 12, 4-8).
Essa imagem paulina mostra a possibilidade real que todos os membros da comunidade, não apesar mas a partir de seus carismas e diversidades, têm de receber cargos e de ter influência na vida de todo o corpo (cf. Rm 12,6). Considerando-se uma comunidade fraterna, na Igreja primitiva todos estão sujeitos ao mesmo Senhor e entre si obrigados a um serviço aos outros irmãos.
Outra imagem paulina, que completa a do Corpo de Cristo, diz respeito à Igreja como templo do Espírito Santo; só na Comunidade o Espírito age, promovendo a unidade e essa fraternidade na diversidade dos carismas:
“Há um só Corpo e um só Espírito, assim como é uma só esperança da vocação com que fostes chamados; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; há um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por meio de todos e em todos. Mas a cada um de nós foi dada a graça pela medida do Dom de Cristo” (Ef 4, 4-7).
Vemos assim que os elementos da unidade não são meramente estruturais ou ministeriais, mas “espirituais”, ou seja, o mesmo Senhor, a mesma fé, o mesmo batismo, o mesmo Deus e Pai. A ação pneumatológica na Igreja promove uma eclesiologia da comunhão na pluralidade, que pertence à essência mesma da Igreja.
No Novo Testamento, o termo mais importante e mais freqüente para falar do “povo de Deus reunido” é “ekklesia”, termo esse que tem suas origens no Antigo Testamento e que revela em si mesmo o aspecto comunitário da Igreja nascente. Outros termos, como “santos”, “chamados”, “Corpo de Cristo” e outros tantos mais também evidenciam uma dimensão sócio-comunitária.
Nos escritos de Paulo, a dimensão eclesial da fé é acentuada. A Igreja do Novo Testamento, para ele, não está mais fundamentada na descendência e na herança de Abraão, mas no cumprimento das promessas feitas a Abraão e na fé em Jesus Cristo. Suas cartas têm, em geral, destinatários comunitários e tratam de questões comunitárias.
Para a Igreja apostólica, era impensável um cristianismo individualista, independente da comunidade. O seguimento de Cristo só podia ser pensado no seio da comunidade dos fiéis unidos ao Senhor, para não se correr o risco de acontecerem deformações individualistas de Deus. O teólogo Álvaro Barreiro, na obra “Povo Santo e Pecador”, afirma que “sempre que o homem busca Deus isoladamente e o adora isoladamente, como se fosse uma propriedade privada, acaba encontrando e adorando um deus feito à sua medida, à sua imagem e semelhança; ou seja, um ídolo feito pelas mãos dos homens. Ora, os ídolos são impotentes para libertar e salvar. De uma ou de outra maneira acabam escravizando e devorando seus adoradores” . De certa forma, é o que aconteceu com Simão, o mago, que quer comprar o dom do Espírito para atender às suas vaidades pessoais (cf. At 8, 9-24).

2. A história dos dogmas: a Igreja busca a fidelidade à Palavra e garante o Reino como dom comunitário
A encarnação de Jesus e a experiência do Espírito Santo em Pentecostes trouxeram consigo uma séria questão teológica em relação à crença judaica no Deus Único: Jesus também é Deus? O Espírito Santo também é Deus? Se os dois também o são, então o Deus Único não existe e sim três Deuses?
O Antigo Testamento afirma que Iahweh é o Deus uno e único (cf. Dt 6,4).
Lembramos que, na história de Israel, Deus vai-se revelando como Pai de seu povo eleito. Ao contrário de outras religiões que também designavam Deus como Pai, no judaísmo a paternidade divina e a filiação de Israel são compreendidas como experiência concreta de um ato salvífico operado na história e não dentro de uma motivação mitológica. A escolha de Israel feita por Deus supõe que Ele seja o Senhor de toda a realidade, o Pai que criou todas as coisas, o Fundamento de tudo. Assim, a escolha de Israel e a idéia de aliança entre Iahweh e seu povo remete-nos à idéia da criação.
No Novo Testamento, a palavra Pai deixa de ser uma qualidade de Deus e passa a designar o próprio Deus. Essa nova compreensão parte da relação de Deus com seu Filho, Jesus Cristo, expressando a realidade de Deus em sua verdade íntima. A locução “Abba-Pai” exprime o modo como Jesus viveu o seu relacionamento com Deus, operando uma revolução nas idéias sobre Iahweh, uma vez que parece, em sua simplicidade, desproporcional à grandeza do que nele se revelava.
Na revelação neotestamentária, Jesus Cristo, enquanto Filho de Deus, pertence à essência divina eterna: “Se me conheceis, também conhecereis a meu Pai, Desde agora o conheceis e o vistes. (...) Quem me vê, vê o Pai. (...) estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo 14, 7a.9c.10b). Após a Páscoa, a participação de Jesus no poder de Deus será explicitada como obra do Espírito Santo.
Embora não houvesse ainda uma teologia trinitária elaborada, a revelação da Trindade parece estar, desde a origem da Igreja, professada como fé. Isso se verifica, por exemplo, nos escritos paulinos: “A Graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo estejam com todos vós!” (2Cor 13,13). A Igreja pós-apostólica tinha uma clara consciência da estrutura trinitária na qual a realidade cristã da salvação se articula (cf. Primeira Carta de Clemente, escritos de Inácio de Antioquia e de Atenágoras).
Mas foi na práxis vivida da Igreja, sobretudo o Batismo (cf. Didaqué e Justino) e a Eucaristia, que a confissão trinitária mostrou sua inteira validade. Com o tempo, a regra da fé se transformou no que conhecemos como Símbolos da fé.
Ainda na Igreja pós-apostólica, encontramos uma estrutura trinitária nas eplicleses, na conclusão das orações e nas doxologias: a Igreja se dirige sempre ao Pai pelo Filho no Espírito Santo.
Quando surge a primeira doutrina trinitária, esta não é fruto de especulação, mas de uma liturgia e de uma doxologia aprofundada (cf. Basílio em Sobre o Espírito Santo). Os primeiros passos para essa doutrina foram dados quando a fé cristã se confrontou com a gnose e com a doutrina helenista e, mais tarde, no âmbito eclesiástico, com o debate levantado por Ário. As principais heresias foram:
• Monarquismo dinâmico: Jesus seria um homem sobre o qual baixou o Espírito Santo por ocasião do Batismo (cf. Cerinto, ebionistas, Teodoro de Bizâncio, Paulo Samósata);
• Monarquismo modalista: Pai, Filho e Espírito Santo são três modos de manifestação da mesma pessoa – Deus agiria como Pai na criação, como Filho na redenção e como Espírito Santo na Igreja (cf. Noeto, Práxeas, Sabélio);
• Subordinacionismo: Jesus foi um ser perfeitíssimo, cheio do Espírito, mas permanece subordinado ao Pai, que o criou e adotou ( cf. Ário);
• Triteísmo: afirma a distinção não só de pessoas, mas também da divindade, resultando na afirmação da existência de três deuses.
Ante tais heresias, a doutrina trinitária foi sendo elaborada, como já dito anteriormente. A fim de evitar que se incorresse em erros doutrinários infiéis à Palavra de Deus e que pudessem promover divisões dentro da comunidade de fiéis, a Igreja foi, ao longo de sua história, estabelecendo uma série de dogmas .

3. Os Sacramentos fazem a Igreja ser sacramento do Reino
Os Sacramentos são como que “momentos” privilegiados do encontro entre Deus e o ser humano; porém o encontro entre ambos não pode ser reduzido apenas a estes momentos.
Embora Santo Agostinho tenha enumerado 304 “sinais sagrados”, a partir do século XII começou-se a destacar 7 gestos primordiais como sacramentos, culminando com o Concílio de Trento, em 1547, definindo solenemente “que os sacramentos da nova Lei são sete, nem mais, nem menos(...)”. Naturalmente, o número 7 carrega toda uma simbologia em si: é o número da totalidade, da plenitude acabada e perfeita; significa a universalidade. O número 7 é, ainda, formado por dois outros números perfeitos: o 3 – símbolo do absoluto (da Santíssima Trindade), da transcendência – e o 4 – que representa o cosmos, o mundo, o imanente com seus 4 elementos (terra, água, fogo e ar). O número 7 significa, assim, a união do imanente com o transcendente, o encontro entre Deus e o ser humano.
É importante destacar que a eficácia dos sacramentos cristãos se dá de forma concreta, ou seja, pela incorporação da pessoa crente à comunidade. Em outras palavras, a eficácia dos sacramentos não se realiza apenas no plano interior e invisível, ou simplesmente atribuída a um rito juridicamente válido, mas tem uma clara projeção comunitária.
Devido a este aspecto comunitário, precisamos ter em mente que os sacramentos não são ritos individuais, mas ritos da Igreja.
Estabelecendo uma linha de raciocínio, vamos lembrar da Ressurreição de Jesus, que constituiu o primeiro e fundamental anúncio feito pelos primeiros cristãos. A Igreja surge a partir do anúncio desse querigma, ou seja, houve quem tomasse conhecimento desse evento único na história da salvação como testemunhas, quem aceitasse esse testemunho (comunidade de fé) e quem o transmitisse às gerações futuras. Portanto, só na intercomunhão solidária é possível fazer a memória de Jesus, caso contrário esse evento se perderia na história.
Por meio da intercomunhão solidária, a comunidade unida – a Igreja – participa do Mistério de Cristo, como Corpo do Senhor Ressuscitado. Através dos sacramentos, a Igreja media a participação do crente no Corpo de Cristo .
Resumidamente, apresentamos esse processo de mediação.
• O Batismo e a Confirmação introduzem o crente na Igreja e o incorpora a Cristo;
• A Penitência, reconciliando o crente com a Igreja, o reconcilia com Deus em Cristo;
• A Ordem, dando função na Igreja, assimila o ministro ordenado a Cristo Cabeça;
• A Unção dos Enfermos, fazendo o cristão enfermo afastado da Igreja unir-se novamente a ela, reconforta-o em Cristo;
• O Matrimônio, constituindo homem e mulher em Igreja “doméstica”, assimila-os ao mistério da aliança de Deus com a humanidade em Cristo;
• A Eucaristia, tornando visível o que é ser Igreja, dá a vida em Cristo e une os fiéis ao Cristo vivo e ressuscitado.
Percebe-se, portanto, que os sacramentos cristãos se destinam aos que aderiram visivelmente a Cristo e vivem assim a sua fé, assumindo o seguimento de Jesus na comunidade cristã; e existem porque essa vida de fé comporta experiências tão profundas e decisivas para a salvação do ser humano, que não podem ser expressos e comunicar-se a não ser por meio de símbolos. Devemos ter sempre em mente que o querigma cristão (morte-ressurreição de Cristo) é o único sagrado de nossa história e que qualquer outro tipo de mediação (como é o caso dos sacramentos da Igreja) só tem sentido cristão na medida em que aponta para o único mediador, porque é por Ele que temos acesso ao Pai (“o véu do Santuário se rasgou em duas partes, de cima a baixo” – Mt 27,51; Mc 15,38). As necessidades de outras mediações são, portanto, necessidades antropológicas e, como tais, são importantes, porém relativas (cf. Hb 8,1-2. 6; 9,11-12).
O primeiro, primordial e decisivo sacramento é, portanto, Jesus de Nazaré que, através de sua humanidade, de seu gesto, de sua liberdade, de sua vida, de sua morte e de sua ressurreição manifesta e revela a presença do Pai e do Reino. O Concílio Vaticano II ensinou que “a Igreja é em Cristo como que sacramento, sinal e instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o gênero humano” (LG 1). A Igreja está no mundo como sinal, segundo as palavras de Paulo VI “ao mesmo tempo opaco e luminoso de uma nova presença de Jesus. Sacramento de sua partida e de sua permanência” (Evangelii Nuntiandi 15).
Assim como o próprio Cristo, a Igreja está a serviço do homem novo, como instrumento da construção do Reino.

4. A Graça: o Reino comunitário acontecendo em busca de plenitude (Escatologia)
Como dissemos na parte 3 do segundo capítulo deste trabalho, o aspecto mais importante da Ressurreição é que se trata não da ressurreição individual e única de Jesus, mas da garantia da ressurreição para todo o gênero humano no Reino definitivo e comunitário que a Ressurreição do Senhor nos garante, conforme nos afirmou Paulo em uma de suas epístolas: “Cristo ressuscitou dos mortos como primícias dos que morreram” (1Cor 15,20b). Isso permite à nossa fé afirmar que à Ressurreição de Jesus segue-se a nossa própria ressurreição.
Com a Ressurreição de Jesus tem início a plenitude dos tempos, pois nela começa a ressurreição dos homens (cf. At 26,23; Cl 1,18; Hb 1,2; 1Cor 10,11). O Jesus histórico e Ressuscitado concede à história humana uma determinação qualitativamente nova, uma vez que a nossa humanidade, através do Verbo encarnado, está na plenitude de Deus: Jesus é alguém como nós (cf. Hb 2,11), que conhece o sofrimento como nós (cf. Hb 5, 7-8), provado em tudo como nós, menos no pecado (cf. Hb 4,15) e que vive a plenitude escatológica (Hb 1,3; 10,12; 12,2). Este é, portanto, o fundamento da nossa esperança: um de nós já chegou à plenitude; e se ele chegou, também nós podemos chegar.
A encarnação de Jesus nos permite compreender que a escatologia se faz presente na nossa história quando assumimos radicalmente a nossa condição humana e não quando fugimos dela. A práxis e a pregação de Jesus ensinou que o mais importante é a oferta que o ser humano faz de si própria e da sua vida, e não apenas das obras (cf. a história do fariseu e do publicano – Lc 18, 9-14).
Quando falamos de “escatologia”, falamos da glorificação da história individual e da história coletiva, mas não de um juízo particular e de um juízo universal como dois momentos; são, na verdade, dois aspectos: é juízo universal, porque julga a universalidade da ação da pessoa humana; e é particular, porque cada pessoa é considerada individualmente. Também não se trata de um juízo ahistórico, mas histórico e final, porque a glorificação do juízo terrestre acontece a cada momento da história individual e coletiva. E outras palavras, a escatologia é vista como a glorificação de uma história individual e de uma história coletiva, de uma história de amor que se dá dentro das relações sociais.
Essa glorificação da história individual e coletiva acontece através da resposta humana à iniciativa divina, gratuita e amorosa, expressa na obra salvífica de Deus. A graça de Deus resume a total atividade de salvação em Jesus Cristo. Todo o agir divino está voltado para o agraciamento e a salvação do ser humano e orientado para a vinda do Reino de Deus.
O Reino de Deus é pura graça, oferecida mediante uma iniciativa exclusivamente divina. O ser humano é livre diante dessa oferta, podendo assumi-la ou rejeitá-la com igual responsabilidade. Sendo o Reino absoluta gratuidade, é impossível ao ser humano adquirir, por seus méritos ou por sua iniciativa, esse dom que lhe é oferecido.
A graça dá ao ser humano a participação na filiação divina de Jesus, resultando daí uma relação de amor e confiança. A pessoa de Jesus é a graça salvífica de Deus, que insere o ser humano e o mundo no evento escatológico da salvação realizada nele.




CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como já foi dito na introdução a esta síntese, não se pretende com este trabalho apresentar soluções para os desafios que o mundo hodierno apresenta. A influência dos valores contemporâneos – que acentuam o individualismo, o egoísmo, o egocentrismo, o hedonismo – na vida da Igreja é visível, é sensível, é intenso. A novidade da Palavra de Deus parece, muitas vezes, ter perdido esse seu sentido básico de “Boa Nova”.
Faz-se necessário, sempre e cada vez mais, acentuar na pregação e na ação concreta das comunidades eclesiais a dimensão comunitária da fé como única forma possível e querida por Deus para a concretização de seu Reino.
Assim, embora esta síntese não apresente soluções, tem o seu valor, pois a reflexão sobre a dimensão comunitária do Reino de Deus com certeza nos ajudará no trabalho pastoral a enxergar pistas concretas para a vivência desse Reino apresentado durante toda a Revelação, desde o Antigo Testamento, nas situações concretas de nossas comunidades.










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