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Textos_Religiosos-->MEUS ENCONTROS COM CRISTO -- 02/03/2007 - 17:53 (Nelson Ricardo Cândido dos Santos) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
MEUS ENCONTROS COM CRISTO
(ficção )

Nasci numa família católica, fui batizado ainda bebê, aprendi a rezar o rosário antes mesmo de aprender a ler e a escrever, fiz minha primeira comunhão aos 8 anos, fui crismado aos 15, casei-me na Igreja aos 23 anos, confesso mensalmente e vou à missa todos os domingos e dias de festa, com tão raras exceções que não me ficaram na memória. Rezo o terço diariamente, faço adoração ao Santíssimo toda quinta-feira à noite por uma hora, participo das missas do Sagrado Coração de Jesus toda primeira sexta-feira do mês e do Imaculado Coração de Maria no primeiro Sábado. Pago meu dízimo pontualmente, procuro ser bom esposo, pai e filho, e não guardar ódio em meu coração. Em suma, julgo ser um bom católico.
Sempre levei uma vida tranqüila, sem grandes sobressaltos ou experiências marcantes, em todos os níveis: familiar, profissional, social, esportivo, cultural, espiritual. Assim, aos 43 anos, surpreendi-me ao entrar num processo de angústia e depressão, questionando o sentido dessa minha vida rotineira e constante, excessivamente correta e dentro de todas as normas moralmente aceitas pela sociedade.
Certa manhã, pela primeira vez em toda a minha vida, resolvi faltar ao meu emprego, saí muito cedo de casa sem comunicar à minha esposa e caminhei a esmo pela cidade pensando em tudo e ao mesmo tempo em nada. Após muito andar, tive minha atenção despertada pelos sinos de uma igreja, anunciando o início da missa das 8 da manhã. Automaticamente, entrei na igreja e sentei-me num dos bancos laterais. Não sei qual leitura foi feita nem que Evangelho foi proclamado. Não me lembro de uma palavra sequer da homilia ou se houve homilia. No momento da Comunhão, sai de meu lugar, entrei na fila, recebi a Eucaristia e voltei para o meu lugar, ajoelhando-me como de costume, mas sem nada dizer ou pensar.
Foi para mim um verdadeiro choque quando senti no fundo do meu coração Jesus falar comigo, quase como se pudesse ouvir suas palavras ao meu ouvido. Cheguei mesmo a olhar para o lado para ver se alguém estava ao meu lado me chamando, mas não havia ninguém. A voz de Jesus continuava a me falar ao coração, arrancando do meu peito a dor que a angústia vinha-me provocando e proporcionando-me uma sensação de paz e de alegria como nunca sentira antes. Por fim, certo de que era Jesus me falando, resolvi responder a seu chamado.
— Estou aqui, Senhor! Que queres de mim?
— Quero falar-te, meu filho, pois estou preocupado contigo!
Surpreendi-me com aquela resposta.
— Mas, Senhor, por que só agora? Há tantos anos venho ver-te na Igreja e nunca me dirigiste uma palavra sequer!
Senti como se Jesus sorrisse para mim ao me responder:
— Como poderia falar-te se nunca o permitiste? O tempo todo em que estavas diante de mim ou comigo na Eucaristia não deixavas espaço para falar-te. Nunca fizeste um instante de silêncio para me ouvir. Só tu falavas, só tu pedias, só tu oravas. Nunca me deixaste orar para ti. Apreciei tanto tua companhia enquanto me adoravas todas as quintas-feiras à noite, mas não deixavas de lado aquele livrinho da Hora Santa um instante sequer. Quantas vezes tentei responder suas orações, mas não silenciavas para me ouvir! Aproveitei hoje a tua angustia e o teu silêncio para dizer-te que te amo.
Não sabia o que dizer a Jesus. Se agradecia seu amor ou se me desculpava pela maneira que sempre orara; se sorria pela suas palavras ou se chorava de emoção...
— Não precisas dizer-me nada! Só quero que saibas que te amo e estou contigo todos os dias de tua vida. Agora que teu coração está em paz, volta para tua casa, que tua esposa te aguarda ansiosa. Nos encontraremos na próxima Eucaristia... se me permitires falar-te.
Braços que não enxerguei abraçaram-me amorosamente e depois deixaram-me.
Foi o meu primeiro encontro com Cristo.
________________________________________
No Domingo seguinte, fui ansiosamente com minha família à missa da manhã, na intenção de mais uma vez me encontrar e conversar com Cristo.
Chegando à Igreja, chamou-me a atenção um grupo de mendigos, que todos os dias ficam à entrada pedindo esmolas. Jamais lhes dei alguma coisa, pois sempre os julguei parasitas sociais que pegariam minha esmola e correriam para o primeiro bar a fim de se embriagarem. Naquele Domingo, porém, ao vê-los, abri minha carteira e distribui alguns trocados entre todos. Minha família, que nada sabia do meu encontro com Cristo, olhou-me com espanto; minha esposa, inclusive, tentou puxar-me pelo braço, mas nada conseguindo, foi entrando com nossos filhos, deixando-me sozinho.
Fiquei pensando comigo: “Jesus está vendo este meu ato de bondade e, com certeza, há de se alegrar comigo! Isso contará para a minha salvação!”
Entrei na Igreja sem olhar para ninguém, juntei-me à família e participei o mais piedosamente possível da missa, que pareceu estender-se mais do que nunca. Finalmente, chegou o momento da comunhão, fui para a fila, comunguei, voltei para meu lugar, ajoelhei-me e disse mentalmente para Jesus:
— Eis-me aqui, Jesus. Fala que eu te escuto.
E permaneci em silêncio, de olhos fechados, aguardando. Depois de alguns instantes, senti Jesus falar comigo.
— Obrigado, meu filho, por vir mais uma vez encontrar-se comigo.
— Fiquei o resto da semana aguardando ansiosamente este momento, Senhor!
— Eu sei. Também ansiei por este encontro. Vejo que a paz permaneceu em teu coração!
— Sim, Jesus, depois daquele nosso primeiro encontro, desapareceu de meu coração aquela angústia que me atormentou por dias. Obrigado por me ajudar!
Senti, como daquela primeira vez, que Jesus me sorria.
— Quando a humanidade entenderá que eu só posso estar feliz quando todos os que o Pai me confiou estiverem felizes. O teu menor sofrimento é também meu sofrimento. O menor dor de teu irmão é também a minha dor.
Lembrei-me da esmola que dera na entrada da Igreja e disse a Cristo:
— Hoje eu dei esmolas para todos os mendigos que ficam na entrada da Igreja. O Senhor ficou feliz com essa minha atitude?
Jesus demorou-se alguns segundos até responder.
— Essa esmola deixou tua consciência bem tranqüila, não é mesmo? Achas que devo computar esse teu ato no livro da tua salvação?
— Espero que sim, Senhor! — respondi quase que imediatamente.
— Ah, meu filho querido! Como a humanidade desvirtuou o sentido das minhas palavras...!
Percebi certa tristeza e até decepção nessas palavras de Jesus.
— Não entendo, Senhor! Não nos pedistes para que déssemos esmolas aos pobres? Deverias alegrar-te com minha ação!
— Meu filho, meu filho! Parece-me que só os primeiros cristãos perceberam o sentido das minhas palavras. Nunca dê esmolas para agradar o teu coração e procurar tua salvação: é puro egoísmo e não um ato gratuito de fé e de amor. Lembro que meus primeiros seguidores davam esmolas para fazer justiça num mundo injusto: a esmola era um sinal do Reino de Meu Pai neste mundo. Eles davam esmolas para tornar este mundo mais justo e não para se salvarem! Procura, meu filho, agir como eles agiam.
Fiquei sem saber o que dizer. Por fim, disse ao Senhor:
— Mas Jesus... Eu aprendi dessa maneira que fiz. Ninguém nunca ensinou-me de maneira diferente... dessa maneira que me ensinas agora...
— Por isso eu disse que a humanidade desvirtuou minhas palavras. Medita este ensinamento, meu amado filho, e vá transformando teu coração. A missa já está terminando. Vá em paz, que eu estarei sempre te acompanhando. Até nosso próximo encontro!
________________________________________
Na homilia daquele dia, o padre falara sobre a cruz de Cristo e afirmara que não é possível ser cristão sem carregar a nossa cruz de sofrimento. Durante o meu momento de silêncio após a Comunhão, meu olhar centrou-se no imenso crucifixo preso à parede atrás do altar.
Olhando Jesus crucificado, chagado e ensangüentado, fiquei imaginando a terrível dor que sentira pregado, no monte Calvário. Mesmo não querendo pensar em nada, para que Jesus tivesse espaço para falar-me, lembrei-me das palavras do padre na homilia e pensei em minha vida.
— Senhor, minha vida sempre foi tão cama, tranqüila, sem grandes dores ou sofrimentos. Quero seguir-te, mas não sei o que é o verdadeiro sofrimento. Será que eu estou completamente errado e não estou carregando a minha cruz?
Imediatamente, Jesus falou-me:
— Meu querido filho, eu te amo e amo todos os teus irmãos. Jamais desejaria que sofresses, porque sei quão doloroso é o sofrimento. Eu quero que carregues junto comigo a cruz que o Pai te confiou, para que ela se torne a tua expressão de amor.
Disse a Jesus:
— Meu Jesus, que cruz é essa que carrego e não sinto? Eu não sei o que é dor ou sofrimento. Passei apenas por alguns momentos passageiros de angústia, mas não considero isso sofrimento. Qual é a minha cruz?
— A tua cruz, meu filho, é a mesma de todos os teus irmão, como foi a minha: fazer na vida a vontade do Pai. Foi o que eu fiz: realizei em minha vida terrena o projeto que meu Pai me confiou.
— Sempre achei terrível Deus mandar-te para o mundo para morrer na cruz, para sofrer por nós.
— Mas meu Pai nunca fez isso. Ele é puro Amor e não um ser sádico, que quer ver o sofrimento de seus filhos. O Pai enviou-me como prova de amor, para pregar a Boa Nova do Seu Reino.
— Então, por que Ele deixou que morresses daquela maneira?
— Eu morri na cruz porque o ser humano me crucificou e não o meu Pai. Quanto Ele e eu sofremos naquela sexta-feira! Quanto nós fomos tentados a agir contrariamente ao que aqueles homens faziam comigo! No alto da cruz, naquela agonia imensa, Satanás manifestou-se através de todos aqueles que diziam para eu descer da cruz e salvar-me, provando ser realmente o Filho de Deus. Ninguém consegue compreender que o maior poder de Deus não é realizar grandes sinais aos olhos humanos, mas esvaziar-se de Sua divindade e colocar-se nas mãos dos homens. Foi o que aconteceu no dia em que me crucificaram. Meu Pai enviou-me para amar, mas os homens não compreenderam isso e me mataram.
— Então eu não preciso sofrer para seguir-te?
— Não necessariamente! Só quero que sejas feliz. Se um dia, para testemunhar tua fé em mim perante homens que vivem o anti-Reino, tiveres de sofrer, tenha a certeza de que não te deixarei sozinho e estarei a teu lado, dando-te forças para suportar o teu sofrimento imposto pelos teus irmãos e não por mim ou por meu Pai. Agora vá, meu amado filho, medite sobre esta nossa conversa e agradeça ao Pai pela tua cruz, que é a tua vida. Vá e ame.
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Quando Jesus começou a falar-me, em nosso próximo encontro, expressei a ele a minha dificuldade em gostar de todas as pessoas. Disse-lhe mesmo que não gostava de várias, que sentia antipatia; outras, inclusive, procurava nem sequer me aproximar, pois despertavam em mim sentimentos extremamente negativos e que me faziam mal. Falava tudo isso a Jesus com total sinceridade, mas também medo do que essa revelação interior poderia representar para a minha salvação.
— Eu nunca pedi que gostasses de ninguém! — exclamou Jesus.
Fiquei estupefato com aquela afirmação.
— Como não, Senhor, se ainda em nosso último encontro me pedistes isso! E está escrito também nos Evangelhos...!!!
— Não interpretes de maneira equivocada as minhas palavras, caso contrário será para ti um grande peso seguir-me. Eu nunca pedi que gostasses de ninguém: pedi que amasses!
Fiquei ainda mais estupefato com essa nova afirmação.
— E existe alguma diferença entre amar e gostar?!! Para mim é a mesma coisa.
Jesus sorriu-me com benevolência, como se sorri para uma criança que diz alguma asneira.
— Quando se gosta, o centro desse sentimento é a própria pessoa; portanto, é um sentimento egoísta. Quem gosta, gosta daqueles que lhe agradam, que pensam de modo semelhante, com o qual tem afinidade, com o qual se simpatiza. O gostar é um sentimento excludente: gosto de alguns e não de outros; aproximo-me de alguns e afasto-me de outros; agrado, presenteio e faço favores a alguns e desprezo outros. Esse sentimento não constrói o Reino de Deus. Quão feliz seria o ser humano do qual Deus gostasse e quão desgraçado aquele do qual Deus não gostasse. Mas Deus não gosta: Deus ama! O amor não está centrado em quem ama, mas no objeto de seu amor, independente de retribuição. O verdadeiro amor é pura gratuidade, é pura doação. Veja que não há maior prova de amor de Deus para com a humanidade do que a entrega da minha Vida em favor de toda a humanidade, sem exclusão de ninguém, nem do mais pecador dos pecadores.
Fiquei em silêncio longo tempo, meditando essas palavras de Cristo.
— Em que pensas, meu filho? – perguntou-me Jesus.
— Estou me perguntando se alguma vez na vida amei alguém, ou se apenas gostei. Creio que até hoje só amei dessa maneira que me falastes a meus filhos, por quem seria capaz de dar a minha vida.
— Procura, pois, amar a todos os teus irmãos como amas teus filhos e o Reino terá se realizado plenamente em teu coração!
Permaneci com aquelas palavras o dia todo em minha mente, sentindo o quanto estava longe do que Deus esperava de mim. E eu que sempre pensei que o meu modo de vida até então era perfeito e agradável ao Senhor!
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— Senhor, as tuas palavras ditas em nosso último encontro não me saem da mente e do coração. Estou tentando, mas não sei como amar. Nestes últimos dias tenho dado esmolas para todas as pessoas que me pedem; ajudei diversas instituições e casas de caridade com doações em dinheiro, em roupas, em remédios e em alimentos. Mas meu coração não está feliz. Sinto que não é isso que me pedistes.
Senti Jesus pegando minhas duas mãos e as apertando suavemente, como a me dar forças e a me consolar na minha dúvida e aflição.
— Fazes bem em ouvir teu coração. Se todas as pessoas ouvissem mais os seus corações do que suas mentes, estariam mais próximas de Deus e seriam mais felizes. Como a tua experiência mais próxima de amor é com teus filhos, pedi-te que amasses a todos como amas a eles. Dás a teus filhos tudo o que eles te pedem?
— Não tudo, mas aquilo que posso e, principalmente, aquilo de que mais precisam. Não deixo que lhes falte roupas, alimentos, livros, brinquedos... o que precisam no dia a dia.
— Então não lhes dá tudo e mesmo assim sentes que os ama?!
Essa pergunta de Jesus deixou-me confuso e pensativo, desconcertado mesmo.
— É claro que os amo, mesmo não podendo atender todos os seus desejos, mesmo porque se o fizesse, estaria falido, pois eles querem tudo o que vêem pela frente.
— O que fazes com teus filhos quando chegas em casa à noite, após um cansativo dia de trabalho? Ignora-os e vais descansar?
Respondi-lhe indignado.
— Sabes que não, Senhor! Não vês o que acontece em minha casa todos os dias?! Dou-lhes atenção, deixando que me contem o que fizeram durante o dia; acompanho seus deveres da escola; dou-lhes carinho; deito-os com a cabeça em minhas pernas e afago seus cabelos... Nunca vistes isso?!!
Jesus não esboçou qualquer reação às minhas palavras indignadas. Continuou com o mesmo tom da pergunta anterior.
— Então aproveitas o final de semana para descansar e afastar-se de teus filhos, preparando-se para uma nova semana de trabalho?
— Jesus, estás falando sério comigo?! Sabes muito bem que todo final de semana brinco com meus filhos, levo-os a passear no parque, vamos ao cinema ou ao teatro, permanecemos juntos a maior parte do tempo, afinal, só ficamos juntos poucas horas durante a semana.
— Não dás tudo o que teus filhos te pedem ou querem, mas o que podes dar e o que eles necessitam. Poderias ficar descansando à noite e nos finais de semana, mas dedicas teu pouco tempo livre a teus filhos, a quem amas...
— É isso mesmo, Senhor! Está errado agir assim?
Antes de partir, Jesus me abraçou amorosamente e sussurrou a meu ouvido:
— Compreendestes agora que amar não é dar alguma coisa a alguém, mas dar a si próprio?
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Os meus encontros com Jesus provocaram-me sensações antagônicas: ao mesmo tempo que me proporcionavam grande alegria e paz, faziam sentir ainda muito distante do que Ele esperava de mim. Compreendia agora porque os grandes santos, em seus escritos, afirmam sempre serem grandes pecadores: se nos comparamos a Jesus, estamos sempre necessitando de transformações em nossas vidas para cumprir em nós a vontade do Pai. Expressei isso em um de nossos encontros.
— Senhor, sei que pela tua encarnação, há dois mil anos atrás, fizeste-te igual a nós, seres humanos, menos no que se refere ao pecado. Mesmo sendo plenamente homem, jamais pecastes. Mas éreis também plenamente Deus! Eu sou apenas homem, Jesus! Como posso não pecar? Como posso ser semelhante a ti?
Jesus olhou-me fundo nos olhos, penetrando no mais íntimo de minha alma, e perguntou-me?
— Acreditas que meu Pai é justo?
— É claro que sim!
As perguntas de Jesus sempre me deixavam surpreso, confuso e pensativo.
— Enquanto vivi como homem, esvaziei-me de minha divindade. Não seria justo para com a humanidade pedir que fosse semelhante a mim se o que eu fizesse, o fizesse por ser Deus. A humanidade estaria em eterna e infinita desvantagem e isso seria injusto. Mas Deus não é injusto. Compreenda que eu jamais pequei não porque sou Deus, mas porque fui plenamente humano.
Mais uma vez fiquei desconcertado com suas palavras.
— Senhor, se não pecastes porque éreis humano, por que então pecamos?
Jesus demorou-se um pouco a responder-me, como a me preparar para sua resposta.
— Vocês pecam porque são desumanos!
Essa reposta foi como um soco em meu estômago, cujo choque sinto até hoje!
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Quanto mais me aproximava de Jesus e procurava compreender e viver sua mensagem, mais enxergava o erro e o engano presente no mundo. Isso me provocava uma angústia tão grande e uma sensação tão intensa de impotência, as quais Jesus percebeu em um de nossos encontros.
— O que te causa tanta aflição, meu filho? Se estou contigo todos os instantes de tua vida, ajudando-te a carregar a tua cruz e tornando leve o teu fardo, não deverias estar assim.
— Preocupa-me, Senhor, o mal no mundo. Fechado egoisticamente em minha vida, como vivia antes de te encontrar, nunca havia percebido como o teu inimigo estende os seus tentáculos por todo lado. Sinto-me impotente por não saber como combater o Demônio.
— Não te peço que lutes contra o Demônio. Seria um pedido injusto e uma luta desleal. Ele é muito mais poderoso do que tu e teus irmãos humanos e não teríeis qualquer chance perante ele.
Essas palavras de Jesus deixaram-me ainda mais angustiado; para dizer a verdade, deixaram-me apavorado.
— Se nada podemos fazer, estamos perdidos, Senhor!
— Como podeis estar perdidos se Eu vos resgatei a todos com minha própria vida? A luta contra o Demônio é travada por Deus e não por vós, meus filhos amados.
— E o que devemos fazer, então?! Sermos apenas espectadores inúteis dessa luta aparentemente eterna?
Jesus sorriu-me, como sempre o fazia quando lhe dizia algo que demonstrava minha ignorância.
— Caminhem diante de Deus e procurem ser fiéis à Aliança que meu Pai estabeleceu com toda a humanidade. É somente isto que espero de vós.
— Mas quanto mais nos aproximamos de vós, mais somos tentados pelo Inimigo!
— Perseveres na tua caminhada, entregues tua vida nas mãos do Senhor e deixes a grande batalha por conta de Deus. Que cada um cumpra a parte que a si cabe!
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— Perdoe-me, Senhor, pela minha pretensão, mas gostaria de compreender melhor o mistério da Trindade. Como pode um único Deus ser três Pessoas e ainda assim manter sua unidade?
— Conheces a lenda em que Santo Agostinho pede ao Senhor que lhe dê essa mesma graça de compreender o mistério da Santíssima Trindade?
— Não, Senhor, eu não conheço.
— Conta essa lenda criada pela imaginação humana, mas muito apropriada, que, após esse pedido, Agostinho estava passeando pela praia e viu um menino retirando água do mar e colocando-a em um pequeno buraco na areia. O menino repetiu essa ação diversas vezes, até que Agostinho, curioso, perguntou-lhe o que estava fazendo. O menino respondeu-lhe que estava colocando todo o oceano naquele buraquinho. Agostinho sorriu daquela ação infantil e disse ao menino que aquilo era impossível de ser realizado, pois o oceano era infinitamente maior que aquele buraco. Surpreendentemente, o menino diz a Agostinho que também era impossível a um ser humano compreender o mistério da Trindade Santa.
Sorri encabulado ante a história contada por Jesus e desculpei-me.
— Entendi, Senhor, o recado. Mais uma vez peço-te perdão pela minha pretensão ao tentar compreender tão grande mistério.
— Não te desculpes, meu filho. Meu Pai foi quem colocou no espírito humano essa ânsia em compreendê-Lo pela razão para, crescendo na fé, mais se aproximar d’Ele. Fé e razão são as asas que meu Pai concedeu à humanidade para elevar-se a fim encontrá-Lo. Assim, ao desejares compreender a tua fé, apenas cumpres o desejo que meu Pai colocou em teu coração.
Achei tão bonito o que Jesus acabara de me dizer que fiquei sem palavras.
— Embora jamais possas compreender o mistério da Trindade — continuou Jesus —, digo-te apenas que pensas como homem e dentro dos limites de tua materialidade. Jamais encontrarás na matemática a compreensão para esse Mistério, pois 1 será sempre 1 e 3 será sempre 3. No entanto, se compreenderes que o 1 significa a própria pessoa, fechada em si mesmo, deduzirás que, ante toda a Criação, o Pai não ficou fechado em si, caso contrário seria um Deus solitário, que não teria a quem amar. Na natureza divina, portanto, há ainda o 2, que significa o outro, o diferente, o objeto do amor do Pai: este sou Eu, o Filho. A síntese — e não a soma —do 1 e do 2 é o 3, que é o próprio Amor que nos une e que é tão intenso e incomensurável, que extrapolou a nossa própria divindade e deu origem à Criação, deu origem a todo o universo e a ti também. Portanto, meu filho, tu és fruto do eterno amor divino.
Meu coração encheu-se de tanto amor com aquelas palavras, que precisei sair dali e transformar esse amor em ações concretas em favor dos meus irmãos mais carentes. Não sei se compreendi o mistério da Trindade, mas experimentei em mim a força criadora do amor.
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Cheguei à Igreja completamente angustiado, triste, abalado em minha fé em Deus. Mal sentei-me, Jesus falou-me:
— Por que tanta amargura e incredulidade neste teu coração, meu filho?
Com certa ironia, respondi-lhe:
— Não sabes tudo o que acontece? Não perscrutas o meu coração?
Jesus olhou-me com profundo amor.
— Claro que sei, mas é importante para ti que me fales com tuas palavras. Coloca para fora tudo aquilo que te afliges e entrega-me tuas dúvidas. Recebê-las-ei e colocarei a paz em teu coração.
Demorei-me um pouco a falar-lhe, pois estava com raiva. Finalmente, após alguns instantes de silêncio, dirigi-me a Jesus.
— Sinceramente, não entendo como ages? Há momentos em que teu Pai, o Senhor e teu Espírito parecem estar completamente ausentes e alheios a tudo o que acontece à humanidade! Queres que eu confie na Trindade, mas sinto que estais ausente de nossas vidas!
— Quando te abandonamos e esquecemos de ti, ou de teus irmãos?
— Em tantos momentos, Senhor, em tantos momentos!
— Fala-me sobre este momento que te aflige e que coloca uma pedra em teu coração que se abria vagarosamente à ação do meu Espírito.
— Não entendo como podes ter deixado morrer aquele jovem de apenas quinze anos, meu vizinho, que vi nascer e crescer ao lado de meus filhos. Mal começou sua vida, sempre foi saudável, ótimo filho, amigo e estudante... de repente, uma doença que ninguém consegue identificar o mata em poucos dias! O que ele fez para merecer isso? Os pais estão desesperados, os amigos inconformados e com medo da morte, meus filhos não param de chorar! Onde estavas quando tudo aconteceu? Não ouvistes as nossas orações? Não ouvistes as orações vindas do mais profundo do coração daqueles pais? Como queres que eu confie em ti se deixas acontecer tais coisas?
Jesus afagou-me os cabelos, acarinhando-me como se faz a uma criança.
— Pensas como homem e não como Deus! Meu Pai, ao criar o mundo, estabeleceu determinada ordem e é nessa ordem que Ele se faz presente com Seu Espírito. O que desejas – e tantos homens da mesma forma – é um deus que atenda a todos os teus pedidos, que intervenha em tua vida e em tua história e, até mesmo, se for o caso, sobreponha-se à tua liberdade. Falo-te constantemente, envio-te o meu Espírito para te iluminar e mesmo assim não compreendes a ação divina no mundo. Aprenda, meu filho, de uma vez por todas que o poder de Deus não está em intervir na história da humanidade, mas justamente em esvaziar-se de sua divindade, deixando que a humanidade caminhe segundo a inspiração do Espírito. Pensando como ser humano, se tivesses o poder de Deus interferirias tanto na história humana que logo a privarias de toda a sua liberdade, liberdade essa que é tão querida por meu Pai e a grande graça da humanidade, mas que, se mal utilizada, pode ser sua grande desgraça. Só Deus, por ser todo-poderoso, pode esvaziar-se de sua divindade e respeitar toda a vida e a liberdade do ser humano.
— Então, milagres não existem?! É tudo história da carochinha?
Jesus mais uma vez sorriu-me como fazia quando eu dizia alguma besteira.
— Milagres existem, mas não como o compreendes! Não é mérito de ninguém, não é resultado de muita oração, não é a realização de algo contrário às leis que regem o universo. Os milagres são obras do puro amor e da pura gratuidade de meu Pai, são sinais para a humanidade perceber o que é o Reino de Deus, um reino onde não haverá mais dor, nem morte, nem tristeza. Não haverá doentes, nem cegos, nem coxos, nem surdos, nem paralíticos. Cada vez que acontece o que chamas de milagre, é meu Pai revelando parcialmente, de maneira ínfima, aquilo que será vivido em plenitude.
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Ao reencontrar Jesus, voltei ao assunto da Cruz.
— Senhor, lembro-me que me explicaste que carregar a nossa cruz não significa necessariamente sofrer, mas cumprir a vontade de Deus na nossa vida, levar a missão que o Pai nos confiou às últimas conseqüências. Queria entender melhor o sentido de Simão Cireneu, que ajudou-Te a carregar a Tua Cruz a caminho do Calvário.
— Bem-aventurado Simão, que foi pego pelos romanos para carregar minha cruz, a fim de me polpar no caminho para o Gólgota, para que eu não morresse antes da crucificação! Carregou uma cruz que não era sua, e Deus o glorificou por isso. Dói-me o coração ao ver como o mundo de hoje está tão distante do Reino de Meu Pai, a ponto de negar ao ser humano até mesmo a possibilidade de levar a sua própria cruz, de cumprir a sua missão, pois impede, pela injustiça social e pela inversão de valores, que o ser humano se torne aquilo que é o seu destino: humano. A humanidade hoje é formada por bilhões de Cireneus que carregam uma cruz que não é sua, colocada em suas costas por um sistema opressor e desumano!
Nunca havia pensado sob este prisma. Calei-me e retirei-me, pensativo.
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As celebrações da Semana Santa, particularmente a Paixão e Morte de Jesus fizeram-me pensar em muitas coisas e perceber detalhes que nunca antes o fizera. As atitudes de Pedro e de Judas Iscariotis em relação a Jesus, na noite em que ele foi entregue, começaram a criar dúvidas em minha mente e em meu coração. No encontro seguinte com Jesus, expressei minhas dúvidas e angústias.
¬— Senhor, desculpe-me por minha ignorância, mas há algo que estou sentindo em relação a Pedro que está-me incomodando.
— Quer partilhar comigo essa sua angústia? — perguntou-me Jesus.
— Sim, Senhor! É que não consigo perceber diferença muito grande entre a atitude de Iscariotis e de Pedro. Para mim, ambos o traíram: Judas entregando-Te e Pedro, negando-Te. No entanto, Judas é amaldiçoado e Pedro, abençoado, a ponto de ser considerado, ao lado de Paulo, as duas colunas da Tua Igreja. Se os dois Te traíram – e as Sagradas Escrituras mostram que ambos se arrependeram profundamente, por que os dois não foram amaldiçoados ou abençoados da mesma forma?
Cada vez que Jesus me olhava daquela maneira benevolente, eu me sentia a menor e a mais ignorante das criaturas.
— Há tanto tempo conversamos e ainda não aprendeste, meu filho, que eu sou misericordioso?! De fato, ambos me traíram, como tu disseste: um pela entrega e outro pela negação. Mas não foram estas atitudes deles que prevaleceram, e sim o que se deu depois. Lembraste bem que tanto Pedro quanto Judas se arrependeram, de coração. O que Iscariotis fez ao arrepender-se?
— Ele foi procurar as autoridades para devolver-lhes o dinheiro e soltar a Ti – respondi.
Jesus continuou a indagar-me, levando-me, assim, a refletir:
— E o que aconteceu em seguida?
— Não conseguindo libertar-te, jogou as moedas no chão, foi para um campo e enforcou-se.
— Exatamente. E Pedro, como agiu?
Respondi ao Senhor:
— Pedro chorou amargamente ao lembrar-se de Tuas palavras, quando o galo cantou. Ficou escondido por medo dos judeus, mas permaneceu em Jerusalém, após Tua ressurreição, aguardando o cumprimento de Tua promessa de enviar o Espírito Santo sobre Teus discípulos, tornando-se um dos grandes difusores de Tua doutrina no mundo romano.
— Resumiste com perfeição, meu filho. Comparando a atitude de Pedro e de Iscariotis, chegas a alguma conclusão?
Permaneci pensativo por um longo tempo, querendo encontrar a resposta correta ao questionamento de Jesus. Finalmente, conclui:
— Pedro, arrependido, parece ter confiado no Teu perdão, na Tua misericórdia; Judas, porém, também arrependido, tirou a própria vida, pois não acolheu a Tua misericórdia.
Jesus abriu um largo sorriso para mim.
— Que alegria sentir que você, meu filho, está-se deixando guiar pelo Espírito. Respondeste bem. Se Iscariotis acreditasse na Misericórdia divina, talvez se tivesse tornado um dos grandes pregadores da Boa Nova; no entanto, ele voltou as costas ao Amor de Deus e destruiu o maior dom dado por Deus ao ser humano e do qual só Ele pode dispor: a vida. Foi esta atitude que o condenou, e não a sua traição. Já Pedro acolheu todo a Misericórdia que vem dos céus e deixou-se ser instrumento para a difusão do Reino de Deus no mundo. Ah, como o mundo seria diferente se as pessoas aprendessem algo dessa história e se deixassem transformar por Deus!
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— É estranho, Senhor, mas quanto mais me aproximo de Ti, sinto-me menor, mais pequeno, mais pecador e indigno de Teu amor. Por que isso?!
Jesus respondeu-me, como sempre derramando puro amor com o tom de suas palavras.
— Quando o ser humano centra sua existência em si próprio, vê-se como modelo para toda a humanidade e torna-se juiz do mundo. Meu Pai criou a humanidade para que todos sejam irmãos entre si e não juízes, para que amem uns aos outros e não para julgarem e condenarem. Quando alguém deixa de cultivar o egocentrismo e Me coloca como centro da vida, necessariamente preocupa-se mais com o próximo do que consigo mesmo. Assim, vai-se sentindo cada vez menor, porque deixa de engordar o próprio ego e, comparando-se a Mim, julga-se um grande pecador. Porém, eu amo você e cada um de seus irmãos do mundo com um amor gratuito e incondicional. Conheço cada uma das fraquezas humanas, pois vive a condição humana, e sei que é possível superá-las, através do amor, da doação integral de si ao projeto do Meu Pai. Só desejo que cada pessoa se deixe encontrar por mim. Lembre-se dos meus discípulos. Quando fui entregue e morto, eles ficaram com medo, esconderam-se e abandonaram-me na Cruz. No entanto, quem eu fui procurar, logo que Ressuscitei?
— Procurou seus discípulos! – respondi rapidamente.
— Exatamente. Procurei aqueles a quem escolhi e que se deixaram encontrar por mim; justamente aquelas pessoas fracas na fé, medrosas e até desesperançadas após minha crucificação. Foram eles que eu escolhi para serem instrumentos para espalhar o Evangelho em toda parte, a todas as pessoas... como eu também escolhi você, em meio às suas dúvidas e fraquezas.
Dirigi-me a Jesus, com um sorriso meio irônico nos lábios e meneando negativamente a cabeça:
— Desculpe, Jesus, mas bem me lembro que fui eu que saí a caminhar aquela manhã de nosso primeiro encontro e fui eu que fui a Teu encontro...
Mais uma vez o sorriso de Jesus fez-me sentir equivocado nas minhas percepções da vida.
— E quem você acha que te vez sair de casa aquela manhã, caminhar a esmo e entrar nesta Igreja?
Envergonhado pela minha prepotência e pequenez diante de Jesus, abaixei minha cabeça e voltei meus olhos para o chão, nada respondendo.
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“Restam muitas outras coisas feitas por Jesus. Se quiséssemos escrevê-las uma por uma, penso que os livros escritos não caberiam no mundo” (Jo 21,25)


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