Usina de Letras
Usina de Letras
295 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62165 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22531)

Discursos (3238)

Ensaios - (10349)

Erótico (13567)

Frases (50574)

Humor (20028)

Infantil (5423)

Infanto Juvenil (4754)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140791)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6182)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Poesias-->AS FRONTEIRAS -- 06/01/2005 - 23:03 (ANTONIO MIRANDA) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AS FRONTEIRAS



Poema de Antonio Miranda



I

Fronteiras do fim do mundo

demarcando o ignoto

e o insondável:

inconcebível limite

-finis terrae.



Separando o mundo civilizado

das terras inomináveis

de bárbaros e monstros

das bestas e dos ciclopes

de línguas indecifráveis

quando não de gentes sem fala

e sem entendimento

de nômades desterrados

deformados de toda complexão

e de toda razão

sem história e sem porvir

daquelas gentes abandonadas

por Deus desde o êxodo dos êxodos.



Dividindo crentes e descrentes

sem paradeiros e sem destino

confinados pelas linhas divisórias

da fome, do frio, das crenças

que evocam divindades anímicas

no abrigo das proteções naturais

e sazonais.



Outras são as fronteiras

do mundo civilizado

do mundo demarcado

e sitiado

dos limites arbitrados

policiados

estendendo-se por territórios

nominados

com títulos de possessão

e domínio.



Terras feudalizadas

por senhores enobrecidos

ou por governos de ocasião

- iguais em todo sentido –

aguerridos no seu enclausuramento

no apartamento do mundo

e em sua exclusão

e possessão.





II

Que demarca dois povos

duas nações, duas pessoas?



Que linha divisória

os diferencia

e contrapõe?



E as nações sem territórios

e os povos sem demarcações?



Qual a pertença telúrica

do cigano e do imigrante

do nordestino retirante

e do índio nômade

ou andante e arredio?



Qual a pátria dos prófugos

dos sem-pátria, exilados

desterrados no ostracismo

dos povos de rua

dos sem-terra

dos povos errantes

das tribos ambulantes

das comunidades alternativas

sem território

e dormitório fixo?



Debaixo da ponte, a que nação

corresponde?

Sobre a palafita insalubre

a que cidadania pertence?



Balseiros no mar

clandestinos nos barcos cargueiros

aventureiros e transeuntes.



Nações expatriadas

povos transladados

gentes espoliadas

em guetos

alienadas de qualquer pertencência

legal

em fronteiras abstratas

culturais

e convencionais.



Que divide um país de outro?

Uma bandeira? Uma língua,

Uma constituição?

Uma intenção demarcadora

um preceito ou um preconceito?

Uma cerca, um muro circunstante?



Ideologias? Etnias? Religiões

ou interesses tribais? Que mais?

Sentimentos telúricos, ancestrais?

Valores transnacionais

em que pátria residem?



Gentes que nascem, vivem

e morrem sem qualquer registro

de nascimento e morte

a que país pertencem?



Que fronteira é essa que distancia

um bairro milionário e saudável

de outro operário e miserável?



Que separa estas crianças

louras, lindas, vitaminadas

daquelas outras

negras e esquálidas?

Estes corpos esbeltos

malhados e bronzeados

daqueles deformados

pelo trabalho escravo?



Debaixo do chão, plantados

como cadáveres indigentes

é-se gente

e com que nacionalidade?





III

Fronteiras abstratas, rituais

fronteiras indefiníveis

arbitrárias

indevassáveis

mais imaginárias que reais

infinitas.

Umas vezes dividem

em outras aproximam.



Povos fraturados

cortados ao meio

- os bascos, os ianomâmis

os curdos, os gaúchos

os pantaneiros – e também seus animais

suas aves

sistemas ecológicos

(contínuos, contíguos)

seccionados, amputados

serrados.



Que aproxima os guerrilheiros

dos narcotraficantes

- seriam vasos comunicantes

ou associações circunstantes?



Que dizer dos

sacoleiros contrabandistas

traficantes

de que lado estariam?



A fronteira divide e discrimina

protege e separa

avilta e humilha

povos indivisíveis

- ou hibridiza como os brasiguayos –

como os caminhoneiros

que engravidam as estações

por onde desovam

pelas povoações isoladas

por eles desconfinadas

por eles inseminadas

de vírus e notícias

transportadas.



São rios e são montanhas e são selvas

intransponíveis, são tepuys

e altiplanos insuperáveis

em que as linhas demarcatórias

não se vêem e não se reconhecem.



São terras intransitáveis

que nem os missionários

e os garimpeiros

e os militares das fronteiras

percorrem.



Além das alcabalas e postos fiscais

que revistam mochileiros

e deixam passar os moambeiros.

Assim também as fronteiras amuralhadas

com cercas eletrificadas

guardadas por cães militares

mas por onde o troca-troca

o entra-e-sai

é constante

vem na barriga da gente

no ânus do viandante

no estômago do taxista

e no piso falso

do transporte do motorista.



E tem também as fronteiras marinhas

que mais aproximam do que separam

mais de ir do que de voltar

cujo fluxo varia

se de noite ou se dia

com suas praias de chegada

com seus portos e aduanas.



Só as andorinhas não obedecem

normas nem rotas prescritas

só as baleias não requerem

vistos nem vacinas

e as estrelas não percebem

por onde iluminam.





IV

Em verdade, vos digo

nossas fronteiras primevas

- começo do capitalismo

português – foram as

capitanias hereditárias:

multiplicaram-se por centúrias

sobre ossos e mourões plantados

no alvorecer da nacionalidade.

Antes disso, nossa linha

divisória era mais precária

- por direito real ou papal –

mas ninguém respeitava:

era o Tratado de Tordesilhas

que dividia nada de coisa

nenhuma em terras ainda

por descobrir e explorar.



Antes, nem isso

nos dividia ou se inteligia

seria o Paraíso Perdido

separando além mar

das terras do Endiabrado

dividindo o mundo-maçã

em duas metades apetecíveis

pois não há poder

que para sempre dure

- seja humano ou até divino –

que não pereça ou apodreça

ainda que eterno pareça.







-------------------------------------------------

Em viagem recente à Venezuela, Antonio Miranda cruzou a fronteira do Brasil com a Venezuela, em Paracaima (Roraima), no posto fronteiriço BV8, lindante com a cidade de Santa Elena de Uairém, no dia 20 de dezembro de 2004, experiência que deu ensejo à escritura do presente poema.











Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui