ELEGIA
Lembro-me do tempo em que não havia
Um certo tempo pra se contemplar
O charme do ocaso e o raiar do dia.
Lembro bem quando não podia olhar –
Tamanho pejo em que se me escondia –
Sua pele alva e nua a se me revelar
U’a pura ingenuidade que sorria,
Relevando um sorriso que não dei
Ao passado vivido em fantasia.
Lembro-me do bonde em que nunca andei,
Das frases de amor que não proferi,
Desse bolero que jamais dancei.
Lembro bem, porém, a vez em que a vi,
A pensar não mais outra iria haver,
Por se perder a flor que não colhi.
E, hoje, finjo que penso compreender
Todas as coisas que eu inda não sei,
As palavras que eu não soube dizer.
Lembro-me desse amor que mal amei,
Por pensar que sua imagem estaria
A compor a aquarela que pintei.
Lembro bem o tempo em que bastaria
Os olhos fechar pra fugir dali,
Rumo ao castelo que não conhecia,
A trazer-me a paz que jamais senti
Da infância que não mais queria estar
Naquele mundo que não construí.
Lembro-me, até, de que devo lembrar,
Nesse triste dia, ao entardecer,
Que, meu pranto, somente eu fiz criar.
Lembro bem, pois, o que tento esquecer,
Sem, contudo, deixar de imaginar
O que do ontem irá o amanhã crer
Se a aurora no horizonte não raiar.;
Se à tarde não vier o anoitecer.;
Se o poeta ficar sem o luar.
Lembro-me do que não pude fazer,
De cada rosto que não encontrei,
De quando carne aqui deixei de ser.
Lembro, afinal, o céu em que toquei,
Quando no palco da noite subi.;
Do beijo da lua amada que ganhei,
Quando em busca de meu sonho parti,
Certo de que uma vez mais estaria
A recordar as vidas que vivi,
Saudoso, a compor versos de elegia.
MAURICIO DE MELO PASSOS |