Certo dia, ao sair da faculdade, estava caminhando e conversando com minhas amigas rumo ao metró. A rua por onde íamos todos os dias não possui um comércio muito variado. Um ou dois bares, um supermercado, duas fábricas - uma de gelo e outra de enlatados - e alguns escritórios pouco expressivos.
De modo geral é uma rua calma. Não há muito movimento de carros e os pedestres que por lá passam são quase sempre os mesmos: estudantes e funcionários da universidade. Contudo, neste fatídico dia, algo incomum aconteceu. Não sei por que cargas d´água o trànsito de automóveis estava um pouco mais intenso e enquanto caminhávamos, avistamos uma cena que seria cómica se não fosse trágica.
Uma senhora que aparentava ter os seus 70 e poucos anos tentava, sem êxito, atravessar a rua. Ela usava um vestido florido, de um tom marrom desbotado, já gasto pelo tempo ou pelo excesso de uso. Nos pés levava uma meia felpuda, daquelas que pessoas de uma certa idade costumam usar para dormir, enfiadas em um chinelo de dedo. Nas mãos, uma ou duas sacolas de supermercado, abarrotadas de quinquilharias.
Este quadro constituía uma cena quase patética, que só não fez quem assistiu cair na gargalhada por respeito aos cabelos brancos da pobre senhora.
Pois bem, a mulher tentava a todo custo passar para o outro lado, mas toda vez que ameaçava fazê-lo, algum carro passava rapidamente, impedindo a travessia, já que uma pessoa daquela idade não possui mais a agilidade e o vigor da mocidade.
Essa situação permaneceu por alguns instantes, quando a mulher, já furiosa, pós-se a desferir impropérios aos apressados motoristas.
O caso era o seguinte: ela preparava-se para atravessar e Vrummmm!!! Um carro passava correndo. E a mulher, já exaltada, gritava: - Seu filho da #@$!*! E por aí foi.
Os transeuntes - inclusive nós mesmas - limitavam-se a passar observando, fazendo, discretamente, comentários entre si e dando risinhos de canto de boca - os mais indiscretos riam sem reservas.
Outros mais ousados, paravam para olhar e, a exemplo dos demais, faziam comentários debochados.
E a velha senhora prosseguia em seu calvário: ela tentando atravessar, sem sucesso, e proferindo palavras e expressões que vexavam quem as ouvia; os motoristas ignorando a situação e toda uma platéia a observando passivamente.
Não sei quanto tempo depois - de certo foi pouco tempo, embora a sensação é que tivesse durado bem mais - um bom samaritano, ou melhor, um motorista mais atencioso e porque não dizer prestativo, parou seu carro impedindo trànsito e permitindo a travessia da mulher.
Fim da história. Ela conseguiu o que queria. O trànsito prosseguiu. A platéia dispersou e o dia seguiu seu curso.
Essa história não saiu nos jornais e não sairá. Não irá permanecer na lembrança de muitos, mas ainda assim poderá ser vista todos os dias, em muitas ruas, em muitos lugares.
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