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cronicas-->Subterfúgios -- 29/08/2000 - 11:26 (FAUTH) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Não gosto de seu texto. O problema é que não sei como lhe dizer isso. E por que eu devo me preocupar? Não gosto e pronto. Seu texto é ruim mesmo. Verdadeiramente ruim. Mas tenho que ter argumentos para afirmá-lo. Não posso simplesmente dizer que não gosto e pronto. As pessoas querem esses argumentos, precisam de motivos e não há problema: isso é o que não me falta.

Aquele erro de concordància básico e por isso gritante me incomodou demais. A falta de acentuação naquela palavra que nem tenho coragem para dizer qual é, a própria escolha do vocabulário que utiliza... Tudo junto faz desse seu texto um verdadeiro lixo. A cesta de lixo é a sua direção.

Mas levanto os olhos do papel, ao fim da leitura, e vejo que você, muito simpático, está sorrindo para mim, ansioso, com esse olhar de brilho radiante feito criança que acaba de ganhar um presente.

- E aí? Gostou?...

Sua pergunta, como uma flecha, entra no fundo da minha alma.

- Não. É péssimo.

A resposta seria essa. Depois viriam minhas argumentações do ponto de vista gramatical, lexical, coesões e coerências que lhe faltam, além da própria idéia que, em si mesma, não diz nada.

Conheço autores que escrevem sobre o quase absolutamente nada. Gente que é capaz de desenvolver parágrafos e parágrafos a respeito de um mero atropelamento (e só o atropelamento: sem antecedentes e sem consequências), ou sobre os pregadores de madeira que quase não existem mais hoje em dia. Coisas banais mas que conseguem ser ditas com arte. Mas o seu texto sobre essa coisa banal, sem arte e sem classe, além de vários erros de português...

E você ali, sorrindo, parecendo que tem certeza de que serei favorável a ele, o texto. Como vou compactuar com isso? Não posso. Seria como concordar com a corrupção ou coisa que o valha.

- Quem, além da sua mãe, elogiou esse texto?

Não posso perguntar isso, apesar de ter essa curiosidade. Séria curiosidade. Tirando a parte "da sua mãe", que não passa de ironia, eu realmente gostaria de saber quem foi que deu a força, pois o jeito como você aguarda minha voz é de quem tem uma certa confiança. Aquela confiança que algum "amigo" lhe deu só para manter a amizade, para não feri-lo. Feliz, você vem até mim com o intuito de angariar mais um voto para sua produção literária; produção essa carregada de momentos de inspiração que o fizeram descrever todos aqueles sentimentos de maneira bastante comum. Bem lugar-comum.

Por que eu, que sou seu amigo? Para você era muito lógico que eu ratificaria a opinião desse possível outro. Tem que ter havido um outro. Do contrário não estaria, então, me olhando com esse sorriso de quem não está preocupado com o que pode vir.

- Você precisa ler mais, amigo. Está muito ruim isso aqui.

Mas não consigo dizer nada. E alguém consegue? É cruel, muitas vezes, expor uma verdade. Começo a escarafunchar o cérebro em busca de subterfúgios. Qualquer coisa que me leve a afirmar algo como:

- Está bom, mas...

E por que eu tenho que dizer que está bom se não está? Que situação foi essa que você colocou diante de mim?! Agora preciso resolver esse impasse. Você aí, olhando pra mim com avidez, à espera de uma confirmação que não virá. Para você sou autoridade. Minhas palavras serão sua vitória ou sua desgraça. E se chegou até aqui é porque, de certa forma, espera alguma vitória.

Agora eu... Dentro de mim a luta. Não quero estar aqui para ver seu sorriso transformando-se numa fisionomia triste ao encontrar uma realidade que o colocará num lugar bem diferente de onde o fizeram acreditar que estivesse.

Seu texto é muito ruim e você nem tem autocrítica suficiente a ponto de imaginar o quanto. Não faz idéia do que são seus erros de concordància e seus diversos clichês. A luz do luar refletida nas águas paradas do lago, o coração que gela por outrem, os sentimentos mais profundos de amor, tudo isso encontrado nas mais diversas capas de cadernos, agendas adolescentes e atribuídas a Sheakespeare, Lord Byron e outros figurões. E você ali, com suas livres adaptações do que é de domínio mais do que público.

Olho novamente para o papel e releio o último parágrafo para ganhar tempo. "Ele perguntou se gostei e o que eu vou responder"?

- Esse último parágrafo foi surpreendente, não foi? - pergunta ele como se adivinhasse o que eu estava relendo, enganando-se, porém, com os motivos para meu paralisado estado estupefacto.

Olho para o relógio e, num instante, estou apressado para fazer qualquer comentário. Inesperadamente alguém me salva:

- Eurico! - chama um amigo comum, do outro lado da calçada.

Eurico olha, sorri, acena, e fica mais apressado do que eu para sair dali e encontrar seu amigo. Sua pressa é verdadeira. A minha, fingida. Aceno também, despedimo-nos assim, com a coisa mal resolvida, deixando pendente o momento. Melhor para mim, que vou ganhar tempo para pensar numa resposta. Melhor, talvez, para ele mesmo. Mas o pior é saber que a situação voltará e estarei na mesma.

Informar a um amigo que se acha poeta "com alguma incursão na prosa" (como ele mesmo gostava de dizer), que seus escritos são um lixo não será tarefa fácil. Gosto dele. Todo mundo gosta e ninguém diz nada porque é mais fácil elogiar e manter a amizade sem arranhões. Mas penso que, se gosto mesmo dele, devo dizer a verdade. Pode odiar-me agora, mas agradecer-me-á no futuro, mesmo que lá no fundinho de sua alma. "Foi o único sincero, pois sempre desconfiei que minhas inspirações não eram lá essas coisas..."

Amanhã, então, vou dizer a ele. Prevejo o diálogo:

- E aí? O que achou daquele texto de ontem? - perguntará Eurico, eufórico.

E eu responderei, metafórico:

- Zagueiro.

- Como?

- Zagueiro! Vi você jogando futebol, ontem...

- E daí? O que uma coisa tem a ver com a outra?

- Dedique-se ao futebol. Sério. Você tem futuro ali. E com a alma de escritor que eu sei que você possui, tenho certeza de que entende esta metáfora. Por favor, Eurico, não me faça, agora, ser mais claro.

- Claro - ele responderá, engolindo em seco e, adultos, continuaremos amigos.

Disso eu tenho certeza.

FAUTH
http://planeta.terra.com.br/arte/fauth
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