Usina de Letras
Usina de Letras
112 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62182 )

Cartas ( 21334)

Contos (13260)

Cordel (10449)

Cronicas (22532)

Discursos (3238)

Ensaios - (10351)

Erótico (13567)

Frases (50584)

Humor (20028)

Infantil (5425)

Infanto Juvenil (4757)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140793)

Redação (3302)

Roteiro de Filme ou Novela (1062)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1959)

Textos Religiosos/Sermões (6184)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Contos-->Verão Grego -- 17/11/2000 - 10:52 (Luís Maximiliano Leal Telesca Mota) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Tinha sido no verão europeu de 1974, no paradisíaco balneário de Miklos, que Juan chegara à conclusão da existência de uma razão para se viver, e que fazia sentido o discurso de que o importante é a busca da felicidade acima de tudo.
Raios de sol aconchegantes sobre seu corpo estendido na areia junto ao de Maria. O som das folhas de oliveira misturadas a um violão longe e o mar azul-turquesa do Mediterrâneo. Com efeito, uma tarde mais do que prazerosa, um dia inteiro a sentir-se feliz. O início de embriaguez ocasionada por um Bordeaux e Maria, cujas curvas morenas simplesmente não me atrevo a descrever, nem tenho competência para fazê-lo com fidelidade. Amor de verão com lábios almofadados de um carmesim acetinado e olhos verdes contrastantes com a pele tostada. Não mais que vinte anos. Flor, feita só para amar.
Todavia, isso não era tudo. Poucas vezes ocorre de sentirmo-nos tão bem ao ponto de conseguirmos estar em perfeita harmonia com os demais elementos da natureza. E o sentir-se assim, parte dela, em consonância com ela, é um prêmio.
Naquele momento do tempo e do espaço, Juan e Maria não eram só um corpo, faziam parte de toda a Terra, eram a areia da praia, fluíam inconscientemente em direção ao Farol de Alexandria no fundo do mar, sentiam o cheiro dos ancestrais que plantaram as primeiras videiras, fundiam-se com o sol e amavam-se a si próprios e o cosmo acima de tudo.
Mas hoje era o dia 01.07.98, Juan não tinha mais seus vinte e poucos, trabalhava em seu estúdio fotográfico em baixo de uma garagem onde ensaiava uma banda cover do Iron Maiden e o frio de Porto Alegre deixava o melhor bom humor da humanidade, no mínimo, desacorçoado.
Juan, pela sexagésima vez desde o verão de 1974, retornaria à praia de Miklos tentando novamente encontrar o momento passado. Embarcou para São Paulo para pegar o avião até Atenas e lá passar as festas e o verão grego. Várias vezes pensou estar louco nesse buscar obcecado, porém concluía ao final estar certo. Nada adiantava viver sem nunca mais poder encontrar o verdadeiro momento de explosão interna, numa rotina de brigas no trânsito, contas para pagar, compromissos inadiáveis, coronárias em pandarecos, ou o pior: um psiquiatra. Razão tinha Vinícius: ver o sol se pôr, ver o sol raiar e desligar.
Juan chegou na ilha onde fizera amigos em uma tarde chuvosa. De Maria, a última notícia era de que há treze anos tinha morrido de overdose em Nova Iorque na companhia de um roqueiro famoso. Na praia onde havia sido feliz, a indústria do turismo construíra um prédio com vinte e quatro andares. "Um para cada ano de procura", pensava Juan olhando para construção e caminhando na praia já em busca de uma espanhola.
No verão de 1976, ele conquistara o coração da galega Marisol, cujos seios eram os mais lindos do ocidente. Bebera como ela Bordeaux safra 1974, estava sentado na mesma cadeira de praia, cuidou para ficar no mesmo lugar e até levou um antigo astrolábio para medir a posição do sol no instante equivalente ao daquele ano. Ficou tenso, rufaram tambores imaginários no seu íntimo, achegou-se mais à espanhola e, no momento exato, frustrou-se mais uma vez. Até estava aprazível, mas não era a mesma coisa.
Após quatro anos de maníaca busca, já curado de um herpes genital que pegara doutra espanhola, tendo feito inclusive parte de uma comissão municipal de Miklos que lutava contra um esgoto que desembocava na sua praia, depois de ter bebido duas garrafas do vinho, Juan, na companhia de uma mulher muito parecida com Maria, teve a impressão de que estava vivendo o momento buscado, mas a decepção veio à tona quando viu o céu fechar-se em ardósia no instante da redenção.
Teve um outro verão que teria sido feliz na mesma proporção de 1974, não fosse uma gripe que o fez passar a temporada em um Hotel luxuosíssimo ao lado de uma modelo famosa, desfrutando de uma bolada que ganhara há alguns meses.
Invariavelmente voltava frustrado para sua rotina brasileira. Tinha vivido excelentes momentos, bebidos as melhores safras, desfrutado das mais belas paisagens gregas. As mulheres mais belas e sensuais, amorosas e ardentes em banheiras à luz de velas para, no dia seguinte, ao deitar-se nas areias da praia, a inexorável frustração, com uma coisa ou outra. Uma vez foi somente um besouro verde que pousou em sua perna que estragou tudo.
Na volta daquelas férias resolveu não ir mais à praia de Miklos, afinal de contas restava-lhe algum bom senso. Chegando em Porto Alegre, passou a tarde trabalhando no estúdio e voltou para casa. Preparou um chimarrão e ficou sozinho na cozinha a pensar naquele verão, foi quando, de chofre, sentiu um rápido frio na espinha e um latejar de têmporas que o levou ao verão de 1974. O piso xadrez da cozinha subia pelas suas pernas, um aperto no peito, uma simplicidade amena, a felicidade de estar só a sorver o mate amargo que começara a tomar quando criança com seu avô em Bagé, uma cozinha feia, mas íntima. A vida, e o prazer da falsa insignificância.
Estava quase sem ar quando descobriu que os momentos são eternos, mas fastidiosamente fugazes.
Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Renove sua assinatura para ver os contadores de acesso - Clique Aqui