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Cronicas-->Aborto -- 04/07/2003 - 00:56 (Juraci de Oliveira Chaves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Pouco a pouco, seu corpo ia tomando uma forma diferente. Sabia que uma nova vida estava esboçando.
"O que iria fazer? Que desculpa arranjaria? Nunca poderia deixar os professores e os alunos descobrirem. Mas, até quanto tempo conseguiria enganar a todos?"
Aparecida não tinha mais cabeça para concentrar nos estudos e mesmo, no seu serviço. Deixava o arroz queimar, o ferro quente sobre a roupa fina e acreditava não demorar ser mandada embora do emprego.
" Ir pra onde, meu Deus!? Para a casa dos meus pais, impossível. Com conceitos formados sobre filhos fora do casamento! Nem pensar... Prometi a eles, voltar só com o diploma na mão para exercer a profissão de enfermeira, coisa rara naquele lugarejo. O que achariam desse novo tipo de diploma? Humm... pra lá não posso ir..."
Cida estava mesmo desnorteada. Não tinha com quem dividir suas angústias. O namorado fora para longe à procura de trabalho melhor, para alugar casa, preparar enxoval e cuidar da família que breve formaria, dentro das normas legais. Era o que ele falava e ela acreditava.
Neste sufoco, passaram dias e Cida não recebia uma carta ou telefonema do amado. Nada que poderia aliviar sua tensão.
Um dia, na escola, a Orientadora, percebendo a tristeza tanto na sala de aula como fora dela, chamou Cida para uma conversa, depois que terminasse o recreio.
"O que será que ela quer comigo? Nunca fui chamada em gabinete tampouco fiz algo errado. Será que já deu para perceber? E agora? Ah, já sei o que fazer."
Uma dor improvisada foi a justificativa para sair mais cedo e evitar aquela conversa.
Não foi para onde morava e trabalhava. Foi para a casa de uma amiga, também vinda do interior, grávida mas, decidida a provocar outro aborto; fizera duas vezes, por que não a terceira?
Estava tudo combinado com a dona da casa "É PROIBIDO NASCER," recuada lá no fundo do quintal, naquela chácara, logo na entrada da cidade. Era muito frequentada, assim... sorrateiramente. Quando um boato saía - ou seus informantes entravam em ação - que a "Clínica" seria visitada pela justiça, sofria uma modificação transformando-a numa ACADEMIA DE GINÁSTICA FEMININA. Quase sempre: de dia, Academia, de noite, Clínica mortífera.
Outra atividade desenvolvida por essa "parteira" era o "SAIBA SEU FUTURO." Ali era combinado, na hora da consulta, tudo sobre os procedimento e horários do assassinato daquele ser indefeso, mas com destino certo.
- Que cara é essa, menina? Parece enojada! Está acontecendo o que estou
pensando?
- Isso mesmo, Rosa. Estou na pior. Difícil esconder o mal estar.
- Ó amiga! Facilitou assim? Você ainda é muito jovem!
- É... ele me pediu uma prova de amor verdadeiro e - você sabe - não queria perdê-lo.
- Velho álibi que sempre funciona.
Isso era verdade. Não havia desfrutado nada ainda durante esses quase dezesseis anos. Arranjara o namorado muito cedo e pouco se divertira, tão era o ciume do rapaz. Olhassem para ela, já estava procurando intrigas. Certo que ele era menos bonito que ela, mas não precisava tanto possessivo ser.
- O que eu faço? Me ajude! Estou com medo!...
- Não chore... Já avisou para o pai da criança?
- Não escreve mais e não sei o endereço dele...
- Ele vai escrever, tenha paciência.
Isso mesmo. Quando Cida voltou, a patroa entregou-lhe a carta de Max que havia chegado. Agradeceu-a e, apressadamente, correu para o seu quarto, jogou os cadernos sobre a mesa, deitou de barriga para cima e começou a abrir a missiva com felicidades nos olhos. Sentiu-se que não estava sozinha. Virou a carta procurando o endereço para saber onde Max estava trabalhando mas, só havia o nome dele. "Não importa," - pensou.
Cida não acreditava no que lia. À cada frase, mordia o lábio inferior, quase sentia o gosto de sangue. Apertava, apertava com força.
Era como se ele estivesse ali na sua frente dizendo: "Desculpe-me Cida mas, nossa união seria um erro. Encontrei minha outra cara-metade. Brevemente encontrará a sua e será feliz, com certeza."

"Não vou chorar por um amor que se foi... e chorava."
Soluçava e sufocava o soluço no travesseio...
Gemia de tristeza, olhando o teto!... "Ele não me merece" - murmurava...
"Nunca imaginei passar por esta estrada. O conto de fadas não existia e tudo aquilo que parecia dar certo, já não passava de uma triste ilusão. Como seria bom poder dizer: "Casamo-nos e fomos felizes para sempre." Mas isso era final de contos de fada. Poderia acontecer com alguém, não comigo."
Três dias na cama e a patroa sem entender nada, daquela inesperada doença.

Cida tomou a decisão que lhe pareceu melhor. Procurou a amiga e disse sem pensar:
- Preciso interromper essa gravidez. Não quero filho sem pai. Me passa o endereço
daquela senhora.
- Estou saindo para lá. Vamos comigo e descubra tudo com seus próprios olhos.
- Mas, e o seu serviço? Como vai trabalhar depois de amanhã?
- Não haverá problema. Não precisa dieta nem repouso demorado. A dona é fera no
assunto.

A chave girou na porta que bateu forte provocando susto. Susto não pelo barulho da batida mas talvez, pelo fator consciência pesada.
Horas depois, Cida, numa cadeira ao lado, numa sala, presenciava o vaivém apressado de dona Didi com os preparativos para concluir sua tarefa. Nada era novidade para ela; tinha tudo que precisava sobre aquela mesa de mármore. Apanhou
toalhas, algodão, álcool e outros entre eles um aparelho com uma mangueirinha transparente e dentro dela, um ferrinho parecido com broca de furadeira elétrica.
Cida, muito trêmula e assustada, perguntou:
- Pra que isso?
- Este é meu bisturi predileto - respondeu a gorda senhora, enquanto cobria as mão com as luvas. - Nunca errei o alvo, nenhuma moleirinha, gloriou-se.
- Não fica com remorsos? O seu alvo não pode gritar por socorro... Ou acha que ele não é um ser vivo?
- Sei que é um ser vivo mas, é a minha profissão. É o meu sustento.
- Às custas do outro? Não se redimiu quando daquele episódio em que o feto tirou sua mão pequenina do interior do útero da mãe dele, tentando segurar um dos dedos da mão do doutor que estava intervindo?
- Vem me dizer que com isso o doutor recuou?
- Recuou sim. Este Bebê hoje, é símbolo contra a interrupção da vida.
- Escuta aqui, mocinha. Não veio para buscar os meus serviços? Então boca calada para não desviar minha atenção.
Cida ficou ali como se estivesse amarrada, presenciando a mórbida cena, condenando a si mesma por não sair correndo e denunciar àquela prática demoníaca.

Em poucos minutos, Rosa estava preparada para voltar para casa e começar nova vida, como se nada tivesse acontecido.
- E então? Marcou o seu dia? - perguntou Rosa com naturalidade
- Marquei sim, com o meu bebê. Vou lutar por ele e seremos dois a ingressar no grupo, em defesa da vida.
- Você está doida? Enfrentar a sociedade?
- E digo-lhe mais: Vou denunciar essa clínica. Esta foi a última vida que ela interrompeu. Esteja preparada para receber a perícia. A vida está acima de qualquer amizade. Adeus Rosa.

Juraci de Oliveira Chaves
www.jurainverso.kit.net
juraci@interpira.com.br
Pirapora MG
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