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Contos-->Tempestade -- 28/04/2004 - 15:39 (Bruno D Angelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Esta história começa numa manhã fria de novembro. O ano não se sabe. O dia: perdido no calendário. Sentado num banco de praça, o protagonista observa o rio agitado. Sozinho.
Tempestade próxima nas redondezas, disse o “rapaz do tempo” na televisão, antes de ele sair aquela fatídica noite, noite anterior. Atônito, pálpebras pesadas, vasos sanguíneos, o homem esfrega a mão encostando-a na boca. Assopra. Um bafo quente, reconfortante. Um esboço de um sorriso. A vida até lhe parece mais agradável. Que nada! Neste momento, há mais aflições que alegrias em sua cabeça
Vestindo uma jaqueta de camurça verde musgo e uma calça jeans, sentado no banco de praça, sozinho, seu nome é Rodrigo. Observa o rio. Que nada! Observa o nada, se é que se pode observar o que não existe. Mas, o nada existe, senão como ele poderia explicar o que está sentindo agora: um vazio, um nada imenso, abismo sem fim. Oco.
A festa terminara cedo e Rodrigo saíra para caminhar um pouco. Como morava ao lado, resolveu ir a pé. Os amigos de bebedeira lhe ofereceram carona, mas preferiu andar. Como se estivesse sendo impelido para isso. Queria encontrar alguma coisa, não sabia o quê. Talvez soubesse, mas não naquele momento. Foi só quando encontrou o que procurava, que se deu conta do que procurava.
A noite estava agradável. Batia uma brisa. O céu limpo. A lua, uma bola branca flutuante. Rodrigo sentiu o vento no rosto e pensou na previsão do tempo. Besteira! Tempestade! Era muito difícil acreditar que as condições do clima mudariam.
O filme passa quadro a quadro em sua memória. Aquela noite. A noite anterior. Ele sentado no banco da praça, de olho no rio e no nada. Agora, comprimindo os braços com as mãos. Tremendo. A tempestade. Pensava no “homem do tempo”. Pensava que não devia ter saído de casa. Que gostava de ficar em casa e assistir TV. Mas saiu... e pensava que agora tudo estava mudado.
Na volta da festa, meio alto pelas cervejas, uísques e vodkas, Rodrigo cambaleava, trôpego. Sentia-se alegre, bêbado, mas tanta mistura havia maltratado seu estômago e seus intestinos. Resolveu cortar o caminho pelo parque. Escuro. Mata fechada. Não quis saber de segurança. Com a coragem de um ébrio pensou “Seguro nunca estamos. Nunca!”. Além do mais, a necessidade faz o homem. Estava com vontade de vomitar e o parque seria um lugar agradável para fazê-lo; onde nenhum guarda entrava; onde poderia batizar todo o ambiente sem nenhuma chateação.
Aquela bebedeira! Rodrigo sentado no banco da praça se recuperava do porre. Ressaca. Do rio. Dele. Pensava por que bebera tanto. Sabia. Luciana, aquela vadia. Rosto de anjo. Corpo de ninfa ... sacana! Mal deixara o defunto esfriar e já passeava com outro casinho em sua frente. Viu os dois se beijando na festa, encostados no freezer. Ninguém esfriaria aquela esfregação, nem o freezer. Ela se amassando com o desconhecido, que por ser desconhecido, o deixava mais puto. Quem era? Resolveu beber. Bebeu.
Bêbado que dormiu no banco da praça. Podia ser um mendigo que perdeu a família, o emprego e encontrou outra perspectiva. Mas não, era ele. Rodrigo. Bêbado voltando da festa, se embrenhando na mata do parque. Bêbado amanhecido, que agora, remoia e regurgitava pesadelos.
O sol timidamente começava a nascer e as primeiras pessoas já saíam de suas tocas para fazerem os exercícios matinais. Quem visse Rodrigo ali acharia que é um deles. Um homem que gosta de respirar o ar revigorado da manhã. Mas ele odeia as manhãs. Acorda sempre após o meio-dia e vive de cortinas fechadas. Notívago, pensa melhor sob o brilho das estrelas. Sem alternativa, naquele momento, pensa sob a luz do dia. Sem alternativa, porque sua consciência traiçoeira não o deixa se livrar da culpa.
Os passos vacilantes, o corpo cansado, a mata fechada , Rodrigo caminhava rumo a casa. Olhou para o céu limpo. Mesmo alcoolizado não conseguia parar de pensar na previsão do tempo. Tempestade? Como assim tempestade? Com um céu limpo desses, nada iria mudar. Deu mais alguns passos, sentiu o estômago dar voltas. Parou, respirou. Mais um passo, o suficiente para se recostar na árvore, baixar a cabeça e vomitar entre os pés.
O estômago se revolvia, repuxava, parecia querer virá-lo do avesso. Sobre sua cabeça, nuvens vindas sabe lá de onde começavam a encobrir o céu estrelado. Em poucos minutos, o tempo de Rodrigo se recompor, o quadro climático já era outro: o céu ameaçava desabar. Assustado, ainda bêbado, Rodrigo já não duvidava mais de que pudesse vir uma tempestade. Resolveu se apressar. Porém, antes de recomeçar a caminhada, ouviu murmúrios mais à frente e avistou sombras de pessoas. Curioso, esgueirou-se até o local. Um casal transava encostado no tronco de uma árvore. O susto foi quando ele viu quem era a mulher.
Luciana! A imagem não sai de sua cabeça. Rodrigo, pasmo, sentado no banco da praça, meneia a cabeça, de um lado pro outro, de um lado pro outro. O senhor que faz cooper lança um olhar preocupado para ele. Ele passa, Rodrigo nem vê. Fora de sintonia, continua preso dentro de seu próprio labirinto. Divaga, reconstrói a história, revive o momento de agonia que está porvir. Figura sombria. Atordoante. Solitária. Naquele lugar.
O sol já levantou totalmente. Uma mancha laranja no centro do céu. Mais forte do que nunca, seus raios ofuscam a visão de Rodrigo. A tempestade fora deixada para trás, na mata daquele parque. Água da chuva misturada com lágrimas. Suas. Deles. O gosto salgado na boca molhada. Trovões. Escuridão. Claridade. Escuridão. Claridade. Nem mesmo Rodrigo, recontando os passos em sua memória poderia dizer de certo o que aconteceu.
“Não quero mais pensar nisso”. Levanta-se meio dormente, com dores em todo o corpo pela noite mal dormida e, vagarosamente, vai até a margem do rio. Agacha-se e começa a lavar as mãos. O rio continua seu caminho, tingido de vermelho.

Por Bruno Moreira



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