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Contos-->Vida de Goleiro -- 19/11/2000 - 00:25 (Silvio Freitas Teixeira) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Gilmar nascera predestinado a ser goleiro.
O pai o batizara com esse nome em homenagem ao grande Gilmar dos Santos Neves, goleiro da seleção brasileira na copa de 70. Quando começou a torcer por um time de futebol não teve dúvidas, escolheu o colorado, pois no gol do Internacional outro bom goleiro, também de nome Gilmar, brilhava ao defender um penalti em pleno gre-nal.
Quando começou a jogar bola foi para o gol, não como tantos outros goleiros que acabavam no gol por serem “ruins de bola” mas porque era o que ele queria. Corajoso, pegou fama de pegador, pois não titubeava na hora de se atirar nos pés dos atacantes. Nas aulas de educação física era sempre o primeiro a ser escolhido na divisão de times, garantia de tranquilidade na defesa. O professor, que também era treinador do principal time de futebol da cidade de Gravataí, logo percebeu o potencial do garoto e o convidou para treinar no Juvenil do Esporte Clube Cerâmica.
O garoto não decepcionou, catava tudo. Se a bola vinha por cima ele pulava, se vinha por baixo, comia grama, se era forte espalmava, se era colocada encaixava. Tinha visão de jogo, lançava com as mãos no meio do campo. Pra fazer gol nele não podia chutar direto, e quando tomava um gol não esmorecia não, chamava a responsabilidade para si e dava gritos de incentivo para a defesa.
O Cerâmica viveu dias de glória. Apesar de Gilmar estar apenas com 15 anos, já jogava com a equipe Junior em campeonatos amadores estaduais. Quando perguntavam o que pensava do seu futuro a resposta era sempre a mesma:
“- Vou ser goleiro do Internacional.”
E ninguém duvidava, era só ele ter uma chance que com certeza ele a agarraria, tão fácil quando as bolas chutadas pelos atacantes.
Então surgiu a oportunidade. A oportunidade única. O velho Abílio iria assistir uma partida do Cerâmica. Não se tinha certeza se ele viera por causa do Gilmar mas isso não importava, era o velho Abilio dos Reis, o maior descobridor de talentos de todos os tempos, ele tinha faro pra coisa, um talento natural, bastava ele ver um garoto dar meia dúzia de toques na bola e ele já proferia se o guri “ia dar dos bons”.
A chance não podia ser melhor, o 13 de Maio, antigo algoz e rival, não contaria com seu principal jogador, o pelego, neguinho invocado de cabelo rasta e driblador como o diabo, mas a violência, companheira inseparável de quem tem talento, lhe presenteara com uma lesão que o tiraria do jogo.
O estádio estava lotado, cerca de 300 pessoas se acotovelam para ver o clássico Gravataiense. Para o velho Abilio, um camarote montado com quatro mesas de dobrar, cortesia da Pizzaria do Gordo. A primeira Antártica já se despedira quando os times finalmente entraram em campo.
Lá estava ele, o Gilmar. Uniforme novinho comprado na Paquetá, fez o sinal da cruz e olhou pro canto do campo onde estava o Abilio, seu coração pulava na garganta.
Moeda pra cima, deu coroa, maldita coroa, havia jogado-o para a outra extremidade do campo, longe do olheiro famoso. Tudo bem, ele tinha de se manter tranquilo, faria o que sabia fazer de melhor e deixava o resto nas mãos de Deus.
Apita o árbitro, começa a partida. Os primeiros minutos passam de forma lenta, os times se respeitam e se estudam. A segunda Antártica estava melhor que a primeira, estupidamente gelada, mais estúpida só se cuspisse na cara da gente.
O Cerâmica domina a partida, para azar do Gilmar passam a maior parte do tempo no campo de defesa do 13. Pelo menos durante o primeiro tempo ele ficara no lado da sombra, mas a cabeça continuava quente, cade do Treze atacar. Apesar do Cerâmica dominar a partida o gol não saia, aparentemente todo mundo queria dar um toquinho a mais, mostrar habilidade e fazer um cartaz pro Seu Abílio. Objetividade mesmo néca, chegavam na cara do gol e tentavam um lençol ou uma bicicleta. O primeiro tempo se arrastou. O jogo estava tão ruim que o juiz terminou a primeira etapa aos 43 minutos. Tirando algumas bolas recuadas o Gilmar não tivera trabalho nenhum, na verdade nem o goleiro adversário.
No intervalo o treinador não apareceu no vestiário, foi conversar com o Seu Abilio, “trocar umas idéias” ele disse.
Começa o segundo tempo e Gilmar se enche de esperanças, além de estar próximo ao “camarote” dos olheiros, o 13 voltou com outra disposição, estava baixando a lenha. Aparentemente tinham tomado uma carraspana no intervalo e vinham pra ganhar. “Deixa eles” pensou Gilmar, queria mais que chutassem todas para poder mostrar serviço.
Cinco minutos do segundo tempo e o zagueiro do Treze sobe ao ataque numa arrancada forte, toca pro centroavante que faz a parede pro ponta, quando esse vai chutar é calçado por trás. O juiz não titubeia e marca falta no bico da área.
“- Droga!” Pensou Gilmar “- Pena que o pelego não tá em campo, com ele essas faltas vem no angulo e eu espalmava de mão trocada.”
Sem o pelego a bola acabou parando no meio do mato, mato mesmo, pois atrás do muro, três metros adiante da goleira, os maricás cresciam frouxos.
O tempo ia passando e apesar do Treze ter melhorado sensivelmente os dois únicos chutes dados ao gol de Gilmar passaram perto mas não entre as traves. Gilmar mostrou um bom golpe de vista, deixando a bola ir pra fora, mas isso era pouco, muito pouco. A defesa do Cerâmica estava sólida e mostravam serviço pro Seu Abílio, não deixando passar nem sombra.
Então Gilmar resolveu apelar, enquanto o time atacava chamou o Fernandão, Becão da antiga, com quase a mesma largura e altura.
“- Deixa o cara passar Fernandão.” Implorou o Gilmar
“- O quê ?”
“- Deixa o cara passar, eu preciso mostrar serviço pô !”
“- Mas aí quem não mostra serviço sou eu !” Contestou o Beque surpreendendo com sua lógica simples mas irrepreensível.
“- Deixa ele passar que te dou a minha bicicleta !“
“- Feito !”
Agora vai. Olhou pro canto pra se certificar que o célebre observador continuava ali e encontrou-o atrás de meia dúzia de faixa azul, firme, olho de águia, mas com uma cara obviamente entediada.
A merda é que os ataques estavam vindo tudo pela direita onde não era o Fernandão que marcava, e como ele só tinha uma bicicleta não podia fazer mais nada.
Então o ponta-esquerda do Treze foi lançado, veio pra cima do Fernandão que não se fez de rogado, meteu uma perna na frente da outra e se estatelou no chão. Agora era sé ele e Deus. Gilmar deu cinco passos pra frente pra fechar o angulo, torcia pra que o ponta tentasse encobri-lo, mas podia tentar o drible da vaca também, ele sabia como evitar que acabasse em gol.
Só que o ponta não era o pelego e não tinha essa habilidade toda então a na risca da grande área meteu o dedão, não de chapa, não colocada, bicão mesmo.
Gilmar pulou.
Pulou e viu o sol, nem um segundo, só um instante, um instante onde se decide a vida e a morte, um instante onde se separa as crianças dos homens. Que queimasse sua vista, que o sol inteiro entrasse em seus olhos, ele era o Gilmar, não tremia na frente de ninguém. Então no auge de seu salto cego pelo brilho do sol ele sentiu o gosto do sucesso, suas mãos seguraram firmes e não soltaram aquela que se oferecia em holocausto para que o jovem goleiro brilhasse mais que a luz do sol, aquela por quem ele tinha tanto carinho, aquela, aquela...chuteira...
Gilmar, no chão, percebeu que o ponteiro vibrava pela conquista de um gol que ele não viu, que o ponteiro era abraçado e que corria agora com apenas UMA das chuteiras. Traído pelas forças primárias da natureza, Gilmar acabara por apanhar a chuteira do ponta que escapara quando ele chutou a bola. O estádio era um apupo só de risos e de troça. Bola ingrata, gente ingrata. Ele levantou os olhos ainda nublados, meio por causa do sol meio por causa das lágrimas que pediam passagem, levantou-se, juntou a toalha no fundo da goleira e saiu. Assim, sem dizer nada pra ninguém, se foi embora. O treinador questionado a fazer alguma coisa só disse:
“- Deixa ele. Deixa ele.” E colocou o goleiro reserva para os últimos cinco minutos que faltavam.
Durante muito tempo não se ouviu mais falar do Gilmar, depois fiquei sabendo que o pai havia lhe dado uma surra por ter perdido a bicicleta e o colocou no seminário. Dizem que se encontrou no caminho religioso, que era muito feliz e que nos finais de semana, ajudava o time dos padres a ganhar fama de não perder uma partida sequer nos campeonatos presbiterianos, não faziam gol mas não tomavam também. Até parece que o goleiro era abençoado.

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