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Roteiro_de_Filme_ou_Novela-->MINHAS PERNAS QUEREM ANDAR -- 17/08/2006 - 11:06 (divino antonio de sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Minhas PERNAS QUEREM ANDAR







ROMANCE DE DIVINO ANTONIO DE SOUSA






























Caro leitor você vai conhecer um menino que teve o destino como seu adversário; logo cedo Sérgio deparou com a dor, por ele ter ficado sem os movimentos das pernas, de perder sua liberdade, poderia ser superado perfeitamente por ele, mas uma maior perca Sérgio sofreria e essa perca jamais ele aceitaria. Ao contar aqui sua vida eu chorei com ele, revivi com ele tudo que está aqui narrado, talvez porque eu também não posso andar. Um forte desejo de passear com seu Thomás em seu automóvel eu senti.
Estou certo que você irá se emocionar lendo essa história.


































O autor


Índice



CAPETINHA......................................................................................... 07

BURACO NEGRO............................................................................... 16

PEÃO DE BOIADEIRO........................................................................ 26

O CRIME.............................................................................................. 37

O HOSPEDE........................................................................................ 53
UM NOVO AMIGO............................................................................... 68 ARMADILHA DO DESTINO................................................................. 77

A DOENÇA.......................................................................................... 87

LUTA PELA VIDA............................................................................... 98

INTERFERÊNCIA DIVINA................................................................. 107

A CARTA – CAPITULO FINAL.......................................................... 114








CAPITULO 01

CAPETINHA


Estado de Minas Gerais, ano de 1962. Ao Norte desse Estado vivia Sérgino: Um humilde lavrador de pouco mais de vinte e cinco anos de idade. Com ele morava Inácia de vinte e dois anos de idade sua esposa, que estava preste a dar a luz. Sérgino e Inácia estavam casados já há dois anos. Não tinham nenhuma mordomia, moravam em um barraco de madeira coberto com palhas de coqueiro em péssimas condições físicas. Enquanto Sérgino na roça, na capina, em casa sua mulher exercia as prendas domésticas, tudo tinha de estar pronto para quando o marido chegar.
O rancho de sérgino e Inácia ficava isolado na mata em cima de um morro, por isso a jovem mulher sentia medo daquele lugar, medos dos bichos que existiam ali, era preciso ter muito cuidado para não ser vítima de uma daquelas feras. Inácia já passara muitos sustos naquele rancho, mas como aquele nunca: Inácia preparava-se para fazer almoço, ela se apossou de uma vasilha e caminhava em direção ao fogão feito de barro queimado. A mulher ficou diante do fogão perplexa ao ver descendo da chaminé do fogão uma cobra; a mulher disparou à correr para a roça gritando por seu marido, ouvindo o chamado de sua mulher Sérgino foi em seu socorro, juntos eles voltaram o rancho, o bicho estava lá, já na trempe do fogão. Acostumado Sérgino não encontrou dificuldade em matar a cascavel, a preocupação de Sérgino era com o estado de sua esposa que tinha se assustado muito e isso poderia afetar o bebê.
Nos fins de semanas era mais uma agonia para Inácia. Todos os fins de semanas ela ficava sozinha até tarde da noite esperando pelo marido, Sérgino se embriagava no botequim, a intenção era fazer compras, mas nunca voltava cedo e sóbrio da venda. A espera de Inácia era um tormento, sobre a mesa uma luz de candeia clareada a solidão da mulher.
07
De repente um barulho, era Sérgino que chegava já de madrugada, o latido do cachorro Gafanhoto, que não servia para nada, só prestava mesmo para comer os ovos das galinhas, dava o sinal de que Sérgino estava chegando, Sérgino adentrava no rancho carregando um embrulho e acariciando o cachorro. Inácia nada falava com ele, segurando as lágrimas ela ia se deitar.
Sucedia os dias na mais calmaria, uma calmaria recheada de dificuldades para sobreviverem naquela pobre terra. Sérgino tinha planos de dar fim naquela situação que piorava a cada dia, pensava no filho que ia nascer e ali não pudia continuar morando, o rancho não oferecia nenhuma segurança. Seu desejo era de fazer uma boa colheita, vender aquela terra e ir para outro lugar com sua mulher, Inácia também conservava a mesma idéia do marido, sempre em suas orações ela pedia a Deus que abençoasse seu companheiro no trabalho com a terra e que seus esforços fossem recompensados. A colheita estava longe e não podiam mais esperar, Sérgino não quis saber do resultado da colheita, vendeu tudo e para Goiás eles foram, em Goiás estava seu velho pai e de lá Sérgino e Inácia eram originais. Seu velho pai, Antonio Sérgino tinha situação razoavelmente bem e a convite do próprio pai, Sérgino e Inácia ficaram hospedados em sua casa, Inácia não viu essa idéia com bons olhos, porém concordou por alguns dias.
Na véspera de seu parto, Inácia recebeu a gratificante notícia de seu marido da compra de uma casa, assim que se mudaram a mulher sentiu-se mal para ganhar seu filho.
Sérgino havia arrumado um serviço de entregador de leite e nesse dia não estava na cidade, com a ajuda de uma parteira velha e surda ela deu a luz a um garoto.
``Se passaram sete anos´´
Sérgio foi o nome dado ao menino de Inácia Sérgino. Era um belo bambino, dotado de esperteza, em seu rosto angelical havia sinais que denunciava os perigos do mato. Não era característica de Sérgio preocupar em se vestir, andava sempre de pés descalços, trazia consigo o símbolo do preconceito que causava nos meninos das cidades. 08
Cavalgar mondado nos cavalos era seu roube predileto, galopar e fazer das suas artimanhas era seu maior prazer. Inácia teve mais duas meninas: Selma Célia, Célia era a casula, de apenas hum ano de idade, era a mais paparicada pelos pais, também paparicaçao essa que era justificada por sua beleza, a menina era linda; os cabelos loiros e lisos, o que dava mais impacto a sua beleza. Selma também cativava as pessoas pela sua meiguice, Selma transmitia algo de simplicidade, a idade de três anos era outro motivo para impressionar, pois a menina demonstrava ser muito inteligente.
A família morava em um pequeno sitio situado no interior de Goiás, perto de Corumbá, Sérgino voltara a trabalhar na lavoura, Inácia mantia as meninas muito bem limpinhas e cuidadas, sim, as meninas porque Sérgio ficava lá pelos pastos, nas fazendas vizinhas aprontando suas vadiações, quando ele não estava ajudando seu pai estava calopando nos cavalos pelos matos. Sérgio tinha muitos amiguinhos, dentre eles um especial: Eurípides, que também era seu colega de sala de aula e parceiro de todas as horas, Eurípides tinha a mesma idade de Sérgio.
A vida do casal já não era só de miséria e desgosto. Deliciosos doces eram preparados por Inácia que comercializava num pequeno cômodo de sua casa, cômodo este conhecido como ´´boteco``, era um ponto de comércio que ajudava na renda da família. No botequim Inácia passava boa parte do tempo atendendo os fregueses, pois Sérgino tinha sua própria ocupação, cuidar das reses, da terra, preservar o patrimônio da família era sagrado para ele.
Todos ali diziam que tempos atrás houve uma chacina com os moradores daquela região, mais precisamente com os antigos moradores da casa que Sérgino e sua família residiam, havendo até mortes e que corpos foram enterrados no lugar e que aquela casa foi exatamente construída em cima dos cadáveres. Inácia levava a sério o que os outros diziam sobre a casa, pois o piso da sala parecia oco por dentro e lá tinha uma temperatura mais fria que do restante da casa. Selma não sabendo desses comentários afirmava que tinha visões noturnas, a menina dizia pra mãe que tinha medo daquela casa. 09
Inácia ficava encabulada com os dizeres da menina, porém nunca denunciava para ela o que os outros diziam não querendo deixar Selma mais traumatizada, mas no fundo Inácia sentia medo também. Sérgno via esses comentários com naturalidade, para ele era pura imaginação de Selma e Inácia.
Mas algo de errado realmente havia naquela casa.
Sérgio demonstrava contentamento com a escola, com o amigo Eurípides, mas nunca esquecendo de sua liberdade de criança. Um dia ao voltar da escola, Sérgio avistou perto de sua casa um humilde rancho de palhas secas. Uma idéia das suas veio em sua cabeça, auxiliado por Eurípides, ele tirou da jibeira do short uma caixinha de fósforo e num de seus gestos de malicia meteu fogo no rancho, os dois meninos se esconderam e ficaram olhando queimar o abrigo das galinhas dormirem. O que eles não contava era que, um pouco distante dali Sérgino assistia essa arte, Sérgino não tomou conhecimento da origem do fogo, aproximou-se para certificar de onde surgiu aquele fogo, não foi difícil verificar que o responsável por aquilo era Sérgio. Eurípides viu primeiro Sérgino e saiu correndo, mas Sérgio levara uma surra e foi ele bem surrado pelo pai.
Após alguns dias Sérgio esqueceu a sova que levara de seu pai e novamente eles, ao saírem da escola não foram diretos para casa, Sérgio e Eurípides caminhavam diretamente para um riacho que ficava no interior da mata, riacho esse que era próprio para tomar banho, ninguém resistia ir ali e não se lavar naquelas águas. Aquele assunto de Sérgio, Eurípides não compreendia nada, Sérgio dizia em volta do riacho que algo ia acontecer na sua vida, que ele poderia até morrer, mas talvez não morresse, dizia que estava estudando para ser um grande homem, mas que muitos problemas ele teria, que seu pai te abandonaria, Sérgio dizia que tinha medo de viver. – Num quero – falava ele – Num quero chorar Eurípides, mas to com medo...
Eurípides ouvia atentamente o amigo e indagava o por que estava chorando, Eurípides dizia que Sérgio era muito pequeno para pensar nessas 10


coisas, que eles iam se divertirem bastante ainda, porém Sérgio parecia mesmo um profeta falando:
- Lembra daquele poço que nós fizemos lá na mata Eurípides, ele já estar bem fundo e logo vai minar água, quando a água vier Eurípides, de maneira nenhuma chegue perto do poço, se não você vai ser vítima daquela água, o dia que você ver água nele me avise...
Eurípides não sabia qual o fundamento de Sérgio estar falando aquilo, por um bom tempo Eurípides só ouvia Sérgio, apesar da sua pouca idade, falando como um adivinha e se comparando a um pessimista.
Já dissemos que Sérgio se dedicava muito ao trabalho, estava sempre com o pai, auxiliando-o na capina e na lida com o gado, pelo seu esforço com o pai, Sérgio adquiriu a admiração dos fazendeiros da região, não só pelo seu trabalho junto ao pai, mas também pela sua imagem de vaqueiro, embora miúdo, mesmo todos acreditando que Sergio trazia um mistério.
Os dias eram calmos naquela vida de interior, de vez enquanto Sérgino recebia uma visita satisfatória, como a do seu velho pai, seu Antonio. Na casa seu Antonio não via Sérgio e por ele seu Antonio perguntava. Essa visita do pai de Sérgino foi numa terça-feira, era hora de aula e na escola Sérgio estava.
Na escola o menino não era dos mais comportamentos, mas se dedicava aos estudos, juntos com os amigos ele era um capetinha em forma de gente. No meio da aula daquele dia, Sérgio fez uma coisa curiosa. A professora, D.Gracilene mandou Sérgio ir ao quadro-negro e que fizesse um desenho qualquer, ele obedeceu à professora. O desenho feito por Sérgio foi surpreendente para D.Gracilene, na lousa Sérgio havia feito um desenho de uma cadeira de rodas, o porquê daquele desenho nem os meninos, nem a professora entendiam, todos durante um tempo ficaram olhando para o menino.
Em casa, o velho Antonio na sua visita conversava basicamente como o filho Sérgino sobre os negócios, sobre o trabalho com o gado etc.
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Sérgino dizia ao pai que precisava aliviar o sacrifício de Sérgio, que carecia de braços fortes, seu Antonio concordou com tudo e contou de um jovem que tinha em seu poder, jovem esse chamado José de vinte anos de idade, dizia seu Antonio que José poderia ser útil para ele e assim poupar o menino. José veio morar na casa de seu Antonio ainda moleque, ele era filho de uma prostituta e pai desconhecido e para José não morrer de fome foi criado por seu Antonio, José tinha uma invejável disposição para o trabalho, apesar de alguns acharem que ele era meio retardado. Sérgino quis o rapaz, então José veio para o sitio de Sérgino logo no dia seguinte.
Era certo que ele não tinha nenhuma cultura e parecia ser muito envergonhado, sem cerimônia ele foi apresentado à nova família, Inácia ficou afastada, mas mesmo afastada ela demonstrava uma parcela de gosto pelo novo membro da casa, as meninas que estavam com medo do rapaz e da barra da saia da mãe elas não soltavam, Sérgio estava contente e dizia que ia fazer de José um valente vaqueiro, fazendo José liberar um ousado sorriso, para incentivar José Sérgio lhe estendeu a mão, desejando boas vindas.
Na vendinha de Inácia havia muitas variedades à venda, mas o que vendia mais era bebida alcoólica, aturar bêbados era rotina de Inácia, diariamente aconteciam atritos naquele local entre pessoas embriagadas, o apuro de mulher era constante, pois era só ala que servia aqueles selvagens, o marido jamais estava ali para defender a mulher daqueles imundos e violentos homens, eram comum eles usarem até arma de fogo ou de corte numa briga, aumentando o medo de Inácia. Porém mesmo sem segurança Inácia se dedicava bastante a sua profissão, o medo não a impedia de desenvolver sua atividade com grande eficiência. Dentre as discussões que havia ali dentro, a mais horrível foi a de Alfredo e Tunico: Os dois estavam em desentendimento há horas e amdos bastante bêbados e já bem nervosos, quando Tunico sacou de uma faca bem afiada, sem compaixão ele cravo-a na barriga do pobre do Alfredo, causando no coitado uma grande hemorragia sanguínea, Alfredo não mais pode se levantar e não demorou a morrer ali mesmo.
Falando novamente de Sérgio.
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Sérgio tinha várias manias, uma delas era roer as unhas, freqüentemente sua professora te chamava a atenção, dona Gracilene dizia que era anti-higiênico roer as unhas, dizia que as unhas escondem micróbios nas sujeiras que acumulam entre os dedos e as próprias. Em suas aulas dona Gracilene sempre falava da importância da higiene, das boas ações, do respeito aos mais velhos, da necessidade de se educarem e adquirir conhecimentos, de se preparar para a vida. Sérgio ficava atento, mas não era de seu feitio obedecer e seguir essas regras, também, para uma criança de pouca idade como Sérgio era quase que natural. Sérgio ignorava a vida lá fora, em seu subconsciente ele trazia uma insegurança do futuro, Eurípides, o único que estava a par das confissões do menino, sentia um pouco de receio das reclamações de Sérgio, mesmo sem ele entender bem o que Sérgio queria dizer estava disposto a te ouvir e muita das vezes te apazigua.
Sérgino confiou uma missão a Sérgio e a José de irem buscar uma novilha a uma distância bem longa, Sérgino pediu para o filho ter muito cuidado, pois se tratava de uma bezerra arisca e traiçoeira, disse também para não se esquecer que era ele que estava no comando, José era seu ajudante, Sérgino alegou que não ia com eles porque tinha um trabalho urgente para fazer. Sérgio se aposou de uma funcieira e ordenou a José que o seguisse, primeiro se certificou de sua montaria e pôs o pé na estrada, ele e José, de casa Inácia ficou pedindo a Deus que protegesse o filho naquela viagem que levaria mais de um dia. Eurípides chorava por não ir com Sérgio, sua mãe dona Geralda se opôs a esse desejo de Eurípides. Sérgino tinham os olhos fixos na imagem do filho que pouco a pouco sumia na poeira da estrada, assim desapareceram ao longo da estrada; Sérgio, José e um cachorro que acompanhavam eles na margem do caminho.
Conhecendo melhor o velho Antonio.
O pai de Sérgino transmitia bastante sinceridade e austeridade em seus atos, homem de influência na cidade onde morava, Abadiânia. Por problemas políticos Abadiânia não se desenvolveu, parecia mais uma corutela, situada cerca de oitenta quilômetros da Capital de Goiás.

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Seu Antonio era pai de doze filhos, todos já casados, apenas os mais novos eram solteiros, nenhum dos filhos dependiam mais de seu Antonio, com exceção de Ércio e Divino, os mais novos, Ércio contava com treze anos de idade e Divino com dez. Dos filhos de seu Antonio, Sérgino era o mais velho, também o único que foi morar no campo, os outros nove mudaram com suas famílias para a cidade grande. Para matar a saudade dos filhos havia pendurado na parede da casa do patriarca da família uma moldura com o retrado de todos os filhos reunidos, motivo de muito orgulho para seu Antonio e de dona Francisca (dona Chica), companheira do velho Antonio, juntos eles construíram tudo que tinha. Dona Chica, como todos a conheciam, era mulher a exemplo do marido, de personalidade forte, determinada e firme em suas decisões, dona Chica nunca admitia erros, tinha idade bem avançada, mas era cheia de vigor, bem enérgica, sabia como ninguém resolver uma situação com toda experiência de uma senhora de sua idade. Seu Antonio também tinha idade já bem alterada, porém não tinha medo do trabalho, ele era proprietário de uma máquina de limpar arroz, vivia feliz e agradecido a Deus pela família que te concedeu, contudo seu filho Ércio não pensava como o pai, apesar disso, Ércio estava sempre ao lado de seu pai prestando sua sabedoria de adolescente estudioso, só para si ele guardava a vontade de sair daquela vida pacata de interior, sem movimentação nenhuma, diferente do irmão Divino, que demonstrava ser alegre, descontraído e saudável, tudo para ele tinha seu lado bom, ria-se de quase tudo e portava uma incrível inteligência. Divino tinha uma criatividade invejável. No fundo do quintal da casa de seu Antonio corria um rego de água, era lá o local preferido de Divino exibir suas técnicas e suas invenções, várias modalidades Divino construía ali. Uma criação do menino interessante foi uma miniatura de um monjolo, também de um barquinho e outros. O que deixavam todos encabulados era que Divino tinha apenas dez anos de idade. Na hora dele ir para a escola era uma verdadeira batalha para dona Chica fazer Divino deixar sua mini-indústria.
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O vilão contra Divino era Ércio, Ércio sentia prazer deixar Divino irritado destruindo seus inventos, constantemente os dois irmãos estavam se pegando em bofetões.
Na casa dos velhos havia uma menina tida como a criada da família, coitadinha, era muito ingênua, seu nome era Aparecida. Aparecida vivia subordinada por sua patroa, dona Chica atribuía todo trabalho de casa a ela, em troca ela tinha comida e escola, a menina não contava com nenhum parente para te defender, Aparecida era censurada em tudo, dona Chica impunha sobre ela um rígido controle. Dorvalino, que era irmão de seu Antonio gostava de dar palpites na vida de Aparecida, também era homem bem maduro, para não dizer velho mesmo e era considerado mau caráter e cara-de-pau.
Aparecida se achava entrando para a adolescência, por isso tinha por onde prender um homem, visto que era um pouquinho bonitinha e indefesa.
Dorvalino não relacionava bem com sua esposa, ele nem precisava ser tão ruim para sua mulher, pois essa já estava no fim de sua vida, o que logo aconteceu, o coração da mulher não resistiu a tanto sofrimento, sorte dela, porque viver com Dorvalino naquelas condições não tinha vantagem nenhuma. O casal não tinha filhos, dona Conceição morreu sozinha.
Na noite em que a mulher morreu Dorvalino passou na bebedeira, beber demasiadamente era outro ponto negativo seu. Pelas seis horas da manhã ele chegou a casa embriagado e carregando uma garrafa de cachaça, Dorvalino nada percebeu e ao lado da mulher morta ele se deitou. Um pouco mais tarde uma senhora, que passava em frente à casa notou um mal cheiro vindo do interior da casa, a mulher se atreveu a entrar na casa a fim de certificar o porquê daquele estranho cheiro,
A casa parecia abandonada, a cada passo seu o suspense aumentava, pois porções de moscas se levantavam em vôo e para o quarto a senhora se dirigia, lá no quarto ela viu a causa do mal cheiro, o cadáver estava com o rosto repleto de moscas e ao seu lado estava o marido dormindo sobre o efeito da pinga. 15

CAPITULO 02

BURACO NEGRO



Sérgio e José, em virtude da aproximação da noite ficaram na fazenda de seu Agostinho até o amanhecer do dia, tendo ótima recepção por ele e por sua família, a mulher até se preocupou em preparar uns deliciosos bolinhos para eles comerem na viaje no dia seguinte. A novilha era realmente muito velhaca, Sérgio, para evitar sacrificar o animal, não quis colocar a focinheira, mas foi inevitável não colocar, fazendo a vaquinha agitar-se. Com o objeto preso na narina do animal, Sérgio amarrou a ponta da corda na montaria do cavalo de José e a outra extremidade da corda ele prendeu na focinheira, José ia à frente com seu cavalo puxando a novilha. Os dois montaram nos cavalos, agradeceram o pouso e os bolinhos e seguiram viagem de volta para casa. A vaca moura lutava com muita euforia contra uma cerca de arame farpado, sofrendo pela perda da filha; fortes mugidos de desespero a vaca mãe soltava por causa da separação. Sérgio podia perceber perfeitamente o efeito que isso causava na novilha pelas águas que escorriam de seus olhos, o que mais mexia com o menino era que seu Agostinho espancava a pobre vaca, obrigando-a se juntar às outras reses. José não era de muita conversa, cumpria somente ordens, estava firme em seu posto andando na frente e mastigando, sua atenção estava somente nos bolinhos feito por dona Rosa, de vez enquanto o cachorro era premiado com um pedaço de biscoito, mas a maior parte era dele. Conduzir dois animais ao mesmo tempo não era difícil, mesmo porque o cavalo já conhecia o caminho e a novilha, já derrotada pelo cansaço imposto pela ignorância do homem já tinha cedido, andava sem nenhum problema seguindo seu destino. Sérgio driblava o silêncio assobiando uma canção de sua autoria, de vez enquanto uns lá lá lá ...

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A face de vaqueiro era denunciada pelo chapéu de palha na cabeça, pelo laço de couro com uma enorme argola de metal que ia anexo à sua montaria; nos pés o menino trazia botas também de couro que subia até os joelhos e para completar as esporas com dentes afiados. O calor forte fazia com que refletia sua sombra no chão, era comum ele se assustar com largados verdes quebrando folhas secas pelo caminho e assim ia cumprindo a missão.
E aquele poço que se localizava no meio da mata entre os limites das terras de Sérgino e seu Camilo, o pai de Eurípides. O buraco foi cavado em circulo, se identificava como uma cisterna. Ali era lugar de meditação dos meninos, ambiente de conversa e brincadeiras. Poucos sabiam da existência daquele buraco negro. Em todos os encontros ali os meninos tirava huma hora para perfurar mais o poço, porém ao irem para casa eles tampavam novamente o buraco com uma taboa de grande largura para evitar acidentes. O buraco já estava bem fundo, cerca de três metros de profundidade e oitenta centímetros de diâmetros. Cada balde cheio de terra que saia de dentro do poço era motivo de preocupação parta Eurípides, pois cada porção de terra que saia, a umidade era mais, sinal que a água já se revelava e isso não era bom; Aquilo que Sérgio falou perto do riacho não saia de sua cabeça, certamente era fantasia dele, mas era muito estranho uma criança prever o futuro daquele jeito. Eurípides chegava até insistir com Sérgio para eles desativar aquele buraco, mesmo sem acreditar muito nas suas previsões ele tinha medo daquela água, Sérgio, porém dizia que queria ver como era aquelas águas e depois de ver a água eles acabaria com aquele poço entupindo-o com a terra que estava sendo retirada do próprio. Inácia acabara de banhar as meninas, Selma e Célia estavam deslumbrantes: roupinhas limpas e bem passadas, cabelos penteados e bem escorridos. Essa era uma rotina nas tardes naquela casa. Sérgio já se achava independente dos zelos da mãe, por isso ele queria ficar isento desses banhos, Célia e Selma estavam certas, pensava o menino, mas ele já era um homem, embora pequeno. Mas não era assim que Inácia pensava e impunha sobre ele o mesmo rigor.
17
Nesse dia ela mandou que ele fosse imediatamente para o banho, que ela estava com pressa, mesmo ouvindo sua mãe Sérgio disfarçava brincando em um pombal que mantinha, a seus cuidados, no quintal de casa, vários pombinhos eram criados ali sobre os seus domínios. Inácia, com a teima de Sérgio foi ficando irritada e disse já nervosa: - Sérgio vem tomar banho agora que tô mandando, minha paciência já está esgotando moleque do mato. Ele continuou acariciando um pombinho recém-nascido e baixinho ele lastimava: - Num vou, num vou e num vou. Era a maturidade, com certeza, que batia na porta de sua consciência. Esse instinto de Sérgio tinha seu fundamento, pois, ele fazia todo o trabalho de um homem, por que não se banhar sozinho, o que é tarefa de um homem. Só que lá dentro de casa, sua mãe chamava-o bem aflita com tudo providenciado para o banho do menino, sua voz era cada vez, mas agressiva: - Sérgio, não me tire do sério menino, larga esses pombos e vem aqui agora, tô te mandando, não deixa te chamar de novo. Não tinha ele nenhuma reação ao intimado da mãe. Célia correu lá no quintal e para ele Célia falou: - Sejo a mãe ta muito baba coce, oia que ele vai te bate. Mesmo com certo medo, Sérgio respondeu - É melhor ela me bater do que eu ir, diga pra mãe Célia, que não vou e pode me bate se quiser. Selma interveio lá de dentro e disse: - Célia a mãe ta te chamando. Antes de irem às meninas ainda insistiram com o menino: - Vem Sejo!... Sérgio: - Não vou... Lá dentro de casa, Célia contou tudo para a mãe. Nesse momento Ségino retornava de uma viagem de negócios, apeou do cavalo bastante entusiasmado e disse:
- Inácia fiz um ótimo negócio, valeu a pena ter feito essa viagem. 18
Sobre a mesa da sala, Sérgino depositou seu chapéu e um chicote de couro curtido. O uso desses chicotes não era aconselhado em pessoas, somente em animais, pois o perigo de corromper a pele humana era altíssimo, só em extrema necessidade Sérgino usava-o, assim mesmo nunca em pessoas, mas a Inácia, cega de ódio, não exitou em pegar o chicote e ir para onde estava o menino, Selma chamava a mãe, implorando:
- Não mãe. Mas, tentativa em vão, a mulher bufava de raiva. Só restou para a menina gritar para o pai: - Socorro pai. A mãe vai matar o Sejo. Ele se pôs na frente da mulher, mas nem ele conseguiu deter Inácia. Não era Inácia de espancar os meninos, porém quando pegava para bater, coitado do menino, ela não sabia parar e nesse dia, ela bateu em Sérgio. “Na verdade esse não seria um motivo para justificar uma surra daquelas, mas talvez fosse um ponto de honra para Inácia, pois todo dia ela fazia desse jeito, por que não aquele dia? Mas cada um tem sua interpretação,”.
Selma e Célia agarram-se com o pai, abraçadas às suas pernas e em choros as meninas suplicavam: - Não deixe ela matar ele pai. Por favor, salve ele pai! Sérgino sem entender aquilo, não fez nada, temia muito ela bater no menino com aquele chicote.
Várias chicotadas Sérgio estava recebendo pelo corpo inteiro e doíam muito, algo comparado a uma barra de ferro quente que passava pelo seu corpo. Sem mais forças, Sérgio caiu mole no chão e várias outras chicotadas abateram sobre ele, quando mais ele pedia para que parasse, com mais fúria Sérgio era torturado. Afastado e tendo uma árvore como escudo, José assistia a cena, por ele estar escondido ninguém percebeu sua presença. Para José ver seu amiguinho rolando pelo chão e sofrendo aquelas chicotadas, te causava grande tristeza ao ponto dele também chorar. 19
Ninguém imaginaria como o som do chicote tinha efeito nos sentidos de José, para ele, Sérgio era mais de que um menino qualquer. Para José, Sérgio era seu mestre, tudo que ele sabia, foi Sérgio quem o ensinou. Relembrou José de algumas passagens: quando se banhavam no rio Corumbá, Sérgio nadava com toda intimidade do mundo com a água, provocando inveja em José que não sabia sequer dar um mergulho. Sérgio se propôs a ensiná-lo a nadar e fez isso com grande dedicação e disponibilidade. Fez de José um ótimo nadador. Uma outra vez: Sérgio o ensinou a técnica de laçar um bezerro em disparada, na verdade foi com um bezerro que era mais garrote e foi uma das lições mais difíceis, com muita prática que ele aprendeu com Sérgio a laçar. José até já conseguia assinar seu nome, tendo Sérgio como seu professor. O que não suportava ver era Sérgino ali junto e nada fazer para impedir a mulher de judiar de seu próprio filho. Sua perturbação foi tanta que; encheu-se de coragem e em disparada saiu em direção de Inácia a fim de detê-la. Decisão que foi muito difícil para José, era matematicamente impossível uma atitude como essa, mas se tratando de seu mestre, ele sentiu no dever de correr o risco. Nem José soube explicar como ele correu em socorro de Sérgio; fortemente ele segurou o braço de Inácia que manipulava o chicote e disse com bastante determinação: - Senhora, por favor, bate em mim mas poupe o menino, ele não agüenta mais, é muito pequeno pra ser judiado desse jeito, bate ne mim, porque eu já sou homem feito e posso agüentar. Por favor dona, solte ele! Pedindo clemência, José caiu de joelhos aos pés de Inácia. Parece que deu certo sua tentativa. Inácia atirou fora o chicote e entrou em casa setindo-se confusa. Sérgino se aproximou do menino estirado no chão; agachou-se ao seu lado, sua mãe percorria o rosto de Sérgio, que estava todo molhado. O homem ficou inquieto e se preocupado ao notar finas listas de sangue no corpo do menino.
Rapidamente Sérgino levou seu filho já desmaiado para o quarto, providenciou uma bacia com água fresca, com muita paciência ele molhava um pano e passava no corpo do menino para minimizar a dor que estava sentindo.

20
NÃO MUITO LONGE DALI.
Dorvalino cultivava sua secreta admiração por Aparecida, à morte da mulher não te causou o menor transtorno, pelo contrário, foi até bom; vendeu a casa e foi morar com o Seu Antonio, seu Antonio aceitou o pedido do irmão, pois dona Chica o convenceu, a única pessoa que Dorvalino tinha cartaz era com dona Chica, se bem que foi difícil para ela dobrar seu Antonio, mas ele acabou concordando, porém suas desconfianças, ele sempre ia ter com Dorvalino em relação à Aparecida. Conversando na sala os três estavam, seu Antonio impôs uma condição, disse que concordava, mas por poucos dias. Atrás da porta, Aparecida ouvia a combinação dos três, a mocinha provocou Dorvalino com um leve sorriso, dona Chica chamou Aparecida e deu sua ordem:
- - Cida vem cá! Leve as malas do seu Dorvalino pro quartinho de hóspede.
- - Sim senhora. Respondeu Aparecida. O homem, com os olhos acompanhava a menina, as evidências daquele olhar fora altamente captado por Aparecida. Em seguida ele começou a lastimar a ausência de Conceição, sua mulher que morreu, ele dizia que foi uma pena ela ter partido, dizia que, o que seria dele agora sem ela? Quem ia fazer sua comida, lavar sua roupa... É certo que ela não era perfeita nisso, pois estava um pouco inválida, mas com um pedaço de pau, servindo de muletas, ela realizava esse trabalho. Dona Chica estava ouvindo o clamor do homem em total atenção e pezar, já o mesmo não era percebido no seu Antonio, mesmo atento ele não demonstrava o menor interesse, havia nele até mesmo certa ironia. Dorvalino notou que não estava convencendo o velho, mas não se intimidou e continuava com suas lamentações com muito cinismo: - Prometo que não vou incomodar oceis. Logo, logo memo eu vou voltar pra minas; lá ta toda nossa família, num é memo Tonho? Menos a mãe e o pai, mas os outros parentes estes morando lá, então é pra lá que vou também. O Tonho não tem nenhuma obrigação comigo, não é memo Tonho? Foi quando Ércio entrou na sala interrompendo a conversa dizendo: 21

- - Pai, tem um homem lá fora querendo comprar arroz. Eu quis atender ele, mas ele falou que quer o senhor. A atenção de Dorvalino passou a ser em Ércio. Ele verificou que este entrara para o quarto, onde Aparecida ainda estava e o fato dele entrar ali perturbou muito o homem, mexendo com seus sentimentos. As previsões do homem estavam certas. Porque sempre que Ércio se deparava com Aparecida em um canto discreto da casa, fazia-lhe propostas obscenas e geralmente despertavam desejos nela. Ele sabia que era perigoso agir dessa forma com ela, mas ninguém imaginava que ele fazia tais coisas. Do quarto não saíam nem Ércio nem Aparecida, levantando as suspeitas do homem. Dorvalino pediu licença para dona Chica, argumentando que tinha que conferir seus pertences e vagarosamente andou em direção a aquele quarto; Apagou um toco de cigarro e nem mesmo bateu na porta. Adentrou no quarto dando um flagrante nos dois. Para seu espanto flagrou uma cena desagradável, sua desconfiança confirmou-se. Para despertar os dois, Dorvalino gritou com eles, retomando o controle da situação, mesmo dizendo só uma palavra por enquanto. - Aparecida!... Rapidamente Ércio largou da menina e fixou os olhos no homem ali diante da porta do
quarto. Aparecida se jogou na cama.
Dorvalino entrou e fortemente bateu a porta, caminhou para o rapaz e em tom radical ele disse: - O que significa isso Ércio? Ércio não dizia nada. Seu medo foi mais intenso quando sentiu as mãos de Dorvalino apertando sua garganta e tirando-lhe o fôlego. Então outra vez Dorvalino disse:
- Não se meta com aparecida, senão eu te furo. Não mando em sua vida, mas a de Aparecida é minha. Não se meta com ela Ércio... Ta ouvindo?
Embaraçada e com medo de Dorlvaino, Aparecida implorou:
- Não Dorvalino, solta ele, a culpa é minha...


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Mas Dorvalino não deu credito para ela, novamente ele voltou para Ércio e reforçou:
- Olha aqui, se eu vê ocê de novo com chamego com Aparecida eu juro que te mato de verdade moleque...
Pela primeira vez Ércio soltou a voz e disse: - Sim senhor, agora por favor, me solta que o senhor ta me machucando meu tio, o senhor ta me enforcando.
- Cale a boca moleque safado, agora só uma coisa, sai da vida de Aparecida e da minha frente também, vai...
Dorvalino terminou essa frase esbofeteando o rosto de Ércio.
Prontamente Ércio acatou a ordem de Dorvalino e saiu do quarto vetando seu rosto. Dorvalino estava muito furioso; ficou andando de um lado pro outro dentro do quarto, porém ele não esboçou nenhuma agressividade contra Aparecida, chutou uma cadeira, para intimidar mais Aparecida e acendeu outro cigarro e só olhava para Aparecida, que demonstrava estar cm muito medo dele.
Bastante frustrado Ércio passava pela cozinha quando sua mãe, dona Chica, o interrogou:
- Ércio o que ocê tem menino?
Ércio estava tão apavorado que nem deu atenção para dona Chica, ela notou que tinha algo de errado com o filho, contudo não insistiu com ele, voltando-se a ocupar no preparo de uma massa para fazer quitandas. Ércio procurou um lagar escondido para meditar um pouco e nada melhor de que uma gostosa sombra de uma velha árvore no fundo do quintal. Ali ele ficou por várias horas, depois de algumas horas sozinho, Divino chegou ali também e perguntou:
- O que ocê ta fazendo aqui Ércio?
- Ah não... Me deixa sossegado Divino!
- A mãe ta fazendo biscoitos.
- E eu com isso Divino?
- É que eu gosto muito daqueles biscoitos que a mãe faz!

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Após um silêncio entre os meninos, divino falou:
- Tem uma pessoa que gosta demais desses biscoitos também, sabe quem é Ércio?
- Não.
- É tio Dorvalino.
- Tio Dorvalino! Exclamou Ércio.
- Ele memo. Ocê ta sabendo que ele vai morar aqui com a gente?
- Quem te contou isso Divino?
- O pai.
- Mas isso não pode, ele não pode morar aqui!
Essa frase ele disse com muita palidez, Divino percebeu que sua preocupação aquele instante não era característica sua, então as interrogações continuaram com Ércio perguntando: - Qual quarto ele vai dormir?
- Sei lá, acho que é naquele lá do fundo.
- Aquele perto de Aparecida?
- É, esse memo - Ércio calou-se, Divino prosseguiu - O pai falou pra mim que ele vai ficar aqui por poucos dias, ele vai memo é embora pra Minas Gerais.
- Ele pudia ir era hoje mesmo!
Ércio demonstrava muito ódio do tio.
- Parece que ocê não gosta do tio Dorvalino não né Ércio?
- E não gosto mesmo Divino. - Por quê?
- Porque ele é assassino, eu sei Divino, foi ele que matou a tia Conceição e, ouça bem Divino, se ele ficar aqui ele vai matar eu também!
Divino não compreendia bem o que Ércio estava falando e disse:
- Então Ércio, a gente não pode chegar perto dele né?
- Tio Dorvalino é um homem muito mau Divino.
Divino então passou a sentir certo trauma do tio. O menino era inocente, não sabia que o tio era considerado por todos como um crápula.
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Horas e horas os meninos ficaram ali e combinaram que não iam chegar perto do tio. A tarde já se acabava, o sol já não irradiava seus raios e se pôs no horizonte e já escurecia o dia, foram obrigados a voltarem para casa. Divino estava com mais vontade de volta para casa, pois certamente os biscoitos já estavam prontos. Divino a exemplo de Ércio se colocou em pé, Ércio só esperava Divino que após se levantar; bateu, com as mãos, a poeira que ficou em seu short azul e disse:
- O que agente vai fazer Ércio agora?
- Não sei Divino, mas cuidado, não chegue perto desse homem.
Nesse momento eles ouviram uma voz aguda vinda lá de dentro da casa:
- Ércio, Divino oceis vai morar ai nessa árvore? Passa já pra dentro.
Ércio ainda pediu:
- Não conta pra ninguém o que eu te falei do tio Dorvalino viu?
Divino balançou sua cabeça afirmamente e juntos eles entraram e casa.














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CAPITULO 03

PEÃO DE BOIADEIRO



Após uma semana, depois da surra que Sérgio sofrera da sua mãe, todos já esqueceram o episódio, ninguém mais comentava o ocorrido e seu corpo já havia sarado. O tempo se incubiu de cicatrizar as marcas do chicote, porém sempre sua mente te acusaria daquelas chilapadas tão doloridas, nunca ele apagaria da memória aquela horrível cena e a brutalidade com que sua mãe executava tal injustiça. Contudo esse acontecimento nada influenciou na infância do menino, mesmo porque ele não se deixava abalar por castigo como esse, também a vitória foi sua, sua mãe cedeu e ele ganhou o direito de se banhar sozinho, sem o auxilio dela, no entanto essa era uma forma dela se desculpar, pois Inácia se conscientizou que havia realmente se excedido, mas ela fazia por despercebida e não deixava transparecer nenhum sinal de seu arrependimento, o que a incomodava era suportar o peso que estava em sua consciência, pois a violência que impois contra Sérgio foi tamanha que quase ela pediu perdão de viva voz, mas se dessa maneira fizesse estaria perdendo a autoridade diante dos meninos, já se sentia perdoada porque era sua mãe e os filhos são obrigados a perdoarem seus pais. Nessa tese ela estava certa, Sérgio já havia perdoado a mãe, mesmo porque crianças não guardam rancor, ainda mais vindo da própria mãe.
Discretamente Sérgio foi para a cozinha, lá ele se deparou com sua mãe, Inácia tinha sua atenção no preparo do jantar. A mulher demonstrava estar cansada e, Cabisbaixa ela se ocupa em seus afazeres, assim como Sérgio, que acabara de encerrar mais um dia de muito trabalho e de seus encontros diários com o amigo Eurípides. O menino se sentou numa cadeira ali perto de sua mãe para aliviar seu cansaço e recuperar as forças. Sérgio ficava atentamente observando os movimentos da mãe, Inácia logo se sentiu um pouco perturbada com os olhares do filho. 26
A mulher notou algo de errado no menino, porém nada disse com ele. Sua infelicidade era que ninguém chegava à cozinha para esvoaçar o silêncio dali. Durante boa fração de tempo vigorou esse clima meio tenso entre eles, ninguém dizia nada, por fim Inácia desabafou e disse com ele:
- Sérgio quer sair daqui? Vai brincar e me deixa trabalhar em paz menino...
- Mas brincar de novo mãe?
- De novo sim, sai daqui Sérgio, me deixa terminar essa janta sossegada, você sabe que não consigo fazer nada com os outros me olhando.
Sérgio obedeceu à mãe e saiu dali:
-Ta bão mãe...
Antes que saísse de vez sua mãe gritou com ele:
- Não some hem, a janta ta quase pronta!
Sérgio se dirigiu para seu quarto, que ficava ao lado do quarto de seus pais. No quarto vizinho seu pai dormia. Com cuidado para não acordar o pai, Sérgio, em seu quarto, pegou uma caixinha, que estava em baixo de sua cama e colocou-a sobre a cama, tirando de lá várias bolinhas de gude,
Só ele que vacilou e deixou as bolinhas caírem de suas mãos, ocasionando assim o imprevisto, no outro quarto seu pai acordou com o barulho das bolinhas caírem no chão. Sérgio ouviu seu pai perguntar:
- É ocê Sérgio?
- É sim pai, eu não queria acordar o senhor, desculpe, pode durmir de novo que não vou fazer barulho.
- Não tem portância, eu precisava mesmo levantar.
O homem caminhou rumo ao menino que catava as bolinhas espalhadas no chão. Sérgino faz um convite ao filho:
- Sérgio ocê quer ir comigo na festança que vai ter hoje de noite na casa do compadre Edmundo?
- Memo pai, posso ir com o senhor?
- Claro uai, se tô te chamando, agora se ocê for vai se banhar que já ta quase na hora de nós ir.

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- Já vou então me banhar, eu não demoro, já volta...
Sérgio ficou tão empolgado com o convite do pai que não quis nem saber mais das bolinhas e foi se arrumar.
Nem pai e nem filho jantaram aquela noite, não era mesmo conveniente eles se alimentarem em casa, pois um farturento banquete os aguardava na festa. Sérgino foi advertido por Inácia para não beber exageradamente e chegar mais cedo em casa com o menino, então nos passos lentos dos cavalos lá se foram eles. Depois ordenou às meninas que fossem se deitar e disse para José para desativar as atividades no botequim e para também se recolher. Em seguida a mulher se conduziu aos pés da imagem de Nossa senhora de Aparecida e com um terço nas mãos, terço que prendia um crucifixo do Senhor morto, ela iniciou uma oração, depois concluiu com um Pai Nosso, beijou os pés da santa, fez o sinal da cruz e também se recolheu. Já deitada e com seus olhos ela acompanhava atentamente a pequena chama da lamparina sobre uma mesinha ao lado de sua cama, assim, ela logo se adormeceu. José não teve a mesma sorte da mulher, estava apurado com um freguês que não ia embora da venda, mas finalmente ele bebeu a ultima doce de pinga e saiu da venda, José tratou logo de fechar as portas do botequim, apagou a luz do lampião e também se dirigiu para seus aposentos e teve fim mais um dia de trabalho naquela casa.
Podia se dizer que aquela festa não era propriamente uma festa e sim uma tourada. Ninguém tomou conhecimento daquele torneio somente algumas pessoas de longe, os participantes e os organizadores do evento. Sérgino era um dos participantes. Ele não disse nada à família para evitá-los deixar preocupados, Sérgio pudia saber porque era um aprendiz de vaqueiro e certamente ali ele aprenderia um pouco mais. O lugar estava muito festivo; espeto de carne assada percorria de mão em mão, entre os agitadores do lugar, Sérgino se destacava mais na bebida. Ouvia-se um deles dizer:
- Hei, de vagar na bebida Sérgino, lembra que ocê vai montar aquele boi bravo e se ocê continuar com essa bebedeira ele te derruba só de ocê olhar pro boi...

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Fazendo todos rirem.
Mas Sérgino se defendia:
- Hoje ocês vai ver um homem derrubar um boi na unha...
Pouco afastado dali Sérgio acariciava boi por boi cercados por tábuas. Às vezes Sérgio era mais ousado e era repelido pela fúria do animal, seu Edmundo, que se aproximava do garroto, disse:
- Não facilite com esse boi Sérgio, eu sei que ocê domina um boi bravo, mas esse ai pode te matar, se afaste dele!
- O senhor sabe que eu queria montar num boi desse seu Edmundo.
- Vixe Maria... Ocê deve de ta é doido Sérgio? Esse boi tem historia, to até vendo seu pai cair dele.
- O pai vai montar é nele?
- É vai, ou melhor; vai é cair e correr dele. Olha Sérgio, seu pai já ta bastante é bêbado, se ele enfrentar esse boi ele vai acabar machucando seu pai. Se ocê quiser ver seu pai vivo tente convencer ele de não montar nesse boi, é muito perigoso e seu pai ta bem bêbado...
O espetáculo teve inicio, João Pereira exibia sua experiência de peão de boiadeiros montado num boi pulador. Seu desempenho foi ótimo. Ficou em cima do touro aproximadamente nove segundos. Enquanto a vez de Sérgino não chegava, alguns companheiros tentavam impedir ele dessa idéia. Mesmo com toda pressão, ele caminhou rumo ao touro trocando as pernas e calabeando de um lado para o outro. Sérgio assistia de longe e pressentiu que seu pai não estava em condições de montar. Ele correu para Sérgino, parou em sua frente e disse com autoridade: - Não, pai!... - Me deixe Sérgio, sai da minha frente, eu quero montar e preciso. - Por que, pai? - Porque fiz uma aposta e não vou perder. - Mas o senhor não dá conta de montar pai! - Um homem nunca é covarde filho. - O senhor não pode montar
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- E quem pode montar? - Eu posso pai. - Ora, Sérgio não me aborreça. Todos se alertaram com o que o menino tinha dito, só poderia ser brincadeira de Sérgio. Se bem que, para Sérgio não seria tarefa impossível montar em um boi bravo. Sérgino não deu mais ouvido a ninguém e parecia estar mesmo decidido, mas de repente o homem cessou seus passos, baixou a cabeça e para vomitou, lançou tudo que tinha ingerido para fora, sentiu sua cabeça completamente desgovernada, sua vista escureceu. Isso foi o suficiente para ele cair ao chão. Sérgio desesperou-se; abraçou ao homem caído e levemente dava tapinhas no rosto de seu pai e dizia: - Pai, pai, pai fale comigo pai. O que aconteceu pai? Por favor, pai fale...
E lágrimas começaram a rolar no rosto do menino, cortava seu coração ver seu pai naquela situação. O próximo peão a montar era Sérgino, logo após o valente Pedro Chagas. Mas a aflição de Sérgio aumentava em volta de seu pai que estava pálido, Sérgino mostrava-se consciente, precisava somente de um tempo pare se refazer de sua embriagues. Seu Edmundo, que estava ali junto de pai e filho, disse aliviado:
- Isso é um aviso compadre, graças a Deus por impedir o senhor de montar naquele boi, o senhor não ia ficar em cima dele nem hum segundo.
O homem meio zonzo respondeu:
- É compadre, acho que fui vencido dessa vez, não consigo nem Pará em pé!
Do auto-falante, onde anunciavam os participantes, veio uma animada voz que dizia:
- Sérgino Antonio é o próximo peão a montar, ele vai montar no boi Faísca, Deus te proteja peão!..
Aquele chamado no auto-falante soou como um ultimado para Sérgino, que teimava a se colocar de pé, seu Edmundo se propôs a avisar os demais do torneio da impossibilidade de Sérgino não participar do rodeio, mas foi impedido pelo homem que disse:

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- Não compadre, espere.
- Mas compadre Sérgino eles estão te esperando e o senhor não pode montar.
Sérgino virou seu rosto para o menino, olhou com firmeza nos olhos dele e disse:
- Vai lá, prove que ocê é matudo, monte naquele touro filho...
O menino renovou o semblante, encheu-se de coragem e flizou:
- Confia em mim pai, o senhor vai sentir orgulho de mim...
- Só segure bem filho...
Sérgino ainda deu algumas instruções para Sérgio, seu Edmundo não acreditou no que estava ouvindo, mas se manteve calado. Não contava em nenhum item na relação de regras do torneio que se referia ao limite de idade para os que quisessem participar e montar em algum touro, portanto, Sérgio não estava infligindo às normas do rodeio.
Então o menino foi preparado para montar. Sérgino procurou o melhor lugar para assistir o desempenho do filho. ´´ Será que ele não se excedeu permitindo isso``. Pensava Sérgino. Todos se manifestaram contra essa idéia, mas ninguém dominava a ousadia do menino. O diretor de prova pôs vários salva-vidas apostos para o caso de qualquer eventualidade. Vicente Vaz fez o ultimo apelo ao menino:
- Sérgio desista de montar, ocê não é páreo para esse boi, ele pula muito, desista!
- Pois se ele é pulador ele vai pular comigo em cima dele e pode ter certeza que eu não vou cair dele Vicente.
- Deus te ouça Sérgio...
- Jesus ama as crianças Vicente.
- Mas ocê num acha que ta se arriscando de mais Sérgio?
- Acho, mas eu também amo Jesus...
Toda a movimentação estava sendo acompanhada por seu Edmundo. Aquela loucura toda poderia ter conseqüências trágicas para o menino.
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Tempos atrás um peão foi morto por aquele touro e outros perderam; braços, pernas... A revolta maior era com seu compadre Sérgino que consentiu aquilo. Para seu Edmundo Sérgino se mostrava ser um irresponsável com sua atitude. Sérgio poderia ficar entrevado por toda vida.
O menino já estava montado na fera, só aguardava o homem do auto-falante anunciar seu nome. O boi não parava quieto, sua bravura era tanta que ele dava coices e chifradas nas tábuas que o cercava. Mais uma vez seu Edmundo te aconselhou inutilmente:
- Sérgio ocê não tem nenhuma necessidade de provar que é bom peão, desista meu filho!
Antes que Sérgio articulasse alguma palavra o homem do auto-falante anunciou seu nome:
- Sérgio guerreiro você é o próximo peão a montar, um garoto de só dez anos de idade vai montar num boi bravo. Nossa senhora da Aparecida te proteja Sérgio...
Sérgio, já montado no boi, olhou para seu Edmundo, mas não disse nada, em seguida conduziu os olhos para Vicente, que só esperava sua autorização para abrir a porteira e soltar o animal na arena. Com um gesto afirmativo com a cabeça Sérgio autorizou Vicente a abrir a porteira, seu Edmundo disse:
- Não Sérgiooo!
Mas já era tarde.
Ninguém se conteve sentado, vibravam como na final da copa do mudo, Sérgio mesmo sofrendo duros golpes do boi se mantinha firme em cima dele. João Beira comentou com um amigo que não tirava os olhos do garoto:
- Meu Deus eu não acredito no que eu to vendo!
- Nem eu João, nem eu...
- Esse menino é melhor de quarquer um de nós Isidoro!
O único problema foi pular de cima do boi, pois invertude do tamanho do menino era perigoso para ele se jogar ao chão.
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Seu desempenho estava sendo muito aplaudido por todos, o boi não derrubava o esperto garoto.
Depois de seis segundos ele se atirou ao solo com muita segurança e fazendo pose de peão e com seu chapéu na mão ele acenava para o público. Os salvas-vidas já impediam o boi de atacar o menino. Sérgio saiu ileso do desafio, somente com um pequeno arranhão no joelho. A partir daí Sérgio foi considerado um herói dos peões de rodeio, fama essa que teve grande significado para o menino. Mas com essa sua prova de valentia ele corria sérios risco, o ideal seria que nunca mais ele montasse num boi profissional como aquele sendo ele ainda amador e o pior era seu tamanho e sua idade.
Durante toda festa, depois dessa façanha do menino, seu Edmundo começou a refletir.
Tamanha era sua consideração com a comadre Inácia, então era sua obrigação alertá-la quanto a isso porque o compadre Sérgino só incentivava a participação do menino em outras competições.
Em casa.
Inácia foi acordada por um cântico de um pássaro selvagem no telhado da casa, assustada ela dizia:
- Meu Deus... Nem Sérgino e nem Sérgio chegaram ainda, deve ser muito tarde, será que aquele homem não tem vergonha na cara de ficar até essas horas com o menino numa festa?
A mulher acendeu um palito de fósforo, clareando o quarto e certificou das horas em um relógio pendurado na parede do quarto. O relógio acusava exatamente quatro e meia da manhã. Inácia não conseguiu mais dormir. Rapidamente ela aqueceu com o palito de fósforo o pavio da lamparina sobre uma mesinha ao seu alcance, em seguida ela se levantou e se dirigiu as outras dependências da casa. Porém na cozinha ela ouviu uns resmungos vindo lá do cômodo da venda, fazendo com que a mulher sentisse medo, porque àquelas horas não era normal haver gente ali. De vagarinho ela se aproximava do cômodo para melhor ouvir as vozes.
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Também havia barulhos de copos lá dentro. Segurando a lamparina e mesmo com muita atenção ela não conseguia destituir o que diziam aquelas vozes. Eram sons mais ou menos assim ´´hummm´´. Acompanhado de gargalhadas e choros.
Com precaução ela perguntou:
- É ocê que ta ai Zé?
Nenhuma resposta obtinha Inácia, fazendo redobrar seu medo, de novo ela perguntou:
- É ocê Zé, responde anda?
Nenhuma resposta, somente o suspense daquelas vozes mal entendidas. Algo mais estranho foi um barulho de um copo quebrando lá dentro, de novo Inácia falou com firmeza na voz:
- Abre essa porta agora quem tiver ai... Abre. O que ta acontecendo ai dentro, quem ta ai?
Nesse instante Inácia sentiu o peso de uma mão fria sobre seu ombro, a mulher se assustou.
- Calma senhora sou eu – Disse uma pessoa atrás dela.
José precisou amparar a mulher em seus braços.
- Senhora acalma que sangria desatada é essa?
José também ficou perplexo ouvindo as vozes lá dentro do cômodo de comercio.
A mulher exclamou:
- José o que é isso, quem ta lá dentro?
- É muito esquisito isso dona, será que é o seu Sérgino que chegou com Sérgio e ta ai dentro?
- Não é não José, eles ainda não chegou...
José se decidiu, encheu de coragem e disse:
- Eu vou entrar ai dentro, vai se deitar dona Inácia!
- Não José, eu também vou entrar com ocê.
- É perigoso dona, sabe lá quem pode ta ai!
- Que isso que tem nessa casa meu Deus? Eu quero entrar coce José...

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Inácia estava disposta a desvendar o mistério daquela casa.
- Então fica bem atrás de mim dona.
José pegou a lamparina e caminhava a frente da mulher; lentamente ele abriu a porta do cômodo e ia conferindo com a luz as mercadorias, clareou uma cadeira em um canto, da cadeira ele viu um vulto de pessoa desaparecendo repentinamente, Inácia ao ver a sombra se dissipar gritou de susto:
- Meu Deus o que é isso!?
José com uma das mãos ele segurava a mulher, que estava muito amendrotrada e, com a outra ele segurava a lamparina e focalizou uma pessoa, ou uma assombração sentada no balcão. O pânico foi geral. Inácia fixou bem seus olhos naquela aparição, não houve grito e seu fôlego diminuiu, em seu rosto não via sinal mais de sangue, pois era mesmo traumatizante olhar para aquilo. Lá, sentado no balcão estava ele, o seu filho Sérgio. Inácia mantinha a calma, também não poderia ser diferente, pois ela estava completamente paralisada. Nos cantos da boca do menino escorriam duas listas de sangue. Aquela visão de Inácia e José durou alguns segundos, só foi interrompida quando eles ouviram um batido na porta. Suas atenções foram desviadas, quando eles voltaram a olhar a imagem no balcão não havia nada mais ali. O chamado lá de fora continuou:
- Mãe, abre aqui, é eu Sérgio.
Ela, meio apreensiva perguntou:
- Quem é?
- É eu mãe, abre aqui.
Outra vez ela olhou para o balcão e nada havia mais lá, confusa ela falou:
- Espere ai, já vou abrir.
Ao abrir a porta Inácia abraçara seu filho como nunca antes. Sem que ela perguntasse pelo marido, Sérgio explicou:
- O pai ficou lá mãe, seu Edmundo falou que era melhor ele durmir lá essa noite. 35
Só que ele não disse o verdadeiro motivo de Sérgino ficar lá na casa de seu Edmundo. Inácia, assustada disse:
- Sérgio ocê veio sozinho nessa escuridão menino?
- Eu vim no cavalo correndo mais do que pude.
- Ah meu filho, que bão que ocê ta bem...
José, sem saber o que falar, disse:
- E eu vou tirar a montaria do cavalo.






















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CAPITULO 04


O CRIME



Começou a correr um boato naquela região falando da vinda de um homem de nome Thomas. Diziam que esse homem vinha de Brasília – A nova Capital do Brasil. Só sabiam que era um homem bastante rico e que ia para lá com intenção de fundar ali naquela região uma pequena cidade, no entanto ninguém estava certo da verdadeira vontade daquele homem e nem para quando estava prevista sua chegada ali, mas o dia que fosse, a hora que fosse, que ele chegasse ali, com certeza Sérgino saberia em primeira mão da sua chegada, pois seu botequim também era ponto de embarque e desembarque dos moradores dali. Contudo algumas dúvidas pairavam no ar: Será que aquele homem ia pra lá com sua família, qual o verdadeiro interesse dele em escolher aquela região tão pobre?
Inácia, ainda um pouco amedrontada pelo que vira em sua casa sobre a estranha visão com Sérgio no balcão da venda, também tinha sua curiosidade sobre esse homem e com seu marido ela explorava o assunto sem obter de Sérgino à devida resposta. Em relação àquela aparição que teve; Sérgino prometeu a ela que logo ia construir outra casa e que ia destruir aquela que eles moravam e que muitos diziam que era mal assombrada, pedia somente para ela ter um pouco de paciência, pois de imediato não era possível porque não tinha recursos financeiros para isso. Era verdade, Sérgino não dispunha de verba para fazer uma nova casa, além do mais, Sérgino não via nada de errado naquela casa, era cisma da mulher – Pensava ele, Inácia estava era impressionada com os mortos que diziam foram enterrados ali. Por que só ela e Selma que tinha essas visões? Se bem que agora tinha uma terceira pessoa que também amaldiçoava aquela casa;


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Era José, mesmo
assim Sérgino não admitia a existência de alma penada ali e procurava cala-los, sempre que eles se referiam a esse assunto Sérgino dizia:
- Olha, não comente essa história com ninguém ta? Thomás vai chagar aqui qualquer hora e certamente ele vai querer ficar hospedado aqui na nossa casa, por favor, gente, não deixa ele ficar sabendo disso se não ele vai ficar assustado.
Em um diálogo Sérgino e Inácia, ela perguntou:
- Quem é esse tal de Tomaize Sérgino?
- Não é Tomaize Inácia, é Thomás.
- Ah, seja lá quem for, ocê sabe quem é esse homem?
- Sei não, só sei que ele é muito rico e vem ver se essa terra é boa memo, parece que ele vai comprar muita terra aqui, quer fazer um povoado aqui inté virar cidade.
- Ocê acredita memo nessa história Sérgino?
- Não sei Inácia, mas ele vai ter que ter muito dinheiro pra comprar terra por aqui, nenhum fazendeiro desses vai dar terra pra ele fazer isso aqui... Ah, mas num vai memo!
- Pra que ele quer morar aqui?
- Sei lá muer, ouvi falar que é porque aqui nessas terras tem esmeraldas, é pedra que enriquece.
- Será que tem memo essas pedras aqui Sérgino?
- Eu nunca vi e nem soube de alguém que tivesse achado essa pedra aqui. Mas o pessoal daqui nunca teve vontade também de procurar essa pedra. Olha muer, é de duvidar nois que mora aqui num ter conhecimento dessa pedra e um homem lá de longe saber que tem essa pedra aqui. Olha, se ocê quer memo saber, eu tenho minhas dúvidas das intenções desse sujeito aqui...
- Como ocê soube da vinda desse homem Sérgino?
- Foi um caixeiro viajante, desses que vende roupa por ai sem destino, ora, ocê num lembra dele Inácia? Foi ele que me falou que esse tal de Thomás vem pra cá com essa intenção.
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- E o caixeiro só disse isso?
- Só.
Respondeu Sérgino saindo de onde estava a mulher e indo pra outra dependência da casa.
Inácia não tomou conhecimento do episódio sobre Sérgio ter montado no boi, pai e filho não mencionaram nada a mulher da valentia do menino. Sem duvida a reação da mulher em relação o feito do filho seria contrária a de Sérgino. Tudo iria por água a baixo se ela viesse a saber. Pai e filho combinaram de não dizer nada a ela, mas se esqueceram de avisar seu Edmundo, João Beira, Vicente Vaz e outros. Se bem que não era preciso pedir para não falar pra ela, pois o acertado era de não divulgar o evento.
Sérgino retornou onde estava Inácia segurando e limpando um velho chapéu, então recomeçou o assunto sobre Thomás com Inácia perguntando:
- Não lembro desse caixeiro, ele conhece esse tal de Thomás?
- Deve conhecer.
- Por que ocê não procurou saber mais coisa desse Thomás?
- Saber o que desse Thomás Inácia?
- Uai, saber quando que ele vem pra cá, do caráter dele, se vem com a família dele ou sozinho...
- Ah muer, Esquece isso, deixa que vem, não temos nada com esse homem.
Outra vez Inácia se viu sozinha na cozinha, Sérgino saiu dali já um pouco irritado com tantas perguntas, Inácia seguiu-o, mas, não pode prosseguir, pois a menina Célia a barrou lastimando de uma dor de um dente que estava mole na boca, preste a cair. A mulher conferiu a boca da menina e constatou da necessidade de contribuir para aliviar a dor que a menina sentia: Com jeito ela segurou o queixo da filha com a mão direita e com a mão esquerda ela pressionou, com muita calma, o dente condenado. Célia tentou recuar de medo, obrigando assim Inácia impor um pouco de austeridade em seu trabalho, para ganhar a confiança da filha ela dizia:


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- Calma, num vai doer nada, vou só puxar um pouquinho, logo passa...
Seguênciando seu trabalho; com as pontas dos dedos apropriados ela segurou o dente e faz um movimento de vai e vem. Cália já tinha se arrependido de ter pedido ajuda a sua mãe, mas logo Inácia tirou a mão da boca a menina com o dente preso entre os dois dedos, aliviada Inácia disse:
- Pronto, acabou viu? Toma esse dente, joga ele no telhado da casa que é pra te dar muita sorte na vida.
Célia pegou o dente e saiu correndo, já satisfeita e sem dor, para jogá-lo no telhado da casa. Sérgino se dirigiu para a venda e pegou uma caixinha de madeira, despechou todo o conteúdo da caixa no balcão, espalhando o montante de células e moedas que estava ali dentro, começou então a contar o dinheiro. Lá fora pela intensidade do brilho do sol, podia rever que era 14h00min horas. Sérgino aproveitando a ausência de freguês se ocupava, no que podemos de balanço de caixa. O homem também ouvia um som de uma emissora de rádio, o aparelho estava também sobre o balcão. A recepção do sinal da emissora era bastante fraco, as ondas sonoras eram de péssima qualidade. No rádio se ouvia uma emissora de Brasília, na estação somente tocavam algumas músicas e de vez em quando se ouvia o prefixo da estação, pois era recém inaugurada, estava no ar em fase de teste, porém de repente uma manchete que mereceu a atenção de Sérgino, do rádio ele ouviu a noticia:
´´ E atençao ``. Daí um toque de suspense e o locutor continuou – Brasília foi palco hoje de manha de um crime, o maníaco ´´ Badaró `` matou friamente sua esposa Rosa de tal a golpes de facadas. Ninguém soube dizer o que levou esse homem a cometer esse assassinato, a filha do casal de dois anos de idade foi quem presenciou tudo, a menina, traumatizada, foi entregue a uma irmã do assassino. Toda policia de Brasília esta no encalço de Badaró, mas é muito difícil a captura desse maníaco por que o criminoso fugiu tomando rumo ignorado. Continue aqui... E uma canção deu seguimento à programação da rádio.
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Sérgino ficou indignado com tanta violência. Dentro de estante José apareceu na venda trazendo outra noticia para Sérgino que o afetaria diretamente. Era estranho José em casa há essa hora, pois nesse dia José foi encarregado de inspecionar o trabalho na lavoura. Naquele dia a rotina foi quebrada, Sérgino ficou em casa e José foi para a enxada. Assim que Sérgino viu José logo desconfiou do problema, certamente era aquela praga de novo na plantação de milhos, sem que José falasse Sérgino te perguntou:
- O que foi Zé? Vai me dizer que...
- Sim senhor...
José quis falar, mas Sérgino tomou a palavra, já estava ciente de tudo:
- É aqueles bichos de novo né?
- É sim senhor.
O homem fez um gesto negativo com a cabeça e murmurou:
- O que eu vou fazer meu Deus? Se continuar assim vou perder toda plantação de milho...
- E aqueles bichos é muito senhor, eu inté matei três deles, mas é por demais seu Sérgino.
- Não Zé, matar um por um não adianta!
- Então senhor, o que nois vai fazer, deixar eles acabar com o milharal?
- Sinceramente eu não sei o que fazer com esses macacos Zé.
Sérgio chegou ali e tomou parte na conversa indagando:
- É aqueles bichos de novo pai na plantação de milho?
- Sim Sérgio, é eles de novo. Respondeu Sérgino.
O menino também se irritou e flizou:
- Droga... Todo ano eles atacam o milharal e o senhor tem prejuízo com eles, temos de fazer alguma coisa pai!
Depois de um silêncio José falou:
- Eu vou voltar pra roça então.
- Me espere José. Disse Sérgio.
O homem continuou sentado onde estava junto ao balcão e questionando consigo o que ia fazer com os macacos.
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Sem que ele esperasse uma voz veio à tona:
- Me serve uma dose da branquinho ai Sérgino. Ta pensando na morte da bezerra homem?
- Oh Dito, ta bão, Mas isso não é hora de ficar rondando por ai sem rumo, ta em falta de trabalho homem?
- Que nada seu Sérgino, to atrás de inseticida pra comprar, a frieira atacou de novo o gado, o senhor tem ai pra vender?
- Tem não rapaz, acabou onte, tenho que buscar na cidade. Mas aqui ta sua pinga.
Dito conduziu o copo até sua boca e de um cole só ele bebeu todo líquido.
Abadiânia foi cenário desse acontecimento.
Seu Manoel já estava aborrecido com Dorvalino em seu estabelecimento. Já era muito tarde da noite e o homem não ia embora, ele era o único freguês que estava no bar de seu Manoel. Seu Manoel se deixava vencer pelo sono, dormindo com os cotovelos apoiados no balcão e, Dorvalino sentado em uma mesa fumando e embriagado. Porém o dono do bar foi franco com Dorvalino, disse:
- Então Dorvalino eu quero fechar o estabelecimento homem, até amanhã ou até daqui a pouco.
Seu Manoel era um português bigodudo e pançudo.
A bebida era a causa de Dorvalino não ter ainda desocupado o comércio de seu Manoel, pois o efeito da famigerada pinga atrapalhava ele até mudar os passos. Contudo a exigência do vendeiro foi acatada por Dorvalino; Lentamente ele se levantou e apoiando nas cadeiras ele foi saindo do bar e trocando os passos ele já trafegava pelas calçadas em frente às casas.
Abadiânia toda dormia, a noite estava fria, mas Dorvalino suportava o frio com a camisa desabotoada. Ouvia-se latidos dos cachorros, certamente o homem que perambulava na rua despertaram os cães. Na praça da cidadezinha estava um deserto, havia somente ali algumas aves noturnas se deliciando no chafariz, onde as águas refletiam as luzes que tinham a função de clarear a praça.
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Dorvalino se dirigiu para lá, se deitou em um banco da praça e começou a delirar com sua musa Aparecida, depois ele procurou forças para se levantar, mas seu corpo não mais te obedecia e suas pernas não te levou a nenhum lugar, o jeito foi ficar ali mesmo, quando ele acordasse estaria sóbrio. Todavia o nome de Aparecida não saia de sua boca.
´´ Ocê vai ser minha Aparecida, eu vou te levar comigo pra bem longe daqui, agora, se eu vê ocê co outro homem eu mato, pode ser quem for, eu mato ele e ocê também desgraçada, Minha faca ta bem afiada pra furar quarquer um que se meter coce... ``
Assim foi dizendo até dormir.
O dia logo se manifestou, trazendo com ele as movimentações de alguns meninos no gramado da praça. A praça não tinha muitos brinquedos que merecesse crédito das crianças de Abadiânia, apenas uma corda podre amarrada em um galho de uma velha mangueira, servindo de balanço, que iludia, vez por outra a preferência das crianças, mas também por pouco tempo, pois o balanço não entusiasmava nenhuma delas. Nenhum ato de vantalismo se via na cidade, o único responsável por não haver brinquedos na praça era a Prefeitura Municipal.
O que havia de mais belo na praça de Abadiânia eram suas árvores floridas, roceiras de várias qualidades e muito bem cuidadas, separadas por um trieiro, onde era a passagem de pedestre. Local muito colorido pelas espécies de plantas existentes ali, concedendo um clima agradável, clima ameno com muito oxigênio, clima tranqüilo e outros adjetivos. Até os pássaros tinham ali sua orquestra organizada.
Dorvalino não descansou o suficiente, portando o álcool não foi dissipado e ele estava ainda sobre o efeito da cachaça, mas seu corpo já te obedecia; Levantou do banco, foi até o chafariz, lavou o rosto nas águas corrente de uma torneira, que ficava sempre na ativa. A meninada assistia de longe o homem, alguns meninos perguntavam entre eles:
- Quem é esse homem esquecido?
- Ocê não conhece, é seu Dorvalino.

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- Por que ele ta andando assim?
- Eu acho que ele ta é doido!
- Num chega perto dele não hem, se não ele pega a gente, vem brincar...
Disfarçando sua embriagues, Dorvalino disse para a meninada:
- Bom dia criançada?
Assustada as crianças não disseram nenhum´´ Bom dia ``.
Dona Chica tricotava assentada em uma cadeira de gangorra, seu antigo óculos te auxiliava em sua habilidade com a agulha. Esse dom vinha de seus antepassados. Sua mãe dona Gomercina a ensinara a arte de tricotar, já o mesmo ela não poderia fazer, pois não tinha a quem ensinar, Aparecida não se interessava em aprender a manipular as agulhas do tricô, certamente essa arte de dona Chica iria com ela para o túmulo.
De repente Dorvalino chegou à casa de dona Chica dopado pelo álcool e muito perturbado, já com outra garrafa de cachaça debaixo do braço. Dona Chica faz uma pausa no seu trabalho e não tirou os olhos mais de Dorvalino. O homem tinha o fôlego bem alterado e mesmo cambaleando ele procurava por Aparecida pela casa, não a vendo na casa ele perguntou para dona Chica:
- Cadê ela?
- O que foi Dorvalino, o que ocê tem homem?
- Nada. Cadê Aparecida?
- Por que ocê ta tão desingueto homem de Deus?
- Eu quero ela, cadê Aparecida anda...
- Calma Dorvalino, Aparecida ta lá no quintal.
Nervoso e bufando feito um animal feroz, Dorvalino caminhava de um lado para outro na sala, em uma mesa ele depositou uma garrafa de pinga, abaixou sua cabeça e quase que as lágrimas vieram nos seus olhos, mas a estupidez e a raiva que estava sentindo não cederam lugar para que ele chorasse; se alterou ao ponto de atirar um vaso de flores, que estava sobre a mesa e, da sua cintura ele socou de um punhal ameaçando dona Chica dizendo alto e furioso:
- Me fala onde ela ta agora, anda veia gaga...

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Dona Chica se sentiu acuada com a petulância de Dorvalino, a anciã empalideceu e tentou responder:
- Que isso Dorvalino, se aqueta homem de Deus, guarda essa faca pelo amor de Nosso Senhor Jesus Cristo, Aparecida ta lá no quintal na bica lavando prato, oh... Meu Deus! Ocê ta doido homem de Deus?
Novamente Dorvalino pegou a garrafa e levou a boca e mesmo pelo gargalo da garrafa ele bebeu em um cole só boa quantidade de seu conteúdo. Por pouco, ao descer o degrau da porta da sala ele não caiu com o punhal na mão. Dona Chica ficou bastante apavorada, sentiu uma dor horrível em seu peito que a impediu de seguir Dorvalino, só insistia com o homem verbalmente:
- Dorvalino, volte aqui homem, o que ocê vai fazer com essa faca na mão? Pelo amor de Deus, não faz nenhuma besteira homem!..
As lágrimas se misturaram com sua dor no coração, o pior que ela estava sozinha em casa, com exceção de Ércio e Aparecida, mas ambos estavam na bica.
Dorvalino estava enciumado, porque sabia que Ércio tinha uma parcela de respeito no coração de Aparecida, assim sendo, Ércio era seu grande rival, Ércio estava em sua frente e ele queria ser o único na preferência da moça.
O homem liberava espuma pelos cantos da boca, quase não conseguia andar com tanta embriagues, mas com sede de morte ele caminhava rumo à bica e lá chegando se confirmou sua suspeita; Seu corpo gelou ao ver a cena que completou sua loucura. A mão que segurava o punhal começou a tremer. Seu corpo suava. Pouco mais a frente ele viu Aparecida em maior chamego com Ércio. Ércio tinha a mocinha em seus braços e eles trocavam beijos ardentes e já começavam mesmo a realizar os desejos da carne, porém foi interrompido quando Dorvalino deu um basta naquilo tudo:
- Ah seu bote safado, sai de cima de minha cabra seu desgraçado, ocê vai sentir a lâmina de minha peixeira entrar no seu bucho, cachorro ordinário!..
E correu para cima dos dois, Aparecida prevendo que era o fim de Ércio dizia muito apavorada:
- Corre Ércio, Dorvalino vai te matar, anda vai...

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Ércio sem chance de se defender por que se viu em apuros diante do punhal de Dorvalino saiu correndo. Dorvalino não conseguiu correr tanto como Ércio e logo foi vencido pelo cansaço, porém ele voltou para Aparecida e com ela não deve escapatória. Fortemente ele segurou Aparecida, tirando dela qualquer ação e começou a sussurrar em seu ouvido afirmando que ia matá-la. Ércio viu de longe Aparecida detida por Dorvalino e sem noção da conseqüência de tudo que ia fazer: Ele correu para sua casa, em casa ele revirou a gaveta da cômoda onde encontrou o que ele procurava; Um revólver bem antigo. Após conferir o tambor do revólver para verificar se havia munição,´´ ok ``, a arma estava carregada. Imediatamente ele retornou ao local onde estava Dorvalino e Aparecida, só que não teve tempo necessário para evitar a tragédia. Dorvalino era homem de lavar a honra com sangue. Com o punhal em punho ele dizia as últimas palavras para Aparecida:
- Por que ocê fez isso comigo Aparecida, por que? Ocê não vai ser minha mais também não vai ser dele e de ninguém porque eu vou te matar agora...
Chorando e com muito medo Aparecida suplicava para ele:
- Pelo amor de Deus Dorvalino, pensa no que ocê vai fazer homem, não mate eu por favor! De hoje pra frente serei só sua Dorvalino, não mate eu...
- Cale a boca desgraçada, ah Aparecida... Eu gostei muito doce, queria ocê só pra mim, mas ocê me levou a fazer isso...
Aparecida implorou outra vez:
- Não Dorvalino, pelo amor de Deus!
Mas Dorvalino estava escravizado pelo ciúme e sem piedade reforçou seu braço, levantou a cabeça e cravou o punhal na barriga da pobre Aparecida. Ela, com muita dor foi escorregando dos braços do homem e caindo ao chão. Nesse momento Ércio chegou e viu Aparecida agonizando. Descontrolado ele apontou o revólver para seu tio, Dorvalino se afastou e outra vez Ércio olhou para Aparecida já toda ensangüentada e, voltando sua atenção para Dorvalino, ele não exitou em puxar o gatilho, Dorvalino foi atingido no peito, porém não se

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deixou ser vencido, fazendo Ércio atirar mais três vezes e todos os tiros certeiros.
O rapaz foi em socorro de Aparecida e tentava reanima-la enquanto Dorvalino morria sem amparo.
O som daqueles tiros foram ouvidos por dona Chica, sentindo ainda a dor no peito ela correu para o quintal chamando pelos três:
- Ércio, Aparecida, Dorvalino. O que aconteceu meu Deus!?
Aparecida perdia muito sangue e amparada por Ércio ela fez a ele seu último pedido sentindo que aquele era seu fim:
- Vai Ércio, some daqui, não deixe que ninguém te pegue. Minha vida ta terminando aqui, mas a sua não meu amor, foge...
A emoção quase o impediu de falar, mas com esforço ele disse:
- Eu vou me matar também Aparecida, num posso viver sem você!
Aparecida ainda conseguiu dizer:
- Não Ércio. Te espero lá no céu, céu,céu...
E deve fim o ciclo de vida de Aparecida.
- Nãooo meu Deus!
Ércio não aceitava perder sua amada e lançou essa frase no ar.
Vendo que sua mãe se aproximava, ele chocou o revólver a certa distância e correu para não ser visto por ela, mas foi inútil, dona Chica viu seu filho lambuzado de sangue, então Ércio falou para sua mãe:
- Cale a boca mãe, não fale nada. Foi tio Dorvalino que matou Aparecida e eu matei ele! Eu vou embora e a policia não vai me pegar, não se preocupe comigo, adeus mãe...
Ércio terminou de falar e desapareceu por entre o mato.
Dona Chica entrou em pânico e uma resposta ela buscava aos céus:
- Por que Senhor, meu filho assassino, por que meu Deus?!.
De um lado Aparecida e do outro Dorvalino ambos sem vida.
No velório houve uma conversa comprometedora entre dona Chica e o delegado da cidade, mas seu Antonio estava em defesa de sua mulher e não permitia que o delegado fizesse tantas perguntas a ela.

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Em um ponto da interrogação seu Antonio disse:
- Sebastião ocê num ta vendo que Chica não tem condição de dar nenhuma explicação agora?
O delegado concordou, mas continuou:
- Só mais uma pergunta. – A senhora – De novo seu Antonio não permitiu que ele formulasse a pergunta, retrucou logo:
- Sebastião, depois ta, depois.
O delegado conformou com certa ironia:
- Depois... Tudo bem, depois!
O delegado ia saindo, mas dona Chica o chamou:
- Espere seu delegado.
- Sim dona Chica, a senhora tem algo a me falar?
- Tenho.
Seu Antonio ainda não sabia que seu filho era o responsável pelo o assassinato e aconselhou a mulher:
- Não Chica, não ocê precisa se torturar, o delegado pode esperar.
Mas ela se decidiu e disse:
- Careço de falar Tonho, ocê tem que saber do nosso filho Ércio...
O delegado atiçava:
- Fale dona Chica, o que tem seu filho Ércio?
- Quem matou Dorvalino foi Ércio, mas antes Dorvalino tinha matado Aparecida. Meu filho é o assassino!
Seu Antonio falou:
- Meu Deus... Por isso que ela desapareceu!..
O delegado demonstrou satisfeito:
- Bem, minha missão aqui ta cumprida, bem, lamento que tenha sido seu filho seu Antonio! Até mais ver pessoal.
O velho se aborreceu:
- Some daqui agora delegado fajuto, ta contente agora?
Antes de sair o delegado perguntou:


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- A senhora sabe pra onde seu filho foi dona a Chica?
Dona Chica não teve voz e não disse mais nada, apenas fez um gesto negativo com a cabeça. Seu Antonio já partia para a ignorância para cima do delegado, disse:
- Sebastião ocê vai embora agora num vai? Se ocê fizer outra pergunta pra Chica eu perco minha paciência coce... Vai-te embora agora sô!
O delegado se defendeu:
- Seu Antonio esse é o meu trabalho, só to fazendo meu trabalho, as eu sou calmo eu espero, depois eu volto. – Foi saindo de mansinho e acrescentou – Perdão, talvez eu esteja mesmo exagerando. Boa noite a todos?
A sala estava repleta de gente para consolidar os pêsames a dona Chica e seu Antonio.
No outro dia. Ércio se encontrava numa gruta úmida as margens do rio Corumbá. Sem nenhum dinheiro ele não podia ir muito longe: Pensou, pensou e concluiu que aquela gruta que estava era próxima da casa de seu irmão Sérgino, então Sérgino era quem podia te ajudar, mas, será que seu irmão não ia se opor a sua decisão e entregá-lo a policia? Com esse raciocínio ele se dirigiu para a casa de seu irmão.
Conduzia-se por uma estradinha humilde e alguns metros depois ele viu, de um lado da estradinha e por atrás de uma cerca de arame farpado, um velho que capinava e para o velho Ércio pediu uma informação:
- Bom dia senhor?
- Dia moço!
- O senhor sabe onde fica a casa de Sérgino? Eu sei que é por aqui, mas num to bem certo onde fica.
O velho, já bem enrugado e pele de cor negra, parou seu trabalho e muito prestativo disse:
- Olha, ocê pode seguir por essa estrada estreita e lá na frente ocê vai cruzar com a estradona, segue a estradona do seu lado esquerdo, logo ocê chega lá na casa dele.
- Obrigado senhor.

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Ércio seguiu em frente e o velho voltou a capina. A diga do ancião estava correta.
Já com a casa de seu irmão em vista Ércio começou a estudar uma maneira de entrar lá sem ser visto por ninguém. Então ele ficou de tocaia e aguardava o momento ideal para entrar na casa. Sua salvação dependeria de sua eficiência, nenhuma pessoa poderia te ver, ele não queria deixar ser descoberto e aquele era o momento de entrar na casa, pois ele viu o estabelecimento abandonado e o seu alvo era o caixa da venda. Então Ércio se aventurou nesse pequeno furto. Porém não foi feliz; quando Ércio pegava o dinheiro de dentro da caixinha, onde ficava, Sérgio o acompanhava, com os olhos, a sua frente, então Ércio percebeu a presença do menino. Muito tenso ele suplicou ao menino:
- Me ajude Sérgio, seu tio precisa muito de você garoto, a policia ta atrás de mim, preciso fugir e não tenho nenhum dinheiro.
Sérgio segurou em seu braço e disse:
- Espere, o que eu posso fazer pelo senhor meu tio?
- Não se preocupe comigo Sérgio, você não pode fazer nada por mim, só quero que não fale nada que me viu aqui.
- E pra onde o senhor vai tio?
- Vou para a estrada Federal, lá eu pego uma carona e me mando pra São Paulo.
- Mas a estrada Federal ta longe e o senhor ta com o pé em carne viva.
- É, ta, mas de vagar eu chego lá.
Sérgio se compadeceu de seu tio, conduziu-o para um lugar discreto e disse a ele:
- Fica ai, eu num demoro.
O dinheiro não era o bastante para custear a viagem, mas ele tinha que se arriscar. Meditou no pedido de Aparecida que agonizando disse:
´´ Não deixa ninguém te pegar Ércio ``.
Não tardou para que Sérgio retornasse ao lugar onde estava Ércio, trazendo consigo um cavalo arreado e um embrulho, Ércio, emocionado com a solidariedade do menino retribuiu-o com um sorriso tímido e disse: 50
- Sérgio não se incomode comigo. Mas como passou despercebido tudo isso?
- Não precisa se preocupar tio, ninguém viu eu pegando esse cavalo e a montaria e esse embrulho é pro senhor comer na estrada, é uma delicia, a mãe tem mão de fada pra fazer esses biscoitos, toma.
Ércio mudou de assunto para não chorar:
- O que eu faço com o cavalo quando eu chegar na estrada Federal?
- Quando o senhor não precisar mais dele basta dá uma chilapada no lombo dele que ele volta pra casa, ele já conhece o caminho.
Antes que Ércio fosse embora, Sérgio instruiu o animal cochichando no seu ouvido:
- Vai Leopardo, eu confio noce, quando ocê não for mais necessário para o tio, ocê volta pra casa correndo ta?
Terminou de instruir o cavalo e abraçou e beijou a cabeça do animal.
Ércio ficou admirado com aquilo, parecia que o menino tinha o dom de falar com os animais.
Ércio se despediu:
- Adeus Sérgio, um dia eu volto aqui, muito obrigado por tudo garoto!
- Vai com Deus tio, boa sorte...
Sérgio, depois daquilo, se achou importante, não importa as condições, o certo era que ele havia ajudado alguém, também porque ele se sentiu sobrecarregado de piedade do seu tio.
Sérgio voltou para casa com esse sentimento, sentimento de pena do seu tio e olhando sempre, agora já pequena imagem do tio montado no cavalo, desaparecer na estrada.
Já se foi o quinto veiculo que passou por Ércio na estrada Federal e nenhum obedeceu seu aceno de pare. Em um instante Ércio se disfarçou, até que passasse por ele uma viatura de policia, mas, logo depois da viatura envia um caminhão de carga, Ércio apelou pro bom senso do motorista do caminhão acenando para parar. O caminhão, em alta velocidade, começou a suavizar sua carreira, dando a impressão que ia parar. Com o caminhão a sua espera Ércio disse para o cavalo:
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- Vai embora animal, você me valeu muito viu, adeus...
Ércio deu um tapa no lombo do cavalo e correu para o caminhão que te aguardava, o cavalo, como foi instruído pelo menino, tomou o caminho de volta.


























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CAPITULO 05

0 HOSPEDE



Sérgio e Eurípides juntos elaboraram um plano para livrar a plantação de milho dos macacos e assim poupar o pai de Sérgio do prejuízo que os bichos viam causando. Sérgio arquitetou uma forma para eles se divertirem com os tais macacos e, se desse certo, também enxortá-lo com eles da plantação de milho. Em uma reunião dos dois meninos ficou decidido o que eles deveria fazer, então partiram para a execução do plano. Não foi difícil eles conseguirem uma bacia, de tamanho médio, também duas garrafas de aguardente. Eurípides demonstrou dúvidas dizendo:
- Eu acho que o que ocê quer fazer num vai dar certo Sérgio, mas vamos lá, eu tô coce nessa...
- Sabe que nem eu acredito Eurípides, mas é bem capaz de dar. O que num pode é ficar esses bichos perturbando tanto a gente.
Ninguém tomou conhecimento das tramas dos meninos, na verdade, José desconfiou de algo porque ouviu uma conversa entre os meninos sobre os macacos, mas não se interessou, portanto não tomou parte nos detalhes.
E na plantação de milho a macacada aprontava das suas. Os meninos pegaram as duas garrafas e despechou na bacia todo seu liquido até a última gota da cachaça e em um córrego, que passava por perto deles, eles jogaram as garrafas. Sérgio, para verificar o sabor da pinga, umedeceu a ponta de seu dedo nela e levou-o até sua boca. - Inheca - Fez uma careta monstruosa e horripilante, Eurípides a exemplo do amigo fez o mesmo, sua reação foi idêntica a de Sérgio. Então pegaram à bacia, cheia até a metade com o líquido e, buscaram o melhor lugar para colocá-la, lugar onde a bacia ficasse mais a vista da bicharada. Ficaram de tocaia e torcendo para que a macacada se entusiasmasse com o que era lhes oferecido.

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Alguns bichos até estavam curiosos com aquela bacia e chegavam perto para ver aquilo, mas não bebiam do líquido, foi preciso muita paciência dos meninos para se completar o plano de verdade. Um macaco, dos mais ousado, tomou a iniciativa e começou a estudar mais de perto a bacia. Então o bicho se atreveu e buliu com o líquido; molhou sua pata no líquido e lavou-a em sua boca, mas sempre olhando para os lados e preparando uma fuga. Em uma linguagem não compreendida pelos meninos, os macacos se comunicavam entre si, outros macacos valentões faziam graça e tentavam revirar a bacia, mas para a sorte dos meninos ela não tombava, outros mais atrevidos se tornaram intimo da bebida e, a partir daí a expectativa dos meninos se redobraram. O mesmo efeito que a pinga faz nos homens que não é acostumado a beber, também faziam nos macacos. Os rostos dos bichos começaram a se envermelhar, dos olhos deles se via lágrimas saindo. Estava dando certo, a bicharada estavam gostaram da danada. Com suas pata eles bebiam um pouco e mais um pouco e todos já faziam o mesmo, todos bebiam da pinga. Eurípides comentou:
- Alá Sérgio ta dando certo, eles ta bebendo tudo...
- psiuuuu, quer espantar eles bobão, fale baixo e cale a boca!?
Cada macaco tinha sua própria palhaçada; biquinhos, cambalhotas... Todos faziam suas macaquices, a impressão era que já tinha muitos macacos bêbados.
Os risos dos meninos não mais cessavam. O local estava repleto de macacos bêbados, bichos que não conseguiam nem mais parar em pé, suas tentativas eram em vão, não podiam mais evitar seus tombos. Teve um dos macacos que subiu em uma árvore, ´´ Não sei de que jeito `` e, em cima da árvore o macaco começou a aprontar; Segurou seu bibiu, mirou bem os outros macacos lá em baixo e começou a mijar nos seus companheiros. Os meninos não se continham e se deliciavam em darem gargalhadas. O macaco de cima da árvore dava gritinhos estéricos e de um galho a outro galho ele pulava de árvore em árvore, mostrando que também era bom no trapézio. Porém não foi feliz em um desses saltos. Num salto mortal ele não achou o outro galho e foi direto para o solo, tendo um tombo engraçado.
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Todos os outros macacos desviaram suas atenções para o macaco que havia caído da árvore, pois ele ficou imóvel no lugar onde caiu, por alguns segundos ele não se mexia, mas logo o safado levantou a cabeça e fez um biquinho e reganharam seus lábios, mostrado seus dentes. Para o restante dos macacos foi o suficiente para, de novo, liberarem seus eufóricos gritinhos e continuar com a baderna. Mesmo de porre havia macacos que bebia mais da deliciosa, ´´ Deliciosa pra eles `` cachaça. Todavia, pouco a pouco começavam a surgir os atritos entre eles. Os meninos não conseguiram distinguir qual foi o macaco que se apossou da bacia e não permitia que os outros macacos se aproximassem dela, o macaco arrastava a bacia e a confusão estava armada. Mas o combinado dos meninos não foi ficar só olhando os macacos, então Sérgio alertou Eurípides:
- Agora Eurípides nois vai fazer a maior zoeira com eles. Cada um de nois pega uma vara e vamos correr atrás deles dando varada sem dó, que é pra eles se assustarem e ir pra bem longe daqui...
Eurípides contestou:
- Mas Sérgio, ocê num tem coração, num vê que tão todos mortos depois de beberer daquele troço que nois tamos pra eles?
- A é assim né Eurípides? Só te chamei porque ocê é meu amigo, quem ta no prejuízo não é seu pai né, ocê vem comigo ou não?
- A bão, eu vou...
Então os dois se armaram com duas varas de tamanho adequado para eles e puseram-se em posição de ataque.
A festa dos macacos foi comprometida, pois os meninos saíram correndo do mato declarando guerra aos inimigos. Um dos bichos deu o aviso com um grito ao restante dos macacos e foi um pega pra capar... Os bichos não estavam sendo espancados pelos meninos, mas a lição que estava tendo faziam com que eles se endoidecessem sem rumo certo e, como eram ariscos aqueles bichos! Sérgio bradou com Eurípides em alta voz:
- Não faça isso Eurípides, não vê que ele te morde?
O motivo era que um macaco estava acuado por Eurípides e o menino tentava pega-lo. 55
Quando Sérgio disse isso Eurípides obedeceu rápido, mas quase levou uma mordida do macaco. Outros macacos se jogavam para dentro do córrego, fugindo dos meninos, outros subiam em árvores e despencavam lá de cima, porque estavam bêbados. Era comum ver macacos se chocando um contra os outros, parecendo batida de automóvel em alta velocidade. E assim foi o massacre sem trégua para os macacos.
Em casa, mas precisamente no curral, Sérgino tentava amansar um poldro bem criado e esperto. O cavalo estava sendo preparado para entrar para a vida ativa.
Mas afastadas do pai as meninas ficavam assistindo a valentia dele domesticando aquela fera. Mas elas não escondiam o medo quando o cavalo soltava suas bufadas e relinchava, como que pedindo socorro. Quando o cavalo se aproximava delas elas se tomavam mais distância da cerca. Mas não havia perigo, pois Sérgino estava em cima do animal sempre durão, impondo sua autoridade no garanhão. Sérgino era bastante radical com os animais. Um exemplo foi àquela vez com o cachorro Foguete: Foguete estava sendo vítima de uma lepra em sua coxa direita, tanto que o animal já não andava direito. Sérgino se preocupou com a ferida no cachorro, então um dia ele providenciou um remédio, ´´ feito não sei do quê ``. O remédio tinha uma coloração preta e cheirava mal. De posse do remédio Sérgino pegou um pedaço de pau e em uma das pontas do pau ele amarrou um trapo de pano para passar o remédio na ferida do cachorro. Porém, o cachorro não permitia que Sérgino passasse o remédio nele? Em nenhuma hipótese o animal aceitava que Sérgino tocasse em seu ferimento. Sérgino estava tolerante e acariciava o cão.
- Quieto Foguete, num vai doer nada, é só pro ce ficar bom, fique quieto...
Porém era inútil, o cão não parava de sacudir o rabo, dava latidos sem cessar e repuxava a perna que trazia a lepra, contrariando com isso a boa vontade do homem. Contudo sua paciência tinha de ser preservada, mas Sérgino já estava ficando irritado. Para Sérgino tudo tinha seu limite e o limite era ceder a sua maneira, mas com o cachorro não tinha fim, o animal não cedia nunca.
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É óbvio que Sérgino estava sendo generoso com o animal, só que o animal não entendia isso e, mesmo com uma corda amarrada em volta do pescoço do cachorro, te impedindo de fugir, ele não dava uma oportunidade de Sérgino passar a porção no seu machucado. Às vezes até o próprio cachorro se enforcava na corda em volta do seu pescoço. Mas chance de passar o remédio Sérgino nunca tinha. Todas as possibilidades para convencer o cão foram esgotadas. Sérgino já estava nervoso e se o cachorro não se aquietasse certamente ele levaria a pior. Para se defender o cachorro começou a rosnar e ranger os dentes, ameaçando Sérgino. Então o ódio do homem veio à tona e o homem soltou os cachorros em cima do cachorro, disse nervoso:
- Ah é assim né? Pois agora ocê vai ver, cachorro desgraçado!..
Sérgino liberou seu ódio; segurou o cachorro a fim de derrubá-lo, mas quando o homem forçou para imobilizar o animal no chão, este mordeu seu dedo. Sérgino sentindo dor levou seu dedo à boca e chupou o sangue, a partir daí sua paciência chegou ao final, dizia com muita raiva:
- Cachorro fio de uma égua, fica quieto se não te mato, quieto Foguete, quieto...
Assim se repetia e sem piedade castigou o cachorro com um ponta-pé certeiro no focinho do animal, fazendo o cachorro ficar sem ação e gritar muito de dor. O homem covardemente não mais parou de espancar o cachorro, usando golpes desumanos. Não era justo usar de tamanha judiação, mas Sérgino estava fora de si. O cachorro rendeu-se, só que não adiantava mais, pois Sérgino estava obcecado em bater no animal e, quando o homem não tinha mais forças para bater no cachorro, ele pegou a lata, com o remédio dentro e, jogou em cima do cachorro estirado no chão e concluiu, como se o cachorro o entendesse:
- Ai seu bicho ruim, reage contra eu agora, cadê sua valentia? Excomungado, vem, morde eu agora Foguete...
Na verdade o cachorro ficou quase morto. Sua respiração estava alterada e ele chorava muito, choro de animal. O cachorro estava debaixo de um sol forte. Aquele calor intenso parecia que contribuía para a morte do cachorro. 57
Foguete sobreviveu, porém ficou todo entrevado; suas patas traseiras ficaram completamente paralisadas, para ele andar era um sacrifício. O animal só movimentava as patas dianteiras. Com as patas dianteiras ele puxava o restante de seu corpo, que ia arrastando pelo chão. Seu quadril ficou todo desgovernado, causando o sentimento de pena em qualquer pessoa que visse a situação do cachorro. Sérgino, de vez enquanto via o animal se arrastando no quintal de casa, sentia-se um pouco de remorso. Incomodava-te ver aquela situação e também sua consciência te acusando. Até que um dia Sérgino completou sua malvadeza; foi ao seu quarto, pegou uma espingarda de dois canos e foi até o cachorro, mirou bem a arma na cabeça do cachorro e disse:
- Dói ne mim ter que fazer isso Foguete, mas é pro seu alivio...
O cão, sem entender nada daquilo, só examinava o cano da espingarda em sua direção e, de repente um tiro deu fim no sofrimento do cachorro Foguete.
Os meninos acabavam de chegar da roça, onde havia aprontado com os macacos. Passando os meninos perto do curral, Sérgino os viu de longe e interrogou Sérgio:
- Muito bonito né Sérgio, eu aqui precisando doce e ocê desocupado por ai, onde ocê tava hem? Num carece dizer não, já sei, tava brincando no mato mais Eurípides. Vem cá anda... Monte nesse poldro e amanse o danado que eu tenho mais o que fazer.
Os dois meninos foram em direção a Sérgino. O homem, desmontando do cavalo acrescentou:
- Acho que ocê já pode pô ele na estrada, mas tome cuidado por que ele ainda ta meio veiaco, se ocê se descuidar ele te derruba.
Sérgino e as meninas caminharam e entraram na casa. Então Sérgio, já montado no poldro autorizou o amigo Eurípides de montar também na garupa. Esse era o trabalho preferido do menino, se relacionar com os animais era fascinante para ele. O interessante foi que a inquietação do animal, depois que o menino assumiu o lugar do pai diminuiu misteriosamente, o cavalo obedecia todo comando do menino.
Esse dia era num domingo.
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O estabelecimento de Sérgino, todo fim de semana estava repleto de gente. A movimentação de fregueses era certa nos fins de semanas, fazendo com que Inácia se desdobrasse na preparação de algumas delicias e, a eficiência de José, em atender os compradores, era de suma importância. Sérgino estava na venda, mas só envolvido em contar casos com os companheiros de copo. Já dizemos que não era hábito dele dividir as tarefas referentes ao comércio, à responsabilidade era toda da mulher. Ainda bem que naquele domingo Inácia contava com a ajuda de uma cozinheira. Várias qualidades de biscoitos, doces, outros pratos eram preparados por elas. Essa cozinheira era Lázara, irmã de Eurípides. Moça bonita de vinte e dois anos de idade, que amava Brás, um perigoso amor. Mas essa é uma outra história.
Parece que Eurípides só foi com Sérgio para atrapalhar. De tanto Eurípides chicotear o poldro, agora Sérgio não mais conseguia controlar o galope do animal. Até que o galope do cavalo não era problema para ele, o difícil era que eles estavam sem montaria no cavalo e Sérgio tinha de se manter firme no poldro e também Eurípides que estava grudado nele como um parasita. Sérgio então começou a bradar com Eurípides:
- Seu bobão, num ta vendo que nois ta sem cela, por que ocê bateu nele? Nois vai cai por culpa sua seu bobão...
Sérgio se mexia em cima do cavalo de um lado para o outro.
Sua preocupação era que Eurípides estava abraçado em seu corpo e provavelmente, por causa de Eurípides, eles iriam para o chão. Sérgio tinha a seu favor só um pequeno rabicho da crina do cavalo. A pequena crina te servia de apoio para se segurar em cima do animal, porém a crina não era o bastante para ele se segurar e não evitar uma possível queda. O desespero tomou conta dos meninos. Eurípides já chorava de arrependimento de estar em cima daquele cavalo. Sérgio, sem ter o que mais fazer para cessar o galope do animal, passou a conversar com o cavalo; Deitou no pescoço do animal e implorava para ele, dizendo:
- Cavalinho bonitinho, pare de correr, por favor! Essa brincadeira já ta bem chata por demais. Pare cavalinho...
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Não teve resultado o apelo do menino, o poldro continuava disparado e corria contra o vento. O pior estava por vim; perto de uma casinha, às margens da estrada um porco atravessou a estrada, indo de um lado para o outro, passando na frente do cavalo. Para os meninos aquele foi um cruzamento fatal. Ao se deparar com o porco, o poldro se assustou e refugou, levantando as duas patas da frente e soltou um relinchado. Nessa hora aconteceu; Eurípides se desequilibrou e puxou Sérgio com ele e ambos foram ao chão. Tremenda queda foi a dos meninos! O admirável foi que, depois que os meninos caíram, o cavalo parou de correr e ficou bufando em volta dos meninos. Pouco depois Eurípides se levantou, sentindo uma pequena uma dor na cabeça, mas nada sério, apenas teve uma pancadinha atoa. Perto dele Sérgio se retorcia no chão de dor no braço direito. Sérgio, de vagar se pós em pé e ficou ali mesmo sentado em um pequeno barranco na beira da estrada. O menino estava cabisbaixo e chorando de dor no braço. Eurípides indagou para o amigo:
- Num fica com raiva de mim não Sérgio, se ocê quiser pode bater ne mim, bate vai, eu mereço memo...
Com a mão esquerda Sérgio limpou as lágrimas e apoiando o braço direito ele pegou o caminho de volta para casa. Eurípides o seguia puxando o cavalo pelo cabresto. Infelizmente Sérgio havia quebrou seu braço. Mas passando de volta em frente àquela humilde casa a beira da estrada, uma voz foi de encontro aos meninos perguntando:
- Oceis se machucou, ta tudo bão coces?..
Eurípides respondeu a voz, que era de um homem de chapéu e não muito velho:
- Comigo ta tudo bão, mas meu amigo ta muito esquisito moço!
O homem perguntou, se dirigindo a Sérgio:
- Hei garoto, o que houve com seu braço?
Sérgio disse:
- Num sei moço, só sei que dói muito.


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O homem se aproximou de Sérgio e disse:
- Deixa eu ver esse seu braço.
Assim que o homem segurou no braço do menino, este não se conteve de tanta dor ao sentir uma fisgada no braço e soltou um grande ´´ ai ``. O homem lamentou:
- Vixe mãe do céu, Coitado doce muleque! A munheca do braço ta quebrada e bem quebrada. Vem cá, vou banhar seu braço com água de sal e amarrar um pano ai pra mão não ficar pendurada.
E os três entraram na humilde casa.
Naquela casa uma coisa chamou a atenção de Sérgio.
Enquanto o homem banhava o braço do menino com uma substância esverdeada, ele não parava de olhar para uma senhora, já bem idosa. A anciã estava deitada em uma rede à sua frente. A velha tinha o rosto bem acidentado pelas rugas. Um pouco magra e parecia que sofria da doença de Parkinson, porque tremia as mãos e um pouco a cabeça. Com um leve movimento de vai-e-vem na rede ela também não tirava os olhos do menino. A dor no braço do menino parece que foi diminuída com a imagem daquela velha. Então a anciã começou articular e fazer gestos para o menino como se ela queria te dizer algo, mas suas palavras não eram coordenadas, por isso Sérgio não entendia bulhufas do que ela dizia. Sérgio perguntou para o homem que cuidava de seu braço:
- O que ela ta falando?
- Ela quer saber quem é oceis.
O homem virou para a velha e em alta voz falou:
- Tudo bem mãe, eles é amigos, esse aqui quebrou o braço, eu tô cuidando dele. Já vou arrumar sua cumida, espere só um muncadinho ta?
Sérgio insistia nas perguntas:
- Por que ela num fala como a gente?
- Mão enrolou a língua e num escuta direito desde quando minha irmã se foi embora com um moço.
- Sua irmã?
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- É... Aquela ingrata mesmo, ela nunca voltou aqui pra saber da nossa mãe, agora a coitada fica ai jogada nessa rede – Enquanto falava enrolava o pano no braço do menino – Fugiu mais um moço que morava lá do outro lado do rio. Ela era a fia que a mãe gostava mais.
Quando terminou de embalar o braço do menino, o homem acrescentou:
- Pronto acabei, mas ocê tem que ir no doutor mode ver esse braço, o que eu pudia fazer eu fiz.
- Obrigado moço.
- Vai co Deus oceis dois.
Antes deles saírem Sérgio olhou novamente para a mulher na rede e verificou que ela continuava a te olhar, só que dessa vez ela tinha lágrimas nos olhos. Sérgio fez outra pergunta:
- Por que ela ta chorando e olhando pra mim?
O homem voltou a falar:
- Na certa ocê traz arguma lembrança pra ela. Vai lá, chega mais perto dela, pega na mão dela.
O menino foi.
Andando em passos curtos Sérgio caminhou rumo à mulher. De inicio ele demonstrou certo orgulho e temia segurar na mão da senhora, porém logo ele se solidarizou e pegou na mão da mulher. Sérgio sentiu uma paz interior muito grande quando segurou na mão da mulher, aliás, os dois sentiram essa paz, prova disso, foi que a mulher começou a sorrir e, era a primeira vez, nos últimos anos que a mulher sorria. Então ela buscava forças para falar alguma coisa:
- Oh m..eu F..iu!
O homem reanimou:
- Oia menino, a mãe gostou doce viu, faz tempo que ela não tem alegria e ocê, num sei porque deu alegria pra ela.
A velha continuou se esforçando pra falar:
- G..al...do e..le é b..uni...to.

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- É sim mãe Joana, ele é muito bunito.
Naquele domingo na casa de Sérgino, chegou um viajante de aparência estranha; Estacionou seu automóvel em frente à venda do casal e desceu um homem bem vestido do carro e depois de conferir bem o lugar comentou consigo:
- É, cá estou eu!
Então o homem, sem cerimônia, foi adentrando no estabelecimento de Sérgino cheio de pose e já procurando fazer amizades ali. Amigavelmente ele disse:
- Bom dia a todos vocês!
Todos desconfiados responderam sorteados:
- Dia... Dia...
Todos estavam curiosos. Começaram a fazer comentaram entre si, perguntando quem era aquele homem, se alguém já tinha visto ele por ali. O viajante, percebendo que ele era o centro das atenções, satisfez a todos falando o que todos queriam saber:
- Compreendo perfeitamente a curiosidade de vocês, pois bem senhores. Estou vindo de Brasília, vim somente a trabalho. Disseram-me que por essas redondezas existem muitas esmeraldas. Pretendo me certificar dessas pedras preciosas e explorar essas riquezas, com a valiosa ajuda de vocês é claro. Apropósito, meu nome é Thomás e olha, se vocês não fizerem objeção, vou trazer o progresso para cá – Pediu uma dose de pinga e convidou a todos – Quem me acompanha numa cachacinha? – Bebeu a pinga e, vendo que todos continuavam calados ele prosseguiu – Gente por que essas caras de espanto de vocês? Será que ninguém vai me indicar uma pensão, um quartinho, para que eu possa ficar hospedado por um tempo até eu fixar minha própria residência aqui.
O silêncio permanecia entre eles e Thomás retornou a falar:
- Hem companheiros, que cara é essa de vocês? Só quero ser amigos de vocês, vamos, fale alguma coisa, vamos trabalhar junto pessoal, ham. Que tal?.. 63
Quando viu que não tinha cartaz com aquela gente, não insistiu mais com eles; Enfiou a mão no bolso da calça e tirou um pedaço de papel, conferiu o nome escrito no papel e perguntou:
- Quem é Sérgino?
Sérgino se manifestou.
- E eu, por que?
- Salve seu Sérgino, sua fama é grande, o senhor é bem reconhecido por ai, o senhor e seu filho Sérgio, já sei da façanha do menino, apesar da pouca idade que ele tem. Valente garoto o seu, parabéns...
Thomás te estendeu a mão e cumprimentou-o:
- Prazer seu Sérgino, eu sou Thomás.
- Como vai seu Thomás? Seja muito bem vindo a minha humilde casa. Desculpe essa gente, mas todos aqui tão assustado.
- Eu entendo perfeitamente seu Sérgino, tudo bem. Pelo que me disseram, o senhor é um profundo conhecedor dessas terras, não é? Veja bem: Minha intenção não é causar nenhum dano a esse lugar ou prejuízo a essa gente, pelo contrário. Se minhas suspeitas forem concretas eu irei pessoalmente ao Presidente da República e relatarei a ele o meu parecer dessa terra e acredite, trarei para este lugar benfeitorias que certamente transformarão a vida de todos vocês.
Todos continuaram calados. Seu Thomás prosseguiu:
- Então posso contar com vocês nesse meu projeto?
Todos estavam meio desconfiados, porém concordaram.
José interrompeu a conversa e cochichou ao pé do ouvido de Sérgino:
- A patroa ta chamando o senhor lá dentro na cozinha mode o senhor vê uma coisa.
Antes de ir ver o que a mulher queria, Sérgino disse para Thomás:
- Ah... Seu Thomás, o senhor pode se hospedar aqui em casa memo, tem um cômodo lá no fundo da casa, o senhor pode ficar com ele. Zé leva seu Thomás para aquele quarto vazio lá no fundo de casa.

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Eurípides não quis saber de estar com Sérgio em sua chegada em casa, foi direto para sua casa, fugindo das explicações que teria de dar ao pai de Sérgio sobre o braço quebrado do filho – Essa batata quente era só de Sérgio.
Na cozinha Inácia estava bem passiva com o filho, agasalhando o menino em seu colo, mas Sérgino foi bem radical com o filho e disse para a mulher:
- Inácia vai tomar conta da venda, eu e Sérgio vamo ter uma conversinha sobre esse braço, né Sérgio?
Inácia obedeceu, mas antes de sair suplicou ao seu marido:
- Sérgino, num judia mais dele, o braço do coitado tá quebrado, por favor, num vai bater nele...
O homem falou com voz bem alterada:
- Vai pra venda que tô mandando mulher, caminha...
Depois ele se dirigiu ao menino, que estava quieto num canto e apoiando o braço quebrado. Disse o pai a ele:
- Pois é Sérgio, me conta como foi que ocê machucou esse braço.
- Perdão pai! Eu num fiz direito o que o senhor mandou eu fazer. Foi Eurípides. O cavalo refugou e Eurípides puxou eu e nois dois caiu do cavalo.
- Então ocê me desobedeceu né Sérgio, ocê levou Eurípides coce num foi?
- Foi pai, ele foi na minha garupa.
- Menino desgraçado. Ocê memo caçou isso né? Pois agora ocê vai apanhar e ocê sabe porque ocê vai apanhar né Sérgio?
- Sim, eu sei. Não pai, por favor, num me bate! Meu braço dói muito pai...
Sérgino tirou seu cinto da cintura. Selma e Célia se agarraram com a cozinheira. Para fazer as meninas acalmarem, Lázara começou a interpretar uma canção de ninar, porém não adiantou, o som que elas não podiam deixar de ouvir eram aqueles penosos´ ai ´ do irmão. Lazara não foi forte o bastante; interrompeu sua canção e também começou a chorar junto com as meninas.

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Brutalmente Sérgio caiu de novo ao chão e mesmo sentindo muita dor em seu braço recebia severas cintadas do pai.
Thomás ia após José. José ensinava-o caminho para seu quarto. Para chegar ao quarto era necessário, primeiro passar por um corredor, paralelo a cozinha.
De modo que, ao passar pelo corredor da casa ouvia-se qualquer barulho na cozinha. Thomás, ao passar por esse corredor notou que Sérgino espancava uma criança na cozinha. José também parou os passos e ficou a ouvir. José gostava muito do menino e aquele cinto descendo sobre o corpo do menino parecia fazer o mesmo efeito no seu corpo. Thomás, incomodado com o que estava acontecendo na cozinha lamentou:
- Deus do céu! Ouvi o menino dizer que estar com seu braço quebrado. Sinto muito José, porque assim acho que estarei invadindo o território de seu Sérgino, mas eu não vou permitir que ele espanque uma criança nessas condições. Será que ele não tem piedade do menino! Tenho que fazer alguma coisa...
Thomás se encorajou e entrou na cozinha. Por um instante ele ficou só olhando a cena; O menino deitado no piso da cozinha e Sérgino batendo nele de cinto. Ao mesmo tempo em que batia falava:
- Ocê sabe por que tá apanhando né Sérgio? Ocê nunca mais vai me desobedecer mulegue!
- Perdão pai, meu braço tá doendo muito, perdão...
De repente alguém segurou o braço de Sérgino e uma voz grossa intercedeu a favor do menino:
- Seu Sérgino não faça isso! Olha, o senhor me desculpe, mas se o senhor encostar a mão nessa criança eu agirei contra o senhor!
Sérgio olhou para Thomas cheio de ódio e mencionou:
- Ora seu Thomás, então o senhor quer me disrespeitar também? O que o senhor tá pensando em fazer hem!
- Jamais eu quero-me desentender com um morador daqui, ainda mais sendo o senhor, mas eu ouvi o menino dizer que tá com o braço quebrado, então não é justo que o senhor causa mais dor ao pobre. Não bate mais nele, por favor... 66
Sérgino refletiu um pouco; passou a mão na testa e disse:
- É... Acho que o senhor tá memo certo. Cuide dele pra mim. E assim foi saindo dali e colocando o cinto novamente na calça.
O menino agradeceu o homem:
- Obrigado senhor!
- Não ah de quê. Você é o Sérgio suponho...
- Sim senhor, sou eu memo.
Thomás se apresentou a ele:
- Como vai Sérgio? Acho que você nesse exato momento não tá nada né. Prazer meu nome é Thomás.
Complementaram-se. Thomás se abancou em uma cadeira e como um bebê de colo Sérgio ficou deitado no colo de Thomás.




















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CAPITULO 06

UM NOVO AMIGO




Sérgio passou a levar uma vida rei, em virtude do gesso ele estava sendo poupado de qualquer trabalho mais pesado, também não era para menos, pois o menino estava com o braço todo imobilizado. Talvez esse fosse o lado vantajoso porque lhe sobrava muito tempo e nesse período teve oportunidade de se tornar um grande amigo de Thomás, onde quer que o homem fosse de automóvel o menino ia com ele. Thomás também sempre convidava o garoto para te acompanhar em todos seus passeios. Naturalmente o menino ia com Thomás com muito prazer. Sérgio havia acabado de chegar de mais um passeio com seu Thomás aquele dia. Inácia não estava vendo essa amizade de Sérgio e Thomás com bons olhos, por causa justamente desses passeios. Um dia na cozinha, enquanto o garoto bebia seu café da manha Inácia fez uma advertência a ele:
- Olha Sérgio, de hoje em diante não quero ocê por ai metido com seu Thomás e nem com seus amigos de escola aprontando por ai. Seu lugar é aqui em casa, ta certo que ocê não pode trabalhar, mas ocê pode ficar aqui na cozinha me dando uma demão.
- Mas mãe...
- Não tem mais nem meio mais, é de casa para a escola e da escola para casa, ta ouvindo?
Sérgio não teve como discordar de sua mãe, sua opção foi aceitar as exigências impostas por ela, embora essas recomendações não tina muito efeito para ele. Ao termo da aula daquele dia ele lembrou do que sua mãe te disse e então despistou de Eurípides e dos outros meninos da escola e foi direto para casa, mas isso só naquele dia.

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E aquele poço que os meninos furavam dentro da mata, será ele tinha mesmo um mistério como dizia Sérgio? Sérgio, depois que se machucou, praticamente abandonou o poço, antes ele tinha muito animação em escavar o buraco, mas depois que quebrou o braço e conheceu seu Thomás se esqueceu do poço. Mas no fundo Sérgio já sabia que havia água naquele poço e esse fato era o que mais pesava nele e tirava qualquer entusiasmo do menino de ir visitar o poço. Dia após dia aumentava a intensidade de água ali dentro. Mesmo já desativado o poço quase transbordava de cheio. Eurípides sempre visitava o poço, mas só olhava a água. Sempre que ele estava ali, vendo a água, aquela conversa de Sérgio que dizia do perigo daquela água vinha em sua cabeça, mas Eurípides não dava muito crédito a essa tolice de Sérgio e sua curiosidade era mais forte. Então Eurípides voltava ao local freqüentemente para ver aquela água. Mas Eurípides também se lembrava de sua promessa feita ao amigo de entupi o poço e, assim ele foi lá um dia com essa finalidade. Antes, porém ele pegou uma amostra daquela água. Com cuidado para não se molhar na água, ele se apossou de um litro e encheu-o com o liquido daquele poço. Feito isso, prosseguiu na sua tarefa de entupi o buraco.
Em casa, Eurípides disfarçou de toda a família e sem satisfação foi direto para seu quarto com o litro debaixo do braço. No quarto ele procurou um lugar seguro para guardar o litro. Pensou, raciocinou, então resolveu guarda-lo em um pequeno baú que estava debaixo do guarda-roupa. Ajeitou bem o litro ali dentro da caixa e empurrou-a de volta para o lugar de onde tinha tirado. Eurípides não sabia do perigo que aquilo representaria.
Eurípides comunicou a Sérgio do entupimento do poço, mas não contou a ele da amostra da água que recolheu de lá. Sérgio mostrou-se preocupado e perguntou a Eurípides:
- Ocê num se molhou naquela água né Eurípides?
- Eu não Sérgio, ta doido? Pois foi ocê memo que falou pra mim que aquela água é amaldiçoada.

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- E é memo Eurípides.
- É nada... Quem te contou isso?
- Foi um sonho que eu tive.
- E ocê acredita em sonho bobão, ta bão... Se eu subesse que era só sonho Sérgio, não tinha levado ocê tão a sério.
- Eurípides não mentiu pra mim né, ocê num buliu naquela água né?
- É claro que não buli menino bobo!
Sérgio se tranqüilizou e disse:
- Eu tava só esperando sarar desse braço pra ir eu memo entupi aquele poço, mas ocê acabou com ele antes, obrigado Eurípides, ocê me deixou aliviado!
- Num entendo ocê Sérgio, ocê tem cada doidice, é demais pra mim viu, mas ocê pode ficar sossegado.
Essa profecia de Sérgio só confundia a cabeça de Eurípides, na verdade nem mesmo o pequeno Sérgio tinha mentalidade bastante para decifrar esses sonhos, mas eram sonhos fortes ou até mesmo visões que insistiam em aparecer, não só para Sérgio, também para Inácia, Selma e agora também José.
Um exemplo de um desses sonhos que o menino teve foi: Inácia e Sérgio brincavam distraidamente de correr pela campina. Inácia e seu filho corriam de mãos dadas, mas a mulher parece que corria mais que o menino, então Inácia soltou da mão de Sérgio correndo a frente dele. Por mais que Sérgio se esforçasse para correr mais que sua mãe e assim poder alcançá-la, não conseguia. Seu semblante foi se transformando, dando a impressão de que ele estava sentindo alguma dor e suas pernas estavam ficando pesadas. Inácia então se distanciou do menino, estava bem mais a frente de seu filho, no entanto, ela podia ser vista ainda por ele, mas com dificuldades nas pernas para andar, Sérgio começou a chamar por sua mãe; pedindo para ela parar um pouco e de novo segurar em sua mão. Porém, parecia que sua mãe não te ouvia mais. Então uma brisa foi apagando a imagem da mulher ao longo da estrada, fazendo Sérgio se desesperar e chamar por ela mais forte.

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As pernas do garoto constantemente ameaçavam-se arriar sobre os seus pés e Sérgio não mais suportou o peso de seu corpo e sem conseguir se manter de pé ele caiu ao chão, ficando sem poder andar mais. Sérgio agonizava e chamava por sua mãe. Inácia desapareceu por completo no horizonte, a brisa cobriu sua imagem, Sérgio não mais a via, somente ele conseguia ainda ouvir a voz de sua mão:
- Filho, levanta anda, me pega filho, força, vem tô te esperando, vem, me der sua mão filho!..
Sérgio tentava falar, mas sua voz também estava ausente. Ao seu redor ele não via mais paisagem e sim uma areia fina, que de tão branca incomodava sua vista. O menino se achava caído e solitário no meio de um deserto. Ele chorava muito por causa de sua mãe e de não ter forças para se levantar. Em sua volta ele ouvia vozes te chamando, inclusive de seus pais:
- Sérgio por que ocê ta demorando filho, por que ta caído ai, não consegue se levantar? Sua mãe já atravessou o rio, corre se não ocê nunca alcança sua mãe...
Sérgio soltou a voz e lançou a frase no ar:
- Mãe, me espere mãe...
Sua mãe respondeu com a voz bem distante:
- Sérgio tô aqui filho, já cheguei em casa, por que demora tanto filho?..
Sérgio acordou muito assustado essa noite.
Era dia dez de agosto. Esse foi o dia marcado pelo médico parar tirar o gesso do menino. Sérgio adorou a viagem que fez com seu Thomás de volta a cidade Anápolis-Goiás-Brasil. Andar de automóvel para o menino era simplesmente fantástico. A viagem era para dois motivos justos; um era para Thomás fazer algumas compras e a outra, como já dissemos, era para levar o menino ao médico para tirar o gesso e também outra radiografia do braço. Já na cidade, eles não tinham muita presa e, passeava pelo centro da bela cidade. Da janelinha do carro, ao lado do passageiro, Sérgio conferia casa por casa que passava por ele e era cada casa tão bonita! Também viam as lojas,
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olhava para as pessoas andando nas ruas, para os camelôs exibindo suas mercadorias nas calçadas. Thomás concentrava-se na direção do automóvel e como ele choferava bem o automóvel! Pensava o menino. Entre eles nada de conversa, dissipando o silêncio somente o roncar do motor do carro. Thomás até que iniciou um assunto perguntando para o garoto:
- Então Sérgio, o que ta achando da cidade?..
Thomás não obteve sucesso, o menino não tirava os olhos das coisas que passava por ele, Sérgio estava atento e acompanhava lance por lance. Contudo, ele percebeu que as coisas já não estavam correndo para ele a até que parou de vez; Thomás havia parado seu carro quase em frente a um bar. Então Sérgio te olhou com um sorriso tímido. Thomás perguntou para o menino:
- Bem chegamos. Fique aqui. Jazinho eu volto pra te levar no doutor. Ah... Você quer um doce ou um refrigerante?
O menino argumentou:
- Eu queria memo era um brinquedinho, um pra levar pra Selma e outro pra levar pra Célia.
- Está bem, mas você teve comer alguma coisa rapaz. Já volto.
Sérgio retornou a fixar os olhos no que estava ao seu redor, enquanto Thomás adentrava no estabelecimento. Ao lado do bar, que Thomás havia adentrado, tinha uma casa bonita. O automóvel estava estacionado mais era à frente da casa, porque na frente do bar já tinha outro carro estacionado. Sérgio despertou sua curiosidade e ficou olhando aquela casa, pois, na porta da casa havia uma menina sentada, que parecia ter a mesma idade a do menino. A menina era muito bonita e também retribuía os olhares de Sérgio, os dois trocavam olhares. Ela então começou a sorrir para o menino. Mas o que impressionou o menino foi que aquela bonita menina não podia se levantar e andar, pois a pobrezinha estava sentada em uma cadeira de rodas. Sérgio não conseguia sorrir, estava pesaroso daquela menina em uma cadeira de rodas, mas disfarçou e enlanguesceu seu lábio, dando a impressão que também estava sorrindo.
72 Durante um bom tempo os meninos ficaram assim, trocando olhares. Até que veio uma senhora gorda e empurrou a cadeira de rodas da menina para dentro da casa. A bonita menina ainda acenou para o menino, que também deu um tchau pra ela com a mão. Persistiram em seus olhares até que a senhora gorda fechou a porta. Sérgio ficou triste, pois não via mais a menina. O menino ficou tão encantado com aquela menina que saiu do automóvel e caminhou em direção a casa. Inventaria qualquer pretexto, mas ele queria vê aquela menina de perto, conhece-la. Queria saber seu nome, de que ela gostava e principalmente, por que ela estava naquela cadeira de rodas. Sérgio se atreveu e abriu o portão da casa e entrou no quintal da casa. O que ele não esperava era que teve uma péssima recepção ali dentro; um enorme cachorro veio a seu encontro mal humorado e latindo. O menino rapidamente voltou e fechou o portão da casa. Novamente ele entrou no automóvel, pois lá dentro estava seguro. Dentro do carro ele insultava o cachorro mostrando a língua para ele e xingando o animal:
- Cachorro bobão, bicho ruim. A mãe preparou uma deliciosa coxa de frango pra mim e não vou te dar o osso, cachorro feio!
Então eles seguiram para o médico. Agora Sérgio não estava mais vidrado na janelinha do automóvel e sim com seu pensamento voltado naquela bonita menina. Sua curiosidade maior era em saber o por que ela estava sentada em uma cadeira de rodas, curiosidade essa que, com certeza, iria durar para sempre, pois nunca mais veria aquela menina.
Bem, já tinha ido ao médico, Sérgio já estava sem o gesso – Puxa, que alivio sentia o menino sem o gesso! Mas sua perplexidade continuava. Sérgio estava fascinado com coisas que ele nunca tinha visto antes. A primeira vez que esteve na cidade foi para colocar o gesso, mas foi tão rápido e ele estava com tanta dor que não prestou a atenção em nada.
Olhava as vitrines das lojas, estava atento em cada detalhe. De vez enquanto Sérgio punha a cabeça para fora do automóvel e sentia o vendo em seu rosto. Em certo trecho da cidade havia um trilho de trem de ferro que atravessava uma rua central, portanto os carros tinham que passarem correndo ali naquela rua por causa do trilho, para fugir de uma possível colisão com o 73
trem de ferro, que a qualquer hora passava por ali, Thomás não fez diferente; Pisou fundo e, de um lado para o outro, daquela rua ele passou o automóvel como um relâmpago. Já estava tudo resolvido na cidade. Não esqueceram nem dos presentinhos das meninas. Antes, porém de Thomás pegar a estrada de volta para casa conferiu o bolso da camisa e lastimou:
- Droga, acabou meu cigarro, tenho que comprar outra carteira – Parou o automóvel e continuou já fora do carro – Quer vim comigo garoto?
- Sim senhor, quero.
Quando iam entrando no bar pra comprar cigarro, alguém mal trapilho abordou Thomás e disse:
- Uma esmolinha pelo amor de Deus senhor...
Era um homem de cor negra, cego e muito sujo. Estava ele sendo guiado por um menino também de cor negra. O coração generoso de Thomás fez com ele tirasse do bolso uns trocadinhos e desce ao mendigo. Aquilo para Thomás era normal, mas para Sérgio era mais uma experiência triste que a vida te mostrava. O olhar do garotinho negro, apoiando aquele pedinte revelava um lado podre da vida, um lado de muita miséria, sofrimento. Sérgio também olhava para o menino pobre, mas não pode olhar por muito tempo, pois Thomás te chamou para se ajuntar a ele.
Thomás e Sérgio se apresaram para voltar para casa, pois no céu se formavam nuvens, tando a entender que ia chover muito. Na rodovia beneficiada com asfalto não tinha nenhum perigo viajar com chuva, o perigo era na estrada Corumbaense, que era de terra pura e havia o risco deles ficarem atolados ali, como já aconteceu com vários carros em período de chuva por causa do lamaçal que se formava ali.
Não demorou e já caiam os primeiros pingos e após alguns minutos já caia uma tempestade. De tão intensa que estava à chuva, Thomás encontrou apuro para visualizar a estrada, estava quase sendo obrigado a parar o automóvel e esperar passar aquela chuva. Eles já estavam na estrada Corumbaense e com chuva a estrada estava sem condição de tráfego em virtude de tanta água e também o lamaçal que estava ali.

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Thomás girava o volante de um lado para outro com muita agilidade para fugir das poças de águas. Duas varinhas deslizando para lá e para cá no pára-brisa do automóvel não era suficiente para eles enxergar a estrada, pois o cair das águas da chuva, no vidro do carro, era mais rápido que as varinhas. Thomás não conseguia esconder seu medo daquele temporal. Fortes relâmpagos e trovões não cessavam e agitavam o céu seguido também de fortes ventos. Em certo ponto da estrada os pneus do automóvel perdiam as aderências e batinavam, mas Thomás era bem radical na direção e pisava mais fundo no acelerador e o carro prosseguia mesmo dançando na estrada. Jamais Thomás demonstrava um sinal de derrota. Não era de admirar que nenhum outro carro viesse em sentindo contrário ao de Thomás, também ninguém era insensato ao ponto de se aventurar naquele temporal, ainda mais naquela estrada. Estavam eles ali passando por isso por que foram pegos de surpresas. A noite já se aproximava, já era necessário acender os faróis do automóvel, aliás, eles já estavam acesos bem antes de anoitecer, apesar de que os faróis não clareavam o bastante. Sérgio estava calado e não disfarçava, seu rosto denunciava que ele estava assustado. Thomás falou qualquer coisa com Sérgio:
- Mais um pouquinho e a gente chega em casa, fique calmo Sérgio. Mas me diga, como se sente sem o gesso?
O menino não deu muita atenção à pergunta de Thomás, estava pensando em outra coisa, demorou a dizer:
- Bem, é bem melhor sem o gesso! Mas o senhor não parece bem seu Thomás. Eu acho o senhor, às vezes, um pouco preocupado com alguma coisa.
- Não sou preocupado com nada Sérgio, nada me preocupa e você hem?
- Eu tenho uma preocupação sim.
- E qual é?
- É que o senhor nunca me falou de seu passado, já conheço o senhor há muito tempo, mas não sei nada do senhor seu Thomás.
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- Na verdade Sérgio eu já tive esposa e uma filha, mas infelizmente morreram em um acidente de automóvel.
- Nossa, as duas seu Thomás!?
- Sim, as duas.
- Que história triste seu Thomás.
- É, mas não vamos falar disso agora né?
- Desculpe seu Thomás. Deve ser mesmo muito doído pro senhor falar nisso, me desculpe.
- Minha esposa e minha filha estavam fazendo uma viagem e minha esposa estava na direção, mas o carro perdeu os freios de repente, então ela não deu conta de controlar o carro, então o carro despencou de um abismo e foi fatal para elas!
Thomás estava com os olhos cheios de água ao terminar de relatar essa fatalidade que houve em sua vida, mas não permitiu que o menino visse que ele estava chorando. Porém disse outra frase, em baixo tom, mas que Sérgio ouviu perfeitamente ele dizer a frase, que ficou sem ser entendida – Ela deve estar grande.
Mas logo Thomás despistou esse comentário, dizendo outra frase:
- Vê? Já chegamos em sua casa garoto!..












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CAPITULO 07
ARMADILHA DO DESTINO


A fixação de Eurípides era investigar aquela água e descobrir se ela tinha mesmo algum mistério, porque, segundo Sérgio a água guardava algo de estranho. Então passou a ser hábito seu se isolar em seu quarto e ficar analisando o liquido engarrafado. Aparentemente a água não tinha nada de anormal, mas na verdade, a água demonstrava uma pequena diferença, porém, tendo em vista sua origem, não era de se admirar que tivesse essa diferença. A água apresentava-se com uma coloração escura. Eurípides, na sua ingenuidade, não via na água nem essa e nem qualquer outra anormalidade.
Naquele dia Eurípides estava tão empolgado com o litro de água na mão que já estava atrasado para ir à escola, sua mãe, dona Geralda, bateu na porta do quarto para chamá-lo. Eurípides foi rápido; guardou o litro na caixa e escondeu a caixa no lugar de sempre, pois sua mãe insistia lá fora do quarto te chamando:
- Ocê ta atrasado pra ir para a escola Eurípides, o que ocê faz fechado diariamente nesse quarto menino?
- Já vou mãe.
- Anda logo, caminha...
Quando Eurípides destrancou a porta do quarto e saiu, sua mãe invadiu o quarto e fez uma vistoria visual ali dentro para ver se tinha algo de errado no quarto, mas o litro de água estava bem escondido e então passou despercebido por ela. Dona Geralda advertiu Eurípides:
- Se ocê estiver escondendo alguma coisa nesse quarto Eurípides, ocê me paga viu. Agora vai se arrumar e ir pra escola, rápido.
No pátio da escola os meninos aprontavam uma animada festa com uma bola, que Sérgio havia levado para a escola. Todos os dias tinham jogo de futebol no pátio do grupinho. 77
No recreio, nos intervalos das aulas tinha uma peladinhas dos meninos num campinho improvisado no pátio da escola e Sérgio era o grande craque de seu time, quase todos os gols partiam dos pés dele. Sempre, nas partidas de futebol tinha uma pequena torcida, na maioria só de meninas, para incentivar o menino Sérgio e em coro elas gritavam seu nome:
- Sérgio, vai Sérgio, faz mais um...
Inácia conservava na despensa de sua casa os deliciosos doces e outros alimentos para serem comercializados na venda da família. A despensa de Inácia parecia com o paraíso com tantas coisas gostosas que existiam ali dentro. Qualquer pessoa que entrasse naquela despensa sozinho certamente teria uma indigestão, pois sem dúvidas exagerarias de tanto comer aquelas variedades todas. Sérgio era um que namorava a despensa de dona Inácia e freqüentemente entrava lá escondido e comia fartamente daquelas delicias. Toda semana a mulher abastecia o cômodo com sonhos, pudim, brigadeiros, pé-de-moleque...
Logo que saia uma tachada de doce do fogo, Inácia tirava o de ser consumido pelos compradores na venda, enchendo umas enormes latas e guardando na despensa. A sopra ou a rapa do tacho ficava a cargo dos meninos; Selma, Célia e naturalmente o irmão Sérgio. Os meninos sentavam em volta do tacho, ainda quente e, em poucos minutos depois estavam todos empapuçados de comerem as rebarbas de doce que ainda ficava no tacho, porém enquanto eles não limpava todo o tacho não saiam de volta do mesmo. Só mesmo assim, comendo somente as migalhas, para os meninos comerem das coisas que Inácia fazia quando era exclusivamente para ser vendidas no boteco. Nem mesmo os meninos sabiam onde ela guardava a chave que abria a porta da despensa, absolutamente. Só Inácia tinha o direto de entrar ali. A chave era rigorosamente controlada por ela. Sempre Sérgio procurava entrar na despensa de maneira legal, mas sua mãe não permitia. As poucas vezes que ele conseguiu entrar ali foi trapaceando e usando de sua esperteza. A gula de Sérgio não tinha limite, o menino, muitas vezes escondido, comia várias qualidades de coisas sem intervalo de tempo, como quase criança saudável, mas essa misturada de alimentos sobrecarregava seu estômago. 78
Era comum Sérgio ser visto trepado em árvores frutíferas comendo do seu fruto, comer era mais um roube predileto dele. E o pior, dessa ganância exagerada de Sérgio seus pais não sabiam e essa gula toda poderia te fazer mal.
Era um dia como qualquer outro, se fazia a mesma calmaria de sempre na casa de Sérgio. Após o almoço todos voltaram à suas ocupações. Sérgio, disposto como sempre, se preparava para ir à escola. Conferiu sua cartilha, seu lanche, pegou a bola, como de costume, pediu bênção aos seus pais e cumpriu sua rotina, foi para escola. Suas irmãs, Selma e Célia também estavam estudando, só que de manha e era José que levava e buscava as meninas no grupo escolar. Para Sérgio pareceu estranho seu amigo de fé não ter comparecido na aula aquele dia, justamente no dia que os meninos tinham um importante jogo de futebol com a classe adversária e Eurípides estava escalado no time de Sérgio. Ao termo da aula daquele dia teve inicio o jogo dos meninos. O dia estava úmido e voltado para chuva, embora não estava chovendo, mas o pátio da escola estava molhado e escorregadio, qualquer vacilo de um moleque seria tombo na certa. Contudo o jogo estava marcado para acontecer aquele dia e uma renúncia de uma das partes seria sinal de covardia.
O grande entusiasmo de Eurípides continuava, o menino se ocupava só em descobrir o segredo daquela água. Aquele dia ele faltou à ala devido a tanta concentração na água e por que sua mãe não te chamou para lembrá-lo. Em relação à partida de futebol, com certeza ele esqueceu, caso contrário teria ido à escola sem dúvida, pois era viciado em jogar bola.
Então para ver a água mais de perto. Eurípides providenciou uma pequena bacia onde despejou a água, em seguida depositou o litro vazio no criado da cama. Com uma colher comum ele fazia suas experiências; pegava certa quantidade de água com a colher e ergui-a a certa altura e derramava a água de volta na bacia, de vez enquando ele levava a colher com a água até a ponta do nariz e se certificava se a água tinha algum cheiro, mas com cuidado para não se molhar nela. Aquelas conversas de Sérgio não saiam de sua cabeça.
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Eurípides ficava mais encabulado com o fato da água, muitas vezes, liberarem borbolhas. Evidentemente o menino queria consumir aquela amostra da água, mas sua curiosidade ia mais além e queria antes saber por que Sérgio temia aquela água.
No jogo dos meninos, no pátio da escola, estava bem movimentada a brincadeira, Sérgio já havia feito dois gols. Mesmo muito tumultuado o jogo, com muita disputa pela bola, Sérgio driblava a todos e era o mais aclamado no jogo:
- Sérgio você é o maior, mais um...
Mas em uma dessas divididas, pela posso da bola, Sérgio foi duramente empurrado por um adversário, com isso o menino perdeu o equilibro do corpo e caiu violentamente, em seu tombo suas pernas ficaram todas enlameadas devido a uma possa de água. Esse acidente com Sérgio levantou muita polemica entre o restante do time e foi constatado que Sérgio não tinha mais condição de continuar jogando. O menino foi saindo do campo andando mancando e sentou-se. A dor que estava sentindo era suportável, o pior foi o estado que ficaram suas pernas e se ele chegasse a sua casa daquele jeito certamente tomaria uma surra de sua mãe. Logo Sérgio encerou o jogo; foi só pedir a bola de volta. Em seguida ele se dirigiu para sua casa. No caminho para casa ele se comparava a um Pelegrino com as pernas imundas. Parou, sentou-se em um pedaço de tronco de árvore já podre e ficou a pensar no que fazer. Sua mãe não entenderia aquilo e seria outra surra que ele receberia. Pela fraca luminosidade do sol ele viu que já estava atrasado para regressar da escola em sua casa, seus pais com certeza já estavam incomodados com ele, porém o receio de apanhar o impedia de voltar para casa. Sérgio começou a chorar, pensou em ir até o riacho, mas este ficava longe e se lá ele fosse, que desculpa daria para seus pais pelo seu atraso todo? – Mas que bobagem! – Pensou ele - A casa de Eurípides esta bem perto daqui, Não é dessa vez que vou apanhar.
Sem saber o que o destino te reservava, Sérgio foi se lavar na casa do amigo Eurípides. 80
Eurípides se encontrava sozinho em casa, se bem que, seu pai, seu Camilo não estava muito longe, seu pai cuidava dos ferimentos de uma bezerra lá no curral. Então Eurípides, no quarto ouviu seu pai gritar seu nome:
- Eurípides me ajude aqui com essa bezerra, depressa menino.
Eurípides saiu na janela do quarto e respondeu seu pai:
- Já vai pai, já to indo.
- Vem logo moleque, sai desse quarto, rápido.
Com seu afobamento, em ir atender seu pai, ele esqueceu a bacia ali às claras com a misteriosa água em seu interior e também a porta do quarto aberta. Para qualquer pessoa, não sabendo do perigo daquela água seria uma catástrofe.
Seu Camilo estava um pouco nervoso com a teimosia da bezerra, mas com a ajuda do filho o trabalho foi facilitado. Na casa o perigo rondava, Sérgio não queria ser visto por ninguém. Discretamente se aproximou da casa de Eurípides e chamou, batendo na porta da sala:
- Ô de casa, ô de casa. Eurípides cadê ocê?..
Ninguém ouvia o menino chamar. Sérgio continuou já adentrando a casa solitária:
- Eurípides, sou eu Sérgio, cadê ocê?
O silêncio era total na casa, Sérgio colocou a bola e os seus matérias escolares em uma mesinha na sala e seguiu para o quarto de Eurípides:
- Eurípides, cadê ocê, preciso que ocê me ajude, ocê ta ai?
Sérgio viu a porta do quarto de Eurípides aberta e entrou no quarto. No quarto ele se deparou com a água na bacia, era o que ele precisava aquele momento, mas desconhecia a origem da água. O menino se sentiu aliviado e comentou consigo:
- Eurípides não vai se importar se eu lavar minhas penas nessa água, a água ta até suja mesmo.
No curral Eurípides teve um súbito pressentimento ao ver seu pai segurando uma vasilha com água. Olhou para seu pai e exclamou:
- Pai!!!
- O que é menino, ta doido?
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Saiu correndo em direção á casa e disse para seu pai:
- Já volto pai!
Eurípides adentrou em sua casa pela porta da sala e logo ele viu os matérias escolares de Sérgio em cima da mesinha. Em seguida ele se dirigiu para seu quarto. A porta do quarto estava entreaberta, seu coração disparou e batia fortemente. Eurípides empurrou a porta do seu quarto lá entro muito afoito. Já era tarde demais, Eurípides não chegou a tempo de evitar a fatalidade que arruinaria, para sempre, a vida de Sérgio. Eurípides ficou pálido e emocionalmente muito abalado ao presenciar seu amigo sentado na bacia e lavando suas pernas na água tirada daquele poço que ele dizia ter um mistério. Eurípides lutava para dizer qualquer coisa, mas com tanto trauma, sua voz estava ausente. O menino estava imóvel em pé diante de Sérgio com os olhos fixos no amigo. Inocentemente Sérgio indagou:
- O que foi Eurípides, por que ocê tá me olhando desse jeito, eu num pudia lavar minhas pernas nessa água? Num fica com raiva de mim não, eu só queria limpar as pernas um pouco se não a mãe mata eu de bater se eu chegar em casa assim...
Depois de um pequeno intervalo Eurípides conseguiu falar, mas seus olhos estavam vidrados em Sérgio:
- Não, não pudia não Sérgio, ocê num pudia ter se lavado nessa água não!
- Desculpa Eurípides, é que a água já tava suja memo.
- Eu sei Sérgio, num tô te redicando essa água não, mas é que tem uma coisa muito ruim nela. Olha Sérgio, eu que tenho de te pedir desculpa, eu não fiz do jeito que ocê me mandou fazer. Meu pai tá certo viu, eu sou um desgraçado memo, não sirvo memo pra nada – Eurípides começou a chorar – Só presto pra atrapalhar. Me desculpa Sérgio!
Sérgio não entendendo nada, não teve nenhuma iniciativa, estava calado e olhando para Eurípides. Eurípides enxugando as lágrimas e entre soluços implorava por perdão:
- Me perdoa Sérgio... Eu tenho de te contar – Sérgio continuava calado, Eurípides prosseguiu – Essa água que ocê lavou suas pernas Sérgio 82

é... É daquele poço que ocê pediu pra eu entupi!..
Sérgio ficou em choque; arregalou seus olhos fitando-os no amigo Eurípides. Seu olhar era tão fulminante que Eurípides sentiu certo medo dele. Eurípides continuou:
- Sabe Sérgio, aquilo que ocê me falou da água ficou na minha cabeça, num acreditei nocê, mas então antes de entupi o poço eu peguei um pouco da água, queria saber qual a maldição que ocê falava que a água tinha. Eu num molhei nem meu dedo nela porque eu sentia medo dela também, eu olhava a água só de longe... Agora Sérgio eu causei isso, pode inté me bater se ocê quiser...
Sérgio ficou muito tenso e confuso. Eurípides não parava de dar explicações inúteis. Enquanto Eurípides falava Sérgio seguiu para sua casa calado e cabisbaixo.
Inácia aguardava seu filho com a mesa posta para jantar e com o restante da família reunida. A mulher estava uma fera incomodada com Sérgio, do mesmo modo Sérgino também estava, ou seja, muito irrado. O atraso de Sérgio teria de ter uma boa justificativa, caso contrário, seria outra surra para o menino. Porém logo o menino chegou a sua casa. O menino adentrou a sala de sua casa, viu toda a família reunida sentada à mesa, não disse nada e atravessou a sala, indo para seu quarto, mas seu pai o abordou dizendo:
- Sérgio venha cá, se aproxime de seu pai.
Sérgio chegou perto de seu pai e disse:
- Sim pai.
Sérgino virou para Sérgio e sem te perguntar nada, deu uma forte bofetada no rosto do menino, Sérgio não se intimidou, levou sua mão ao seu rosto e mesmo com dor na face afetada ele se manteve firme diante do pai. Seu pai te perguntou austero:
- Isso é hora docê chegar em casa, hem Sérgio, me diga menino...
Sérgio estava muito assombrado com tudo que acontecera com ele e permanecia em silêncio, então ele começou a chorar baixinho. A pequena Selma interveio a favor do irmão:
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- Não pai, num bate ni Sérgio não!
A menina abraçou em Sérgio e começou a chorar junto com ele.
Inácia ordenou:
- Vai lavar essas mãos e vem cumer Sérgio, rápido!
Sérgio falou:
- Eu num quero cumer mãe, eu vou para meu quarto, poso?
– Pode, vai logo...
Disse o pai.
Depois que Sérgio foi para o quarto Inácia comentou:
- Por que ele tá tão triste, ele saiu contente pra escola hoje e agora volta desse jeito, meu Deus!?
Sérgino não se comoveu e disse:
- Mulecagem Inácia, vai vê que brigou outra vez, esse menino tá casando é uma boa surra...
José também estava por perto e disse:
- É... Faz tempo que não vejo ele assim.
Thomás também acrescentou:
- É... Nem eu, alguma coisa grave aconteceu com o menino Sérgio e eu vou descobrir o que foi.
No meio daquela noite Sérgio teve um sonho que pareceu mais com uma visão. De todos os sonhos do garoto, aquele foi um dos mais reais. O menino suava muito. Era por volta de três horas da manhã, todos dormiam. Então se formou um clarão para Sérgio e nesse clarão Sérgio viu a imagem de uma pessoa vestida de branco. A pessoa só olhava para Sérgio e não dizia o que queria com ele. Sérgio se mantinha forte e perguntava para a pessoa do além:
- O que ocê quer de mim hem? Some daqui vai, me deixa em paz, desaparece anda, eu não conheço ocê...
A imagem se aproximava cada vez mais do menino.
Assim ele foi se repedindo e teve uma crise de choro. Inácia ouvindo o choro do menino se levantou as presas e foi em seu socorro.

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- Sérgio, Sérgio, filho - A mulher o chamava – Acorda Sérgio.
Sérgio acordou assustado e sua mãe continuou:
- Ocê teve um pesadelo filho, também durmiu de estômago vazio. Já passou filho, num carece de chorar não.
- Ele queria me pegar mãe...
- Ele quem Sérgio?
Sérgio contou para sua mãe o que tinha visto, mas ela não se convenceu. Inácia deu uma olhada pelo quarto e disse:
- Vê, não tem nada aqui, foi só um sonho...
Inácia deitou o menino em seu colo e foi cantando uma canção de ninar, fazendo com que logo ele voltasse a dormir.
Do outro lado Eurípides também não estava bem, era à noite mais pesarosa para os meninos. Eurípides não foi visitado por alma nenhuma, mas não conseguia esquecer de Sérgio ter se molhado naquela água. Eurípides passava a noite olhando para uma chama de candeia acesa perto de sua cama. Pensou:
´´ Bobagem... Num é porque Sérgio põe coisa na cabeça que eu tenho de acreditar, isso é pura maluquice que ele inventa, sonhar todo mundo sonha. Eu sonho e nunca acreditei ni sonho, tudo que eu sonho não acontece, porque com ele vai acontecer?...
Porém essa dúvida o levou a fazer uma oração para Sérgio, em sua oração ele pediu ao Menino Jesus:
- Menino Jesus num deixa nada de ruim acontecer com Sérgio, mesmo porque ele é ainda uma criança e quer crescer e ser um grande homem faz com que ele seja muito feliz Menino Jesus, amém!
Após aquele incidente, no qual Sérgio se lavou na água daquele poço ele mudou radicalmente sua conduta, reduziu consideravelmente suas brincadeiras e as suas artes. Todos estranharam essas mudanças do menino. A causa daquilo ninguém tomou conhecimento. Aparentemente Sérgio estava bem, pelo menos era assim que ele sempre respondia quando alguém te perguntava sobre seu comportamento.

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Só um hábito seu não foi modificado: Sua gulice.
O único que tinha um relacionamento mais profundo com o menino era seu Thomás, pudera, pois a paciência de Thomás com Sérgio era admirável. Thomás tinha seus próprios métodos para conquistar o menino e sempre usava diálogos como esse:
- Bem meu amigo, vamos pescar?
Sérgio só perguntava:
- De automóvel seu Thomás?
Esses diálogos eram freqüentes entre eles. A amizade de Thomás com Sérgio superava até mesmo a de Eurípides ou de José, aliás, Eurípides e José não se conformavam em perder a amizade de Sérgio para Thomás. Os ciúmes os corrompiam. Thomás, mesmo sabendo que Eurípides e José conspiravam contra a amizade dele com Sérgio relevava. Thomás estava convicto que Sérgio estava com um problema e certamente mais cedo ou mais tarde ele confessaria com ele seu segredo. Assim sendo, Sérgio precisaria de uma pessoa mais experiente por perto e ele seria a pessoa indicada.














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CAPITULO 08

A DOENÇA


Era dia de sexta-feira, vinte e dois de julho de 1972. Essa data ficou marcada para Sérgio, pois, foi nesse dia em que tudo aconteceu.
Sérgio estava indisposto para ir à escola, o menino queixava para sua mãe que não estava se sentindo bem e dizia que queria faltar a escola aquele dia, Inácia o apoiava dizendo:
- Por mim tudo bem, se ocê num tá bão num carece de ocê ir, só hoje num vai te fazer farta, mas será que seu pai vai deixar ocê num ir?
Sérgio então foi pedir ao pai. Sérgino nem prestava atenção no que o menino falava com ele, estava mais era preocupado em contar as mercadorias nas prateleiras do botequim. Mas depois de muito Sérgio falar ele respondeu ao filho:
- Não... Num tem precisão nenhuma docê fartar a escola, pode esquecer, se arruma e vai pra aula.
- Mais pai!..
- Num tem mais nem meio mais, deixa de me amolar...
Sérgio ficou na venda falando sozinho, Sérgino saiu chamando por José. A mando de Sérgino José preparavam as três juntas de bois para realizar um trabalho e, diante do carro, feito de madeira, ele ajeitavam as juntas de bois, colocando uma após outra, isso para que eles; Sérgino e José pudessem buscarem uns paus grossos na mata. Paus que Sérgino haviam vendidos e que já estavam cortados. Então Sérgino E José adentraram na mata com o carro de boi.
Sérgio estava muito descontente e desanimado, parecia prever que algo estava para acontecer com ele, só queria deitar e ficar quietinho, o menino não contava para sua mão, mas uma dor em sua barriga insistia a te incomodar. A hora que ele deveria ir para escola chegou, Inácia te aconselhou:
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- Sérgio é mior ocê ir na escola filho, seu pai num deixou ocê fartar e ocê sabe quando seu pai fala uma coisa! Faz uma forcinha e vai filho!
- Ah mãe, mas eu num tô com vontade, num tô dando conta de ficar de pé mãe.
- Ocê que sabe, depois num diga que num te avisei.
Indeciso Sérgio foi-se deitar.
Naquela estradinha, ouvia-se um som típico de carro de boi. Eram eles. José andava na frente dos bois mostrando o caminho que eles deveriam seguir. Atrás do carro Sérgino obrigava os bois a não cessar o ritmo no andar; o homem instruía os bois dizendo:
- Vai maiado, se ajeita chifrudo, êta boi mole sio...
Quando Sérgino e José chegaram a casa trazendo o primeiro carregamento de paus, Sérgio estava trancado em seu quarto e ali ficou até que seu pai voltasse para buscar outro carregamento de paus, foi o combinado entre Sérgio e Inácia.
Mas o que eles não esperavam era que Eurípides aparecesse lá, justamente quando Sérgino estava em casa e, sem saber de nada perguntasse por Sérgio:
- Dona Inácia Sérgio num vai na aula hoje? Porque nois já tá atrasado.
A mulher ficou sem ação, pois Sérgino ouviu a interrogação de Eurípides. Ambos ficaram calados. Eurípides perguntou de novo:
- Ele num vai dona Inácia? Então tchau.
Sérgino lamentou a desobediência do menino manuseando a cabeça negativamente e disse para a esposa:
- Me traga Sérgio aqui Inácia.
Inácia fez seu apelo:
- Não Sérgino, Sérgio não tá bão de saúde, num vai beter nele!
- Vai buscar ele agora Inácia, me traga Sérgio aqui agora que tô mandando...
Sérgio poupou sua mãe de ir buscá-lo, apareceu diante do pai e disse:
- Num precisa de ir me buscar não mãe, eu já tô aqui pai.
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Sérgino pegou um chicote que estava pendurado acima de sua cabeça, preso num prego na parede, virou para o filho e disse:
- Ocê vai apanhar e ocê sabe por que né Sérgio, coisa que não admito é que me desobedeça!
- Faz como o senhor quiser pai.
O homem não teve piedade do garoto e mais uma vez Sérgio sentiu a fúiria, agora não da mãe, mas do seu pai e o chicote desceu sobre seu corpo. Bastou à primeira chilapada para Sérgio se contorcer de dor e foi ao chão. Inácia não agüentou assistir a tortura do filho; correu para o quintal também chorando. Sérgio falava com raiva do pai:
- Vai pai, mata duma vez. Mata, acaba com isso pai, anda...
Quem socorria Sérgio nessas situações era seu Thomás, mas naquele momento o homem não se encontrava ali. Depois de Sérgio ser covardemente espancado pelo pai ele ainda é obrigado a ir para a escola. Sérgio, mesmo com o corpo todo dolorido se esforçou; pegou sua bastinha e foi para a escola. Sérgino e José trataram de descarregar o carro de boi para outra viagem. A surra do menino não era mencionada entre eles, Sérgino não permitia qualquer referencia ao assunto, mas Inácia ficou muito preocupada com Sérgio. Sérgino exagerou, não era necessário aquilo tudo, se entristeceu também porque viu a bola do menino em seu lugar, intacta. Mas foi porque Sérgio esqueceu de levar a bola – Pensava ela.
Na sala de aula, a professora, dona Gracilene ministrava normalmente sua aula, falando para seus alunos que todos devem ter obediência aos seus pais. Mas foi interrompida, pois alguém bateu na porta. Sem se levantar de sua cadeira ela disse:
- Pode entrar a porta estar aberta.
Era Sérgio, que abriu a porta timidamente e argumentou:
- Dá licença fessora, desculpa eu tá atrasado!
– Pode entrar Sérgio.
Dona Gracilene ficou horrorizada com o estado do menino. Sérgio disfarçava as marcas do chicote em suas pernas, em seus braços, porém foi inútil, dona Gracilene percebeu as marcas e chamou o menino:
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- Sérgio venha ate aqui.
Ele se aproximou da professora, ela ficou mais impressionada e ressaltou:
- Meu Deus do céu, o que é isso! Por que bateu assim em você?
- Foi meu pai, mas acho que eu mereci mesmo fessora.
Ela mandou que ele se assentasse, mas ficou tão perturbada com aquilo que não lembrou mais o que estava falando para os alunos, depois de controlar sua emoção, ela disse para os meninos:
- Abra a cartilha de vocês na página dez, leia vocês mesmo esse texto.
Sérgio, concentrado na leitura da página dez, não notou que a professora te observava. Dona Gracilene percebeu que Sérgio não estava bem pela sua aparência e pelo fato dele passar a mão sempre na barriga e fazer uma careta de mal estar, no entanto, a professora também se concentrou no texto, ficando portando por um bom tempo sem olhar para o menino, mas não demorou e ela olhou para o menino. Quando ela olhou novamente para ele ficou muito assustada; Sérgio estava com o rosto curvado sobre a carteira. Dona Gracilene levantou da cadeira de mestre e caminhou rapidamente em direção ao menino chamando seu nome:
- Sérgio, Sérgio, oh meu Deus! Sérgio...
Sérgio estava suado e com o corpo amarelado. Dona Gracilene não sabia o que fazer, tratou logo de levá-lo a sua casa. Apesar de tudo Sérgio estava consciente e andava apoiado na professora e Eurípides. Assim ele foi levado para sua casa. A professora tentava acalma-lo te acariciando e dizendo, enquanto ele já chorava:
- Não precisa chorar Sérgio, logo isso vai passar você vai ficar bom rapidinho meu filho, fica calmo...
- Mas tá doendo muito fessora...
Dizia Sérgio.
A professora voltou a falar:
- Eu sei Sérgio. Você não devia ter ido à aula hoje meu bem... Olha, já estamos chegando em sua casa.
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Eurípides não dizia nada, só estava lembrando das profecias de Sérgio; a maldita água não saia de sua cabeça. Perguntava-se: ´´ Será que a água tinha relação com a doença de Sérgio ``. Tudo estava muito confuso para Eurípides, certamente era tudo fantasia de Sérgio. Mas para Eurípides era muito triste ver seu amigo ali sofrendo, talvez por culpa sua. Então Eurípides começou a chorar também. Como seria a vida dele com a possível revolta de seu amigo Sérgio? E na pior das hipóteses, se Sérgio viesse a morre, nesse caso Eurípides também se mataria, pois nunca ele se perdoaria.
Dona Inácia se surpreendeu e ficou contente em receber a professora em casa, a mulher não notou nada de errado com Sérgio, pois este adentrou a sala da casa e foi diretamente para seu quarto e não deu tempo da mãe perceber algo de errado no filho. A primeira cama que ele viu pela frente foi a de seus pais e nela mesmo se deitou, pois estava exausto.
Na sala dona Inácia era gentil com dona Gracilene, dizia ela:
- Que bão ver a senhora em minha casa. Selma e Célia vêm ver a fessora de seu irmão. Sente fessora, eu vou fazer uns bolinhos pra senhora, é bem rápido, já volto.
Mas a professora a deteve e disse:
- Dona Inácia espere, eu não estou aqui por acaso.
- Uai, aconteceu arguma coisa, por que ocê tá chorando Eurípides? Num tô gostando da cara docês não.
A professora voltou a falar:
- Dona Inácia, escute, seu filho está muito mal, ele tem que ser levado, com urgência, para o médico!
A mãe de Sérgio entrou em pânico e rogava a Deus:
- Não Senhor, meu filho não! Cura meu filho Senhor Deus...
Falando assim dona Inácia foi para o quarto ver seu filho.
O trabalho de Thomás era cansativo e desgastante, mas ele exercia com muita determinação sua busca pelas esmeraldas, estava sempre trabalhando de bom humor. Mas nesse dia ele parecia meio jururu. Nem se quer falava com seu companheiro de trabalho. Então Osório, seu ajudante te perguntou: 91
- O senhor perece injuriado seu Thomás, arguma coisa tá incomodando o senhor? O senhor tá calado hoje.
- Num sei Osório, tô com um pressentimento ruim, parece que vai acontecer algo e de repente meu coração ficou pesado...
- É seu Thomás, mas se alegra porque já tamos bem perto de encontrar as pedras preciosas!
- É eu sei Osório, nossos esforços estão sendo recompensados, mas não é isso, é com Sérgio minha preocupação, é como se ele estivesse precisando de mim... Olha, toma conta de tudo, tenho que ir embora.
- Vai seu Thomás. O senhor gosta mesmo desse menino né seu Thomás?
- Muito Osório, muito mesmo!
Os dois se despediram. A barragem onde eles exploravam era um pouco distante da casa onde Thomás estava hospedado, por isso ele ia trabalhar em seu automóvel e era obrigado a trafegar por uma estradinha, se é que podemos chamar aquilo de estrada, mas era necessário ele fazer aquele percurso, pois era ali que escondia as esmeraldas. Nessa estrada ele dirigia devagar e com precaução para desviar dos obstáculos que encontrava pela frente, porém Thomás, nesse dia ele estava apressado para chegar a casa. Thomás estava impressionado, parecia que ele estava ouvindo a voz de Sérgio te pedindo socorro, o fazendo ficar mais atormentado ao volante. Também no céu se formavam nuvens carregadas, dando a previsão de chuva para mais tarde.
Finalmente Sérgino e José faziam o último carregamento de madeira. A viagem exigia muita paciência, pois os bois eram muito lentos no andar. José era o guia dos bois e estando a frente viu primeiro a movimentação de gente em frente à casa de Sérgino; o jovem moço cessou seus passos, obrigando assim os bois também a parar. Assustado José falou para seu senhor:
- Seu Sérgino vem cá.
- O que foi Zé, por que ocê parou?
- Tem arguma coisa errada em sua casa seu Sérgino, olhe lá.
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Sérgino se ajuntou ao José e avistou em frente a sua casa aquele batalhão de meninos. Isso te deixou muito preocupado; pediu José para tomar conta dos bois e se apresou para chegar a sua casa e tomar conhecimento o por que daquele tumulto. Aqueles meninos eram os colegas de classe da escola de Sérgio, estavam todos ali em solidariedade ao amigo doente. Sérgino adentrou sua casa sem compreender nada daquilo. Selma e Célia, ao ver o pai correram e abraçou-o chorando. Inácia também foi ao encontro do marido também chorando.
- O que aconteceu aqui Inácia?
- É nosso filho Sérgino, ele tá muito mal!
A surra que ele deu no menino, horas antes, veio rapidamente em sua mente. Mas abafou logo sua lembrança perguntando:
- Aonde está Thomás Inácia?
- Ainda não chegou.
- Ora Inácia, quem tem automóvel aqui é só Thomás, temos que esperar ele para levar Sérgio no doutor.
Depois Sérgino foi ver o menino.
O papel de Inácia, entre outros, era suplicar a Deus:
- Senhor meu Deus, mande logo seu Thomás com o automóvel, por favor, Senhor não deixa meu filho morrer!..
Parece que Deus ouviu o pedido da mulher, pois ela ouviu um barulho de roncar de motor ao longo da estrada, era seu Thomás que chegava. Ele parou o carro em frente à casa. Inácia se apavorou, não esperou nem que o homem descesse do automóvel. A mulher dizia:
- Depressa seu Thomás, leve Sérgio pro doutor, meu filho tá morrendo...
Thomás tentava acalmar a mulher, mas como? Se ele mesmo, depois de ouvir isso ficou tão apavorado como a mulher. Disse ele:
- Claro senhora, vamos agora pra Anápolis.
No quarto Sérgio agonizava, estava consciente ainda, sentiu perfeitamente seu pai acariciar seu rosto e dizer: 93
- Por que ocê tá desse jeito filho? Ocê é meu único filho homem, eu espero muito docê viu. Fica bão logo filho... - Sérgino umedeceu os olhos e concluiu – Perdão filho, perdoa seu pai pela surra que te dei!
Inácia adentrou o quarto dizendo:
- Leve Sérgio pro automóvel de Thomás Sérgino, Thomás já chegou. Rápido Sérgino, a gente num pode perder tempo...
Sérgino disfarçou a emoção e perguntou para Sérgio:
- Dá procê ir andando até o carro filho?
Sérgio respondeu com o fôlego cansado:
- Se o senhor me ajudar pai eu posso ir andando.
- Vem, eu te ajudo então.
O menino, auxiliado por seu pai, sentou-se na cama. Com esforço ele se pós de pé e lentamente começou a mudar os passos. Já na sala. Sérgio cessou seus passos; olhou para cada menino amigo seu, abaixou a cabeça e chorou. Quando ele se esforçou para mudar o passo novamente notou que suas pernas já não mais te obedeciam, ele não conseguia mais mudar o passo. Todos perceberam a aflição do menino para andar. Thomás incentivava-o dizendo:
- Vamos Sérgio, ande até aonde tá o automóvel...
Sua mãe também:
- Vai Sérgio, ande meu filho.
Seu pai reforçou:
- Força Sérgio, ande...
O menino começou a suar e fazia força, mas não conseguia mudar os passos. Sérgio não tinha mais domínio sobre suas pernas e o pior, elas não suportava mais o peso de seu corpo. Seus esforços não tinham nenhum efeito, Sérgio não estava mais conseguindo ficar de pé sobre suas pernas e subidamente ele sentiu uma dor muito intensa e suas pernas dobraram, fazendo com que ele fosse ao chão. Seu pai, que te apoiava, te acudiu a tempo de uma queda completa. Rapidamente seu pai te pegou nos braços e levou-o para o automóvel.
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Sérgino era quem acompanharia o menino até o hospital, além de Thomás, é claro, que dirigia o carro. Porém a agonia de Inácia não te permitiu que ela se separasse de seu filho naquela situação, então era a mãe que acompanharia o menino. No interior do automóvel eles se preparavam para a viagem para Anápolis. Sérgio não tinha mais raciocino de nada, se assustava com qualquer barulhinho, o menino se comparava a uma criança excepcional, não tinha mais codernaçao motora; se assustou quando Thomás fechou a porta do automóvel e também quando Thomás acionou a ignição do carro. Sérgio demonstrava estar com muito medo do barulho do motor do automóvel, chorava e gritava como nunca. Nesse clima eles se foram para Anápolis.
Sérgino não tinha iniciativa para nada, sua casa não te cabia. Dona Geralda, a única que estava ainda com ele, pediu para levar as meninas para a casa dela, Sérgino, diante do pedido da mulher ressalvou:
- Agradeço sua bondade dona Geralda, leve elas, cuide delas pra mim.
- O senhor quer que eu faço janta pro senhor?
- Não carece dona Geralda, Zé se quiser que arrume qualquer coisa pra ele cumer, eu num quero nada não.
Sérgino estava se culpando pela desgraça de seu filho. Estava cheio de remórcio por não ter acreditado no menino, de ter surrado-o e de ter te obrigado a ir à escola – Sérgio era quem ia te dar orgulho na vida – Pensava o homem. Reconheceu o ele também que às vezes era muito cruel com Sérgio e que essas surras muitas vezes nem era necessárias, pois embora ele fosse levado, seu filho transmitia muita inteligência, era responsável, prestativo e dedicava aos pais um verdadeiro respeito, digno de um filho. Muitas vezes Sérgio até defendia seu pai das confusões que ele se media. Sérgino só naquele momento se deu conta da importância que seu filho representava para ele, contudo, agora que seu filho estava à beira da morte já era tarde para ele se conscientizar disso.
A espera por noticias era angustiante. Já era madrugada. Sérgino já percorrera toda casa de tanta ansiosidade, as horas pareciam que não passavam. O relógio de parede acusava 02h40min da manha. O homem foi para o botequim de sua casa.
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Na venda ele pegou e abriu uma garrafa de aguardente, em seguida ele abriu a porta que dava acesso para a rua, deixando o frescor da noite invadir o ambiente e, sentou-se em volta de uma mesa. Com a garrafa de aguardente e um copo ele começou a beber do liquido, assim ele queria sufocar suas mágoas. Um gole, outro gole de pinga – Como era forte aquele troço! Mas Sérgino parecia obrigado a beber aquilo. O clarão da luz de um lampião iluminava a rua pelo feixe de luz que escapava pela abertura da porta da venda. Sérgino, por um momento, fixou os olhos naquela luz que escapava pela porta e clareara a rua.
Então ele presenciou dois pombos brancos, que pousaram na rua, no exato lugar onde estava aquele feixe de luz e ali ficaram as aves imóveis e olhando para o homem. Sérgino não compreendeu o que aqueles pombos faziam ali tão tarde da noite, só sabia que os pombos eram do criatório de Sérgio, certamente estavam ali também preocupados com seu dono. Sérgino chorou amargamente. O homem se descontrolou; pegou a garrafa e lançou-a contra a parede, fazendo com que a garrafa se dividisse em vários pedaços e enxotando os pombos dali devido ao barulho.
Já com o despontar do sol foi que Thomás e Inácia chegaram de Anápolis. Os dois encontraram Sérgino naquela situação, se comparando a um cão sarnento; o homem estava deitado no piso da venda, estava completamente dominado pela bebida. Inácia se incomodou com aquilo e tentou despertar seu marido:
- Hei Sérgino, acorda homem de Deus, tá parecendo porco, dormindo no chão e com esse bafo de pinga ainda...
Ele acordou assustado e procurando pelo menino:
- Cadê ele, cadê meu filho...
Thomás tomou a palavra:
- Calma seu Sérgino, não sabemos ainda, os médicos ainda não soube responder. Só disseram que o problema dele é muito sério e também que o caso dele é inédito na medicina, alegaram que nunca souberam de caso semelhante. Eles nos disseram que não podiam dizer nada sem antes fazer um estudo mais profundo da doença.
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Sérgino ficou irritado e flizou:
- Esses médicos que não sabe de nada, eles vai é matar meu filho!
José, sempre do seu jeito, só observava de longe, ninguém, porém notou que ele ouvia tudo um pouco afastado. O jovem José já tinha escutado o bastante, buscou um canto discreto da casa e chorou. Sua dor talvez fosse a pior, por que, além do que já sabemos, ele não tinha ninguém para te consolar.
A conversa sobre Sérgio continuava com Thomás dizendo:
- Bem, eu vou voltar para o hospital, só vim mesmo trazer dona Inácia e tomar um banho.
Sérgino agradeceu seu Thomás:
- Seu Thomás, desculpe nois te estrovar com esse aborrecimento.
- Imagina seu Sérgino! Olha, aquele menino me cativou muito e só Deus sabe da dor que tá no meu peito por causa da doença dele!
Thomás terminou de falar enxugando as lágrimas que escorriam em seu rosto.

















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CAPITULO 09

LUTA PELA VIDA


Sérgio foi internado e decorrido uma semana após sua misteriosa doença, Inácia recebeu uma visita também estranha em sua casa. Em frente a sua casa parou uma carroça, que era puxada por um cavalo pangaré bem magro. Na carroça havia duas mulheres, uma delas bem jovem, aparentava ter uns quinze anos de idade. Era ela que segurava a rédia que conduzia o animal a direção certa. A outra mulher era uma velha de rosto bem franzino e com um lenço de cor branca, mas encardido amarrado na cabeça. A jovem chamou por alguém na casa:
- Ô de casa, ô morador...
Não demorou e do interior da casa saiu dona Inácia. Quando Inácia encarou aquela velha ela teve um retrocesso; durante um espaço de tempo Inácia ficou olhando aquelas mulheres em cima da carroça, com destaque para a velha. Então a mais nova falou:
- Oi dona... Essa aqui é mãe Joana, eu tive te trazer ela aqui na casa da senhora mode que ela quer saber do menino que tá doente. A senhora é a mãe dele não é?
- Sim sou.
- Por favor, senhora, dá notiça dele pra mãe! Nunca mais seu menino voitou lá na casa nossa pra ver a mãe e a notiça que ela tá na beira da morte bateu no zovido dela, intão eu tive de trazer ela pra saber dele.
Inácia estava um pouco tensa e não conseguia expressar palavras, precisou esperar um pouco para recuperar, ai ela falou:
- Só Deus, nosso senhor pode curar meu filho. Sérgio tá muito mal... Mas quem é oceis duas, de onde oceis conhece meu Sérgio? – As mulheres ficaram caladas, Inácia insistiu com elas – Hei, de onde oceis conhece meu filho?
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Elas permaneceram caladas. O olhar penetrante da velha em Inácia fazia com que ela se lembrasse de qualquer coisa.
Por fim a jovem relatou:
- Oia dona, a mãe Joana só teve uma miora com o aparecimento de seu fio lá na casa nossa. Mãe Joana já tá comprometida com nosso Senhor, como a senhora tá vendo. Logo o pai do céu vai levar ela de nois e aquele menino fez bem pra ela! Mãe Joana inté melhorou depois de ver ele. Ola senhora; mãe Joana já perdeu dois fios e agora ela se apegou por demais no menino da senhora, acho inté que ele pode fazer a mãe Joana viver mais um pouco por causa do amor que ela sentiu por ele...
Mãe Joana era uma velha debilitada e tremia as mãos.
Inácia perguntou:
- Ocê disse dois filhos que ela já perdeu?
- É verdade senhora. A primeira filha desaparecida se foi quando eu nem ainda era nascida, eu num sei nada dela e agora se foi meu irmão Gerardo - ele deve ter cansado de lidar com a mãe, então também se enfiou por esse mundão de Deus.
Inácia viu nas duas muita humildade e fragilidade, então reconheceu que não representava nenhum perigo em convidar as duas para entrar e saborear um cafezinho com bolinhos.
Ela fez o convite, elas sem cerimônia aceitaram.
Mãe Joana, apoiada por muletas e pela filha, de nome Maria, foi vagarosamente descendo da carroça. Por um instante Inácia teve certo preconceito e não ajudava Maria com a velha, mas o passado te acusou e ela sentiu no dever de ajudá-la na lida com a anciã. No interior da casa as meninas Selma e Célia ficaram amedrontadas com as estranhas visitantes. O medo das meninas não era por causa de Maria e sim por causa da velha. Depois de todas já acomodadas em volta de uma mesa exposta na cozinha e cada uma com uma xícara de café e se servindo de uma travessa cheia de biscoitos que ficava no centro da mesa surgiram algumas interrogações por parte da dona da casa. Inácia, notando a ganância da mocinha começou a sondar as vidas das mulheres perguntando:
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- De onde oceis são?
A velha nunca falava. Maria respondeu:
- Quando Gerardo morava cá gente nois tinha lugar mio pra nois morar, pertinho daqui. Agora, que aquele ingrato foi embora, o dono da casa, onde nois morava expulsou nois de lá porque nois num era tão forte quiném Gerardo, que trabalhava pra ele na roça em troca de morada. Agora memo nois mora pra culá num ranchinho muito ruim.
- Sua mãe nunca fala é?
- Não. Mãe Joana falava direitinho, que só vendo! Foi só minha irmã fugir de casa pra ela nunca mais falar. Gerardo me falou que mãe Joana sofreu tanto com o abandono da fia dela que inté perdeu o gosto de falar. Parece que ela já quer sortar a fala, ela já tropeça na língua e oia dona; já faz muito tempo que minha irmã se foi daqui.
Inácia estava muito emocionada; levantou-se, saiu da mesa e disse:
- Fique a vontade, eu já volto.
A mulher não suportava mais ouvir aquelas queixas de Maria, foi em direção a seu quarto. Lá, no quarto, sozinha ela não conteve suas lágrimas. Maria, pobre inocente, jamais poderia imaginar o significado que tinha para Inácia toda sua revolta e o pior, era o olhar de acusação da velha. Inácia estava muito perturbada com a presença daquelas mulheres em sua casa.
Inácia, no seu subconsciente, reviveu o episódio de sua fuga com Sérgino. O culpado por tudo foi seu irmão Geraldo; com a morte do pai, Geraldo se achava no direito de mandar em Inácia e em sua mãe de nome Joana. Inácia e mãe Joana viviam controladas por Geraldo. Inácia, escondida do irmão namorava com Sérgino. Inácia fazia segredo de seu romance, pois se Geraldo soubesse do namoro, ainda mais com seu rival, pois Geraldo e Sérgino tinham uma desavença de há muito tempo atrás, se ele tomasse conhecimento do namoro dos dois, sem dúvida ele seria capaz de matar Sérgino. Então Inácia estava de mãos atadas porque sua mãe precisava muito de seus cuidados, visto que, a mulher estava preste a dar a luz ao seu terceiro filho.
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Então ela, mocinha, já liberando seus desejos por um homem, tinha duas opções; ficar e dedicar a sua mãe e ser infeliz, talvez para sempre, ou ir em busca de sua felicidade com o homem de sua vida. Sérgino estava de malas prontas para viajar para Minas Gerais e queria levá-la. Sérgino dizia que, um tio seu te doou uma terra, muito propicia para o plantio e, queria que Sérgino fosse para lá cuidar da terra. Inácia estava indecisa, mas não por muitos dias; a jovem foi vista por Geraldo nos braços de Sérgino. Nesse dia Geraldo dá uma surra em Inácia, também ele te prometeu que ia matar Sérgino se eles continuassem se encontrando. Aquela surra foi a gota que transportou o copo; Inácia decidiu dar um fim aquela vida de tormento e prisão, resolveu sua vida. A moça aceitou a ir com Sérgino para Minas Gerais e as escondidas ela fugiu de casa para viajar com Sérgino, levando na bagagem alguns pertences e um sentimento de remorso em abandonar sua mãe já nos dias de dar a luz. Na estação do trem de ferro, ela ainda teve dúvidas em ir realmente com Sérgino por causa de sua mãe, foi necessário Sérgino lembra-la da brutalidade de Geraldo para com ela, mostrar os sinais em seu corpo, mostrar as marcas das chicotadas que seu irmão te causara, Inácia se sentiu mais pressionada quando ouviu o apito da Maria fumaça, dando os primeiros tic-tac para se jogar de vez nos braços de seu amado.
Inácia se convenceu que aquelas mulheres que estavam lá na cozinha eram sua mãe Joana e sua irmã, nascida depois que ela fugiu com Sérgino.
No leito de um hospital de Anápolis se encontrava Sérgio semimorto, o menino estava em coma profunda. Thomás era quem ficava com o menino, durante as vinte quatro horas do dia o homem estava em alerta e por perto do seu amiguinho. Mesmo após um mês da trágica doença de Sérgio, Thomás toda noite fazia à mesma coisa; atravessava a noite transitando pelos corredores do hospital querendo saber do garoto.
Os médicos não viam no menino chance de sobrevivência, sabiam que ele estava vivo por causa das pulsações de seu coração, mas seu corpo não tinha nenhuma sensibilidade.
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A morte da carne era comprovada pelas experiências que os médicos realizavam no menino, para ilustrar e demonstrar para os outros médicos que eram inúteis eles tentar salvá-lo. Uma experiência foi a seguinte: O especialista, com sua mão direita segurou uma pequena lâmina bem afiada de ambos os lados e levemente flexionou a lâmina na parte de baixo do pé do garoto. Então o médico subia e descia a lâmina; em nenhum momento Sérgio movimentou a perna. Com isso o médico queria provar que só Deus poderia salvar o menino, os recursos que eles podiam utilizar já haviam esgotados. Porém alguns médicos mais otimistas se propuseram a continuar com suas tentativas mesmo sem acreditar que eles obteriam sucesso. A doença do menino era um desafio à medicina. Os médicos do hospital Evangélico Goiano de Anápolis não mediram seus esforços para tentar reverter o quatro critico do garoto; chamou outros médicos da Capital do Brasil, Brasília. Da Capital do Estado Goiás, Goiânia, para se ajuntarem a eles; os de Anápolis para juntos estudarem uma maneira e ganhar a batalha e curar aquela criança. Mas cada equipe tinha um parecer diferente, portanto nunca chegavam a um consenso. Então levantaram a hipótese de uma remoção do menino para o Estado de São Paulo, mas essa possibilidade não foi avante, pois a família do menino não concordou com isso e alguns médicos julgaram também desnecessário essa remoção, mesmo com aquela doença rara, Sérgio não sairia de Anápolis. Os médicos estavam unânimes só em uma afirmativa: Eles podiam adiar a morte do menino, mas nunca podiam salva-lo.
Já era um mês e vinte dias de plantão, de espera, perdendo noites e noites de sono, muitas vezes passando até fome. Thomás só fumava, corrompendo assim com seus pulmões. Cada médico que saia da unidade de terapia intensiva, onde Sérgio estava, não escapava das perguntas de Thomás, que insistia em saber do estado do menino, mas todos despistava de Thomás, nenhum médico se arriscava em falar a verdade para o homem, ninguém queria falar sobre o assunto, mas após uma prolongada rotina assim, um dos médicos não teve como escapar do homem. Coagido por Thomás o médico, com certo pesar dele disse:
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- Senhor Thomás, o senhor deve mesmo gostar muito desse menino, temos visto sua dedicação com ele. Olha, confesso que estou com pena do senhor! Então eu lamento em dizer para o senhor que o estado do garoto é muito grave... Estamos tão apreensivos como o senhor, não sabemos ainda o que aconteceu com ele, ignoramos totalmente essa doença de Sérgio, nunca na medicina deparamos com caso semelhante. Acredite seu Thomás, estamos pasmos diante desse fato, não podemos e não sabemos dizer nada para o senhor de concreto... Porém seu Thomás estamos convencidos de uma coisa e, isso não resta dúvida para nós, não queríamos falar até agora pelo o abalo que isso vai causar nos amigos, nos pais do garoto, mas eu acho que o senhor tem o direito de saber disso primeiro que todos devido o amor que o senhor tem demonstrado para com essa criança, vou ser franco com o senhor: Sérgio pode morrer a qualquer hora, não sabemos, sabemos só que, se acontecer um milagre e o menino sobreviver, vocês terão que aceitar a realidade.
- Por favor, doutor deixa de lengalenga e fale logo, o que vai acontecer com ele se ele viver?
- Olha seu Thomás, mesmo que o menino escape dessa, ele vai andar de cadeira de rodas. É isso mesmo, Sérgio não vai andar mais com as suas pernas, Ele está paralítico, esse fato é irreversível seu Thomás! – Thomás sentou-se em uma poltrona e curvou a cabeça e ficou ouvindo o médico – E tem mais seu Thomás; Sérgio não está mais conseguindo respirar sozinho por causa das substâncias que se acumularam em seu peito e ele não consegue escarrar essas substâncias, então ele morrera rápido, visto que ele estar se sufocando!
Thomás ergueu a cabeça e perguntou:
- O que pode ser feito para ele voltar a respirar normalmente doutor?
- Bom, seria mais ético os pais do garoto nos autorizar tal feito, mas nunca os pais dele são visto por aqui, me parece que o senhor é o responsável por essa criança e essa cirurgia tem que ser urgente; vai ser um pequeno corte que faremos em sua garganta, por onde sugaremos a gosma que acumulou no peito dele. 103
O que o senhor tem que fazer é somente nos autorizar a isso, mas veja bem seu Thomás, é uma tentativa, não podemos garantir que com isso salvaremos o garoto. Basta o senhor assinar esse papel aqui.
Thomás pegou o papel em uma mão e a caneta na outra, estava indeciso, queria conversar com Sérgino primeiro, mas se ele demorasse na autorização, segundo o médico, Sérgio morreria afixado. Thomás, com suas mãos trêmulas pelo nervosismo assinou o papel. Pouco depois se formou uma correria pelo corredor do hospital; uns homens vestido de branco percorria o corredor empurrando as pressas uma maca e sobre a maca um pequeno corpo coberto com um lençol branco. Thomás não teve dúvidas; era Sérgio que estava na maca. Então Thomás tentou acompanhar os homens, mas os enfermeiros adentraram numa sala e Thomás foi impedido de entrar nessa sala.
O destino realmente estava sendo cruel com Sérgio, ele tinha uma vida inteira pela frente. Não seria pior para o menino viver e ter que andar de cadeira de rodas, ser visto como um inválido, não seria melhor se ele morresse de uma vez, em vez de ter que conviver com a deficiência de suas pernas? - Thomás pensava em tudo isso – Uma criança que alimentava tantos sonhos, ver todos seus sonhos destruídos, ou pelo menos uma boa parte deles, talvez fosse melhor morrer de uma vez. Não... Morrer nunca é solução de nada. A bem da verdade, Thomás sofreria mais com a deficiência de Sérgio do que seu próprio pai.
A idéia de tal procedimento dos médicos em realizar essa cirurgia no menino foi a seguinte: No pequeno orifício feito na garganta do menino os médicos injetaram uma mangueira de pequena espessura, suficiente para circular os resíduos que estava impedindo a passagem do ar para os pulmões do menino. Na outra extremidade dessa mangueira acoplaram um mortozinho; após ligar o motorzinho, via-se uma espécie de gelatina saindo da garganta do menino e percorrendo a mangueirinha. A gelatina ia direto para um vidro, também transparente, que estava abaixo do motor.
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Esse processo foi impressionante e admirável para os médicos, foi milagroso, pois a respiração do garoto dava sinais de normalidade. Para os médicos aquilo foi uma vitória e merecia comemorar, pois foi à primeira experiência desse tipo realizada no hospital.
Tudo que se relacionava ao menino era Thomás que estava à frente, o homem era o grande protetor do garoto. Por várias vezes Thomás era até agressivo na defesa de Sérgio, no hospital não era diferente. Depois de muito ele insistir com os médicos, ao ponto de ser até indelicado com eles, finalmente teve a permissão para ver o menino. Thomás, apesar de estar todos os dias no hospital nunca pode ver Sérgio de perto. Mas a sua visita ao menino serviu só para se emocionar mais e diminuir suas esperanças.
Aquela já era a quadragésima oitava noite de angústia e ansiedade para Thomás. Naquela noite caia uma chuva fina sobre Anápolis. Thomás deitou-se no banco traseiro de seu automóvel. Enquanto ele ouvia os pingos caírem no teto do carro; fumava um cigarro e meditava em tudo o que estava acontecendo. Começou a relembrar os momentos felizes que tiveram com Sérgio, momentos como esse: Sérgio e ele saíram de automóvel, foram para um lugar amplo e plano, área comparada a um campo de futebol. A finalidade dos dois irem ali era para Thomás ensinar Sérgio a dirigir seu automóvel. Sérgio demonstrava grande fascinação na direção do automóvel, estava muito empolgado em conduzir a máquina. Tinha a velocidade sobre controle, mas também quem mantinha o pé no acelerador era Thomás porque a perna do menino não alcançava na tábua, Sérgio estava no banco do motorista, mas sentado no colo de Thomás. Era fantástico para o menino girar o volante do carro para um lado e para o outro. Thomás o incentivava dizendo:
- Olha Sérgio, não tenha dúvidas que ocê vai ser um grande piloto de fórmula um hem...
Sérgio até não dirigia mal, não cometia nenhuma barbeiragem, porém ele cometeu um vacilo; também quem mandou aquela ave atravessar na frente do automóvel? Foi uma galinha. Por pouco a ave não foi atropelada pelo automóvel. O susto foi maior porque Thomás viu antes de Sérgio a galinha e gritou com ele:
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- Cuidado com a galinha menino...
- Cadê?
- Ai na frente do automóvel.
A ave levou a pior, é claro; a galinha cacarejou, usou sua agilidade e sumiu no cerrado. Depois do susto Sérgio disse aliviado:
- Ô... Galinha boba, quem te mandou enfiar na frente do automóvel, quer morrer, quer?
Ambos não controlavam mais as gargalhadas. Sérgio acrescentou:
- Galinha malvada, fia de uma peste...
Após ter meditado nessa passagem, Thomás liberou um leve sorriso. Foi bom para ele relembrar essa cena, entre outros momentos felizes que ele teve com Sérgio, esse foi de grande descontração. A chuva continuava lá fora, mas a realidade agora era bem diferente e Thomás chorou.


















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CAPITULO 10

INTERFERÊNCIA DIVINA


Sérgio não apresentava nenhuma evolução no seu quatro; mas em uma noite, depois de muitos dias que ele estava de coma. Era por volta das duas horas da manha e uma enfermeira, do turno da noite, visitava paciente por paciente e com uma prancheta em uma mão e alguns medicamentos em outra ela anotava os dados de cada um deles, se teve alguma melhora ou piora; esse trabalho era realizado toda noite a essa hora. Com uns estava tudo bem, já com outros ela obrigava-o ele tomar um medicamento ou até mesmo era necessário ela aplicar uma injeção no doente.
Sérgio já era visto como um membro da família de cada funcionário do hospital, principalmente das enfermeiras, todas elas sentiam por ele grande estima e tinham um enorme carinho ao lidar com o menino. Mas naquela noite reacendeu a chama da esperança; Judith, a enfermeira que conferia os pacientes se emocionou muito, pois após tantas incertezas e espera por um milagre, parece que uma força divina estava sobre o garoto; com uma toalha a enfermeira enxugava o rosto do menino, tirando o excesso de suor q estava em seu rosto. A enfermeira ficou olhando para o rosto do menino e viu que ele mexia seus olhos, se esforçando para abri-los. Judith se alegrou e disse:
- Sérgio, você está vivo meu filho, louvado seja Deus...
Ela ficou tão emocionada que não se incomodou com as horas e nem com os outros pacientes; se pôs a correr pelo corredor do hospital gritando:
- Seu Thomás, seu Thomás... Cadê o senhor? Vem cá ver, Sérgio está bom!..
Um verdadeiro escândalo a enfermeira aprontara no hospital em virtude do menino ter dado sinal de vida.
É... Sérgio sobreviveu, mas será que essa misteriosa doença ia mesmo deixar seqüelas, será que os médicos acertaram em afirmar que mesmo se ele vivesse não andaria mais? 107
Verdade, os médicos estavam certos. Sérgio não tinha mais forças e perdeu boa parte da sensibilidade de suas pernas. Ter uma pessoa paraplégica na família não tem nada de anormal, mas será que a família de Sérgio não ia ver ele de outra maneira, será que Sérgino compreenderia que Sérgio agora ia precisar de um pai herói, será que seus amigos não te abandonariam? Um deles certamente nunca mudaria sua amizade pelo menino; estamos falando de Thomás. Como já estava acontecendo; a amizade de Thomás por Sérgio iria ser mais intensa de que do seu próprio pai. A sorte de Sérgio foi ter conhecido Thomás, pois este sim; era quem estava sendo seu verdadeiro herói.
Sérgio então recebeu alta do hospital; os médicos fizeram algumas recomendações para Thomás sobre como proceder nos cuidados com ele, porque ainda estava debilitado, mas ele já podia ser cuidado em sua casa.
Thomás chegou à casa dos pais do menino levando o mesmo, mas, mesmo vendo que Thomás e o filho retornavam a casa, ninguém foi recebê-los. Thomás desceu do automóvel e foi até o porta-malas do carro; tirou de lá um carrinho de rodas grandes, pegou Sérgio no colo e colocou-o no carrinho. Todos: Sérgino, Inácia, José e as meninas demonstravam um pouco de preconceito e só observavam de longe. Thomás foi adentrando a casa empurrando a cadeira de rodas com o menino.
Inácia, maio assustada, foi ao encontro do filho e abraçou-o e o beijou. Sérgino ficou parado. Depois de prolongado silêncio, Thomás tentou reanimar o ambiente dizendo:
- Gente, que isso... Por que vocês estão espantados? Sérgio está vivo, vamos, se alegre porque ele está aqui conosco!
Nesse dia Sérgio completara doze anos de idade, sua mãe lembrou da data e ela mesmo iniciou um `` Parabéns pra você ´´, porém seu cântico foi interrompido pela sua emoção e ela foi para o quarto chorando. Sérgio não entendia o que estava acontecendo e olhava para todos com olhar assustado.
Por incrível que possa parecer; conviver com a revolta de seu pai passou a ser uma realidade na vida de Sérgio.

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Depois de alguns dias Sérgio já estava mais consciente e já entendia as coisas.
Os passeios com Thomás continuavam e em um desses passeios Sérgio surpreendeu e arrancou lágrimas dos olhos do homem quando ele disse:
- Seu Thomás, até que andar de cadeira de rodas num é tão ruim não, o que machuca mais meu coração, é de num poder mais galopar nos cavalos, de num poder mais ordenhar as vacas, de num poder correr mais atrás dos bezerrinhos, também de num ser mais o sucessor de meu pai. Eu já sei que ele nem quer eu mais como seu filho porque eu tô aleijado, então o que eu queria te pedir seu Thomás é que; se um dia o senhor tiver de ir embora daqui, eu queria que o senhor me adotasse e me levasse junto com o senhor, o senhor mesmo disse que num tem filhos, então eu pudia ser o filho do senhor, o senhor me quer num quer seu Thomás?
Os olhos de Thomás encheram de lágrimas, foi até preciso ele Pará o automóvel. Sentindo muita emoção, ele abraçou o menino, fez cafuné em sua cabeça e disse:
- Que isso Sérgio?.. Não é verdade que seu pai não te quer mais, você não sabe o que tá falando meu filho. Olha... Mas, aconteça o que acontecer; eu nunca te abandonarei, nunca. Vou te ensinar tudo Sérgio, não precisa ter medo que jamais eu vou te deixar... Tá ouvindo?
- Mesmo sem minhas pernas seu Thomás, mesmo assim o senhor vai me ensinar tudo?
- Não fale assim Sérgio, claro que vou te ensinar meu filho...
- Então eu acho que sou feliz seu Thomás, perdi minhas pernas, mas num faz mal, porque o Menino Jesus me deu o senhor!
- Então Sérgio, isso não é bom?
- Se é bão seu Thomás? É bão demais...
E seguiram para casa.
Sérgio sentia falta de Eurípides, mas Eurípides estava longe, muito longe. Aconteceu que; seu pai, seu Camilo, de muitos dias atrás alimentava uma vontade de ir com sua família para o Norte, não só ele, mas também sua esposa, dona Geralda. 109
Seu Camilo recebeu uma proposta irrecusável de compra de seu sitio, então os pais de Eurípides resolveram vender a terra e irem embora para o Norte. Eurípides nem foi consultado, só foi comunicado pelos pais que eles iriam embora de Goiás. Não foi fácil convencer Eurípides da mudança, na verdade ele nem foi convencido de sair de perto do amigo Sérgio. Quando estava tudo pronto para seguirem viagem, foi necessário segurar e obrigar Eurípides a entrar no Chevrolet. Sua mãe era uma verdadeira cobra; com a teima do menino ela se irritou e deu uns tapas no filho.
A pouca idade do menino não permitia que ele tivesse vontade própria, mas foi uma dor terrível ter que deixar seu amigo Sérgio, talvez para nunca mais vê-lo. Eurípides jamais saberia que Sérgio havia ficado paralítico.
Por várias vezes Sérgio questionou da ausência de Eurípides, porém a falta do amigo Eurípides estava bem suprida por a de Thomás. A proteção, a segurança que sentia estando com Thomás fazia com que ele esquecesse o companheirismo de Eurípides, ainda mais agora que estava com o corpo frágil. Sérgio também não estava contente com Eurípides, pois este nem se quer se interessou em sabe o que aconteceu com ele, portanto Sérgio não estava fazendo muita questão de saber do amigo não, mesmo porque sabia também que agora ia ter poucos amigos; depois de sua mãe, Thomás era a pessoa a ocupar seu coração. Inácia procurava não demonstrar, mas sofria muito, sentia muita pena do filho, frequentemente ela era vista chorando pelos cantos da casa, para ela; ver seu filho impossibilitado de andar, sendo levado por uma cadeira de rodas era muito traumatizante. A mulher estava também ciente de seu parentesco com mãe Joana, a filha desaparecida da velha era ela. Mas mesmo sabendo disso, ela ficou no anonimato, não contou para elas que a filha que fugiu era ela, mas, no entanto Inácia passou a ajudar muito a velha e a filha depois da visita que elas fizeram em sua casa. Inácia contou só a Sérgino e o convenceu dele fazer uma cobertura no quintal de suas casa para abrigar a mãe e a irmão. Sérgino, depois que soube de tudo permitiu que construísse o cômodo. Em uma frase, em que conversavam sobre a velha Sérgino disse:

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- Faça como quiser Inácia, não enche meu saco. Ocê me aporreia por demais com esse assunto mulher!..
Mãe Joana e Maria gostou muito de ir morar no casebre levantado por José no fundo do quintal da casa de Inácia e Sérgino.
´´ VAMOS ATÉ ABADIANIA ``
Abadiânia é uma cidadezinha bem pacata, mas um pouco turística, pois sua região é serrana e possui vários córregos em seus arredores, formando algumas piscinas naturais em diversos pontos de seus leitos.
Chegou à cidade de Abadiânia um ônibus que trazia uma turma de turistas vindo da cidade de São Paulo e entre os visitantes, que chegavam à cidade, havia um estranho jovem que transitava pelas ruas da cidade misturado entre os demais turistas e que andava disfarçando seu rosto dos moradores do vilarejo; o jovem usava barba, boné e óculos escuros. Parecia que ele não queria ser reconhecido por ninguém do lugar, pois, mas na verdade o jovem era um filho da Abadiânia. Aquele jovem era Ércio que retornara àquela cidade trazendo consigo o arrependimento e decidido se apresentar a policia, esclarecer a verdade; como foi o assassinato de Aparecida e Dorvalino. O rapaz procurou o padre da igreja, que por sinal era o mesmo de seu tempo. Então Ércio desabafou com o sarcedote. No confecionário ele disse ao padre:
- Seu padre, certamente o senhor não sabe quem eu sou. Olha, não se assuste com minha aparência, mas eu estou de volta a essa cidade e preciso que o senhor me ajude... Seu padre eu pensei que jamais fosse capaz de matar uma pessoa, ainda mais sendo meu tio, mas quando eu vi Aparecida, ali dodinha ensangüentada, eu me ceguei de raiva de quem a matou e quem tinha matado ela seu padre era meu tio Dorvalino. Eu o vi sangrar Aparecida e a matar, ai eu perdi a razão e atirei no meu tio Dorvalino sem piedade e também tirei a vida dele. Eu preciso de seu perdão seu padre e quero me explicar para o delegado dessa cidade a verdade desse crime...
De inicio o padre ficou confuso, mas se conteve; fez seu sermão, mas depois concedeu seu perdão ao jovem.
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Ainda se aliou ao rapaz e escondeu-o em um quartinho nos fundos da igreja e ressalvou a ele:
- Fique aqui, eu vou anunciar seu regresso aqui em Abadiânia, mas primeiro vou avisar sua família.
Na missa das 18h00min daquele dia, o padre queria comunicar a todos que Ércio estava na cidade, mas não sabia como dizer isso, portanto não mencionou nada sobre a chegada do rapaz. Dona Chica, como sempre fazia, estava na missa, mas o padre achou melhor esperar para o outro dia para fazer o anuncio do regresso de Ércio a Abadiânia. No sermão daquela tarde o padre abordou a necessidade das pessoas saberem perdoarem, de ouvir o próximo. Que ninguém tem o direito de condenar ninguém. Dizia que só Deus tem esse direito... No outro dia de manha, ao término da missa, o sacerdote chamou dona Chica e revelou a ela a volta de seu filho a Abadiânia e a levou até seu filho. Depois de Ércio chorar e abraçar muito sua mãe, dar todas as explicações a ela, foi também perdoado por ela. Dona Chica o levou para casa. Em casa, Ércio contou toda versão do crime e novamente pediu perdão a todos. Como não podia ser diferente; sua família o acolheu de volta ao lar. Todos na cidade compreenderam que Ércio era inocente, matou por amor. Então os pais do rapaz contrataram um advogado de Anápolis para defender o caso do filho. Ércio, com seu advogado se apresentou ao delegado da cidade, que sem muita experiência, se precipitou e deu voz de prisão ao rapaz. O advogado de Ércio contestou a prisão do seu cliente e o delegado voltou atrás em sua decisão e a prisão do rapaz não procedeu, porém o julgamento do rapaz foi marcado para breve. A população inteira de Abadiânia acreditou em Ércio. Também porque seu Antonio era muito influente na cidade e isso contribuiu para que todos o aceitassem de volta na cidade e o apoiasse em seu julgamento.
Enquanto Ércio aguardasse seu julgamento ele ajudava o pai no trabalho. O comportamento do rapaz modificara completamente; seus hábitos transformaram radicalmente, nem os inventos do irmão Divino ele tumultuavam mais.
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O advogado de Ércio chegou a Abadiânia dois dias antes do seu julgamento, pois havia voltado para Anápolis.
Então chegou o dia do julgamento de Ércio; o recinto, onde aconteceria o julgamento estava repleto de gente, todos queriam assistir ao julgamento. Ércio estava sentado no banco do réu, mas quem falava era os advogados de acusação e de defesa.
Resumindo:
O advogado de defesa atuou magnificamente bem, foi muito feliz em sua defesa. Ércio não foi totalmente absorvido, mas, teve em sua pena uma diminuição considerável; a pena foi reduzida para somente um ano, também, o advogado conseguiu que sua prisão fosse domiciliar.
A paz da família de seu Antonio voltou a reinar, não comemoraram nada, mas estavam todos felizes. Ércio, porém era atormentado pelas lembranças do assassinado, aquela cena estava presente para ele, mas, o rapaz regenerou-se muito; passou a freqüentar a igreja, levava seus estudos mais a sérios. Jamais ele esqueceria Aparecida, Aparecida estava viva lá no céu e esperando por ele. Ao morrer ela mesmo disse isso a ele. Então essa última frase de Aparecida era uma certeza que ele iria encontrá-la no céu.













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CAPITULO FINANAL

A CARTA



Outra fatalidade abateria sobre o menino Sérgio e, essa seria, talvez a pior.
Como já sabemos; Thomás se tornou seu grande incentivador, também o sentimento de Thomás por Sérgio era de um pai que ama muito seu filho e o de Sérgio por Thomás era de um filho que idolatra seu pai, mas essa amizade estava ameaçada.
Um mensageiro vindo da cidade de Brasília entregou na casa de Sérgino uma correspondência. O carteiro entregou a carta nas mãos de Inácia que ficou sondando o envelope; ela queria conhecer o destinatário da correspondência, mas a mulher não tinha intimidade com as letras. Demorou em fazer a combinação das letras e depois de soletrar bastante e pedir ajuda de Sérgio ela conseguiu ler o nome do destinatário. O nome escrito no envelope era o de Thomás. Disse ela para Sérgio, que estava a seu lado:
- É pra seu Thomás... Ué, o que será que estar escrito nesse papel?
- Só se a gente abrir o envelope né mãe pra saber. Disse o menino.
- Ocê tá doido menino? Oia... Se eu vou abrir trem do zoutro! – Inácia guardou a carta - Deixa isso aqui, nora que ele chegar ele abre e a gente fica sabendo o que é.
Sérgio concordou com sua mãe, mas ficou atento para ver onde ela colocou o envelope, pois pensou – Eu digo que fui eu que abri a carta e Thomás não vai importar que eu mexa nas coisas dele, pois não existi segredos entre nós. Porém o menino não foi feliz; sua mãe havia posto o envelope em um local alto, para ele ficou impossível alcançar o envelope, pareceu que Inácia já previa que Sérgio queria ler o conteúdo do envelope.
A correspondência trazia na verdade, uma grave denúncia que afetaria diretamente toda expectativa Sérgio e Thomás.
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Thomás nunca revelou seu passado à família de Sérgino, nem mesmo a Sérgio, ele jamais disse para aquela gente que estava embaraçado com a justiça, que a policia de Brasília te procurava, Thomás julgava que estava totalmente escondido ali naquela região. Mas Thomás tinha uma irmã que morava na Capital do Pais e que sabia que ele estava escondido ali e, pressionada pela policia de Brasília, sua irmã foi obrigada a dizer onde seu irmão estava escondido; aquela carta dizia isso, sua irmã sugeria também para Thomás fugir de onde ele estava escondido imediatamente, pois a policia estava em seu encalço.
Sérgio se encontrava em seu quarto lendo um livro de português; o menino queria se aprofundar mais na gramática, pois teria uma prova daquela matéria no inicio da semana seguinte. Mas desfiou sua atenção da leitura, pois sua mãe o abordou com a carta nas mãos ela falou:
- Toma esse papel Sérgio, vai entregar para seu Thomás, ele já chegou tá lá no quarto dele.
Sérgio pegou a carta; deixou o livro de lado e manipulando a cadeira de rodas foi para o quarto de Thomás.
De tão apavorado que estava o menino, quase atropelou um gato com a cadeira de rodas, só não atropelou porque o bicho saldara de susto.
- Sai gato danado... Bradou Sérgio.
Thomás aliviava o cansaço; estava deitado em sua cama e fumando seu cigarro. Ao ver que o menino adentrava em seu quarto; sentou na cama e complementou o menino:
- Oi meu amiguinho, como foi seu dia? Nem fui falar com você, vim direto para meu quarto porque tô muito cansado.
Sérgio respondeu:
- Meu dia foi como os de sempre. De cadeira de rodas não é muito divertido, se eu andasse era melhor.
- Mas amanha vai ser melhor porque eu não vou trabalhar porque é sábado, então nós vamos pescar, vamos passar o dia todo no rio, que tal hem?
- O dia todo seu Thomás? Que bão!
- O dia todo...
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Sérgio mostrou a correspondência à Thomás dizendo:
- Seu Thomás, chegou isso aqui pro senhor, olhe.
Thomás pegou o envelope; leu o nome do remetente e ao certificar que a carta era de sua irmã ele se perturbou. Enquanto Thomás lia a carta Sérgio olhava de relance no papel para ler alguma frase, mas não teve sucesso, porém uma coisa ficou clara; Thomás se transformou depois da leitura da carta; o homem ficou tenso e atrapalhado. Começou a andava de um canto ao outro do quarto. Sérgio o acompanhava com os olhos e então perguntou:
- O que o senhor tem seu Thomás, esse carta deixou o senhor triste, não foi, alguma coisa grave?
Thomás olhou para o menino e falou com certo suspense:
- Olha Sérgio, como eu já te disse; aconteça o que fô, eu nunca vou abandonar você. Eu te prometo uma coisa; mesmo se eu tiver de ir embora daqui de sua casa eu levo você comigo, você Sérgio é mais que um amigo pra mim, você é como se fosse meu filho, um verdadeiro filho e nada vai separar você de mim, nada!..
Thomás abraçou o menino e disfarçadamente chorou. Sérgio indagou:
- Por que o senhor tá me dizendo isso de novo seu Thomás? Eu já sei que o senhor vai cuidar de mim, num precisa falar dinovo!
- É... Eu sei já te disse isso, mas não custa repedir, não é mesmo? Agora vamos nos deitar que amanhã vamos pra nossa pescaria!
Aquela foi uma noite de muita reflexão e de uma difícil decisão para Thomás. Enquanto todos dormiam, ele conservava a lamparina, de seu quarto, acesa; lendo e relendo a carta de sua irmã. Por um instante Thomás achou que a melhor maneira era fugir dali mesmo aquela noite e esquecer que Sérgio passou em sua vida, mas o amor que sentia pelo menino fez com que ele abandonasse esse raciocínio, o menino já fazia parte dele e se tivesse de ir embora dali ele levaria o menino consigo, mas, por outro lado, não era justo, sendo ele um fugitivo da policia, carregar o menino consigo sabe lá Deus para onde?
No dia seguinte Thomás e Sérgio foram, logo cedo, para a última pescaria juntos.
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Durante todo o tempo os olhos dos dois brilhavam de satisfação, mas, quando Sérgio se referia a carta, Thomás sempre distorcia o assunto e não mencionava nada sobre a carta. Só à tarde, quando o sol já se punha, foi que os dois voltaram para casa trazendo alguns piauzinhos na capanga, mas o que valeu foi o divertimento que tiveram naquela pescaria.
Aquela foi mais uma noite de tormento e indecisão para Thomás, algo no seu subconsciente, te dizia que ele tinha de fugir dali, contudo ele jamais conseguiria trair o menino, Sérgio precisava dele, queria pelo menos adiar sua partida dali.
No dia seguinte, por volta de 12h00min, quando toda família de Sérgino estava sentada em volta da mesa almoçando, Thomás estava entre eles. Faltando à mesa somente José, pois esse foi encarregado por Sérgino de ir almoçar no cômodo do comercio, pois enquanto almoçava também atendia qualquer eventual freguês.
Havia na mesa um silêncio. Barulho mesmo só de talheres. Thomás, embora estando ali, na mesa, estava longe em pensamento e de vez enquando ele ficava encarado em Sérgio, sentado ao seu lado; Sérgino era quem deveria cuidar do garoto, mas infelizmente ele não era o pai ideal para o menino. Estava claro que depois que Sérgio ficou sem poder andar com suas próprias pernas, seu pai já não interessava muito por ele, sendo assim, Thomás se sentia responsável por aquela criança. Qualquer pensamento de Thomás, em partir dali, era superado pelo bem querer que sentia pelo menino e também porque; qualquer que fosse sua decisão já era tardia. José veio da venda e interrompeu o almoço da família dizendo:
- Seu Sérgino, tem uns homens da policia lá na venda, eles disse que quer falar com o senhor.
- Ué... Policia Zé. O que eles quer? Indagou Sérgino.
- Num sei não senhor, falaram que quer falar com o dono da casa.
Todos permaneceram em volta da mesa, enquanto Sérgino foi atender os policiais. Repentinamente Thomás se levantou da mesa, afastou sua cadeira e disse:

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- Tenho de voltar para o trabalho, até mais...
- O senhor tá pálido seu Thomás, o que foi? Termina de cumer primeiro depois o senhor vai. Ressalvou Inácia.
Thomás não disse nada e saiu um pouco apressado. Sérgio o seguiu em sua cadeira de rodas, mas, nessa hora Thomás se decidiu; virou para o menino, ficou de frente para o garoto e disse alterado:
- Fique ai Sérgio, não venha atrás de mim menino bobo – Thomás chorava – Será que você não vê que eu não te quero mais perto de mim!? Olha, não conte mais comigo tá...
Sérgio também começou a chorar e a clamar por Thomás. Thomás não pode mais prosseguir, pois quando ameaçou seguir em frente foi detido por dois homens vestido de farda, um dos homens, com o revólver apontado para Thomás, perguntou:
- Fique onde estar. O senhor que é Badaró, não é?
Thomás olhou para Sérgio; fixou seus olhos nos olhos do menino e pareceu que queria dizer que era o fim de tudo. Depois abaixou a cabeça e permaneceu quieto. Um outro homem, também de farda militar, acrescentou:
- Até que enfim te encontramos Badaró! Você tá preso. Toda a família assistia a prisão de Thomás. Thomás, sem ação, voltou a olhar para Sérgio, agora com os olhos umedecido e disse:
- Eu volto Sérgio para te buscar!
Mas ele calculou mal sua nova fuga. Com duas armas em sua mira Thomás fez o que não deveria fazer; dirigiu seu olhar para seu automóvel, estacionado a poucos metros de sua distância e correu para seu automóvel. Em tom alto Thomás repediu:
- Eu volto Sérgio...
Se Thomás alcançasse o automóvel e tivesse conseguido fugir não seria tão penoso para Sérgio como foi ter que presenciar o que aconteceu; um dos homens de farda militar ordenou em alta voz:
- Não corre Badaró se não eu atiro em você, você não vai fugir outra vez, pare...

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No entanto, Thomás não se intimidou e já se aproximava do automóvel. Sérgio chorando, gritou como nunca:
- Nãoooooo...
Quando Thomás segurou a maçaneta da porta do automóvel, o policial puxou o gatilho do revolver. Então, antes de Thomás entrar no automóvel foi atingido por trás. O tiro acertou na nuca do homem que caiu ao chão sentindo muita dor na cabeça. Sérgio, em desespero contornou sua cadeira de rodas e foi em direção a Thomás, o menino suplicava:
- Não seu Thomás, o senhor prometeu que vai cuidar de mim seu Thomás, por favor, não morra seu Thomás, não me deixe!..
Já com dificuldade no falar Thomás disse:
- Eu não queria que fosse assim Sérgio, me perdoe meu filho, eu...
A frase de Thomás foi interrompida, pois não suportava tamanha dor na cabeça. Sérgino se aproximou de Thomás, vendo Sérgino, Thomás fez um pedido a ele:
- Sérgino eu tô morrendo, não posso cuidar mais dele, Sérgio vai precisar muito de você homem, não deixe de amá-lo só porque ele não pode andar...
Foi falando até sua voz desaparecer e então ele morreu. Sérgino se abraçou com seu filho e juntos choraram. Sérgio não se controlava, queria abraçar o corpo de Thomás estirado ao chão. Sua cadeira de rodas o impediu de abraçar-lo. Mas, com a inquietação do menino na cadeira, esta se afastou e Sérgio caiu ao chão. Sérgino, porém, não quis acudir seu filho, deixou ele se relutar sozinho no chão e abraçar seu amigo, já sem vida. Ninguém, naquele momento seria capaz de deter o menino em sua ânsia.
Já decorrido vinte dias depois da morte de Thomás, tudo se transformaram naquela casa. Havia um clima de insatisfação na casa de Sérgino. Os pais do garoto não sabiam mais o que fazer; o menino se isolara em seu quarto, ninguém mais via Sérgio transitando pela casa. O menino não saia do quarto nem mesmo para comer. Essa situação preocupava-se muito a família do garoto, todos estavam desiludidos. Então Sérgino tomou uma decisão. 119
Disse ele para sua mulher que não podiam mais continuar morando ali, que, se eles continuarem morando naquela casa Sérgio não ia agüentar tanto sofrimento. Dizia o pai que; se o filho continuasse com aquele sentimento de abandono certamente seu estado de saúde seria afetado. Então, o lugar escolhido pelos pais do garoto para se mudarem foi à cidade de Anápolis. Começaram imediatamente os preparativos para a mudança para Anápolis.
No dia da partida para a nova morada Sérgio foi até o túmulo de Thomás, (Apedido de Sérgino, o corpo de Thomás fora enterrado próximo a sua casa). Sérgio estava chorando em volta do túmulo; o menino sentiu um forte desejo ali de se levantar da cadeira de rodas e andar e entre soluços ele dizia:
- Por favor, seu Thomás me leva pro seu mundo! Num tô triste porque eu não posso andar seu Thomás, tô triste por que eu não posso tá ai com o senhor seu Thomás...
Em casa tudo estava providenciado para todos partirem. Até o caminhão de mudança estava com o motor ligado, só esperavam mesmo pelo menino. Sérgino desconfiou de onde o menino estava e foi para o túmulo apressá-lo. Sérgio estava muito emocionado, seu pai o avio e te chamou dizendo:
- Sérgio vem filho, vamos embora.
Sérgio olhou para seu pai e se alegrou, estava tendo alucinação:
- Seu Thomás, o senhor venho me buscar!?
Mas, seu pai desfez seu sonho:
- Não filho, seu Thomás não tá aqui, ele não pode te ouvir, sou eu, seu pai, vem comigo!
As coisas que você me ensinou seu Thomás se tornaram armas fundamentais em minha vida. Hoje já sou homem feito, embora para muitos eu seja só meio homem, pois nunca eu pude andar, mas uma das lições é que vale a pena viver mesmo pela metade. Aprendi também seu Thomás; que não importa o corpo que nós usamos e sim o desejo de se realizar.

Sérgio

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