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Contos-->AH, QUE MANCADA! -- 05/05/2004 - 22:01 (adelay bonolo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
AH, QUE MANCADA!

As grandes e profundas modificações nas relações de trabalho na História Moderna são relativamente recentes e remontam ao tempo da Revolução Industrial, na Inglaterra, nos meados do século XVIII, caracterizada pela passagem da manufatura à indústria. Antes delas, o empregado era praticamente um escravo.

No Brasil, onde é hábito repercutirem muito tardiamente os acontecimentos bons ocorridos no resto do mundo, a mudança começou efetivamente a materializar-se com a vinda dos europeus, no final do século XIX, reforçada pelas novas levas de imigrantes no período da 2ª Grande Guerra, dando início a sua industrialização pelas regiões de São Paulo e do Rio de Janeiro. Tais modificações experimentaram substancial incremento no período do populismo, com Getúlio Vargas e seus seguidores, época em que o trabalho, e por via de conseqüência o trabalhador, foi excepcionalmente privilegiado por legislação protecionista, criada à sombra da indústria do peleguismo e dos sindicatos.

Antes disso, em alguns lugares, notadamente nas regiões do Nordeste e Extremo Sul, — o Norte e o Centro-Oeste eram praticamente desabitados, não figurando nas estatísticas, — as opções de trabalho, salvo as atividades do campo, ficavam restritas a três empregadores: Banco do Brasil, Igreja Católica e Exército Brasileiro. É por isso que dentre as figuras históricas exponenciais dessas três instituições se vêem tantos nordestinos e sulistas. Nas tradições gaúchas incluem-se sempre cenas envolvendo a cavalaria do Exército, tropa com que aquele povo muito se identifica. O Sudeste do País, mais industrializado, tinha outras preferências...

No Brasil de hoje, as relações de trabalho estão atreladas inexoravelmente às regras do perverso desemprego, havendo tendência de redução da força sindical. Sua atuação, bastante minimizada, passou a ser periférica, ensejando mudança quase radical no rumo das negociações com empregadores e governo, voltadas agora menos ao aumento de salários que à manutenção do emprego.

Nesse amplo contexto, o poder público constituía-se na tábua de salvação dos trabalhadores, absorvendo grandes contingentes de mão-de-obra, sobretudo daquela não especializada, motivado mais por objetivos sociais que propriamente por necessidade dos serviços. Vejam-se as frentes de trabalho no Nordeste, por exemplo. Dessa política, generalizada pelo País, surgiu imensa classe de funcionários públicos desqualificados, cujo principal representante é o chamado “barnabé”(1), considerado espécie de pária na comunidade de servidores.

De outro lado, há e sempre houve empregos charmosos, que pagam bem, alguns de difícil ingresso, outros de difícil indicação (sem concurso público), mas que não contribuem significativamente para a oferta de postos de trabalho. Falo dos empregos na Petrobrás, Banco Central do Brasil, Tribunal de Contas da União, Câmara dos Deputados, Senado Federal e outros menos cotados. Já não me refiro ao Banco do Brasil porque essa instituição, ao virar uma espécie de “bradescão”, descurou da carreira e do salário de sua imensa massa de funcionários em privilégio de poucos, a pretexto de modernização, competitividade e eficiência, exigidas pelo mercado.

O chamado “barnabé” integra o pelotão dos funcionários des: descamisados, desconsiderados, desconsolados, desiludidos, desanimados, desencorajados, descontentes, desesperados, desacreditados, desabonados, desconformados e outros des, tanto da administração direta, quanto da indireta, nas esferas federal, estadual ou municipal.

Há um círculo vicioso, tal como um carma, na sua vida funcional: ganham pouco (salários baixíssimos, quase sempre) e, por ganharem pouco, pouco deles se exige; não há o estímulo dos cursos de aperfeiçoamentos ou de capacitação, nem concursos de ascensão funcional, para mudança e melhoria de padrão de trabalho e de vida; as chefias são recrutadas sempre em outras áreas, desestimulando ainda mais o funcionário.

Essa situação de menor valia, de desprezo até, muitas vezes é extrapolada para os funcionários públicos em geral, tomando-se o todo pelo particular, numa sinédoque ou metonímia arqui-hiperbólica enganosa, sejam eficientes, trabalhadores, competentes ou não. É comum ver-se na mídia (escrita, falada e televisiva) campanha denegridora do funcionário público, em muitos casos orquestrada pelas próprias autoridades, a quem competia sua defesa. Veja-se o exemplo recente, de triste memória, do Governo Collor, que atribuiu à classe dos “barnabés” toda a responsabilidade pelas mazelas do País. Sob o pretexto de perseguir os chamados “marajás”, atingiu contingente de dezenas de milhares de funcionários, dos mais humildes, que foi posto na rua, indiscriminadamente! E o que é pior: sem nenhum resultado prático ou benéfico. Enquanto isso, os marajás estão aí e as mazelas... então...

Mas esse quadro tende a melhorar, espera-se. A aragem do progresso tem atingido todas as áreas de governo, transformando-se em algumas delas num verdadeiro furacão. Exagero à parte, o certo é que as ondas da informática e das comunicações via satélite multiplicaram a eficiência; a qualidade dos serviços já ascende, em muitos pontos, a patamares nunca imaginados. Nesse contexto, não há lugar mais para o “barnabé” que não venha a se reciclar. Mas essa reciclagem não está sendo disponibilizada a todos e, segundo o Governo, nem poderia sê-lo.

***

Mas, deixemos o barnabé de lado, que permanecerá sem padrinho até o enterro do último representante da categoria, e voltemos à renovação.

Movidas pelos novos ventos, velhas repartições transformaram-se, da noite para o dia, em empresas públicas modernas e, a partir daí, tomaram rumo diverso, metamorfoseando-se em autênticas ilhas de eficiência. Entre os diversos exemplos do que falo, podem ser citados os Correios.

Não se trata aqui de peça publicitária; faço-o de graça e com certo orgulho! As pessoas novas não fazem a menor idéia do que representava essa empresa de trinta a quarenta anos atrás. Repartição retrógrada, cujo corpo de funcionários assemelhava-se a assembléia de viúvas (não se sabe o motivo), mas a esmagadora maioria dos funcionários de então eram senhoras já com o pé e o resto do corpo na 3ª idade, com a eficiência e rapidez peculiares a esse estágio da existência humana!). Essa Repartição, de forma geral no Brasil todo, quase sempre ocupava prédios velhos, caindo aos pedaços. O serviço, então, nem se fala! Da pior qualidade!

A morosidade dos serviços era folclórica. Há casos e casos de correspondências entregues cinco, dez ou quinze anos depois de postada. Mas, em contrapartida, há outros de verdadeiros prodígios e milagres, dignos da “mensagem a Garcia”(2). Há notícias de cartas do tipo: à minha tia Zefinha – Pernambuco, que conseguiram ser entregues, depois de anos, mas o foram.

Mas tal faceta não era exclusiva dos correios no Brasil. Contam-se histórias semelhantes ocorridas em outros países, sobretudo nos Estados Unidos, onde os carteiros eram verdadeiros estafetas(3), cortando a “Grande Nação do Norte” a cavalo.

Eu mesmo tenho algumas experiências desastrosas com os correios. Lembro-me bem, era ainda muito jovem, na faixa dos dezesseis anos e morava com outro irmão na cidade do Rio de Janeiro, na época de ouro daquela cidade. Estava aguardando a visita de minha mãe, que residia em Altinópolis, cidade do interior do Estado de São Paulo. Um dia antes da chegada prevista, recebo telegrama dos Correios, com os seguintes dizeres:

NÃO ESPERE MAMÃE NÃO IRÁ ALCINDO

Assim mesmo, sem ponto nem vírgula, tudo numa única linha. À hora aprazada para a chegada do ônibus, lá fui eu à Rodoviária, que nessa época ficava ainda na Praça Mauá, bem em frente à Estação de Passageiros do Cais do Porto.

Fui esperar o Alcindo. Pensei comigo: mamãe certamente não pôde vir. Meu irmão Alcindo não a substituirá plenamente, mas “quebrará um galho”. Outro dia ela virá, me conformei.

Esperei que esperei e nada de Alcindo. Corri todos os ônibus que chegavam daquela região ou das proximidades e nada! Alcindo não veio. Bastante chateado, já que a espera fora grande e a vinda dele era também desejada com ansiedade, fui embora para casa. Também pudera, garoto ainda, morando longe da mãe numa cidade grande, bela, mas hostil! Qualquer pessoa da família, e ainda mais irmão, era muito bem-vinda.

Alguns dias mais tarde, comentando o ocorrido com alguém, de cujo nome não me lembro, tendo o telegrama às mãos, tornei a lê-lo, quando deu o estalo: nem a mamãe, nem o Alcindo viriam naquele dia. O problema era simplesmente de colocação de vírgulas e pontos. Eta língua portuguesa danada!

Colocando-se as vírgulas e os pontos, o texto ficava assim:

NÃO ESPERE, MAMÃE NÃO IRÁ. ALCINDO, ou
NÃO ESPERE vg MAMÃE NÃO IRÁ pt a) ALCINDO

O Alcindo do texto, em lugar de viajante, era o remetente da mensagem. Sem as vírgulas e pontos eu havia lido, apressadamente:


NÃO ESPERE MAMÃE NÃO vg IRÁ ALCINDO pt

Assim, o telegrama estaria sem assinatura ou remetente e fui lá esperar o Alcindo...

Nem precisa dizer que quase morri de vergonha e eu que já o havia desancado com veemência por telefone, por carta e pessoalmente, na oportunidade em que lá estive. E a culpa de quem era? Obviamente dos Correios!

***

De outra feita, alguns anos mais tarde, por ocasião do meu casamento, após a festa que se seguiu à cerimônia, passamos eu e minha esposa muito tempo lendo os inúmeros telegramas de felicitações que haviam chegado, a cujos remetentes pretendíamos responder um a um, mais tarde, após a lua-de-mel.

Mas entre eles havia um completamente indecifrável. Dizia apenas:

FULANO E SICRANA VG
GERENTE FETENTE PT

E mais não havia escrito. Por mais que quebrássemos a cabeça, nunca chegamos a saber quem era esse tal GERENTE FETENTE ou se a expressão fazia parte do corpo do texto. Percorremos o nome de cada um dos convidados e possíveis não convidados que pudessem adequar-se à enigmática expressão. Mas nada!

Desde esse dia, toda coisa indecifrável passou a chamar-se Gerente Fetente...

Quem queria felicitar-nos pelo casamento com tal mensagem nunca veio a saber se a recebemos ou não. Tudo por culpa dos Correios, é claro!

Mas os Correios foram evoluindo, melhorando seu desempenho, criando novos produtos. Os telegramas, difíceis de redigir e de contar palavras, modificaram-se substancialmente. Vieram os cartões de Natal e de outras datas, bonitos e inteligentes. O Telex, depois o Fac-símile, — hoje simplesmente fax — e outras novas técnicas de postagem, sobretudo o sistema SEDEX, modernizaram e incrementaram a troca de mensagens via Correios, que passaram a ser considerados empresa modelo, como realmente o são.

***

Uma grande amiga, dos tempos de solteiro, morava na França, e de lá, vez por outra, me mandava correspondência. O grau de amizade permitia a troca intensa de toda sorte de cartas, telegramas e brincadeiras, com o conhecimento de minha esposa.

Um dia, recebo carta dela. Abro-a cuidadosamente, enfio a mão dentro do envelope e... cadê? Vazia! Onde estava a carta escrita pela minha amiga?

Indignado, mostrei a todo mundo o que acontecera. Deram-me palpites de toda sorte, uns achando que o miolo da carta havia sido extraviado ainda na França, outros, que a coisa acontecera aqui mesmo no Brasil.

Fiz reclamação por escrito aos Correios, seção do Rio de Janeiro, criticando asperamente o serviço prestado, chamando-os de irresponsáveis etc. e tal.

Escrevi para minha amiga, pedindo-lhe que fizesse coisa igual. Ela, passado algum tempo, enviou-me resposta dos Correios de lá, escusando-se por suposto prejuízo que nos poderia ter acarretado, mas que não nos podia ressarcir os danos incorridos.

Os Correios de cá também enviaram resposta, pedindo que lhes remetesse relação pormenorizada dos documentos perdidos, para análise e providências cabíveis.

Não tendo como responder, deixei a coisa pra lá. Com o tempo, a indignação arrefeceu-se e o episódio caiu por completo no esquecimento.

Muitos, mas muitos anos depois, uns vinte mais ou menos, andei remexendo nos meus alfarrábios(4), que me fizeram relembrar histórias e pessoas do passado. Coisa boa de se fazer, de quando em quando, para matar a saudade e recuperar o horizonte da vida, para correção de percurso, se ainda possível!

Entre a papelada amarelecida pelo tempo lá estava o tal do envelope sem miolo vindo da França. De relance, lembrei de toda a história, da indignação passada e das reclamações feitas por escrito, em português e em francês, para os Correios daqui e La Poste, de lá.

De repente, deu-me um estalo (o segundo desta história!): revirando o maldito envelope, descobri que ele jamais tivera miolo. Na verdade, tratava-se de um aerograma, com os dizeres escritos no próprio envelope, por dentro. Abrindo-o como se devia, o que fiz então, lá estava a carta escrita pela minha velha amiga francesa.

Ah, que mancada! Eu não sabia o que era AEROGRAMA!

adelay bonolo


(1) Segundo o Aurélio: [De Barnabé, nome imaginário de modesto funcionário público, ao qual se refere um samba de 1947, de Haroldo Barbosa e Antônio Almeida.]
S. m. Bras. Pop. Funcionário público, em geral o de categoria modesta.

(2)História divulgada pouco antes do advento do macarthismo, com quem guarda identidade ideológica e política. Correu mundo, conclamando os empregados à lealdade e ao cumprimento cego do dever. Eis a síntese: “Durante a guerra entre os Estados Unidos e a Espanha, o Presidente Mac Kinley necessitava comunicar-se urgentemente com Garcia, que era o chefe dos insurretos, e procurou um homem que pudesse levar-lhe uma mensagem. Rowan foi recomendado para essa missão. Recebeu a carta do Presidente e, sem questionar quem era Garcia ou onde poderia estar, entregava, em menos de quatro semanas após, a carta ao destinatário, tendo atravessado o mar das Caraíbas e cruzado o sertão hostil da ilha de Cuba” .

(3)Originalmente correio a cavalo. Depois, por extensão, entregador de telegramas, cartas, carteiro.

(4)Livro velho, sem valor, ou valioso, por ser velho. Por extensão, coisas velhas, sem valor ou muito valiosas, guardadas ao longo do tempo.
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