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Contos-->Lúgubre noite -- 08/05/2004 - 06:04 (Juraci de Oliveira Chaves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

O ônibus cruzava a tarde molhada. As rodas ágeis faziam as poças d água respingarem na sua lataria nova. Nas poças, refletia o sol à procura do horizonte, dando a sensação que tudo estava ainda para acontecer.
Os estudantes em algazarras demonstravam euforia com gritarias geminadas às músicas e palmas em cadência desafinada.
Era inacreditável, mas, o passeio dos formandos, agora era realidade. O
professor Silvano, de Matemática, tentando amenizar a rejeição dos alunos quanto à sua pessoa e à sua matéria, prometera patrocinar o passeio das turmas concluintes. Pretendia chegar à Câmara Municipal e, talvez pelo seu modo durão de ser, seu olhar penetrante e sua careca reluzente contrastando com o bigode volumoso, não obtivera sucesso neste seu intento. Precisava mesmo cativar a comunidade estudantil votante e nada melhor do que um passeio em outras paragens, onde pudesse apresentar a outra face da moeda. Não sabia quanto, mas, o título de professor carrasco já lhe estava causando elevados prejuízos.
Sem medir esforços arrebanhou outros professores para auxiliá-lo na viagem, entre eles o charmoso Lacerda, querido das adolescentes, conseguiu patrocínio para o transporte, a estadia numa pousada e até água mineral para enfrentar a travessia do cerrado no sertão mineiro. Sertão de rara beleza, de uma imensidão a perder de vista e perigoso pelos bancos de areia que dificultavam o trânsito de veículos automotores.
Numa dessas dificuldades, enquanto um grupo ajudava desatolar as rodas do ônibus na areia, outros aproveitavam para registrar a paisagem procurando os melhores ângulos. Adentraram-se no cerradão e alguns se dispersaram, não percebendo que aos poucos se distanciavam do ônibus.
Na pressa de não ficar atolado novamente nos próximos areões, o motorista acelerava e buzinava apressadamente perguntando:
- Tá todo mundo aí?
- Está sim, motorista. Podemos ir, responderam em coro, os alunos.
Lá se foi o ônibus levando sonhos e enormes pancadas como se fosse o melhor conjunto de bateria, tocando. Na arrancada, deixou pra trás uma enorme nuvem de poeira ofuscando aquela estrada deserta...

"Meu Deus!" Chorou Ane apavorada e trêmula. Não acreditava no que estava acontecendo.
Fora imprudente, mas nunca pensou que isso pudesse acontecer. Ficara para trás desprovida de tudo e de todos.
"Ninguém sentiu a minha falta? E a minha cadeira vazia? Será que alguém sentou-se nela? Ó meu Jesus!
Ane lamentava a má sorte e só agora entendia a preocupação da sua mãe quando disse achar melhor não participar dessa excursão.
Aos poucos foi se acalmando e procurava coordenar as idéias na esperança da turma descobrir que ela não estava no ônibus. Olhava constantemente para a estrada, agora silenciosa e sem poeira.
Assustou-se quando ouviu:
- Cadê o ônibus? Esqueceu de nós? Perguntou abruptamente, Felipe.
- Ai, que alívio!... Não estou sozinha. Já, já perceberão que estamos aqui. Vamos manter a calma e aguardar.

- Esperar? Fique se quiser, mas vou andando ao seu encontro ou até passar um outro ônibus ou carro qualquer.
Sem esperar resposta em passos largos, seguiu viagem.
Não tendo outra opção Ane começou a andar e até a correr para que pudesse acompanhar o colega indelicado. Tudo era melhor que ficar sozinha naquele ermo de lugar.
Caminharam, caminharam e nada de ônibus aparecer. Nenhum carro que lhes pudesse oferecer carona.
A escuridão da noite engoliu a claridade do dia. No final da curva uma ponte anunciava que embaixo haveria de existir água.
E existia. A água escorria entre os dedos de Ane na ânsia de matar a sede.
- Não dou um passo a mais, estou morta e não tenho mais energia para gastar nesta caminhada arenosa.
- Ane, não podemos dormir debaixo dessa ponte. O pessoal poderá vir nos buscar e não nos encontrará.
- Não tenho mais forças. Que morram todos! Bradou Ane engolindo o ódio.
- Não fique assim. Vamos para a estrada e caminharemos mais uns quilômetros.
- Para onde ?
- Em frente. Encontraremos nossos colegas.
Felipe já não tão irritado, tentava passar ânimo, energia para Ane.
- Vamos caminhar em silêncio para pouparmos forças e minimizar a fome, dizia o rapaz no momento que oferecia a mão à colega.
Ela aceitou a ajuda e percebeu quando o palpitar do seu coração saiu do ritmo.
A chuva grossa e repentina começou a cair anunciando uma tempestade. Tudo escureceu e não tiveram outra saída senão voltar para se abrigarem debaixo da ponte, ainda não tão distante.
Ensopados, procuraram os melhores lugares para se protegerem da chuva fria.
A escuridão era cortada por sucessivos raios que permitiam enxergar algumas depressões perigosas na terra.
- Cuidado Ane! Venha para cá. Tem muita pirambeira desse lado aí.
Ane percebendo a voz diferente e desejosa do colega pensou:
"Preciso ter cuidado para não cair no sono"
- Sente-se aqui, dizia Felipe ao forrar o chão com a jaqueta. Aninharam-se pele a pele para formarem uma barreira contra o frio e a chuva.
- Que dirá minha família? O que pensarão todos?
- Não precisam saber, menina.
( ...)
O vento soprava e o frio aumentava juntando ainda mais os dois corpos que apesar do clima frio, aumentaram a temperatura.
- Não tinha percebido esse seu cheiro gostoso, Ane.
( ...)
O trovão ensurdecedor após o raio violento obrigou Felipe e Ane a se aninharem ainda mais, em silêncio. Só a respiração acelerada era a certeza de que estavam vivos. Um se agarrava ao outro como se fosse a tábua de salvação.
- Tempestade demorada, tentava Felipe provocar conversa.
- Já está raleando a chuva...
Como resposta indicando o contrário, um raio serpenteou na terra, provocando maior aproximação dos dois, até onde não pudesse mais.
Não deu outra, leitor. O beijo inesperado foi arrebatador. Não precisava palavras. O perfume de Ane impregnava todo o ser de Felipe que não se continha:
- Por que não nos descobrimos em outra situação ?
- Coisas do destino...
Aqueles olhos de menina- moça, com apenas quinze primaveras, tinham a certeza que iam aumentar a sua felicidade.
Até a tempestade se transformou num espetáculo empolgante e barulhento. Tudo era lindo...

Era madrugada alta quando o ônibus chegou à pousada.
Os estudantes, em alta voz, cercavam os professores com aquele monte de mãos estendidas pedindo as chaves dos apartamentos. Impossível descobrir que alguém não ocuparia uma das pousadas reservadas.
Na manhã seguinte, quando todos se preparavam para visitar as atrações turísticas da região, entre elas a barragem hidroelétrica, perceberam as bagagens dos estudantes esquecidos na estrada.
Pensaram que eles haviam saído cedinho e começaram a gritar por eles por toda região.
O professor Lacerda arranjou um enorme alto-falante e alucinadamente, começou a chamar pelos estudantes:
- Felipe! Ane! Onde estão vocês? Voltem para o ônibus! Estamos preocupados! Venham falar conosco, depressa!
- Pare com isso, Professor Lacerda. Não precisa chamar a atenção de toda a cidade, muito menos da imprensa... reclamava o matemático Silvano, tentando calcular a hora em que não mais viu seus alunos.
Daquela hora em diante o passeio acabou-se. Os professores não tinham mais ânimo para nada e não sabiam o que fazer. Uma coisa era certa. Não podiam deixar a imprensa descobrir.
Precisavam achar os garotos e rápido.
Em poucos minutos resolveram voltar em todos os lugares que pararam na estrada. Enquanto isso os outros deveriam ficar na pousada e de boca fechada.

Mais tarde, ao som do alto-falante, Felipe e Ane saíram do abrigo tranqüilamente, comentando:
- Nos esqueceram, hein?
- Ou vocês provocaram isso?
- O quê? Nos deixam aqui e ainda somos os culpados? - Inquiriu Ane.
- Não tínhamos essa intenção, mas já que aconteceu, paciência... retrucou Felipe.
- Não estão famintos? Temos alimentos quentinhos, no ônibus.
- Não estamos. Vamos embora aproveitar o resto da excursão e assunto encerrado, dizia o rapaz enquanto enlaçava Ane pela cintura, deixando a todos boquiabertos.
- Quem entende esses adolescentes... Coitados de nós professores, não é Lacerda?



Juraci de Oliveira Chaves

www.jurainverso.kit.net (Aqui texto ilustrado)
Pirapora MG
juraci@interpira.com.br
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