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Poesias-->Por minhas mãos -- 06/03/2005 - 21:29 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O vaso



Vaso sem rosas,

vazio de nossas

lembranças.

Já não se encontra,

onde o havia deixado

em nossa última dança.

Ainda a vejo,

tão cheia de esperança,

sorrindo como criança,

encher o vaso de sonhos

e colocá-lo à janela.

Rosa bela,

o nosso vaso encantado,

agora todo quebrado,

é simplesmente um vaso,

um vaso de porcelana.

















A compositora



Frondosa,

de imenso verde,

que de improviso

compõe em seus galhos

versos de folhas ao vento.

Em harmonia com a melodia

da perfeita sinfonia da natureza,

em companhia da floresta inteira,

por todo o dia.

E à noite,

soturna,

se reserva no silêncio da imensa sombra

que assombra

parte da orquestra que lhe acompanha.

E continua,

no clarão da lua,

a composição.















Jornada



Poder quedar-se

numa cachoeira,

com um barulho que não tem descanso.

E derramar-se toda,

como um pranto,

morrendo ao leito,

sentindo o remanso.

Voltar ao sal numa nova onda.

Subir ao céu toda evaporada.

Tão encharcada

numa outra nuvem,

voltar a terra

em forma de chuva,

recomeçando a sua jornada.















O último



Apenas os chinelos

sobre o tapete

aguardam minha saída.

Mande-os entrar,

querida,

estou preso nesta casa

pela tua fidelidade.

O verdadeiro amor

não é o primeiro,

apesar da saudade,

é o último,

se último for.

Concordo com a frase inteira,

em memórias, de Almeida.















Amarras



Um céu sem astro.

Um verso sem poesia.

Um chão sem rastro.

Um homem sem companhia.



Surgiu no céu um astro,

uma estrela que me guia.

Segui no chão seu rastro,

minha eterna companhia.



És meu suporte, meu lastro,

sem o qual afundaria.

Qual pedra de alabastro,

que a atravessa a luz do dia.



Qual vela presa ao mastro,

estou amarrado na vida.

Tal qual o Castro,

por um simples laço de fita.













Heróis de letra



Não saberia eu, forjar

cadeia para ninguém.

Mas bem

que eu poderia ser o rei Arthur,

ou talvez um ferreiro,

para forjar a minha própria Escalibur

e defender o meu reino.;

confeccionar as ferraduras

e sair na cavalgadura

em companhia do amigo Sancho Pança.

Seria eu o Dom Quixote

De la Mancha,

De la Vega,

eu seria Dom Diego.

Como zorro, seu segredo,

usaria capa, espada, máscara e um chicote.

Sempre ao lado do mais fraco

frente ao mais forte.

E com capa e espada

eu seria um mosqueteiro,

para gritar ao mundo inteiro

"Um por todos e todos por um".

Mas, eu prefiro ser poeta

e usar uma caneta,

para poder criar em versos,

novos heróis de letra.















O livro



Passas por mãos que manuseiam tuas páginas,

e por olhos que vasculham tua alma.;

extraindo do teu texto,

todo o teu contexto,

toda idéia abstrata.

Extasiando-se com tua fantasia,

absorvendo o teu conhecimento.

És o maior invento

na escrita que habita em ti, de todas as formas.

A ação do tempo, teu corpo não suporta.

Mas em tua essência,

permaneces vivo.

Sempre tão presente,

sempre certo,

livro aberto.

















Vazio



Se eu morrer,

a vida continua.

Se você morrer,

a vida continua.

Se a vida for dizimada,

a terra continua.

Se a terra explodir,

as estrelas continuam.

Se as estrelas extinguirem-se,

o universo continua.

Se o próprio universo aniquilar-se,

sem luz e sem escuridão,

o vazio continua onde sempre esteve.;

no entanto está preenchido

com a escuridão,

a luz,

o universo,

as estrelas,

a terra,

a vida,

você e

eu.















Visionário



É preciso lucidez

para um homem descobrir-se louco.

Na fronteira do desconhecido

não há barreiras,

apenas um grão de racionalidade

num punhado de incertezas,

lançado nos olhos

que vêem a vida do topo do mundo,

cegando-os.

E mesmo de olhos fechados,

este homem dá para ir mais longe,

tão longe

quanto queira ir.















Corpo e alma



Talvez na minha calça

já não caiba minha vasta idade.

Em meus cabelos ralos e grisalhos,

o tempo sente falta do que via.

No espelho embaçado de saudade,

minha camisa já não me abraça.

As alpercatas me arrastam dia-a-dia.

Minh alma ainda conserva a mocidade

num corpo que é imprescindível companhia.

Os laços que nos unem são tão fortes,

que nem mesmo a morte

nos separaria.

















Abandono



Um banheiro sem cortina,

de uma casa abandonada.

Nada de portas e janelas,

nas portadas o que resta

são dobradiças quebradas.

Quantas cenas relembradas.

Um telhado que faz medo.

Um livro com páginas arrancadas,

um romance sem começo.

A madeira apodrecida.

Uma pia esquecida,

há tanto tempo sem ver água.

Grande fenda que me cabe,

na parede lateral.

Uma flor que ainda se abre

entre a erva do quintal.















Gratidão



Desejei

morrer em braços,

num eterno abraço

que me dissesse adeus.

E nessa despedida,

devolvesse-me a vida

e levasse a morte.

Agradecido,

escreveria na sua lápide,

em forma de verso,

a seguinte estrofe:

"Deste-me a vida

na troca de um abraço,

o mesmo abraço

que levas-te à morte".













Versos e cinzas



As cinzas no cinzeiro,

foram os cigarros a espera de um verso,

um verso fumado,

um verso tragado por outros versos

que escapam de minhas mãos

na fumaça que se esvai entre meus dedos,

assim como meus dias.



No meu vício exorcizo meus medos

enfrentando a morte de perto.

Construído sobre suas cinzas

um castelo que é feito de versos,

uma torre que guarda segredos

num poema que nunca termina.



O meu vício finda

em mim mesmo,

no suspiro do último verso.

Há uma chama que queima ainda,

consciente de que não há regresso.



Sopro cada verso que habita

as infinitas horas de espera,

enquanto em meu vício se dissipa

a ilusão de ser o que não era.



Uma triste companhia.

Um cigarro que me inspira.

Um poema inacabado.



Um cinzeiro ao meu lado,

que transborda em poesia.



Versos e cinzas me mantêm acordado.















Bocas



Bocas são perguntas tão desencontradas,

que suas respostas não nos dizem nada.

Bocas dizem não,

quase sempre não,

quando dizem sim.

Cheirando a jasmim,

boca de paixão.

Dentes são sorrisos de bocas contentes.

Boca geniosa morde a própria mão.

Lábios em silêncio,

boca sem razão.















Bela



Maldade,

dizer-te apenas parte de nós.

Costelas,

costas belas,

és mais em riso e coragem.

Adorada imagem.

Fonte de vida.

Ponte que nos leva longe,

na estrada que nos traz de volta.

Sem revolta,

tens consciência

de que somos conseqüência do mundo.

Em resumo,

sabes da importância que é ser

mulher.

















Superficial



Se teu corpo carregasse marcas,

e teus olhos se lavassem em lágrimas,

quem serias tu, se não a mesma,

a mesma figura,

figura pregressa,

reverso da vida, é o que serias.



O que somos,

além da superfície de nossos sentimentos,

apenas o que nos permitimos ser.



Não deverias tu,

olhar lá mais no fundo do outro,

que sou eu,

que também não a vê?



Somos iguais.

Somos normais.

Cegos por querer.















Extremo



A tua boca

é a única fonte em que eu bebo o amor.

No poder do movimento,

sinto por dentro,

uma dor aguda e constante,

que traz à minha mente

um desejo ardente de possuir tua alma,

num egoísmo extremo de ser teu próprio deus

a beijar-te a face,

ou invadir-te as entranhas

em forma de um demônio insaciável,

se entregando ao pecado de sentir-se humano.

Saciado,

sou apenas a metade de um prazer insano,

de amantes ilhados num breve momento

eternizado no tempo

por nós.













Registrar



Deixei escrito

na folha de areia,

saudade é sangue

que corre nas veias,

é noite à espera

do dia nascer,

sentir o vento

que tocou você.

Como as barreiras

de uma geleira,

o meu sorriso se desfaz

em ti.

Em minha guerra você é a paz.;

tez de cor branca,

és minha bandeira.;

doce sereia

no mar que morri.















Medo



A escuridão

que tanto temia na minha inocência,

por medo de monstros

que me perseguiam numa fantasia,

já não mais a temo.

A maturidade

nos mostra a realidade,

triste realidade,

de que na claridade somos presas fáceis

de nós mesmos.

Criança,

não tenha pressa de crescer.

Agora,

o seu futuro ainda é escuro,

mas será tão claro,

que sentirá saudade do que foi outrora,

inocente.

















Página do tempo



Passei o dia lendo,

revendo

velhos textos

em páginas amareladas pelo tempo.

Um pretexto

para alçar vôo ao passado.

Meu olhar,

de asas abertas a planar,

sem árvore certa para pousar,

estava cansado

de vasculhar uma montanha de papéis.

Fechou as asas e caiu do céu

por não perceber o sono que chegava.

Pus-me a sonhar

com tudo que havia encontrado.

Embora fosse o mesmo o meu passado,

eu era inevitavelmente diferente.

Sobressaltado,

dei um passo à frente

e despertei.

Olhei à minha volta desolado,

permanecia eu

sem nada ter mudado

em um passado

agora diferente.















Diante do mar



Estou diante do mar,

pasmo, comovido,

enquanto o mar

leva e traz

o meu sorriso.

O meu olhar

à deriva, está perdido.;

tal qual o mar,

um lugar indefinido.

Estou tentando lembrar,

embevecido,

estou no mesmo lugar,

estou diante do mar,

envelhecido.













Casulo



Na árvore genealógica de meu ser,

num galho ressecado pela dor,

fixo o meu casulo.

Na solitária paz

e no escuro,

tento me rever.

Pela metamorfose do querer,

enfim procuro

o invólucro romper.

Num vôo inebriante,

na saída,

a liberdade me conduz

à luz

de uma nova vida.













Solidão



Por sobre a mesa,

fotografias suas espalhadas.

Enquanto a tênue luz

ilumina meu querer,

busco a você

em minha carne,

verme em minha alma.

Sob a tortura

de tamanho sofrimento,

vou a loucura,

vejo sua figura

sair de dentro do papel,

levar-me ao céu,

trazer-me a calma.

Em pouco tempo

não há mais nada,

só resta o desespero

e a mão da solidão

que me afaga.;

a verdadeira companheira

numa noite

fictícia.















Umbilical



Estou mais próximo de sua alma

que você mesma.

Sou mais que um ser,

de você,

a melhor parte.

A sua doce voz é minha calma.

Fale consigo mesma

que eu a escuto.

Eu sei que alterei as suas formas,

essa é a maior prova

que você é meu casulo.

Eu quero para sempre estar aqui,

mas tenho que sair,

e enfim romper

a nossa relação umbilical.













Suavidade



A suavidade dos seus cabelos

entre os meus dedos,

distrai meus pensamentos.

Afago a ilusão que a vida é para sempre.

Assim me fortaleço,

lembrando em fragmentos

uma vida inteira.

O tempo quase tudo carregou.

Mas resta mais que amor e amizade,

suavidade,

que a idade não tirou.













Incógnito



Sou a solidão da alma

que respira companhia.

Sou a agonia da ausência

num santo sem crença.

Sou uma presença que incomoda

alguém que está ausente.

Sou o gelo seco

que molha a sua pele.

Sou aquele germe que morre de fome

no corpo do homem que está sem vida.

Sou uma saída

para quem está de fora.

Sou alguém que pena,

sem pena de alguém.

Sou o me perdoe

para quem pede esmola.

Sou luto constante

para quem não morreu.

Sou tão decifrável

quanto esta estrofe:

“Se eu sou você

e você sou eu,

não sei se você

reconhece a mim”.















Verbos



Versos tornam-se verbos

sem perderem seu sentido,

quando os mesmos são reflexos

de um sol de muito brilho.

Ao escrever "sempreamar,pluriamar",

Drumont pode assim mostrar

o que agora eu afirmo.



Nada então é impossível

num universo invertido,

onde verso vira verbo,

criação indefinível.

Talvez uma previsão futura,

onde se declama verbo

e onde verso se conjuga.

















Faz de conta



Num doce faz de conta

que faz conta de mim mesmo,

eu leio minhas falas

nas linhas do começo.



Um pouco mais adiante,

adianto algumas páginas,

um minuto a mais,

tantas noites amargas.



A chuva que não cai,

chora em mim.

A lua que não sai,

mal ilumina.

Sem ter motivo algum

não quero o fim,

ainda.



"A voz que em mim se cala

oculta o meu destino".;

eu sou a personagem da fala,

é assim que me sinto.



Duas almas lidas,

imaginadas,

uma é a minha,

a que está em pranto,

a outra,

a ancorada ao cais,

no conto.













Rua



Bela calçada,

dama passada,

diurnamente movimentada.

Na madrugada,

sem companhia,

apenas o cão que ladra.

Onde se mora,

onde se pisa,

no tempo és encantada.

Um que se vai,

outro que chega,

saudade recompensada.

Quando se morre,

fica de luto.

Quando se nasce,

se comemora.

Às vezes triste,

desanimada,

outras alegre

e festejada.

Quando se parte,

nunca se esquece,

d aquela rua

em que se cresce.















O vaso sobre a mesa



Meus olhos, não por dor,

mas por tristeza,

como o vaso colocado sobre a mesa,

sem flores,

não tem mais vida, nem amores.



Meus olhos apiedados

vasculham minha gaveta

a procura de poesia.

Encontram-na vazia,

recoberta de poeira,

como o vaso esquecido sobre a mesa.



Meus olhos fechados

vêem uma cena, que beleza,

o vaso repleto de flores coloridas,

a gaveta repleta de poesias.

Abro os olhos para vê-la,

o que vejo,

o mesmo vaso continua sobre a mesa.



Meus olhos agora lêem esta poesia,

de tristeza e alegria,

de um vaso e uma gaveta.

É a minha imaginação

materializada em letra.















Invisível



Respiro o hálito da boca da noite,

enquanto transpiro

o frio que evapora numa nuvem.;

há horas, uma espera sem sentido,

não há ninguém para chegar.



Em quantas voltas

repassarei minha vida.

Sem ter saída

corro em volta de uma praça,

um ou outro que passa

não almeja o meu lugar.



Onde encontrar

o que nem mesmo procuro,

no céu escuro se perde o meu triste olhar.

Entre as farpas de gelo eu suo,

sob a chuva eu continuo,

pois a dor não me faz parar.



Assim como tudo que há, a chuva passa.

Ir para casa

ou não ter para onde voltar.

Qual o motivo para manter o meu corpo,

que quando morto

não poderei mais usar.

Por eu ser tão insensível,

restou-me somente o corpo.

Até parece impossível,

tornei-me um ser invisível

por não ter alma.













Casual



Entre abraços vimos o sol se por,

se por amor ou vaidade, não sei,

sei que meus beijos foram por amor,

de vaidade nada direi.



Posto que em nós

a noite tenta em si crescer,

talvez a sós

ela quisesse nos manter.



A luz do sol volta a brilhar

na tentativa de esconder a lua

de nosso extasiado olhar.



A tua sombra tende a se afastar

quando caminhas na estreita rua

em direção ao mar.











Blasfêmia



Nos lábios castos

eu provei,

à penumbra de um velho castiçal,

o néctar das flores.

Bem e mal.;

uma tão branca

a outra tão vermelha.

Na palidez de uma vela acesa,

reflete a cor

de um rosto sensual.

Um cheiro de suor sagrado

que ela transpira em seiva matinal.

Anjo amado,

amaldiçoado,

que se transforma em demônio do mal.













Fome



Não se define tamanho crime pelo nome.

Pena imputada a gente tida como escrava.

Cala-se a voz ante aquele que não come.

Insensatez de outros que não tem palavra.



Sente vergonha de olhar à sua frente,

ao ver seu filho num tormento de carência.

Mesmo acordado, pesadelo permanente.

Tão impotente, mas não perde a paciência.



Ao definhar-se com os que ama para a morte,

tão inocente, desconhece seus carrascos.

Acha-se um fraco, ledo engano, és um forte.

Os insensatos, estes sim, é que são fracos.



Não culpa os homens, nem a Deus, somente chora

quando ao seu filho diz: - Terá um novo lar.

Fraco sorriso, mesmo na funesta hora,

este pergunta se há comida nesse lar.



Impossível haver fome nesta casa

enquanto a águia poderosa nos rapina.

Todo aquele que ainda come que reaja,

pois no futuro esta será sua sina.





Povo apático e conformista será tarde,

tão submisso és ao mando do mais forte.

Morrer de fome é uma triste realidade.

A liberdade, ou lutar até a morte.













Hibernal



Aprisionado ao prazer do descanso,

no travesseiro que eu encosto a cabeça à noite,

está meu sonho.

O sonho de acordar deste pesadelo,

o pesadelo em que vivo.

Mas, se eu me acordar agora,

provavelmente

eu morro.

Pois a realidade é um sonho do qual não me

[acordo.

Eis o pouco que recordo:

Piso com os pés descalços sobre a areia quente.

Vejo os meus pés dormentes que se queimam sem

[sentir.

Quando acordar,

será que vou dormir

para sempre.

Vejo os meus dias contados em segredo.

Piso ao acaso sem ter medo de cair.

Quando dormir,

será que vou sonhar

eternamente.

















Enxerto



"Pensamento em regresso,

a ti, lugar bucólico".

Já no primeiro verso,

um traço saudosista

de um poeta melancólico.



"Eu jamais te esqueço,

e em verso

despeço-me de ti, e dos meus".

Entre o fim e o começo,

esta simples estrofe completa

um poema

com versos que não são seus.



A minha mão aperta

uma caneta que foi livre.

Na minha mente, de uma porta aberta

sai uma palavra triste,

que insiste

encerrar o meu poema

"num simbólico

adeus".



















De volta



À mesma noite,

de mão gelada volta

à serra embaçada pela névoa.

As aspirações de sonhos em fantasias,

inspirações infantis.

As tranças nas meninas,

uma herança dos contos.

Encontros casuais de insetos

nas telas protetoras das janelas.

Uma fraca chama acesa,

uma voz tão rouca que espanta,

e o próprio medo lhe dá sono.

As estrelas parecem meramente

pálidas senhoras,

esculpidas em pedras pitorescas

para serem admiradas

e impossibilitadas de sorrir.

Casinhas,

talvez o diminutivo seja para definir o aconchego

[das mesmas,

vizinhas na devoção de seus donos.

Uma vila de encanto e poesia,

perdida na lembrança de uma criança,

reencontrada em versos de utopia.















A armadilha



Um arco-íris natural e sedutor,

uma armadilha ardilosa e traiçoeira,

a cor que tem a flor

para atrair a sua presa.

No zumbido de uma abelha,

o prazer num vôo enganador.

O inseto em pavor

na impressionante teia.

A chama que brilha acesa,

mas que queima e causa dor.

Olhar o sol se por

e enfrentar a noite erma.

Os raios riscam com infinita beleza

o céu que tornam ameaçador.

Os lábios vermelhos de amor

que põem em dúvida a certeza.

Enfim o maior predador,

uma armadilha para a própria natureza.

















Erva daninha



A erva não parece

tão daninha

quando no campo cresce.;

até que a flor,

sozinha,

sem temor se envaidece.;

sufocada no calor,

em meio ao verde que se aninha,

a flor perece.



Sob o sol abrasador,

erva ferida.;

mesmo diante da dor,

mantém a vida.

Talvez você seja a flor,

e o meu amor,

erva daninha.















Minha casa



Vejo a minha casa

como a um grande jardim,

no qual

plantei a mim.

Enraizei-me

entre paredes e um portão de ferro.

Sinto-me

murcho e desfolhado

quando a uma porta abro,

e não me vejo em casa.

Minha seiva matinal

é o meu cotidiano.

Cada cômodo

tem seu próprio ritual.

Minha casa

não é motivo para sonhar,

é sonho.















Bela adormecida



A mão descansa,

repouso absoluto,

como a buscar um fruto

na árvore do sonho.

Singela dama,

no sono,

a esperança

de acordar um dia

e lembrar-se de tudo.

Em sua cama,

o príncipe ao seu lado

não é o seu namorado,

é seu encantado

filho.















Deslembrar



Talvez eu esqueça

que o verde das plantas

é por causa da clorofila.

E que fila

é para testar nossa paciência.

E que ciência

é uma religião sem Deus.

E que adeus

não é apenas um aceno de mão.

E que razão

nunca duas pessoas tem ao mesmo tempo.

E que casamento

é uma união monogâmica.

E esqueça o velho jarro de cerâmica

na janela da sala,

e ao abri-la, espatife-o na calçada.

Talvez eu esqueça

que é preciso sorrir,

para quando você vir,

não perceber que esqueci de você.

Talvez já seja tarde,

e eu tenha esquecido

de mim.















Fruto proibido



Simples ameaça,

nos deixou sem graça,

perdemos o medo,

e nos fez

tão cedo

rejeitar a farsa.

Que bendito fruto,

descoberto,

desperta

todo o nosso

desejo.

Encontramos o gosto

na maçã do rosto.

Sem perder

a calma,

tiramos do corpo

o peso da alma.













Encarnar



Quando está a vaguear,

o poeta às vezes corre.

Mesmo à guisa da sorte

ele tenta se encontrar.

Mas quando o poeta dorme,

ele pára de sonhar.

Quando acorda já é dia,

o poeta desconhece

que à noite inteira

foi prece,

divindade

e altar.

Nos olhos de quem o lia,

o poeta não sabia

que podia encarnar,

e à noite inteira

ser guia

na viagem do sonhar.















O lago



Não conseguia ver o lago,

no lago

eu não conseguia me ver.;

e sem saber o que fazer,

deixei secar meu doce lago.

Um dia minando em estro,

o doce lago está de volta.;

e no meu punho destro,

descubro como atravessá-lo.

E pelo lago eu nado

para um lugar

onde se vive de utopia.

Trezentas vezes eu nadei,

nadei no lago da poesia.













O menino que nunca dormia



Era pequenino,

e se aborrecia

se alguém tentasse fazê-lo

dormir de dia.

E toda noite para dormir,

ele chorava.;

quando adormecia,

logo acordava.

O menino que nunca dormia,

também nunca sonhava.

Até que um dia

a sua vida mudou,

o pequenino dormiu,

e à noite toda

sonhou.















Perdida



Seca

na tua boca,

a saliva

de quem te castra

os sonhos.

Chora

na tua cama,

de tantos corpos

que te chamam

de amor.

Ninguém te ama.

Olha

a tua imagem

refletida

na vida

perdida,

em que se encontra

despida

de amor.















Despertado



Vidraça

que reflete os raios do sol

ofuscando-me a visão,

luz que rasga o lençol

através da escuridão

e me abraça.



Ao sentir-me acuado,

rejeito aquela intrusa

que de sua cor abusa,

vou puxar o cortinado.



Tendo sido despertado

por tamanha euforia,

já me sentindo culpado,

abro o quarto

para o dia.



















Definição



Sou secular

pelos meus anos de história.

Decrépito,

pelas horas que vivi.

Sou rabiscado

pelos meus traços de memória.

Foi dessa forma

que eu me defini.



Quem sabe

sou apenas uma só palavra,

ou sou cada palavra

que possa existir.

Se sou enfim

uma definição tão frágil,

talvez não seja fácil

me resumir.

















Guia



Mais bonita flor

Infinita dor senti

Nasço em ti

Hoje e sempre teu

Alucinado amor



És o guia de minh alma

Tudo e nada

És a mão que me acalma

Riso e lágrima

Noite e dia

A mais intensa



Luz que me ilumina

Única















Vertical



Minha alegria mais intensa

Eis o caminho que me guia

Um sentimento sem palavra



Febre constante em minha alma

Inquieta forma que me agonia

Lhe entrego o corpo e perco a calma

Horas e horas de alegria

Olho você por toda a vida.

















Desencanto do começo ao fim



Desencantado,

talvez desencantado

com tudo

que podemos ver.

Se me tirardes

os olhos,

não deixarei

de enxergar

meu desencanto.

E como tantos,

continuarei

desencantado.















Elaborado



O relógio ao lado,

tão esquecido quanto as pernas embaixo

da escrivaninha.

Um retrato emoldurado,

de saudade empoeirado,

esperando uma palavra minha.

Eu aqui abstraído,

tal qual um velho monge que caminha.

Meu pensamento que tão longe se detinha,

deixou-me distraído.

As palavras vêm aos poucos,

como ave que se aninha,

forma um verso e mais outro,

até a última linha,

que o poeta como um mouro,

diz que o poema finda.















Meu Limoeiro



O teu tamanho pode ser pequeno,

mas na saudade torna-se gigante.

Sob o teu céu me senti sereno.

Pisar teu solo é sonho constante.

Voltar ao tempo em que eu me banhava

em tuas águas doces e providas.;

as belas formas do verde que olhava,

que na lembrança não estão perdidas.

Quando voltei para um velho abraço,

notei teu corpo com nova roupagem.

Porém senti o antigo laço,

e só revi a antiga imagem.

Aquela praça em que batia bola.

Um velho banco em que olhava estrelas.

Nova pintura, mas a mesma escola.

A liberdade, e as bebedeiras.

Não és meu berço, oh! meu Limoeiro.

Nunca me esqueço, foste meu balanço.

Quando parti, fui em ti inteiro.

Quando voltar, serás meu descanso.















Humanos



Estranha forma, és tu coroamento,

de torpe invento

assume em ti devastação.

Embevecido em teu contentamento,

de ver-se Deus após a extinção.

Inesgotável fonte de loucuras,.

capaz és, de sentir

o mais intenso amor,

de contra ponto causar

a mais intensa dor.

O espelho da vida

não reflete a imagem de tua forma,

enquanto a moldura do mundo

é desgastada pela imprudência do teu caráter.

Um animal humano, que ironia,

tão insensível ser,

tão desumana forma,

és tu desgarrada figura.

Tu és o acorde desafinado

na harmonia do universo.

Que redenção no céu?

Se és remoção do inferno.

















Máscara



O que a face não mostra é o pavor da figura,

mórbida, sem doçura.

O mais intrínseco segredo,

o medo,a dor da loucura.

O gosto mau, do desejo,

na boca.

O que não beija,

a oculta.

A forma envolta no véu

de pele,

nada revela.

Nas expressões

não há certeza.

O que se vê

pode ser um ledo engano.

Por trás do pano

há um ator sempre atuando.

Mas toda máscara

deixa o espaço dos olhos,

e por trás deles nada pode se esconder.

















A dedicatória



Velho livro

sem capa.

Na primeira página havia

uma dedicatória,

retrato de quem a escreveu.

Em outras mãos

percebeu

que a memória

de cada um que o lia,

guardava o sonho

de um dia

empunhar uma esferográfica.

Uma fala,

outra cala,

outra fica pensativa.

Tão simples dedicatória,

marcava mais que a história

que o velho livro

trazia.















Problema matemático



Quem construiu

as casas em desníveis,

idem,

as classes sociais.

Que pôs etiquetas de preços

em seus valores pessoais,

vendendo-os

aos ditames do sistema.

Quem fez da vida simples

um complexo problema

que só a matemática o resolve.

Que diz,

só sobrevive o mais forte,

enquanto o mesmo

é sustentado pelo fraco.

Ainda não é tarde pra reconhecer

que você

é um problema matemático.















Batalha



Impiedoso campo de batalha,

em que retalha a alma

do que luta,

desamparando-o à dor

que lhe arrasta

da forma viva

para a sepultura.

Sua razão se perde

na contenda,

e a visão se turva

quando fere.

Enquanto implora

que se arrependa,

seu coração

no sangue se arrefece.

Petrificado

ao som da consciência,

é golpeado

no instante de ausência,

se enfurece

e torna-se carrasco.















Lembranças



Ontem,

pés descalços,

sorriso espontâneo,

pedaços de idéias, perdidos,

sonhos adocicados,

mundo encantado.

Hoje,

lembranças de tempos idos.

















Leva-me o trem



Um caminho sempre leva

a algum lugar.

Tudo vai passar.

Vai passar alguém

pra me acompanhar,

vai passar um trem

para me levar.

Um sinal

faz o trem parar.

Um olhar

a me procurar.

E de um vagão,

uma forte mão

tenta me tocar.

Fico sem ação,

não posso alcançar

minha própria mão,

um esforço em vão,

permaneço lá

no mesmo lugar,

a olhar pra mim

que parto no trem

pra não mais voltar.















O porto



Não esperes mais por mim.

Perdi o barco sem querer.

Foi por acaso que eu te encontrei no porto.

Eu te asseguro,

o porto não é mais seguro.

E quando me pediste socorro,

foi para me ver correr.

Teu corpo frio,

teus lábios roxos,

como as pétalas que recobrem o caixão.

A flor de tua emoção,

bem depois,

desabrocha em minha mão.

E assim tenho

a ilusão de que somos

dois.













Esquecido



Se todos os meus versos

foram apagados

como as pegadas

de um poeta entristecido,

não há como voltar,

não há vestígio,

pela distância, o poeta está perdido.



Se cada passo dado

for redesenhado,

as marcas pelo chão

dirão qual o caminho.

Mas não haverá tempo

para alcançá-lo,

e o poeta, esquecido,

morrerá sozinho.

















Essencial



O que seria de mim

sem minha fonte de querer.

Não poderia ter sonhos,

nem sorrir,

não poderia existir

e nem sofrer

(Pois o amor

fere sem querer).



Quero saber

o que em mim vem primeiro:

A ilusão de quem sou

ou tua imagem no espelho.

A tua imagem

é meu eu verdadeiro,

e eu, apenas

uma imagem no espelho.



Meu coração ainda bate,

e por amor me mantém vivo.

E desse amor eu preciso

para ser inteiro.

És muito mais que a metade de mim,

és o meu fim,

desde o começo.















Surdez



Que bom seria

se você me escutasse,

meu desencanto

seria encantamento.;

ouviria o canto de uma ave

que cantaria

os meus dias de silêncio.;

abriria uma fenda na verdade,

na qual veria

meu mais intimo pensamento.

Que bom seria

se você me escutasse,

eu poderia lhe falar

por mil anos,

como não falo

você não me escuta

e assim nós dois

na vida

lamentamos.















Rendição



Meus vícios e atitudes

são tragados

num copo de prazer.

Oh! Bela flor da noite,

de sonhos perfumados

com gotas de orvalho,

meus lábios são regados

por você.

Na terra troco os passos,

na cama me engano

em seus braços,

na vida

desejo me perder.

Oh! Linda flor do mato,

plantada no descaso,

colhida no prazer,

em teu jardim florado

eu sei que estou marcado

para morrer.















Alma



Flagelo de alma,

exaurido

pelo fluxo contínuo

da razão.

Desabitou

meu corpo empírico.

Agora te abjuro,

síntese do obscuro,

transformada

em simples psiquê.

Não sei se existo.

E você

espectro do acreditar,

deixou-se ilhar,

ao me deixar perguntar,

por quê?















Tardes



Minhas tardes não são mortas,

são tão vivas

e tão cheias de barulho.

Minhas tardes são tortas.

São martelo em bigorna,

estridentes.;

como canto de codorna,

insistentes.

Minhas tardes, quem suporta,

esse barulho de porta,

que importa,

não há tardes diferentes.

Minhas tardes

nunca realmente são minhas,

se me pertencessem

seriam modorrentas,

tardes lentas,

em silêncio.

















Lenços



Eu te dei um lenço,

lembro,

você fez um laço

prendendo os cabelos,

depois deu-me um abraço.



E não foi tão fácil,

após um silêncio,

levantar o braço,

desfazer o laço

e arrancar-lhe o lenço.



Sem laços,

os lenços

perdem-se ao vento.















Lógica



Não compreendo,

a pouco estava aqui,

por que partir,

isso não faz sentido.

Não vejo lógica em se fortalecer

e em pouco tempo ser enfraquecido.

Ter que lutar,

se já nasceu vencido.;

ter que lembrar,

se será esquecido..;

esta é a lógica para poder viver.

É o trágico sentido da lógica.

É a trágica lógica sem sentido.















Velocidade



O céu começa a se livrar

da palidez da própria pele,

e anoitece

no quadrante de minha janela.

Estacionado no tempo da velocidade,

vejo em pressa o mundo passar.

Noite sem luar,

escuridão passiva,

encontrar na chegada

a ilusão da partida.

Andar,

imóvel numa esperança

que corre em busca do tempo perdido.

















Sinto



Eu sinto falta

dos longos braços de minha mãe

que me protegiam

a qualquer parte que eu fosse.



Eu sinto falta

de dormir entre meus pais

como duas paredes sólidas

a me livrar dos fantasmas da noite.



Eu sinto falta

do meu anjo da guarda

que perdeu as asas

e não mais voou.



Eu sinto falta

do meu amor de criança,

da esperança de um mundo de cor.



Eu sinto falta

de tudo que já passou.



Eu sinto muito

por perder minha alma,

e tornar-me um adulto.



Eu sinto muito,

por sentir falta

de tudo.















Lâminas e lágrimas



Meus olhos

em desuso

como velhas facas afiadas,

enterradas

numa terra

de mau uso,

com a ferrugem deformadas.

Não há lâminas,

tal qual meus olhos,

não há lágrimas.















Verbo



Sermos simples espantalhos

que de braços abertos

afugentam uns aos outros

nas plantações da vida real.



Um ser

que não consegue compreender

a extensão do verbo ser

no pensamento racional.



Ser um animal,

justamente, quando

se precisa tanto

de humanidade.



ser irracional,

diante da necessidade

de sentir-se

humano.















Memórias



Um olhar perdido

de um menino querido,

sentado na varanda.

Um cheiro de doce

vindo da quitanda.

As réstias do sol

varando o telhado da casa

vão marcando pontos

na parede caiada,

um universo de estrelas.

O menino põe a mão

e pode alcançá-las,

mas jamais prendê-las.

Ao fechar a mão

a estrela escapa

iluminando seu punho cerrado,

memórias de um aprendizado.



















Náufragos



Os acontecimentos

são diversos na simultaneidade.

Os movimentos

dispersos,

espontâneos.

E nossos braços

entre barcos e remos

nos afogam.

É comum

ser mais um passageiro

recontando os sobreviventes,

um a um,

nas pontas dos dedos.

Somos náufragos

ante o silêncio de nossos atos.;

nosso medo,

de verem nossos segredos

revelados.

Nem passageiro,

nem sobrevivente,

somos vítimas.



















Mídia



Um microscópico ponto

impertinente,

a incomodar

o macro-cosmo indiferente,

das convenções gerais.

As lentes telescópicas dos jornais,

revelam mais

que a óptica da ética

e da moral.

Inusitado ato de discórdia

na mixórdia

do que é anormal.

Diante da severidade do gigante,

a liberdade inebriante

do pequeno

sobressai.

















Mortes



Morri criança

na esperança de ser inocente.

Morri descrente

na inocência de não ser culpado.

Morri lembrança

na vontade de ser esquecido.

Morri perdido

na certeza de ser encontrado.



Minhas mortes são diversas

em fases dispersas da vida.

Mortes sentidas,

bem mais

que a morte

presente.















Palhaço



O homem que sorria,

perdeu-se no eco do próprio sorriso.

De pálpebras fechadas,

lágrimas de alegria lhe escorriam

ao inalar o cheiro do circo.

Através do colorido,

no picadeiro,

volta a ser criança

na lembrança de um palhaço.

Hoje, antagonismo no cenário da vida real,

são momentos que ali se perdem.

Ele retorna ao homem de sisudo aspecto,

espéctro

que o dia-a-dia o tornou.















Pessoa



Debruço-me à janela

para olhar as pessoas que passam.

Umas, passos na rua.;

outras, traços nos versos que faço.

São minhas desconhecidas,

não me cumprimentam.

Eu as vejo por fora

não por dentro.;

mesmo assim

parecem-me tão nuas,

parecem-me antigas conhecidas

que me desconhecem,

temendo falar-me à toa.

Como soa estranho

esta forma poética,

pessoa.

















No divã



Pergunto-lhe Doutor:

-Quem sou eu,

além do nome

que meu pai me deu?

Quem realmente sou?

De onde venho?

Aonde irei,

se é que vim,

se é que vou

a algum lugar?

Em minha limitada mente

preso estou

numa inércia

de uma amnésia existencial.

Mas não faz mal,

ei de suportar.

Não posso acreditar

que tentam me explicar

quem me criou,

se nem ao menos sabem

quem sou.

Pergunto-lhe Doutor,

quem somos?















Que pena



Não tenho pena de mim,

por não ter pena de Deus.

Não tenho pena de Deus,

por não ter pena do diabo.

Não tenho pena do diabo,

por não ter pena do homem.

Não tenho pena do homem,

por não ter pena do mundo.

Não tenho pena do mundo,

por não ter pena de mim.













Rebentos



Pequeno olhar

a vigiar meus largos passos.

Pernas e braços

a desviar

minha atenção.

Faz-se distante,

chora diante

de um simples não.

Desembaraço é oferecer-lhe os meus braços,

manter-me firme

é suplantar a emoção.

Filho é encanto,

o desencanto

é a criação.













Sossegado



Eu fico em silêncio,

e me concentro

sem perceber que o tempo se esvai.

Por mais que eu tente,

quanto mais eu penso,

lembro

que o meu pensamento me distrai.

E assim os meus dias

passam correndo,

pensando e lendo

perco o meu tempo,

e não corro atrás.

Quem sabe mais,

talvez saiba menos.

Quem nada sabe,

sabe muito mais.













Santo



Não é preciso nem saber o nome.

Não é preciso pai-nosso ou ave-maria.

Santo para mim é quem tem fome.

E que tem fome,

é santo todo dia.

E todo dia para ele é santo.

E todo santo para ele é guia.

A fé, o seu pão de cada dia.

A falta do milagre, o desencanto.













Salve



Salve as caras desarmadas

(Farpas nos olhos dos deuses).

Salve as gotas de vinho à sombra.

Salve as vítimas sem nome,

de homens de roupas brancas engomadas.



Salve o capuz que cobre as caras desalmadas.

Salve a coragem de levar à cruz,

na qual pregaram suas consciências,

a herança da culpa criada por seus ancestrais.



Salve a pele que o sol não fere,

enquanto a hipocrisia do preconceito

tinge de rubro a cor.

Salve a boca cortada no rancor de um mundo

sem jeito.



Salve o homem de si mesmo.

Salve-se se possível for.















Vizinhos



É comum não vermos as lágrimas,

apesar do incômodo choro.

É difícil virarmos a página,

sem consolo.



Detestamos os traumas alheios,

são os mesmos

que causam a nossa dor.

É preciso aceitar o que és,

és o que eu sou.



De que importa morarmos ao lado,

lado a lado não andamos mais.

Num combate sem vencedor,

pedimos paz.















Seca



Folhas mortas.

Chão rachado.

Vidas tortas.

Corpo encharcado de suor.

Cadavérica imagem humana,

caminha sob um céu sem sombra,

de dúvida,

sem chuva,

sem decisão.















O culpado



Arrancar da boca um beijo cálido.

Entre nós apenas roupas.

Qual de nós é o culpado,

vida louca?



Arrastamos os pés descalços.

Ouvimos o mar trazer a brisa.

Entre o certo e o errado,

que saída?



Mão e luva se encaixam

na mais perfeita medida.

Nossas roupas se espalham.

Uma forma estendida.



O cansaço traz à tona a razão.

O silêncio grita: - Foi precipitado.

Fala bem mais alto o coração:

- Sou o culpado.















Motivos



Há motivos para chorar,

eu sei.

Mas, se eu me entristecer,

terei

que deixar de sonhar.

Então você

vai deixar de ser

sonho,

e sozinha,

nessa hora,

a senhora

desmanchar-se-á em pranto.

O silêncio, no entanto,

será primordial.













Fina areia



Uma fina camada de areia

recobre os meus pés,

tão branca e fria como és

ao amanhecer.



O meu olhar vagueia

por sobre a mesma terra

que ao calor do sol

vem te aquecer.



Ao anoitecer,

torna-se escura e erma.

Já não és a mesma,

temo te perder.



Mas tua luz ainda corre

em minhas veias,

e através da fina areia

o nosso amor não morre.















Quem somos



Lamentáveis esses desgovernos.

Irreparáveis todos esses erros

cometidos contra ti.

Impossível arregaçar as mangas,

pois não há camisa para nos vestir.

Como aplaudir,

se só temos palmas de mãos vazias.

Não há sorrisos em bocas banguelas.

Como correr atrás,

se estamos de bengala,

com os pés descalços,

mortos de fome.

Qual o nosso nome?

Amnésia.













Na chuva



Corria, ria, e corria

na chuva que me molhava.

Gritava com alegria,

na rua, quando chovia.

Depois que a chuva se ia,

na rua eu ainda brincava.



Saudades daqueles dias...













Boca de jambo



Mordeu o próprio lábio

por descuido.;

lábios carnudos,

com o mesmo tom avermelhado

do fruto que comia.

No gosto do sangue que lambia,

a língua tentava em si,

conter

o mal dizer

da boca que doía.

Num impulso da mão

lançou em vão,

o fruto agora indesejado.

E já partia

com o andar faceiro,

quando na sombra

de um outro jambeiro,

com outro fruto

se deliciava.















Caçando estrelas



Um caçador de estrelas

carregava

no seu alforge

a lua do sonhador,

e cada estrela caçada

se apagava

com uma lágrima

de dor.

Para cada estrela apagada

se iluminava

um novo sonho

na lua que carregava

o alforge

do caçador.

















Sonhar



As pedras dos castelos nunca construídos,

destruídos com os sonhos de uma vida toda,

tão preciosas

quanto as incrustadas em adornos

que enfeitam os pescoços das senhoras.



Na terra, cada sonho é plantado,

a maioria arrancado antes da hora.;

devia ser colhido com cuidado,

um fruto raro,

que ninguém quer jogar fora.



À noite, um perfume delicado

é borrifado pelo vento frio que sopra.

Um doce sonho que eu tenho acordado,

iluminado

quando o dia desabrocha.



Quem não sonha é frio e apagado

como pedra na terra em noite escura,

e só demonstra brilho se ofuscado,

petrificado

no clarão que vem da lua.







Em cada rua tem mil sonhos espalhados

sob os telhados, sustentados na lembrança.

O que importa não é vê-los realizados.

Abrir a porta

é manter a esperança.



















Perseguição



Eu não sei se sigo

ou sou seguido.;

cada passo dado,

um rumo desconhecido.;

cada placa lida,

um aviso.;

cada sinal aberto,

um risco.

Eu não quero ver o resultado,

quero apenas

aprender com ele.

Embrulhado

em papel de parede,

não consigo ver-me

decifrado.















Amor de lenda



Uma voz

que meu coração dispara.;

o som dela é melodia,

como a onda quebrada

na pedra escorregadia.



Uma gaivota em solidão

que voa na direção

do suave som do mar.

Eis como posso encontrar,

superando a minha dor,

a face do meu amor

num corpo de ficção.



Uma força a me puxar

da areia em que estou

às profundezas do mar.

Nos cabelos uma flor,

no canto a sedução.

Se acaso soar-me feia,

o encanto da sereia

aplacou no coração.















Dopar-se



Um pedaço de língua,

que se trava

com o gosto amargo

de um remédio comum

que nunca cura,

cai a míngua,

tal qual pedaço de parede

que descola,

de um qualquer

que caminha pela rua.



Enquanto deita numa rede

com a preguiça e o cobertor,

vê a criança

que não chegou à escola

brincar de ser,

ao mesmo tempo,

paciente e doutor.

Com a pele nua,

sem armadura,

suporta a dor.

















Folhagem



Meus pés pisam a folhada seca,

dedos suaves,

acaricio os longos fios,

tranças de raízes aéreas

que lembram serpentes

da mitológica Medusa.

Fico petrificado ao olhar

o intenso verde da floresta.

O vento

sopra como a um instrumento,

a rama,

assanhando as copas das árvores.

Um arsenal de sons e imagens

num melodioso cântico foliar.















Prancheta



Um apoio para toda a minha queixa,

onde imprimo em letras

minhas mágoas.

E nas cócegas

do bico da caneta,

através da folha de papel

nela apoiada,

eu escrevo sobre ti

e sobre ti escrevo.

prancheta

de acrílico, moderna e transparente,

apoiada nas pernas de um poeta

careta.



























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