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Poesias-->Opalina -- 06/03/2005 - 21:31 (JOÃO FELINTO NETO) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dados biográficos



No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. São seus pais Maria Dália Pinto, natural de Apodi e Francisco Felinto Neto, natural de Pombal. São seus irmãos e irmãs, Francimar Felinto Pinto, Francisco Felinto Filho, Gilberto Felinto, Maria da Conceição Felinto e Maria de Fátima Felinto.

Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios.

Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho.

Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de Laboratório do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia.

Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991, ano em que se casa com Lucineide Régis Felinto. O primeiro filho do casal, João Vítor Regis Felinto, nasce em 1997.

Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento. Em junho de 2003 publica seu primeiro livro, Cabaz - Com frutos do meu delírio, e em dezembro do mesmo, sai do prelo Por minhas mãos, seu segundo livro de poesia.













Prefácio



A maioria de meus poemas não é transparente na significação, mas deixa passar a luz da imaginação, ao mesmo tempo não permite que vejam a sua realidade.

Eis a opalina, fosca e translúcida.

Eis este livro, uma opalina.

















Opalina



O vidro fosco da janela

não me deixa ver as formas do outro lado.

A intensa luz que o atravessa,

fere meus olhos ofuscados.

Mas a minha imaginação fala mais alto,

e mentaliza imagens que só a mim revela.

Opalina

é o vidro da janela.

Os meus versos

são a luz do outro lado.

















Sinto-me só



Sinto-me só

nessa casa mal iluminada,

tal musgo preso à parede molhada,

tão vivo e frio.



Não tenha dó.

Devo amar a quem,

se no amor também

sinto-me só?



Sou o verde macio,

por sua mão tocado.

Continua o vazio,

sob o mesmo telhado.



Sabe de cor,

que por mais que me chame,

minha voz não responde.

Sinto-me só.















Suas e minhas



Estão vazias

as minhas mãos,

assim como as suas.

As minhas de pão,

as suas de comoção.

Estão cheias

as minhas veias,

assim como as suas.

As minhas de dor e revolta,

as suas de orgulho e soberba.

Estão chorosos, os meus olhos,

por perceberem que os seus

fingem não ver que os meus

ainda choram.





















Ruínas



Olhar em volta

para atravessar a rua,

correndo em disparada.

Se não tivesse eu ficado

observando, parado,

talvez chegasse ao outro lado

na estrada.

Por esperar demais,

jamais

cheguei à outra margem.

Uma espera sem fim,

que enfim

tornou-se um caminho desolado.

Não há mais transeuntes.

Mesmo com o barulho de motores

reina uma solidão crescente

como o mato à sua volta.

Hoje é uma grande incógnita

quem foram seus autores.

Deixei para sempre

os meus pés incrustados na pedra

por tanto tempo que fiquei sobre ela.

Ao datarem o fóssil,

descobrirão

que é mais antigo

que as próprias ruínas.

Coração



Um estranho irrigado por veias.

Questionada sombra no espelho.

Um suor que exala o medo.

Estampada no rosto, a dor.

Uma flor

encravada na unha,

dor profunda,

ferida de amor.



Numa cor

desbota o ciúme,

o vermelho que tinge a saliva.

Há um hálito,

um doce perfume,

uma boca que cospe na vida.

Em um beijo,

um ramo sem flor.

No silêncio,

sereno desejo.

Chora a sina,

infarto de amor.

















O porquê



Para mim,

a dor do existir

é ter a consciência da falta de sentido,

em não me perguntar,

em nunca me ouvir.

Que alívio,

sou apenas um sintoma

na doença do porquê.

Por que não faz sentido?

Por que não sou ouvido?

Não sei me responder.















Bêbado



Em cada cédula,

há um troco.

Em cada rua,

há um lar.

Em cada gesto,

há um louco.

Em cada passo,

há um bar.

Em cada ruga,

há um rosto.

Em cada dama,

há um par.

Em cada gole,

há um poço.

Em cada queda,

há um corpo.

Em cada cova,

há um morto.

Em cada busca,

há um fim.















Velho mineiro



Mão sufocada na lama.

No pensamento a chama

da luz do ouro brilhar.

A vida assim dedicada

num mundo de quase nada,

só trabalhar e sonhar.

Ao se olhar o horizonte,

uma massa suja, inconstante,

num monte sempre a cavar.

Seus anos aqui passaram,

seus olhos aqui brilharam,

no engano desse lugar.

Na idade agora avançada,

no fim dessa caminhada,

acostumou-se a pensar.

Nessa procura incansada,

que nunca foi alcançada,

na fé de um dia encontrar.

Um grito sempre contido,

um dia foi emitido.

Mas uma dor fez calar.

A boca então desdentada,

com um sorriso mostrou,

no ouro que encontrara,

seu sonho realizou.













Causa e efeito



Entre falas, falácias e ironia,

resta pouco aos lares da cidade.

Já se fala de tal felicidade,

no costume de dias de agonia.



Simboliza as verdades invertidas,

investidas da própria escravidão.

As algemas que prendem sua mão,

como farpas na carne adormecida.



A pequena figura pela rua,

transformada em cova apodrecida,

sem futuro,de vida esquecida,

de esperança sua alma anda nua.



Entre jogos de culpa passa o tempo,

passa-tempo revestido de tristeza.;

em seus olhos vazios de pureza,

sua imagem reflete seu tormento.



Conseqüência de causa e efeito.

Liberdade é um sonho de criança.

Mas, no sonho nos resta uma esperança

de um dia fazer o que é direito.





Uns são vítimas em cárcere privado.

Outros livres, sofrendo opressão.

Ambos, sócios da mesma escravidão,

com os erros herdados do passado.



Somos todos inocentes e culpados,

caminhando na mesma direção.

















Sono



A densidade de meus pensamentos

me mantém no chão.

Eu atravesso o forro e o telhado,

estou nas asas da imaginação.

Quando as cortinas dos meus olhos fecham,

à minha volta, o mundo se arrasta.

E em mim mesmo,

das horas esqueço.

Quando adormeço,

o tempo em mim não pára.















Em branco



São vastos

os caminhos que nos levam

a todos os lugares,

e a lugar nenhum.

Somos tantos,

somos um,

um pensar,

um lugar

comum.



São rastros

que nos seguem

a algum lugar.

Somos tolos.

Somos todos.

Reação

sem ação.

Somos páginas

pra riscar.















Variegado



Eu sou o que sou.

Posso me esconder dos outros,

mas jamais de mim mesmo.

Sou o medo e a vergonha,

o preconceito e o exagero.

Um animal "normal"

desde que entre aspas.

As minhas causas são perdidas.

As minhas calças, sem cinturões.

Sou cuecas e sutiães

que se abotoam na mesma cuca.

Sou uma puta,

o camelô,

o condutor,

um passageiro.

Sou o último

ou o primeiro,

um diplomata,

um senador.

Sou a cor verde e a amarela.

Sou canela,

sangue e suor.

Sou o pó

de um velho livro

que me condena

pelo que sou.

Soterrados



Há um murmúrio de vida

vindo do solo,

da solidão profunda

dos esgotos.

Tamanho peso não suporta

os ombros,

e não lhe importa

a dor que vem dos outros.

O ar é pouco,

o sentimento insano,

um medo inerte,

coágulo em suas veias.

Não há cadeia

para deter o louco

que na agonia

explode de seu peito,

um soterrado

que saiu dos escombros.

















O limite



Vida,

não me dê nada além do que eu possa ter.

Não peço glória, apenas comida.

Não ter saída é não ter querer.

Ser controlado por minha ganância.

Ser consolado pelo meu poder.

Se esquecer da velha esperança,

e da razão maior de se viver.

Pra desprezar a minha humildade.

Da liberdade, até me esquecer.

Não quero nada mesmo nessa vida,

além daquilo que eu possa ter.

Tenho o amor para ser o meu guia,

e com palavras posso responder.

Traço em você, a minha própria via.

Tenho saudade de tudo em você.

Vida,

fundamental é sabê-la viver.

















O banho



A água que escorre em meu corpo

arrasta a sujeira de minha alma

para a grade do esgoto,

ou apenas me acalma.



Escorre pelo corpo a água morna,

ao menos nessa hora me alivia

das dores que carrego dia a dia,

e da tristeza que me incomoda.



As bolhas da espuma se espalham

enquanto um cheiro doce dela aflora,

o mesmo que as flores no jardim exalam

aos passos de alguém que o deflora.



Embevecido com esse néctar que me molha,

eu permaneceria o dia todo.;

não fosse o líquido escasso e precioso,

que minha consciência não explora.



Enfim, chegada a hora, vou sentir

que agora sou um deus revigorado.;

não há como mortal dali sair,

é mágica de um banho demorado.

















O fumo



Na leveza do fumo,

flutua meu vício.

Entre os dedos, o risco

e o prazer

que me levam na vida a um lugar sem rumo.

Minha boca a soprar o perigo

que minh alma só faz acolher.

Sensação de domínio ao encher o meu peito.

Mas sou eu o escravo e não o senhor.

Tentativas frustradas,

mas tenho o direito

de quebrar as amarras

e parar o clamor.

Bato as asas no ar

como um triste beija-flor

a espera de uma flor

que não quer se abrir.

Tanto tempo aqui,

é preciso pousar.

O cansaço e a dor

não me deixam sorrir.

















Cinzas



Mumificado em uma imagem colorida

que está a anos entre páginas, esquecida

em um lugar distante,

no tempo e no espaço do instante

em que foi congelada.



Minha existência perdeu-se no tempo.

Uma boca, no futuro, sopra lento,

varrendo a poeira de meus dias já passados.;

dentre as páginas de um velho álbum

tirado do esquecimento,

ao ter suas fotografias folheadas.



Então, uma mão interessada

a pega e a expõe ao curioso olhar.

Não sabendo talvez de quem se trata,

coloca-a de volta no mesmo lugar.

Quem sou, a ele não importa.

A mim importa vê-lo recordar.



A minha porta de saída é fechada.

Continuo um fantasma preso à fotografia.

Ouço os passos que descem a escada.

Longos anos a partir daquele dia.

No eterno esquecimento fui queimado,

e nas chamas do passado virei cinzas.

Nascido



Em busca do ar,chorar,nascer.

Nos braços da vida,calar,viver.

No colo do ser,sentir,dormir.

A voz da razão,ouvir,seguir.



Nos primeiros passos,cair,correr.

No tempo da vida,lutar,crescer.

Na boca que chama,deixar,querer.

No calor da cama,amar,sofrer.



Do berço de origem,cair,partir.

No pé da escada,tentar,subir.

Na guerra do homem,saber,vencer.

No mundo de todos,pensar,dizer.



No corpo do velho,poder,chamar.

Nas costas do tempo,bater,falar.

Os últimos passos,cansar,parar.

No leito da morte,deixar,lembrar.















Indignado



Um sangue negro que corre em minhas veias,

corre sob meus pés

em todas as direções.

O mesmo sangue que derramam na areia

é absorvido pelo chão.

Eu morro em meu próprio lugar,

sem ter de fora uma única mão

para segurar.



Meu inimigo quem é?

O mesmo que suga meu sangue.;

um sangue negro que mancha seu pé

e o seu nome.



Em sua boca eu sou infiel,

e ele é um bom homem.

Em minha pátria olho para o céu.;

em seu quartel,

olho para onde?



Hoje sou iraquiano,

ontem fui um afegão,

no futuro

quais as nacionalidades

que virão?















Bela flor



A beleza é uma flor

que perfuma o jardim.;

o tempo é o coletor

que a leva para casa.;

a luta para mantê-la sempre assim

é o vaso cheio de água.



A água não se torna turva,

é trocada como de costume.;

mesmo assim, um dia a flor murcha,

não exala mais seu perfume.



A verdadeira beleza é sua essência.

Despetalada, sem cheiro, sem cor,

na eterna consciência

será para sempre

uma flor.















Vagas horas



As horas vagas

são as vagarosas horas do dia.

Sem a sua companhia

o silêncio me perturba.

Minha esperança é sua fotografia,

é nessa hora que a visão se turva.

Quantas histórias

eu tenho para relembrar.

A quem contar

minhas horas de alegria.

Hoje estou preso na boca da solidão,

um grito em vão,

de agonia.

As minhas mãos ainda a seguram

por inúmeras e infinitas horas,

vagas horas que perduram.















Sonhador errante



A cada quatro passos

meu cajado toca o chão.

Talvez seja a solidão

que guia o rumo dos meus passos.

Nos meus pés não há cansaço,

nos meus braços,

decisão.

Nesse inexorável coração,

há um rasgo de alegria,

minha triste poesia,

que acalenta o meu pesar.

Ai de mim ter que ficar

em uma masmorra fria,

recordando das aléias

que por elas caminhei.

Nessa vida o que serei

sem minhas débeis idéias,

ancião preso à janela

ou um pensador de gente?

Eu prefiro, para sempre,

ser um sonhador errante.















Surpresa



Os meus dias passados,

perseverança.

Os seus dias,

lembrança do meu passado.

O seus passos, que se aproximam,

consolam o meu pranto.

Ao meu lado eu temo que se afaste.



Somos nós,

duas bandeiras na mesma haste.

Nosso amor consolidado,

seria o céu.

Mas, na solidão a minha alma fica presa,

enquanto a sua parte.



Maior que a saudade

foi minha surpresa,

por não ter ouvido nenhuma palavra.

Pois quem ama fala e beija,

enquanto quem não ama, fere e cala.



Um buquê de rosas

sepulta minhas cores mortas,

que há pouco tempo eram um arco-íris.

Agora para mim nada mais importa,

somos infelizes.















O rei e o povo



Vida longa a mim

e não ao rei.

O rei já teve os seus dias de glória,

enquanto eu passo em branco a história.

Vida longa a mim

e não ao rei.

O rei sempre teve comida em abundância,

teve abrigo desde criança,

enquanto eu morro de fome,

desabrigado,

subjugado ao rei

que impõe as leis

que me massacram.

O rei é um

e eu sou todos.

O rei tem um nome,

eu sou o povo.

Vida longa ao povo,

o rei merece morrer.















O aniversariante



Poderia eu, então bater com uma taça,

brindar quem sou entre gargalhadas dispersas.



Quem é a dona de dentes tão alvos?

O salão me olha de alto a baixo,

abaixo-me para ver suas pernas

contorcidas sob a mesa.



Quantos presentes.

Quantos dentes presentes em minha boca.

E nos quadros pintados com ternura,

sou pintura,

ela é tinta e pincel.



Voa ao céu, num zumbido de abelha,

uma mosca que sofre de dupla personalidade.

Talvez nessa idade

tudo seja frágil, por não ser completo.



O salão repleto,

aplaude e grita, e veste-se igual.

Afinal de contas o traje é a rigor.



A cor de seus olhos é um espanto.

Afinadíssimo seu canto.

E pelos cantos dos olhos eu a observo.

Até seria seu servo,

minha Cleópatra.



Está ficando tarde, tão tarde que já amanhece.

Meus hábitos são noturnos.

Meu hálito, uma mistura inebriante de álcool.

Amasso os meus cigarros e volto à maldita festa.

Esqueci um detalhe importante,

eu não bebo e nem fumo.

Mas não deixo de amar os vícios.

As amizades nos levam aos encontros,

as mulheres nos viciam aos amores,

e as flores nos levam ao jardim.



Quem diria que o sono me deixasse vagar nos

[braços dos sonhos

e que mesa e cadeiras me serviriam de cama e

[travesseiro.

Sou um herdeiro,

minha fortuna é o riso.

Meu riso é tão fraco que já não tem graça.

Minha graça é somente o meu nome.













O erro de Paralaxe



Desse ângulo, em que olha

através de um espelho,

você sempre me vê em parte,

mas nunca por inteiro.



Dessa forma ignora

a marcação de um ponteiro,

que de acordo onde olha

vê vazio, e está cheio.



Você é o que não vejo.

O que vejo não importa.

O que importa é que respeito

a sua verdadeira forma.



Você diz o que não sabe.

Eles o que querem ouvir.

Tudo o que à visão cabe

é pouco, vai descobrir.



Não diga quem eu sou

por assim me ver.

Você pode cometer

o erro de Paralaxe.

















Um conto



Se por encanto

fizesse parte de um conto,

e fosse assim

como Aladim,

e dispusesse de três desejos,

eu pediria:

- Quero uma lua

para iluminar meu caminho.

- Quero uma rua

para caminhar sem destino.

- Quero uma forma

de não me encontrar

sozinho.















Repetir-me



Digo que o passado

é bem mais

do que o tempo

deixou para trás

e digo mais,

o meu passado é presente.

Em uma frase já dita antes,

e soa agora

da mesma boca

que sorria outrora.

O mesmo gesto,

no mesmo instante,

na mesma hora,

no meu presente

o meu passado volta.















Tolice poética



As tolas conversas

que tenho na vida

não me levam a lugar nenhum,

tola vida,

nada é incomum.

Um pedacinho de rua

é o que tenho.

Vivo no mundo da lua

a maior parte do tempo.

Se eu morasse na lua,

num pedacinho de rua,

viveria a maior parte do tempo

no mundo da terra.

Tola vida,

seja ela onde for,

tolice eterna,

tolo sou.















Viagem inconsciente



Em um acostamento de estrada,

um ponto em repouso me tornara

em relação ao carro que passava.

E na velocidade eu notava

que eu mesmo parecia encolher,

diante da distância que tomara.

Durante um instante, o que se ver?

Só a razão inversa dessa via.

Enquanto eu motorista, sem querer,

olhava minha imagem refletida

no espelho, parecia-me encolher.

Um cena rebuscada de agonia.

Me retratei na tela sem saber

que na pintura o tempo me escondia.

Porém, aquele instante consagrava,

me revelava a mesma simetria.

No acostamento eu me observava,

num outro eu, num carro a se mover.

















Genocídio



Uma voz rouca

anuncia a guerra,

abala e soa

o sino da desgraça,

de passo incerto

atravessa a praça,

adeus à terra

de uma vida toda.



Escravizada na própria memória,

a paz que havia na palavra amigo.

Triste registro

nos anais da história,

alma perdida procurando abrigo.



Pátio querido

da antiga escola,

hoje minado,

mutilando sonhos

amadurecidos.













O pregador



Solitário pregador,

ao prostrar-se ante o altar,

acredita em seu louvor,

e demonstra o seu amor

através do seu falar.



Não se une a mais ninguém

pra manter o seu valor.

Pois conhece muito bem,

todas querem um vintém.



Nesse mundo de adeus,

como pode acreditar

que ainda possa salvar Deus,

solitário pregador.













Lentes e babados



Se embarga sua voz ante a beleza

de uma dama de vestes tão ardentes,

nos babados flutuam almas quentes,

não há cópia em toda natureza.



É difícil enfrentar a correnteza,

beber água sorrindo entre dentes,

é preferível morrer entre indecentes

que perder a delícia da incerteza.



Se encontra perdido com certeza,

encantado através de suas lentes.

Coração prisioneiro de correntes

que o libertam da vida de pureza.



Na conquista se fez delicadeza,

atenção e cuidados permanentes,

recebendo carinhos conseqüentes

de uma alma repleta de nobreza.



E um dia apesar de sua presteza

com que faz perguntas insistentes,

as respostas em nada convincentes,

um olhar de extrema frieza.





Arrastado a tão grande tristeza

se recorda de dias mais contentes,

se descobre num covil de serpentes

e se vinga com a mesma vileza.



















Voltas



O mundo dá muitas voltas,

muitas voltas dá o mundo.

Prefiro ficar parado

sem querer acompanhá-lo.

Nem mesmo dou uma volta,

das voltas que o mundo dá.

Será mesmo necessário,

esse mundo acompanhar.

Continuo aqui parado

esperando ele passar.

Talvez numa dessas voltas

minha vida partirá,

e nas voltas desse mundo

um dia ela voltará.

O mundo deu muitas voltas,

muitas voltas dará o mundo.















Obsessão



Obcecado por te acompanhar,

tropecei nos meus passos.

Quando fui ao chão, vi as tuas costas.

Pus-me a caminhar em direção oposta.

Agora

que minhas pupilas enxergaram a vida,

jamais porei os lábios nas costas da tua mão.

E nunca mais dobrarei meus joelhos

ante a tua bela imagem oca.

Nem tuas pegadas serão apagadas

pelas marcas do meu rastejar.

Libertei-me















O mar



Tua aparente calma, em constante movimento,

quer absorver a nossa alma.

Através do vento toca nosso rosto,

lê nossos pensamentos.

Tua bela vista nos acalma.

Teus dedos de água salgada

tocam nossos pés num doce conforto.

Teu marulho nos embala,

nos dá gosto,

como canção de ninar no ouvido de criança.

Nossos olhos alcançam o teu infinito azul,

vêem um céu invertido,

onde somos estrelas

banhadas em plena luz de sol.

Mar,

tens levado tantas vidas.

Muitas delas por ti interrompidas,

outras simplesmente ofertadas.

Quantos mistérios em ti encerras,

mar de vidas,

mar de velas,

maravilha natural.













Os extremos



Às vezes,

somente às vezes,

a vida me surpreende.



Às vezes,

somente às vezes,

eu surpreendo a vida.



Eu descobrindo a vida.

A vida me descobrindo.



Uma vez,

somente uma vez,

a morte nos surpreende,

a mim e a vida.













Nacionalista



Não sou eu entre bandeiras,

numa solidão já esperada.

A meio pau, a minha perna está quebrada.

A minha pátria é somente brasileira.



Não é minha essa risada,

pois o que vejo só me dá tristeza.

A minha língua não foi enrolada.

Meu coração está na mão esquerda.



Não me escondo entre velhas páginas

de uma história não tão verdadeira.

Quantos se afogam nessas falsas lágrimas

que jorram longe de nossas fronteiras.



Tenha esperança, bandeira encantada,

hei de erguê-la sobre a cabeça.

Perseverança, pátria iluminada,

nunca se esqueça.















Recanto



Intocado recanto,

onde o pio

de uma ave sem encanto

anuncia

o mal que ali permeia.

Meia noite,

a coruja triste e feia,

como a bruxa da história

que espelha a si mesma,

se espelha

nos olhos da outra

que vagueia

no recanto intocado

da magia.

















Viagem inconsciente II



Remeti a mim uma carta destinada

a um lugar que nunca conheci.

Uma surpresa tão inesperada,

a minha letra na resposta li.



O tempo então se fez ausente.

A mesma data em que a destinei.

O conteúdo, porém diferente,

dizia-me o mesmo que pensei.



Meu nome estava no destinatário,

e o remetente também era eu.

Desse lugar por mim imaginado,

havia algo que me convenceu.



No envelope uma fotografia

na qual me via naquele cenário.

Nela meu rosto já envelhecia.

Olhei perplexo para o calendário.



Era o dia em que me escrevera,

o mesmo em que me respondera.













Você



Se perguntar seu nome,

você vai me dizer

que um nome não define

o que há em você.

Se me entregar à sorte,

você me ganhará.

Se me fizer de morto,

você vai me sentir.

Se me perder na vida,

você me encontrará.

Se eu fingir ser mudo,

você vai me ouvir.

Se me esconder do mundo,

você me achará.

Se digo que é possível,

você vai me provar

que só há uma certeza,

não haverá saída,

você me levará.















Velhice



Aniquilada a imagem do que sou,

quando as razões da vida nos supera.

O que serei agora e aonde vou

no abstrato tempo que me espera?

Diante do espelho não mais vejo,

aquela imagem agora um desejo,

e a pouco tempo me acompanhou.

Numa armadilha a vida me apanhou.

Mas tenho que aceitar o mesmo drama,

que toda a humanidade me acompanha,

na idade conhecida em que estou.

E na maturidade, a experiência

fortalece-me ante essa ausência,

me faz perder da morte, o temor

e desperta-me para a consciência.

Sou grato por sentir tanta saudade,

poder passar um pouco de saber.

Beleza, compreensão e amizade,

somente as senti ao envelhecer.















Oriente



A paz sonhada

pelo deserto quente,

numa lufada de vento,

bateu de frente.

Ao abrir a boca,

sente-se o gosto

de não poder conquistá-la.

Oriente-se,

seu Oriente

desorientado.

Aturdido e perdido

estás fadado.

Se por Javé e Alá

você não pode parar,

só quer morrer e matar,

adormecer e acordar

com essa guerra

que nunca encerra,

o que teu filho herdará

será

somente sonho, e ilusão

de uma terra de sangue,

sem nome.

Oriente-se,

seu Oriente

desorientado.

















Solitário



Enquanto pedra por pedra

minha mão come,

pedra sem nome,

ando pra frente e pra trás,

e para os lados também.

Eu jogador,

mais ninguém,

num solitário clamor.

Vejo a mim

no centro do triste tabuleiro

ficar plantado.;

eu derradeiro

no solitário fim.















Volátil



Vida que se torna breve

como neve

que ao bater do sol derrete.



Na fumaça de uma chama que se apaga,

vida ingrata

que se esvai.



Sopra o vento livre, que a vida leva.

Leve vida,

o meu peso inerte dessa cama.



A espuma que flutua sobre a onda

que na praia

se desfaz.



Voa sem destino como ave que perdeu o ninho.

Entre espinhos,

pede paz.



Vida que se torna breve,

até breve

ou nunca mais.















Indiferentes



Não quero ver

meus olhos perfurados

por cenas e retratos

da fome e do não ter.



Não quero ser

um ser indiferente,

quero sentir

a mesma dor que sente

o rosto à minha frente.;

um gosto diferente

do sorrir.



Não quero rir

de uma alma alheia,

nem dar-lhe teia

para se cobrir.



Quero uma manta

para abrandar-lhe o frio.

Nosso maior desafio

é não esperar por santa.











Gotas de sorrir



Gotas de sorrir,

numa fina chuva de tristeza,

entram casa adentro

pela janela, ao vento,

como árvore arrastada em correnteza,

por deixar você partir.



Gotas de sorrir,

olham para mim

num retrato sujo de poeira.

Vêem que a vida

não me deu a coragem

de reagir.



Gotas de sorrir,

se acumulam para me afogar

no vazio que ficou

aqui.













Mentor



Ensinou-me a conhecer

os meus limites.

Ensinou-me a ler

por entre linhas

que a sua verdade

não teria que ser minha.

Que a vida é essência,

e que saudade

é a essência da vida

que caminha.

Ensinou-me que o sol

é luz do dia.

Que a noite não assombra,

que ela é sombra

que esconde o mesmo dia.

Ensinou-me que tristeza e alegria

são a vida

escrevendo poesia.

















Noitada



Copo na mão.

Cadeira vazia.

Tenho apenas a solidão

em versos naufragados numa bebida.

Os olhos me conduzem ao salão.

Casais que vêm e vão

numa canção que eu reconheço.

As flores colhidas no começo,

em pétalas murchas, são desfeitas.

As vozes me tiram a atenção,

descanso a mão e a caneta.

Meus lábios tocam o líquido que embriaga,

e que aflora a inspiração.

Enquanto a lua enfim embarca

a minha sombra encantada,

e dessa forma então retarda

a sua aparição.

E bem no fundo da garrafa,

a noiva afogada

renasce para o dia.

Termina a poesia

e a noitada.













Noite



A noite poderia passar despercebida

não fossem os pequenos ruídos

no contraste do profundo silêncio,

se intensificarem num volume de sons que

[a estimulam.;

nos gemidos que a deliciam.;

na percepção que temos das pequeninas coisas.;

nos detalhes imperceptíveis do dia

que se deflagram somente à noite.;

na lua que ilumina a imaginação dos namorados.;

nas estrelas que enchem de entusiasmo os

[astrônomos.;

nas trevas que inspiram lendas.

A noite nos parece ser maior que o dia,

maior que a vida.

Ela é o reflexo do além túmulo,

tal qual um cemitério de vivos que se apercebe

[dos mortos

e aquieta àqueles em suas sepulturas de sono

[e sonhos,

revelando-lhes seus mistérios.

Há os que saem de suas covas

para explorá-la e deflorá-la até o amanhecer.

Há os que saem para senti-la e escutá-la.

Há os que simplesmente caminham sem

[perturbá-la.

As horas parecem vazias.

As ruas vazias, despidas de passos.

O movimento do vento frio,

por entre o espaço deixado pela ausência de

[vidas,

parece um fantasma.

É nessa hora que Deus e o diabo se associam para

[fugir do homem.

Somos criaturas diurnas

que caminham à noite em meio a uma escuridão

[eterna

na ilusão de encontrarem a luz.















O poeta



O poeta

é transcendente a alma,

tão somente calma,

semente de emoção,

é criação.



Infinitamente eterno.

Sua essência é mar em verso,

é universo.

Ao ser lido é outro,

quando outro,

é belo.



Intensamente brilho.

Maior que brilho,

é luz.

Bem mais que santo,

é cruz.

E mais que sonho,

é poesia.













Promessa



Levo-te as frases mais românticas

da época de nosso namoro.

Também o choro de nossas despedidas,

e o leite das crianças.

Juro-lhe tudo que jamais jurei.

Traga-me a esperança

e o perdão para a minha traição.

A cura para tanta dor,

traga-me de volta

você, amor.

















Fúnebre



A sua mão estende-a no cortejo,

e um abraço longo no destino,

bate às costas do seu desatino.

Empunha a pá e lança seu desejo.



E sente a dor que cunha a sua alma.

E sem pudor apóia a sua amada.

Enquanto o olhar se lança em sua boca,

um desespero adorna a fúria louca.



Enfrenta a morte tão sem piedade,

gravando a imagem eterna na retina.

Quer devorar a língua na saudade,

do paladar da outra que fascina.



Desmascarar seu rosto deformado

por sua insanidade estar retida.

Todo o valor do ser mistificado.

Cada expressão abrindo uma ferida.



Neste lugar um dia será lápide,

um arrepio lhe traz essa lembrança.

Não mais consegue se deter e avança,

foge dali como um amor que parte.





Um breve olhar para um eterno adeus.

O sol se põe, cede lugar às estrelas.

Aqui está num mundo de incertezas,

e questiona se ela verá seu Deus.















Favela



Favela de santo morto,

morto na guerra vazia,

vazia de sentido,

porém transbordante em sangue.

Pequeno mundo

distante,

diante do que é de todos.

Ali também há vida,

que nem sempre respira

droga.

Imagem invertida de valores

empurrados de goela abaixo,

de morro acima.

E morto ainda,

há tantos,

que falta

vela.

Favela.

















Facial



Desemboco a boca,

rio.

Transbordado em lágrimas

que margeiam os olhos,

creio

na imagem embaçada.

Recomponho o dique

que rompeu na pele,

degusto a surpresa

e a língua repele.

Sulcos na epiderme

são rugas da idade,

hoje encharcada

por felicidade.













Prisão



As grades aprisionam não somente o réu,

se este for culpado.

Seu único céu é o do pátio.

E de volta às trevas da cela,

reflete,

quem perdeu a vida,

se ambos perdem a liberdade de viver.

Paredes frias,

ali vai vivendo de sonhos,

e vai terminar os seus dias.

E se for inocente,

descrente,

vai morrer sem sonhos.

















Personalidade poética



No corpo físico do papel

é fácil incorporar o ator

e atuar no palco das idéias.

Ser insensível muitas vezes à dor alheia.

Fazer pouco da própria sorte,

da morte,

e conseguir se ver nos insondáveis mistérios

[do seu próprio eu.

Ser inocente

ao criar ilusões nos versos de um poema.

Assim é o poeta,

espírito quando escreve,

ator que entra em cena,

um monstro que incomoda,

um louco que se revela num homem que não

[tem pressa.

De imagem não refletida,

o poeta não sabe ainda

que é mágico quando poeta.















Sinais



Notai a réstia negra que se alinha ao solo

entre alicerces,

traçando um risco de sombra em um mundo

que aflora.

Notai o desenho de nuvens

que flutuam num céu

tão azul quanto a cor destes olhos

que não percebem os sinais distintos

da natureza.

Notai à noite na rua,

repetirem-se os traços

desta vez riscados pela luz da lua.

Notai que nessa hora,

o mundo chora

em sono profundo

com a terra nua.





















Vida



A vida é para mim

um traduzir contínuo

de um pergaminho em uma língua morta,

por serem poucas as palavras tortas

nos hieróglifos que a representam.



Tem a origem perdida nas paredes do tempo

que foram cobertas pela fina areia

nas tempestades de um deserto irracional.



A vida tornou-se real,

misteriosa e sedutora,

com a percepção racional do mundo.

E de si própria é condutora,

do céu azul ao abismo mais profundo.



A terra é pano de fundo

para o exuberante espetáculo da vida.

Porém a história registra a sua agonia

perante a nossa estúpida insensatez.



A vida surgirá outra vez.

Quem sabe numa evolução mais comedida,

a razão e o bom senso conserve a vida

em sua natural lucidez.















As três senhoras



-Quem vem lá?

-Um estranho,

um visitante

de um distante

lugar.

-A natureza o fez bom?

-Sim,

só não me soube criar.

-Chegue perto,

pode entrar.

Sou a vida.

Tudo que você não viu,

vou lhe mostrar.

Tudo que não aprendeu,

vou lhe ensinar.

-Agradeço

por tudo que a natureza me deu.

Obrigado

por tudo que me ensinou.

Vou saber aproveitar.

-Não tão depressa.

-Quem vem lá?

-Sou a morte.

Vim lhe buscar.

O que a natureza deu,

vou lhe tomar.

O que a vida ensinou

não servirá.

Eu o levarei de volta

a um distante lugar.

















Livro encantado



Sou em criança, tudo.

Nada sou em adulto.

Não sou um livro mudo,

apenas um conto

não acreditado.

Se à noite sou contado,

sei de cor e salteado

o meu desfecho.

Um dia um crescido,

outro esquecido, abandonado.

De volta ao colo,

ao filho recontado,

sou conto infantil,

sou sonho encantado.















Aparência



Minha frieza extrema ante a vida,

meu coração petrificado ante um drama,

querida,

pode não ser a verdade.

Não que eu seja uma mentira,

posto que sou vaidade.

Essa imagem de segura fortaleza

com fachada de coragem,

ultrapasse essa barreira,

atravesse essa muralha,

desvendará meu segredo,

como todos sou apenas um covarde.

Ante a comédia da vida,

no ato da morte,

sou o riso forte,

no entanto, forçado.











Indeciso



É pouco,

talvez.

Talvez só seja o bastante.

Bastante é muito,

na qualidade em que o pouco

é nada.

E nada,

existe em grande quantidade.

Em quantidade,

o pouco que se tem

é muito.



















Não faz sentido



Alimentar a boca que mais come,

não faz sentido.

Gritar o nome do mais conhecido,

também não faz sentido.

Não dar ouvidos a um homem

por ser desconhecido,

não faz sentido.

Desconfiar de sua honestidade

por ser desprovido,

não faz sentido.

E desacreditar em sua capacidade

por vê-lo envelhecido,

não faz sentido.

Anunciar que a morte é um castigo

e é merecido,

não faz sentido.

Salvar um homem depois de falecido,

não faz sentido.

Querer que alguma coisa faça algum sentido,

não tem sentido

algum.















Legado



Os caminhos são entrecruzados

para que nos percebamos.

Arrastamos nossos pés

molhados

por um imenso plano,

para que vejamos

em que lugar pisaram.

Os vestígios revelaram

nosso caminhar

ilhado.

Estamos sempre a rever conceitos.

Somos eleitos

do absurdo.

Sem esforços,

sem remorsos,

acreditamos em nossa inocência.;

paciência,

é nosso legado.

Nossos braços cruzados,

os joelhos dobrados,

e de olhos abertos

sem nos vermos,

somos infelizes,

felizes e soberbos.

















Iludir



Não me oferte a boca,

se não posso beijar.

Não me dê ouvidos,

se não posso falar.

Não me diga palavras

que não posso entender.

Não me faça enxergar

o que não devo ver.

Não me faça promessa

que não possa cumprir.

Não me faça graça,

se eu não posso sorrir.

Não me dê caminho,

se não vai seguir.

Não me dê saudades

que não devo sentir.

Não me jogue ao mar

para me afogar.

Não me imponha a guerra

para não lutar.

Não me dê batalha

para não ganhar.

Não me destine a cova

para não morrer.

Nem me traga lembranças

pra ter que esquecer.















Horas



Horas sem fim

e sem começo,

horas que esqueço de mim.

Horas efêmeras,

faltam-lhes eternidade.

Horas perdidas,

desocupadas.

Horas sem horas,

senhoras nunca esquecidas

por nós.

Horas a sós,

acompanhadas.

Horas de vida,

cronometradas.

Hora atroz.















Mensagem



Poucas palavras são suficientes

para toda essa gente,

se elas dizem o muito que se tem para ouvir.

Pois a verdade,

como passageira de vários destinos,

nem sempre nos leva aonde se quer ir.

A liberdade

não é só romper correntes,

é poder olhar de frente

qualquer um, como a si.

Poucas palavras são suficientes

para refletir.

















A casa



Tal como ave

que estende a asa

por sobre o ninho,

como filhotes no interior,

às gerações com igual carinho,

com seu telhado a velha casa

dá calor.

Suas paredes a revelar

fotografias

que trazem à memória

antigos rostos

que teimam a se mostrar

em preto e branco,

repintando a história.

As suas portas

rangem ao se abrirem.;

são sons da casa

a transmitirem

todo o passado

na voz dos velhos,

todo o futuro,

tal cartomantes,

a prevenirem

os próprios netos.

















Devaneio



Tudo é tão pouco,

ao mesmo tempo é tanto.

Tão pouco tempo,

e tanta correria.

Morrer atropelado na mesma escadaria

em que seus avós

pisaram em silêncio.

Tudo é tão lento,

tão novo.;

e mesmo assim voamos

contra o tempo,

sós.















Distorção



Envergar-me sobre a vida

tal qual vara verde,

para um toque suave nas águas,

por sede.

Para bebê-la na fonte.

Para banhar-me nas praias.

Atravessar a ponte

e manter-me distante das mágoas,

vendo a minha imagem distorcida

a boiar sem vida

no lago espelial do amor,

enquanto bate o vento com furor

despontando minha imaginação,

tornando-me real.













Cor



Vermelha,

não é a cor da bandeira.

É o nome da pátria

que herda o sangue derramado

por homens que a idealizaram.



Vermelha,

não é a cor do passado.

É a cor da bandeira

na mão de um homem comum.



Vermelha,

não é a cor da cegueira.

É a dor de ver corrompida

a ideologia da cor

vermelha.















Cresci



Minhas mãos

entre suas mãos macias.

Os conselhos ao menino,

que preso no labirinto

não encontrava a saída.

Sua devoção

em querer mudar o trilho.

Pela experiência de minha mãe,

seguia

minha inocência de filho.

Tantos passos foram dados,

quantas quedas.

Tantas vezes apoiado,

sempre ela.

Passa o tempo,

uma lembrança restou,

de mãos dadas com a mãe,

uma criança,

que na distância

ficou...













Eles



Acompanham os dias,

não param.

De olhos abertos,

não vêem.

Revêem os retratos,

não falam.

Comemoram datas,

não crêem.

Andam com as horas

no pulso,

por impulso

vivem correndo.

Teimam em não se olharem

por dentro.

Cobrem os pés com couro,

com anéis de ouro,

os dedos.

Na cabeça guardam

segredos.

Não suportam

ver a si mesmos,

que dirá

aos outros.















Herança



Quando chorares,

estarei em tuas lágrimas.

Nas tuas risadas

minha boca se abrirá.

Ao perderes a calma

terás a minha expressão.

As tuas dores de alma,

minhas serão.

O meu olhar

verás no próprio reflexo,

e então perplexo

descobrirás minha herança.

Tuas lembranças

são a única esperança

para permanecermos

juntos.

















Além do sonho



Cochilou a maior parte da noite.

Os fantasmas passavam despercebidos.

Os gemidos não foram ouvidos.

Várias vezes em sonho acordou.

Quando enfim dormia,

sonhou,

com os arredores da velha cidade,

água de balde,

mesa de esteira,

onde a fome era costumeira

e as crianças não tinham idade.

Contemplava tudo com saudade,

quando de súbito

o sonho mudou,

vê-se diante de um desfiladeiro,

dele despenca em um pesadelo.

Sem perceber que à queda se entrega,

revendo rostos que na vida amou,

de braços abertos,

ele vê de perto

sua própria alma,

sem procurar saída

desaloja-se do seu corpo

vazio de vida,

estendido no chão

de sua sala.















Despicar



Não foram os meus passos

que se afastaram.

Mesmo à distância

minha mão alcança

em vão,

tocá-la.

Não foi meu lábio

que leu tua alma.

Não tiveste calma

ao me descobrir.

Foi tua mão

que abriu meus olhos

para ver-te partir.

Me definiste

em linhas mal traçadas.

Me aconselhaste

a não te seguir.

Contei nos dedos

as horas já passadas.

Voltei para casa,

sem saber

aonde ir.















Na fazenda



Um latido de cão.

Cantiga de grilo.

Na escuridão

um brilho,

um copo na mão.

Cheiro de curral,

vez em quando ouvido

o badalar natural

de chocalho.

Porteira de pau

trabalhado.

Espuma branca,

morna,

contrastando.

Madrugada fria

esperando

pelo raiar do sol.

Na fazenda,

a espera é uma satisfação.















Noite de luar



Noite,

deixa-me ver a lua.

Meus passos trôpegos pela rua

podem me ferir.

Lua,

que a nuvem esconde ao meu olhar,

em um instante de incerteza,

por trás da noite escura e erma,

a vejo voltar.

Noite,

deixa a lua iluminar

a estrada em que eu passo,

em direção ao abraço

de quem está a me esperar.

Lua,

até parece culpa sua

a minha forma de amar.















Antigo amor



Antigo amor,

qual borboleta espetada

numa coleção,

tão bela e rara,

mas sem a emoção

de voar na direção

da flor.

Antigo amor,

perdeu o encanto e o calor,

e tudo que restou

foi a recordação.













A carta



Do lugar em que me encontro,

na data em que aqui me expresso.



Apresso-me a dizer,

prezado, caro ou querido,

não falo a tempos contigo

e ainda há mais tempo ido

que não escrevo a ti.

Estive na vida perdido,

talvez tentando aprender,

não que eu dome o saber,

porém já posso escrever

sem me sentir ofendido

e sem também ofender.

Peço-te encarecido

que leia alguns manuscritos

desse poeta desconhecido,

que dele próprio esquecido

veio tão tarde saber.

Em versos estou a escrever

para mostrar-te o que digo,

espero ser correspondido

e após meus versos teres lido,

conselhos preciso ter.



Sem mais para dizer

de um poeta à outro,

os versos falam um pouco

de tudo que há em nós

e mesmo sem som de voz

berram quando são lidos.



















Sentinelas



Ao anoitecer

somos pequenas sombras

na escuridão.

Qualquer movimento brusco

nos assombra,

acendemos as velas,

somos sentinelas

nas janelas,

vigiamos pelas venezianas.

Nossos cobertores,

nos temores,

tornam-se pequenos.

Gato no telhado

é macabro.

Uma chama a menos,

o vento soprou, apagou a vela.

O medo ouviu:

- peguem no pé dela.

Era apenas uma criança.

É apenas uma lembrança.













Sol e Lua



A paixão que ao sol aquece

o faz rei durante o dia.

Mas quando a lua aparece,

já a noite se inicia.



Lua é sombra quando dia.

Quando noite, iluminada é bela.

Se o sol não se ausentasse, não se veria

a eterna inspiração do poeta.



Estão ambos condenados,

sol e lua,

a brilharem separados

dia e noite,

noite e dia.

















Sem marcas pelo chão



Não há razão,

não há mágica

em nosso chão sem marcas.

As marcas

seriam as lágrimas derramadas

sem razão.

Não há mágica

sem marcas pelo chão.

Não há chão

sem lágrimas derramadas

pela falta do que são.

















Rever-se



É estranho

sentir saudades de seus enganos

em seus ermos anos,

sentimento de vaidade

de quem sonha

com a liberdade

de acertar no agora,

o que talvez

outrora

tenha sido sonho.

















Um sentimento



Se seus olhos suspeitam do que vêem,

os seus lábios indagam a questão,

e os ouvidos duvidam das respostas,

sua razão é dona da emoção.



Você rema pra um destino marcado.;

nunca aceita entregar-se à própria sorte.;

não concorda sofrer subjugado

e jamais se arrisca ante a morte.



Se seus olhos de nada mais suspeitam,

nos seus lábios não há indagação,

seus ouvidos não ouvem um só gemido,

sua razão é serva do coração.



Você é barco que rema sem destino.;

em um jogo de dados lança a sorte.;

como pingos de velas nos seus dedos

são as lágrimas que velam sua morte.















Teatro da miséria



No palco,

a estréia

de corpos cadavéricos

que encenam uma peça,

a miséria.

Assistimos a tudo,

calados.

As emoções são diversas,

lágrimas, risos

ou indiferença.

Uma platéia

que aplaude a existência

de pessoas sem nome,

que por trás do palco somem

para voltar amanhã.

Iluminados,

parecem uma pintura

de mortos

que expressam vida.

Um sucesso de público

o teatro da miséria.

















O dentista



De cabeça baixa,

concentrado em seu trabalho artesanal,

o mundo não lhe faz mal.

A vida não lhe foi ingrata.

Nos pingos de cera que modela a boca escancarada,

com seus dentes sem raiz,

vai deixar alguém feliz,

mesmo que sem graça.

Sua mão refaz

a dignidade de uma boca envergonhada.

Busca a perfeição

numa profissão tão desvalorizada.

Mas seu maior dom,

é ser um homem bom

e amar aquilo que faz.















O doador



O medo que sussurra na alcova

é uma prova para a minha coragem.

O pior é saber que não há volta

dessa insuportável viagem.



Apenas uma chama que se apaga.

Em uma cama uma boca que se cala.

Um aparente sono, sem sonho, sem eternidade.



E na urgência o meu corpo se reparte

entre outros que anseiam cada parte.

Meus olhos deram luz e liberdade

a quem há muito tempo nada via.

Os meus pulmões despertaram a alegria

em alguém que respirava com dificuldade.

Meu coração novamente bombeava

um sangue jovem que à vida tanto amava.



A minha casa é só luto e tristeza

ao mesmo tempo em que outras, euforia.

Mas de uma coisa podem ter certeza,

vale a pena doar com a morte, a vida.















Pontuação



Soletrei as sílabas,

engatinhava

pelas páginas

nas pequenas pausas

da vírgula.

Meus tropeços nas palavras,

nas maiores pausas,

ponto e vírgula.

Entre exclamações,

minhas interrogações.

Muitas travessuras,

os travessões.

Buscava impaciente,

afinal,

pelo alívio do fim

no ponto final.















Paixão pela camisa



Coração redondo que quica,

que é chutado e amado

no gramado verde que desliza.

O valor da camisa

é pelo quanto suado.



Um gol,

gritos alucinantes

tragados

pela emoção do jogador.



Quanta dor ao torcedor,

a vitória do adversário,

uma queixa eterna

criada

na desculpa do perdedor.















Sem esperança



Como queria na vida

ver essa cerca quebrada

e essa terra plantada.

Que nada,

pra cada cerca quebrada

há uma vida perdida.

Mas não há cerca

que me pare

e nem há farda

que me cale,

ainda.

Estou barrado

com esse arame farpado

a me arrebentar o peito.

Estou cansado,

até correndo perigo,

mas não tem jeito.

E se levar um tiro,

será por um motivo

justo.

Não quero briga,

mas quem manda é a fome.

Já não tenho nome,

me chamam

sem terra.

Não olho a rua

por não ter janela.

Não tenho vasilha

por não ter comida.

Não tenho idade,

sou apenas velho.

E na circunstância,

não tenho esperança,

só vivo de guerra,

que nem sempre é minha.

Se não tenho mesmo

nada nessa vida,

o melhor seria

me chamar

sem mundo.

















Sete



Sete filhos,

o último a nascer.

Seu lugar

era a terra prometida,

sete palmos

abaixo dessa vida.

Sete vidas,

escapava por acaso.

Sete anos,

o fato é consumado.

Sete salmos

são lidos por alguém.

Sete tábuas

compunham o caixão.

Sete velas

para iluminar o além,

que não ia além do chão.

Sete dias,

resaram uma missa,

ritual pra melhor aceitação.

Sete séculos,

matem-se a tradição.

Sete vezes,

durante sete noites,

visitar o túmulo de sete,

o santo dos mentirosos.















Terra de criança



Abri a porta,

olhei em volta a terra na lembrança,

meu lugar quando criança.

De volta a velha carroça à sombra de uma

castanhola.

Dentes arroxeados pelo fruto que mastigo.

Se viver ali fosse um castigo,

eu queria para sempre ser castigado.

Quanto tempo faz, já não lembro,

só sei que é passado.

Passado que me acompanha caminhando sem

[pressa.

Nunca realmente parti.

Quando estava longe, em ti permanecia,

na calma,

na falta do que fazer.

Aonde estaria eu se não voltasse sempre

[a você, na lembrança,

terra minha,

terra de criança.













Tédio



Aborrecido com os dias

de barulho ou de silêncio,

de calor ou frio intenso,

de poeira ou chuva fina.

O que será isso?

Entediar-me por não ter um compromisso,

ao mesmo tempo

achar que o trabalho não termina.

Eu tenho pressa,

mas me arrasto pela vida.

Que dor é essa,

numa ferida

que não pára de sangrar?

Um coração que até o ódio sabe amar,

e um olhar

que não procura uma saída.

Adormecido sobre os ombros da tristeza,

acordo com a mesma certeza

que a vida continua vazia.















Xadrez



Sua vez

senhora,

sua vez.



Mais que jogo difícil

é xadrez.

Um cavalo que quer

domar o rei.

Onde o bispo

elimina os peões.

Uma torre

que não pára no lugar.

Uma dama

que domina o tempo inteiro,

a rainha,

a dona do tabuleiro.



Sua vez

senhora,

sua vez.

















Visões



Os meus chinelos

são bocas de peixe

querendo me devorar.

O guarda-roupa,

a centralizar

na imensa parede do quarto,

um sarcófago da modernidade.

Um adorno na pequena cômoda

incomoda

com seu olhar de eternidade.

As telhas de barro cozido

se materializam em escamas

que me mantém sobre a cama

na qual estou estendido.

A janela aberta é um portal do tempo

que através do vento

prenuncia em meu ouvido:

- Levante-se criatura,

são apenas visões futuras

de um passado esquecido.

















Confuso



Continuei sorrindo,

assim me ensinaram.

O sorriso é o espelho do palhaço.

Que dia é hoje,

se amanhã será o ontem do depois?

Já me perdi.

Quero que me encontre,

perdido em sorrisos no dia de ontem,

que hoje é, o amanhã de outrora.

Senhora,

perdi-me em seus braços,

no tempo em que seus olhos sorriam pra mim.















Sobre trilhos



Seguindo a linha dos meus pensamentos

atravesso montanhas.

No escuro túnel não vejo

a ferrugem comer os trilhos que me levam ao passado.

De súbito,

minhas lembranças são interrompidas quando descarrilo.

Uma luz ofuscante

deixa-me ver por um instante,

um tempo já esquecido.

E sobre os trilhos sinto-me impotente.

Estou de volta ao presente

sem ter chegado ao passado.













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