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cronicas-->Umbigo -- 10/07/2003 - 00:04 (Tiago Xavier) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dois amigos numa mesa de bar:

-Sabe, estava aqui pensando numa coisa...
-Que coisa é esta? Tomou vergonha na cara e vai fazer um regime. É isso?
-Não me amola. O assunto é sério.
-Se estiver precisando de grana, eu empresto. Pode pedir.
-Não, não é isso. É coisa minha. Deixa pra lá.
-Nunca te vi tão sério rapaz. Diga-me o que aconteceu. Afinal, somos ou não somos amigos?
-Sim. Mas o assunto é sério pra mim. Pra você vai parecer piada. Não quero ninguém rindo da minha cara.
-Prometo, não vou rir.
-Jura?
-Juro.
-Bem, estou pensando no meu... . Você vai rir... .
-Não vou rir. Diga, estou esperando.
-Tá bem. É sobre o meu... . Não, eu sei que você vai rir. Deixa pra lá. Já disse que é coisa minha.
-Tem alguém rindo por acaso. Deixa de frescura e diga logo, vá... .
-Estou pensando no meu umbigo. Pronto, falei.

O outro, primeiramente, anulou seu semblante de curiosidade para depois dar existência a uma sequência de expressões: primeiro de espanto. Depois fez um ar pensativo que em segundos se transformou num semblante de compreensão. Logo depois fez aquela cara peculiar de quem tenta conter o riso, diante da reprovação do amigo:

-huhuhuhu. hihihi. HuHAUhauHAUHUAHuhaUAHUhauHUAHUhaUHAUh!!!!!
-Eu falei que você riria!
-Claro! Nunca vi alguém tão preocupado com o umbigo. A não ser que ele esteja infeccionado.
-Não é infecção nem nada. Já disse que o assunto é sério. Vamos mudar de assunto porque já estou ficando incomodado.
-Claro, você só pensa no seu umbigo! HáHáHáHá!
-Piadinha torpe.
-Desculpe, não me contive. Mas diga lá! Qual tua preocupação com o seu, heheh, umbigo?
-Execrável. Mas esquece, já disse!
-Nada disso! Agora vai ter que falar! Sinceramente? Acho que você está pirando.
-Não estou pirando, estou pensando. Coisa que você devia fazer.
-Calma rapaz! Foi só uma brincadeirinha! Como já notei que você não está disposto a brincadeiras, vou ficar aqui só ouvindo. Qual a causa de preocupação com seu umbigo? É um buraco na barriga, nada mais...
-Não falo dessa minha cicatriz na parte anterior do ventre, resultante do corte do cordão umbilical. Quando digo umbigo, falo no próprio cordão umbilical. Aquilo que foi jogado fora no dia em que nasci.
-Cicatriz, parte anterior do ventre. Você está erudito hoje em?
-Vai me deixar falar ou não?
-Desculpe, prossiga meu caro.
-Como você sabe, completei quarenta anos na semana passada...
-Pois é rapaz. Que festa boa você deu. Regada a uísque e caipirinha. Você conseguiu o telefone daquela loira que estava bêbada na festa? Aquela balzaquiana que queria fazer um strip-tease e as casadas não deixaram? Desculpe, continue...
-Ao completar quarenta anos, fiz uma revisão de tudo o que fiz e também de tudo o que eu deixei de fazer.
-E?
-Será que isso é a chamada Crise dos Quarenta?
-Não sei, não sei. Ainda tenho trinta e nove.
-Bem. Notei que durante minha vida toda, sempre dividi as coisas. Nunca guardei nada além daquilo do que eu realmente precisava. Nunca acreditei num Deus ou coisa parecida, mas sempre achei bonito dividir, compartilhar, ajudar. Essa coisa cristã dentro de mim, mesmo eu sendo muito cético.
-Isso é verdade. Até namoradas você já dividiu.
-Do que você está falando? Como soube dessa história?
-Deixa pra lá. Continue.
-Então. Quando criança, nas vezes em que eu ganhava um pacote com balas, dados pelo meu pai, corria pra rua pra distribuir com a turma. Tinha dias que eu não sentia o gosto de uma bala sequer, mas me sentia feliz em ver a molecada fazendo a festa. Todo mundo rindo, aquela gritaria.
-Realmente, você sempre foi um grande amigo.
-Na minha mocidade, comecei namorar uma garota. Estava apaixonado. Um grande amigo também estava apaixonadíssimo, por uma loirinha pequenina que cursava técnicas industriais. Eles estavam na mesma sala, mas ela não lhe dava a mínima bola. Emprestei minha namorada pra esse amigo, que diria estar apaixonado e faria ciúmes pra tal loirinha.
-Essa eu não sabia. Seu amigo ficou com a pequenina?
-Nada. Ele e minha namorada se apaixonaram. Estão casados até hoje. Durante dez anos, não tive notícias da loirinha. Depois a vi numa peça de teatro, onde ela interpretava uma lésbica perneta. Hoje estamos casados.
-Mas sua esposa não é loira.
-Aquilo é tinta meu amigo, fui eu quem deu a idéia.
-Até idéia você dá rapaz. Sabe o que o pessoal fala de ti, não sabe? Que você é tão bom, que chega a ser bobo.
-É justamente neste ponto que entra meu umbigo.
-Não entendo.
-Eu explico. Dessa revisão que fiz, das maneiras como a vida foi me trazendo até onde estou hoje, com um bom emprego, com uma vida razoavelmente estável, tiro a conclusão que sou um cara desprovido de possessividade. Se for preciso, tiro do meu pra dar pra alguém, só pra ver o sorriso desta pessoa.
-E o que teu um umbigo tem a ver com isso.
-Justamente a falta desse egoísmo que é tão presente na sociabilidade humana. Eu sou um antiegoístico. Mas essa ganància é presente, desde os primórdios, desde que o mundo é mundo, no caráter humano. Acho que minha porção de amor-próprio excessivo, que me levaria a olhar apenas para meus interesses em particular, desprezando os alheios, foi separada de mim quando cortaram meu umbigo. Uma parte de mim foi jogada fora, no lixo do hospital.
-Mas meu umbigo também foi jogado fora, e eu sou um cara muito egoísta.
-Minha teoria é a seguinte: Quando se joga o umbigo da criança no lixo, alguma aptidão que ela poderia ter durante sua vida também é jogada fora. No meu caso foi a busca de honra, poder, status. Nunca guardei dinheiro. Você sabe que hoje eu poderia estar rico, mas isso não vem ao caso agora...
-No meu caso, o que acha que eu perdi?
-Você toca bongó?
-Não!
-Então você deve ter perdido a capacidade para o bongó. Meu avó, por exemplo, nasceu cego.
-O que isso tem a ver com o umbigo?
-Ele perdeu a visão quando jogaram o umbigo dele fora.
-Você está realmente ficando maluco.
-Mas o problema maior está no meu egoísmo perdido. Uma aptidão artística jogada fora morre junto com o umbigo. Mas o egoísmo é tão egoísta que ele se desenvolve, faz do umbigo sua morada material, e se torna alma renegada desta carne morta.
-Por que é que eu fui deixar você falar...
-Acho que meu umbigo hoje é o Bush.
-Ai meu Deus!
-Ele se desenvolveu, saiu do cordão umbilical que fora jogado fora e migrou para o corpo do Bush. Por isso essa política centralizadora. Tudo para os Estados Unidos. Eles se consideram os donos do mundo.
-Mas não é só o Bush que é assim. Muitos americanos também são.
-Meu umbigo deve ter se espalhado. Hoje ele está esmiuçado na população norte-americana. Meu umbigo é o cerne da identidade cultural americana.
-Isso é uma questão histórica. Você está ficando louco. Francamente...
-Mas pela primeira vez na vida, quero alguma coisa pra mim. Quero meu umbigo de volta, meu egoísmo. Seria muito melhor ele estar centralizado numa só pessoa do que espalhado numa população arrogante.
-Eu vou embora. Não vou ficar aqui ouvindo essa conversa mole. Tome esse dinheiro, pague as cervejas.
-Pode deixar que eu pago. Dinheiro pouco eu tenho muito.
-Tudo bem. Mas vou tomar esse copo aqui, pra não perder o costume.
-Hei. Esse copo é meu. Solta meu copo seu canalha. Se não quer me ouvir sobre meu umbigo, não tome minha cerveja.
-Logo vi. Você não é tão generoso assim...

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