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cronicas-->Unicidade -- 16/07/2003 - 12:24 (Valéria Tarelho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Unicidade

"Eu, depois de morrer, depois de tanta
Tristeza, quero, em vez do nome - Augusto,
Possuir aí o nome dum arbusto
Qualquer ou de qualquer obscura planta!"
-Augusto dos Anjos-




Em família, me chamam de Lela. Tudo teve início quando minha irmã, Sílvia, começou a balbuciar meu nome: Valéria. Na linguagem dela, era "Valela", daí, ao Lela, foi um pulo. Mãe, pai, avós, tios, primos, irmãs, amigos...para todos, tornei-me Lela.
Nunca gostei do apelido: me remetia à lelé , lesa - algo de desmiolada e tola. Cresci, adolesci, namorei, casei e, até o fim de meu casamento, fui Lela. A contragosto, mas já era inerente a mim. Vinculado: dos pés, até a raiz do último fio de cabelo; espalhando-se por dentro, infiltrando-se, apossando-se de minha identidade desde o momento em que a pequena infante pronunciou errado meu nome.
Meu ex-marido ainda me chama de Leculé (a centopéia, do "um sapato em cada pé"). Essa variante da alcunha, era um carinho dele para comigo. Carinho que se perpetua - em ambos - mesmo rompidos os vínculos (se é que nossa ligação teve fim). Ele sempre foi assim: cheio de desvelo e brincalhão. Carinho como o nosso não termina com o final da união. Está sedimentado em fortes alicerces, erguidos no solo da amizade - base e suporte para toda a eternidade -, desde princípio, meio e para todo o sempre. Não há mágoa, distància ou qualquer fato - pretérito ou superveniente - que a abale. Nada que a deteriore. Nem mesmo a morte - de um, de outro -, pois, ao invocar a memória, esse carinho será um manto de conforto, aplacando a dor do que ficou.
Nos separamos. Não somos mais um casal. Não mais um par. Tornamo-nos pais, apenas, de nossas crias. Construímos outra família. Remanesce esse carinho indefinível, que não se rotula, que não termina.
Separei-me, também, daquela pegajosa e indesejável Lela. Descartei-a, já que não tinha como aniquilá-la. Plantei uma nova semente, em outra terra. Germinei. Brotei, julgo que, mais bela - ao menos no cognome com o qual renasci: Val. Para os novos amigos, amores, afetos e desafetos, sou Val. Gostem ou não de mim, sou Val. É assim que eu gosto. É assim que serei conhecida até meu fim pelos que chegaram a minha vida após trinta e cinco anos de existência como Lela. Tracei uma paralela em meu caminho, denominada Val, desvinculada daquela que, desde a mais tenra idade, me acompanha: Lela. Lado a lado com a Val, seguindo em frente no mesmo plano - paralelamente - sem nunca se cruzarem, sem pontos em comum. Minto: talvez haja um ponto de encontro no infinito.
Mudei, como dito. Feito muda de planta que se replanta em local definitivo para, ali, se desenvolver. Algumas pessoas não me viram florescer - ou porque estão longe de meu jardim, ou porque preferem assim: manter a imagem da jovem que sempre foi do mar. Lela: filha mais velha do Jovem e da Aliete. Hoje sou terra. Sou grama. Sou regada a água doce. Minha subsistência agora depende, não do sal, mas do mel - meu próprio néctar. E do Sol, que aqui brilha intenso, quase que perene. No litoral, há mais dias de chuva. Me sentia úmida, mesmo quando seca. E não sou pluvial. Minha morada é este Vale onde me arraiguei. É este céu interiorano, onde eu e o Léo, o homem que amo, nos abrigamos. Vale, coincidentemente, do princípio de meu nome.
Para muita gente de meu passado, vívida em meu presente, eu, Valéria, sou Lela. Não tenho pais e avós. Morreram antes de nascer a flor Val. Partiram muito antes da mudança geral que se deu em minha vida. Mas para tios, primos, irmãs, para amigos antigos e para meu ex-querido-marido, por mais que eu cresça, ainda que o tempo passe e vinque minha face de criança-adolescente-mulher e esculpa sulcos: externos e aparentes e, outros, ocultos no mais profundo recóndito de minh alma; ainda que eu envelheça e não me pareça em nada com ela - aquela "desmiolada e tola" -, serei eternamente Lela. Para todo o sempre Lela, em suas lembranças. Lela, em suas preces, no meu além-vida. Lela, após o final dos dias em que optei viver como Val.
Talvez, justo aí, elas se encontrem: na morte. E seja esse o ponto no infinito onde, afinal, se fundem: Valela, como no princípio, quando eu ainda era fruto.

" Eu, ao final das agruras e venturas,
ao retornar às cinzas, ser o pó da extinta matéria
quero, no marmóreo de minha cripta, um só nome - Valéria,
assinando esta prosa, escrita com a tinta esperançosa da verdura."
- Valéria Tarelho -



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