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Cronicas-->Na calada da chuva -- 16/07/2003 - 16:21 (Maria Abília de Andrade Pacheco) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Junto com a chuva, canções de outros tempos desabam lágrimas, saudades ritmadas, linhas pontuais, adornos de vidro nas bordas dos galhos. Centrifugando a gororoba, carros em disparada cantam pneus emolientes num asfalto sem ternura. Um apartamento do terceiro andar vaporiza os vidros de fachada e parece que vai explodir a qualquer momento como um liquidificador desgovernado. Notas longínquas de um piano. Alguém tamborila dedos na borda de alguma mesa, dura madeira de anos. Passos percutem nos tacos da sala - talheres respondem alheios na cuba da pia. A cozinheira cantarola manias - o motor da geladeira liga ora...ora. Alguém abre a janela, e é de uma vez só. Depois fecha (ou é o contrário). O vento assobia na porta malfechada da sacada. Olhos piscam circunspectos. Coração retumba grave. Portas se trancam - ou se abrem, que afinal todos sabem: uma porta se fecha, sinal de que outra se abre. Alguém resmunga - ou ri. Tudo um coquetel de cantos, choros, gritos, triturado no vácuo. Pintos molhados, confortados pelo calor de uma chocadeira último tipo. Vidas penduradas num varal para secar, até que a chuva, enfim, desista. E são tantos os ritmos, tantas as modas antigas, tantos os mantras recolhidos, que não dá para prestar atenção em nada. Microscopicamente, o invisível poreja, viceja e prolifera, faça noite faça dia, faça calor faça frio, faça sol faça chuva. Sem que ninguém diga amém. O despercebido se faz nulo porque vive à custa do descaso. Quantas teias de aranha precisarão ser construídas? Quantos redemoinhos de poeira precisarão dançar na calada? Quantos ninhos de rato terão que caber num único quarto? Tanta vida nesses becos sujos. Vira e mexe, as coisas dão um basta, e começa a festa. Não tem jeito: dia mais, dia menos, vem outro terremoto e pulsa tudo mais uma vez. Não existe um campo pontilhado que, traço a traço, faça brotar lindas histórias com princípio, meio e fim. Tudo é fumaça, pó, algo bem volátil. Breve e definitivo, como um soco, cujo hematoma sobrevive na dor. Não adianta tecer crochê, emendar retalhos numa colcha king-size. Para que juntar cacos de vida em mosaico? O máximo que se consegue é chegar ao fim da obra, e daí? Que adianta contemplar lembranças costuradas num bordado? Nada mais zero. Mas a chuva. E a poeira amortecida em pleno meio da sala. Real, eterna, vivinha da silva. Na dela.
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