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Artigos-->Nietzsche versus Wagner -- 05/08/2002 - 15:20 (Dante Gatto) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nietzsche versus Wagner



Sabemos da aproximação de Wagner e Nietzsche, e é inquestionável a importância deste, no que se refere às manifestações do Espírito. Na Alemanha, Goethe já havia representado um modelo similar em contraposição ao Barão von Stein, no começo do século. Emil Ludwig, em sua obra Os Alemães é bastante elucidativo: “A falta de harmonia entre o Espírito e o Estado no século XIX é simbólico e interessante, porque já não se trata de burgueses revolucionários lutando contra príncipes estúpidos e egoístas. Ao contrário, tanto em 1813 como em 1870, dois barões energéticos [Stein e Bismarck] combateram a favor do poder da Alemanha ... enquanto os dois sábios solitários [Goethe e Nietzsche] sacudiam a cabeça, num gesto apreensivo”.



Nietzsche “é comparável a um farol postado no extremo da praia do século”, afirma Ludwig. Utilizaremos, pois, a luz deste farol para examinarmos nitidamente a complexa figura de Wagner e a sua grande significação para o povo alemão.



Nietzsche desenvolveu um verdadeiro culto a Wagner. Data de 1869 o primeiro encontro, em Trebischen, próximo de Lucerna. Confessa Nietzsche, em carta à mãe, serem aqueles dias, na companhia de Wagner e Cósima, entre os mais belos e mais felizes de sua vida. Cósima Liszt von Büllow, filha de Liszt, tinha trinta e dois anos então. Abandonara tudo (pai, marido, filhos, religião, posição, sociedade) em nome do seu amor por um qüinquagenário quase desconhecido. Contudo, nestes belos dias, insinuam-se no coração de Nietzsche, algumas nuvens que anunciam chuvas longínquas: ele tem a impressão de que Wagner se serve dele e lhe dá a sua própria concepção do trágico; quer a deliciosa impressão de que, com a ajuda de Cósima, levara Wagner até verdades que este nunca teria descoberto sozinho.



Em 1870, por ocasião da guerra franco-prussiana, Nietzsche serviu o exército como enfermeiro, mas por pouco tempo, pois logo adoeceu. Liberta-se, porém, de um certo nacionalismo, uma certa simpatia pela Prússia e por Bismarck. Surge o seu desprezo pela Alemanha e, mesmo, demonstra uma incapacidade de conviver com os alemães. Identifica, então, claramente que a vitória das armas não significa um sinal de elevação cultural.



Em 1871, publicou O Nascimento da Tragédia em que, se costuma dizer, o verdadeiro Nietzsche fala através das figuras de Schopenhauer e de Wagner. Aliás, Nietzsche, pouco antes, fora atraído por Schopenhauer, pelo ateísmo; pela prioridade que a experiência estética ocupava em sua filosofia e, sobretudo, pelo significado metafísico atribuído à música. No campo artístico-filosófico, O Nascimento da Tragédia é colocado na linha de frente do processo de remitologização da cultura.



O livro foi mal acolhido pelos filólogos e pelos críticos em geral. Havia sido nomeado, em 1869, professor de filologia em Basiléia e agora se encontrava diante da incompatibilidade que o momento oferecia, isto é, a discrepância do pensador privado e o professor público. Em 1879, pedirá demissão do cargo na Universidade. É verdade que contribuiu definitivamente para tal, o crescente desinteresse em relação ao seu curso, em função dos sérios problemas de saúde que tornavam sua voz quase imperceptível. Confessou, então: “A doença libertou-me lentamente … poupou-me toda a ruptura, toda a diligência violenta e escabrosa...”



Em 1875, nas Considerações Inaturais: Wagner em Bayreuth, Nietzsche manifesta explicitamente suas reservas ao compositor. A inauguração de Bayreuth (onde Nietzsche compareceu, mesmo doente) causou-lhe repugnância: o clima de quermesse, a presença do velho imperador, o entusiasmo grosseiro da multidão e, ainda, a aspereza de Wagner embevecido pelo sucesso. Se Wagner era uma compensação para a existência do Nietzsche/professor, o rompimento com o cargo ocorre ao mesmo tempo do afastamento da nova imagem do músico que se afigura. Obtém uma pensão da Basiléia, por interferência de seu amigo Franz Overbeck, e começa uma vida itinerante, procurando um clima propício para atender às contingências de sua saúde debilitada.



Encontra Wagner pela última vez em Sorrento e é ferido de profunda decepção, diante do antigo mestre, tornado nacionalista e piedoso. Dioniso desapareceu completa e definitivamente.

Em 1878, publica Humano demasiado humano Um Livro para Os Espíritos Livres, em que trata com infinito desprezo a civilização da Alemanha de Bismarck, que reputa de mesquinha e servil. Julgava-se um “bom europeu” e, neste sentido, condenava os alemães com o movimento racista que claramente se anunciava.



Todas as relações que o ligavam a Wagner acabaram por serem rompidas. Afastou-se da filosofia de Schopenhauer: a “vontade culpada” é substituída pela “vontade alegre”. Parecia-lhe imprescindível no sentido de remover os obstáculos da moral e da metafísica. Nietzsche referia-se aos valores como “humano demasiado humano”. Os homens se esquecem da criação dos valores, atribuindo-lhes uma origem “transcendental” como se nelas houvesse algo de “eterno” e “verdadeiro”.



O rompimento com Wagner, também, era em razão de considerar que o músico cedia à influência do pessimismo schopenhauriano. Nietzsche, portanto, não podia considerar sua música, como antes o fizera (Origem da Tragédia), o “renascimento da grande arte da Grécia”. Eram parentes, considerava ele, porque expressam a decadência, isto é, a fraqueza e a negação.

A figura do antigo mestre decadente, no entanto, perseguira Nietzsche até seus últimos escritos. No O Crepúsculo dos Ídolos, publicado em 1888, Nietzsche ataca-o violentamente: “O artista da decadência” e o “Cagliostro da Modernidade”.



Emil Ludwig, praticamente sessenta anos depois, reconhecerá, curiosamente, a responsabilidade de Wagner por tudo aquilo que o mundo atribuiu a Nietzsche, aproximando-o assim ao “Fueher”.



Wagner aceitava e recusava qualquer convicção de acordo com o que lhe convinha, extremamente suscetível ao sucesso: de revolucionário passara a amigo do rei; de inimigo dos alemães, a patriota; de hedonista transformara-se em pessimista; assim também foi o único artista germânico da época que se mostrou disposto a acompanhar Bismarck e o novo Reich.



Pretendemos retomar o assunto.



Dante Gatto

Professor da UNEMAT (Universidade do Estado de Mato Grosso)

gattod@terra.com.br



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