EPíLOGO
Três dimensões. Altura, largura e profundidade. São esses os pilares do nosso mundo. Sobre eles, como suseranos em seus domínios, içamos velas, estendemos asas e deitamos pés. O tempo, porém, existe e é a fera. Que ao contrário de tantas outras a quem conseguimos, com astúcia, enjaular, nos encarcera. É a quarta dimensão. A única à qual estamos presos. A que nos impõe os limites da existência e nos deforma com estigmas que revelam o quanto já estivemos sob o seu jugo.
É o tempo quem, compassada e sucessivamente, nos mata em pleno gozo de nossas vidas. Foi assim com o viajante. Vitimado pela metamorfose dos anos, morreu o ser que errava avidamente por entre as maiores, mais difíceis e prazerosas distàncias. Morreu também a matriz. Não como instituição mas como ambiente. Filiais morreram. Algumas foram até fechadas. Das sete pelas quais passei neste último roteiro, restaram somente cinco. Paramirim e Rio de Contas agora existem apenas nas lembranças; numa direção dimensional que só em pensamento nos é permitido acesso.
Mas, assim como mata, o tempo também traz à luz vidas. Novas vidas. E quando morreu o viajante, sob sua própria pele nasceu outro ser. Diferente. Com mais raiz e menos ímpeto; mais defeitos e mais qualidades. Do mesmo modo nasceu também outra matriz. Menos coesa e mais revanchista; mais forte para a luta e mais fraca para a paz.
Como ocorrido durante a elaboração dos atos desta ópera-bunda, sempre que lançamos mão das lembranças e tentamos seguir para a direção proibida, trazemos à tona tudo o que a avidez do tempo fez submergir no passado. Ressuscitarmos personagens, fatos, caminhos, angústias, amores. E quando os velhos sorrisos ou as já guardadas lágrimas retornam aos nossos rostos, temos a sensação precisa - e preciosa - de estarmos lá outra vez. Mais que isso, nos invade a certeza de que nem mesmo o tempo é capaz de nos imolar, pois é do que deixamos para trás que agora nos compomos.
Lembrar, portanto, é dialogar com o tempo. É rejuvenescer através do pensamento e dizer não ao fim. Pois - pensando melhor - não é o tempo quem nos mata, mas o esquecimento.
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