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cronicas-->Ópera-bunda (sexta-feira) -- 19/07/2003 - 13:03 (Jayme de Oliveira Filho) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
.:: Prólogo - Segunda - Terça - Quarta - Quinta - SEXTA - Epílogo ::.


SEXTA-FEIRA

O cansaço é como um canto de sereia, envolve e enfeitiça sutilmente até roubar os sentidos sem que se perceba. E na última noite do roteiro, enquanto via inquieto o fim de cada hora, não me opus àquela sinfónica silenciosa. Queria dormir. Precisava! Mas, contrariando a minha própria vontade, permaneci acordado durante quase toda a madrugada.

Exatamente às cinco horas da manhã, porém, Jajá bateu à porta do quarto. Assustado com sua veemência - típica de quem já repetiu algumas vezes o chamado -, quase em um único movimento me pus de pé, vestido, e com ares de quem apenas o aguardava para seguir viajem.

- Bom dia Jajá. E aí, tudo certo? Vamo nessa!!! Vamo nessa!!! - Falei apressado, enquanto esfregava com os nós dos dedos as olheiras.

Jajá é mesmo um sujeito muito prestativo e boa praça. A viagem que fizemos escutando Beatles, Queen, Titãs e outros clássicos foi ótima. Rimos e conversamos fartamente. Tanto, que quando chegamos em Barra da Estiva - mais ou menos às sete e meia - parecia que tínhamos acabado de deixar Piatã.

Mas o dia estava apenas começando e prometia ser longo. Já avisado desde a véspera sobre a minha chegada prematura, o colega de Barra da Estiva apenas aguardava um contato para abrir a filial. Liguei para sua casa, fui prontamente atendido, e em poucos minutos já dava início ao trabalho. Só então Jajá retornou para Piatã, levando consigo minha gratidão e, principalmente, minha amizade.

Desta vez o trabalho foi rápido e limpo. Os equipamentos estavam velozes, configurados, cheirosos e bem dispostos. - Ótimo! Encerrei as atividades antes do previsto e sem nenhuma perda de tempo fui até a agência para, em seguida, embarcar rumo a Ituaçu. Bela paisagem. A poeira fina dos outros dias de roteiro dera lugar a um verde profundo, que com exuberància cobria as montanhas íngremes ao pé das quais eu viajava.

Estava confiante com o sucesso daquela primeira etapa. Ainda não chegara sequer ao meio da manhã e já havia vencido a maior parte do caminho até a segunda cidade do dia. Dali para a última, conforme me indicava um mapa, seriam poucos quilómetros apenas. Um detalhe, porém, me incomodava um pouco: minha barriga mexia mais que o normal; mais que o devido.

Também em Ituaçú os computadores estavam ótimos e mais uma vez o trabalho foi rápido e limpo. Os colegas daquela filial, inclusive, conseguiram para mim uma carona até Tanhaçu, o que me fez economizar um precioso tempo de espera. Não fosse minha barriga, cujos movimentos se intensificavam, teria apenas razões para me alegrar. Àquela altura - mal alcançava o sol o zênite - o cumprimento do roteiro estava assegurado e já sentia na boca o doce sabor da vitória.

Mas a minha barriga, definitivamente, não estava nos seus melhores dias. Enquanto viajava em direção a Tanhaçu, tentava contabilizar as poucas oportunidades que tive nos dias anteriores para - digamos assim - fazer uma limpeza, e me apreendia. Vale ressaltar que não estou me referindo a uma simples varrida na fachada, mas a uma verdadeira faxina: da sala de visitas aos cómodos do subsolo. Uma espécie de bota-fora, para ser bem claro! Havia, e era impossível não perceber, muito mais créditos que débitos na minha contabilidade fisiológica. Um estorno, portanto, era cada vez mais necessário!

E o calor causticante de Tanhaçu não ajudava em nada. Ao contrário, me exauria. Resultado: enquanto meus dedos configuravam os equipamentos da derradeira filial, meus pêlos se ouriçavam e minha testa derramava suor sobre o resto do corpo que apenas existia. Sem saber o que se passava comigo, os colegas - num gesto de extrema delicadeza e atenção - me ofereceram até um suco de caju. Tive menos forças para recusar que para beber. Além do mais, a minha situação já estava de tal maneira crítica, que duzentos mililitros de suco não iriam fazer lá grande diferença.

Pelo menos, e para a minha sorte, também ali os computadores estavam em perfeitas condições de uso. Em virtude disso, em muito pouco tempo eu me vi livre para levantar - cautelosamente! -, guardar os disquetes, fechar as caixas, a mochila, e pór fim aos trabalhos daquele roteiro final. O relógio ainda não marcava três da tarde.

Como se essa sensação me fosse permitida naquele momento, estava feliz. Tanhaçu não era apenas a última dentre sete cidades, mas dentre muitas; de muitos outros roteiros. Só que, a rigor, minha barriga não tinha nada a ver com isso. E reclamava. E mexia. E me fazia tremer com calafrios intoleráveis. Até que não aguentei:

- Tem banheiro aqui? - Perguntei ao colega da filial. A resposta, naturalmente, eu já sabia e era positiva.

Minha natureza naquele instante já estava mais próxima da de um vulcão. Creio que em muitos poucos aspectos eu me assemelhasse a um ser humano. Se quisessem, portanto, àquela hora me batizar, não tenho dúvida que Vesúvio seria um nome bastante apropriado. Mas, embora vulcão, ainda me restava um pouco de dignidade humana. Em pé e sozinho dentro do limpíssimo banheiro que servia tanto à filial como às outras empresas do lugar, não tive outra alternativa senão conter minha própria erupção. É que - economicamente falando - não seria em um único balancete que crédito e débito se equilibrariam novamente. Aquilo era coisa para uma ação plurianual. Algo que pertencia ao universo do longo prazo!

Não tive outra alternativa: passei um pouco de água no rosto e dei meia volta. Com um sorriso amarelo, agradeci a colaboração dos colegas, o suco, e fui para a minúscula rodoviária carregando pesadamente a mochila cheia de tralhas. O caminho, não muito maior que quinhentos metros, se agigantou a ponto de parecer sem fim.

A minha última alternativa, não tinha dúvida, seria mesmo a rodoviária. Um banheiro - pequeno e sujo que fosse - haveria ali. E havia. Pequeno e sujo, exatamente como o previsto. Ou, para ser mais exato: bem pior que o previsto. Porcos não chafurdariam naquele lamaçal. É inimaginável o que jazia atrás da porta surrada que separava da civilização aquele antro. Uma única tonalidade marrom escura cobria chão, paredes e teto. Uma pia quebrada e sem torneiras pendia logo abaixo do que restou de um espelho oval cujos cacos, espalhados pelo piso e quase totalmente encobertos por uma nada misteriosa substància ocre, refletiam com dificuldade a luz abafada que invadia o cubículo através de uma única e minúscula janela elevada. O calor de Tanhaçu era intenso. Cozia. Atiçava os odores daquele submundo.

Minhas mãos então já tremiam. Meus pêlos já não se quietavam e eu sabia o que precisava ser feito. Da maneira como as coisas estavam, o perigo era iminente! Eu poderia entrar em erupção a qualquer momento! Não havia, pois, outra saída a não ser aceitar os fatos. Aquela era mesmo a minha sina e ponto final. Como um boi seguindo para o abate, fui dar providência do último e valioso recurso que me faltava: papel! Caminhei praticamente arrastando os pés até um pequeno mercado onde comprei sem palavras um "pacote" unitário e voltei respirando raso. A partir de então, tudo passou a acontecer meio que em càmara lenta. Cada passo era um obstáculo a ser vencido e quanto mais perto chegava, maiores eram os calafrios e dificuldades. A coisa chegou a tal ponto que quando finalmente entrei no subterràneo para passar as minhas notas, nem me preocupei com mochila, disquetes e carteira que havia deixado, à mercê da sorte, bem no meio da rodoviária. Sabia que quando acabasse aquela provação e se fechasse atrás de mim a porta do caos, pouco me importaria se algo, ou tudo, tivesse sido pilhado. Eu estaria leve e puro demais para me ater à matéria.

Os detalhes acerca do ocorrido durante a minha - digamos - erupção antípoda, pertencem ao mundo dos pesadelos. É prudente, então, que de lá não saiam. Mas, apenas como referência aos malabarismos que viabilizaram toda a operação, um nome: Kama Sutra!

Às dezesseis e trinta embarquei - com mochila, disquetes e carteira - de volta para Conquista. Estava lépido. Não subi simplesmente os degraus de acesso ao ónibus, saltei-os. E com o sorriso incontrolável que exibia no rosto, devo ter parecido, aos que me olhavam curiosos, um idiota. Mas eu não estava nem um pouco preocupado com isso. Tinha certeza que o fim do trabalho, das agruras e do sufoco trariam à reboque a paz para a viajem de retorno. Só que o ónibus quebrou! E depois de quase sessenta minutos, todos os sete passageiros uniram seus polegares para pedir carona. Foram mais outros longos minutos até que outro ónibus parasse e conduzisse a todos para um bairro do subúrbio de Conquista. De lá, fui para a rodoviária, comprei minha passagem para Salvador e segui em outra carona - desta vez minha cunhada - para a casa da sogra. Banho quente, sabonete, toalha macia... - Ah, que delícia!

Agora sim. Limpo, cheiroso e penteado, entrei às vinte duas e cinquenta no ónibus CAMURUJIPE de linha Vitória da Conquista - Salvador. Estava mesmo voltando para casa. Apesar de tudo, consegui concluir o roteiro, conhecer novos lugares, novas pessoas e, principalmente, viver novas histórias. O corpo, cansado de tanta labuta, pedia para descansar. Meus sentidos já se inebriavam ao som daquele canto envolvente e eu apenas procurava a minha poltrona para me sentar, reclina-la ao máximo e dormir.

Mas, pera aí! Tem um cara sentado em meu lugar! Ei amigo, essa poltrona é minha! Claro que é, olhe aqui o número. Como assim, duas passagens iguais? Mas, mas... isso não é possível!

- MOTORISTA...

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