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cronicas-->Crimes, jornalistas e manchetes de jornal -- 06/09/2000 - 17:17 (Luís Augusto Marcelino) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A cidade acordou incrédula. O diretor da escola pública suspendeu as aulas. O pipoqueiro encostou o carrinho. Seu João Navalha ficou em frente à barbearia, portas fechadas. As cartas destinadas às minúsculas casas do povoado só seriam entregues no dia seguinte ao anúncio da maior tragédia registrada na história de Quixadá do Leste.

- Um homem daquele idade... - lastimou Seu Tonho - assíduo frequentador da praça da matriz.

- Quem diria?... - reafirmou Zé Canário, companheiro de décadas do velho Tonho.

O mesmo folhetim que divulgava os bailes, as festas culturais, as estréias dos filmes inéditos no Cine Quixá, os casamentos dos poderosos fazendeiros, tivera de estampar em sua primeira página o horrendo crime cometido pelo seu conceituado editor. "Quixadá amanhece perplexa: Editor da folha é o principal suspeito do crime bárbaro." Foi a maior vendagem de todos os tempos! O vereador Ferreirinha se deliciou. O suspeito era seu inimigo político número 1. Enfim, poderia se livrar das acusações pesadas que, vira e mexe, saíam na capa do jornal. Mas o que teria levado o Siqueira a cometer tamanha atrocidade?

- Andava bebendo feito um louco. Dia desses entornou três bagaceiras em menos de meia-hora - afirmou o dono do Bar das Balsas.

- Dizem até que ele andava metido com uma turma da pesada lá da capital - complementou Osvaldinho. Depois sussurrou no ouvido de seu interlocutor: - Parece que estava metido com drogas...

Realmente era difícil entender o por quê. Siqueira era um boa praça. Religioso, devoto de Nossa Senhora Aparecida, não perdia as missas matinais de domingo, sempre acompanhado da numerosa família. Nunca deixou de pagar o dízimo. Apoiava todas as campanhas do padre Altino, fossem elas para arrecadar fundos para organizar a quermesse ou comprar material da reforma nunca concluída da igrejinha do século XVIII. Usava o jornal para atirar suas farpas contra os políticos corruptos e os coronéis da região. Seus editoriais normalmente não economizavam adjetivos para esculhambar "as Ratazanas de Quixadá" - termo que usava frequentemente para atacar seus alvos. Ficou famoso por sua coragem. Já tinha perdido a conta de quantas ameaças de morte recebeu na Redação do diário e mesmo em casa. Nem por isso deixou de expor suas idéias. Várias vezes escreveu sobre a violência. Como tinha vivido na capital, comentava com conhecimento de causa os crimes noticiados na TV. Muita gente estranhava, pois havia anos que a cidade não presenciava qualquer ocorrência mais grave. Aliás, a última que vinha à lembrança era uma briga entre a torcida do time local contra a da cidade vizinha. O saldo foi de alguns arranhões e dois pontos na cabeça do centroavante adversário, que levou uma garrafada. O próprio Siqueira sentenciou: "não podemos deixar que esses atos vàndalos dominem nossa cidade!"

À medida em que as horas iam passando os cidadãos foram se amontoando em frente à delegacia, esperando uma declaração do delegado Marinho. Todos queriam saber como fora o depoimento. Teria o Siqueira confessado? Ou será que, na última hora, havia encontrado um álibi? O povo estranhou quando ouviu uma sirene estrondosa quebrar o silêncio daquela manhã calma. De longe, parecia uma ambulància. Foi-se aproximando, até parar em frente ao DP. Desceram dois homens de branco. Entraram sem olhar para trás. Dali a pouco saíram escoltando o Siqueira. Os dois enfermeiros, mais o delegado Marinho e dois policiais. Não é que o Siqueira estava amarrado a uma camisa de força? Toninho Frazão quis saber do amigo Geraldo:

- Ué! O homem tá louco?

- Se ele estiver eu também estou! Ontem mesmo, antes de ele matar Dona Ritinha, jogávamos truco lá na Associação. Parecia normal.

- Então por que está indo para o hospício?

- Sabe como é essa gente influente, né Toninho...

Siqueira tinha conseguido um renomado advogado de Vargem Grande, que conseguiu convencer o juiz a transferir seu cliente para o manicómio mais próximo da redondeza. A família da Ritinha quis apedrejar a ambulància. O pai ficou xingando aos berros o infrator. Desfilou malcriações também para o delegado e seus policiais. Estava inconfor- mado. Por que estão soltando este bandido? - repetia, olhando para os amigos e curiosos.

- Ele conhece gente grande da capital, Seu Alfredo! - respondeu João Navalha.

- E daí? Ele matou minha filha!... - caiu em prantos.

De nada valeu a lamentação e a revolta da família e amigos. A ambulància saiu vagarosamente, carregando o suposto maluco no banco de trás. Uma viatura da delegacia foi destacada para acompanhar o percurso. Os policiais foram junto. Quixadá ficou cem por cento desguarnecida. Antes de completar a volta na praça, para entrar na estrada de acesso à rodovia, a ambulància parou perto da banca de jornal. Um enfermeiro desceu, comprou um jornal e voltou depressa para o carro.

- Que manchete horrorosa! - teria sido o comentário do Siqueira. Acho que atónita cairia bem melhor do que perplexa. Acho que vou fazer falta ao jornal...

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