A cena, eu flagrei da janela do ónibus. Tratava-se provavelmente de um morador do centro da cidade, ocupante de um dos muitos cortiços que se espalham pelas cercanias do cais do porto.
Por breves instantes divisei aquela figura combalida e idosa, com as pernas inchadas, caminhando com grande dificuldade e apoiada numa rústica bengala, tentando com muito custo desviar-se dos inúmeros obstáculos existentes na calçada. Aliás, além dos buracos que formam enormes poças d´água em dias chuvosos, há também bancas de jornais, barracas de camelós, etc. Tudo para dificultar o pobre do pedestre, que por vezes é obrigado a caminhar pelo leito carroçável.
Santos tem essa particularidade. O chamado centro, que outrora foi a parte nobre da cidade, hoje é apenas a parte velha. Nele se concentra um comércio decadente; bares, lanchonetes e alguns restaurantes; repartições públicas, bancos, escritórios, empresas de despachos marítimos, etc. Há também prédios históricos, igrejas e antigos casarões - alguns ainda bem conservados - que dão testemunho do apogeu vivido por seus proprietários, os chamados "Barões" na era do Café, cuja exportação era e ainda é feita pelo Porto de Santos.
Em meados do século passado, um pouco antes, a cidade havia se expandindo e tornou-se "chic" morar nas proximidades das praias até então com poucas habitações. Foi quando a coisa mudou de figura, causando um surto imobiliário que valorizou os imóveis da orla marítima. O centro ficou reservado exclusivamente para atividade comercial e à chamada vida boêmia. Havia boates como o "El Morocho" e "Night and Day" que ficaram famosas no mundo inteiro, como também o "Samba-Danças", que eram frequentadas pelos tripulantes dos diversos navios estrangeiros que aqui aportavam.
A orla do mar foi urbanizada. Construíram-se magníficos jardins que são os mais extensos (e dos mais belos) do mundo, citados no Guiness Book, o conhecido livro dos recordes. Isto atraiu muitas pessoas, incentivando a parte turística da cidade, hoje com enorme desenvolvimento.
O centro, em grande parte abandonado, ainda permanece vivo, como demonstra uma campanha institucional em prol da sua revitalização, tendo dado sinais de melhoras.
Mas, o leitor deve estar a se perguntar, e aquele ancião flagrado da janela do ónibus?
Sinceramente não sei... O perdi de vista... Assim como perdi o fio da meada desta crónica...
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