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Contos-->O Menino Vestido de Sol -- 23/11/2000 - 17:38 (Iara Lima Medeiros) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos


“Não era uma vez um menino que cheirava a almíscar e desejos secretos. Que cheirava a folhas secas e orvalho da manhã. Que não cheirava a chuva no trigal e sonhos de menino”.

Já era tarde quando ele acordou com a chuva beijando a janela. E teve vontade de dormir mais um pouco, de aproveitar o calor debaixo da coberta e sonhar mais uma vez.

Mas...sonhar o quê? Com o quê ele havia sonhado? Já não se lembrava, por mais que tentasse, de qual havia sido o sonho daquela noite. Nem da noite anterior, nem do sonho da última semana...

Neste instante começou a se questionar se havia sonhado alguma vez. Não se lembrava sequer de sonhos de infância. Paciência. Já era tarde e hora de sair.

Levantou cambaleante. Perdido entre o sonhar e o acordado. Seguiu rumo ao banheiro. Fez a barba resmungando sobre a água gelada de mais um inverno e sentiu vontade de estar só, como de costume. E, como de costume, olhou ao redor de si. Ninguém em casa. Ligou o som e partiu para o ritual diário: vestiu meias, calça, camisa, sapatos, gravata, terno. Pronto. Trancou a porta e partiu rumo a mais um dia de trabalho. (Alguém já havia dito que a rotina corrompe o mais sonhador dos homens?)

Em meio às escadas do edifício ele lembrou que havia esquecido os documentos da primeira reunião. E, subindo de novo as escadas resmungou mais uma vez. A chuva, o atraso, os papéis. Que dia!

Ao entrar no apartamento, teve uma súbita taquicardia e um mal-estar tomou conta de si. Achou, por um momento, que iria desmaiar. Depois de alguns segundos, abriu os olhos e se viu em um campo de trigo. Assustado, não podia entender o que acontecia. Era dia e o Sol já ia alto. Deviam ser 11 horas e ele se perguntava o que havia acontecido, mas não conseguia se lembrar de coisa alguma.

Pensou em correr, gritar para que alguém o ouvisse, mas só o trigal o cercava e ele naturalmente jamais se deixaria levar por uma atitude tão impensada.

Seguiu o curso da plantação ou, ao menos, o curso que ele julgava ser o da plantação, e tentou ficar calmo enquanto procurava um resposta plausível para sua falta. O que seria da reunião sem a sua presença?

Após longas horas de caminhada, pensou ter ouvido uma risada. Mínima, tímida, mas, sem sombra de dúvida, muito alegre. Tentou adivinhar de onde vinha aquela vozinha e seguiu o som.

Ao seguir a voz, ele se deparou com um menino. E, com o menino, um rio. O menino estava nu e nada num riacho. Como ele não havia ouvido o som da água? Teria sido muito mais fácil se orientar pelo leito do rio. Como ele havia sido estúpido!

Vendo que a criança não notava a sua presença, chamou o menino repetidas vezes. A criança, entretida na brincadeira, parecia não ouvir os apelos do homem fantasiado de terno e gravata. E, ao tentar se aproximar do leito do rio, qual não foi sua surpresa quando menino sumiu num mergulho que parecia durar toda a eternidade. De súbito, reapareceu na outra margem de onde podiam ser vistos barquinhos de papel, bonequinhos de madeira, traquinagens de menino.

Vendo que não podia transpor o curso do leito d’água que os separava, o homem resignou-se a sentar-se à beira do rio, de onde observava os passos da criança. O menino, ria, divertia-se com amigos imaginários, cantava músicas que ele jamais tinha ouvido. Era um menino, apenas.

E, por um momento, ele pensou haver se esquecido dos compromissos, da reunião, dos documentos, da chuva, do trigal.

E, pela primeira vez, ele havia se lembrado de esquecer de alguma coisa.

Esqueceu da irritação de estar atrasado, dos horários a cumprir, dos compromissos financeiros, da barba por fazer todos os dias, do amor que achava nunca haver encontrado...

E se deu conta, neste momento, que estava sonhando.

E, no sonho, ele lembrou que era o menino. Que foi este menino. Lembrou do rio, das canções que julgava nunca haver ouvido, dos amigos imaginários, dos bonecos de madeira, dos barquinhos de papel, do primeiro beijo...

E não lembrou de como poderia tê-los esquecido.

E lembrou, também, do que sonhava quando era apenas um menino.

Ele sonhava ser um Homem Feliz.
Comentarios

Aroldo A Medeiros   - 06/09/2019

Texto excelente. Li também os outros 2 contos e achei muito bons. Sou usineiro. Grande abraço.

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