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Cordel-->Estórias de Retirantes- BARBOZA LEITE - Ed. Pedro Marcilio -- 26/01/2008 - 07:36 (pedro marcilio da silva leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Às vezes fico pensando
nos caminhos percorridos
por um homem sempre andando
desde que é nascido.

Do lugar em que nasceu
traz o homem o sentido,
também dos que conheceu
igualmente vem nutrido.

Sei que isso, igualmente,
a todo homem acontece...
mais a uns é mais clemente
a sorte que se oferece.

Uns há que nascem gozando
uma situação definida,
outros há que, mal chegando
já encontram de partida

A família que emigra
como se dá no sertão,
e a inclemência fustiga
a criança do seu chão.

Muitas vezes eu via
isto mesmo acontecer:
mal a criança nascia
já começava a correr


Por partes muitas andando
sendo ainda amamentada
- a mãe o seio lhe dando
sem parar pelas estradas.

De certa vez, digo aqui,
de Granja tínhamos saído
em busca do Piauí,
que antes fora escolhido.

Saímos de madrugada
para a fresca aproveitar,
a marcha ia adiantada
quando teve que parar.

Antes que o sol esquentasse
no entanto aconteceu,
mesmo que a marcha atrasasse
uma criança nasceu.

Tivemos que acampar
aguardando, pacientes,
que pudessem repousar
o filho e parturiente.

De juazeiros achamos
frondosas sombras; então,
mãe e filho agasalhamos
contra o calor do sertão.


Não estava tão distante
do seu ponto de partida
a marcha, naquele instante
quando foi interrompida .

Pra uns foi aborrecido,
outros até gostaram
foi o caminho interrompido
logo que principiaram

a fugir de sua terra
abandonando o torrão
que tanta riqueza encerra
quando chove no sertão.

Parte então decidiu-se
a não mais prosseguir,
quando a mãe exprimiu-se
baixinho, quase a sorrir;

“quem quiser pode ficar
- eu sigo com meu filhinho,
ele nasceu pra mostrar
a redenção do caminho.

O que é preciso é coragem
quando o medo chegar,
continuemos viagem
enquanto pudermos andar.”


Refeitas foram, então,
as trouxas postas de lado;
continuou o rojão
no andar recomeçado.

As apragatas comiam
as areias do sertão,
nos caçuás se espremiam
Socorro, Maria e João,

Três crianças bem fraquinhas
que mal podiam sorrir:
como toldo, uma sobrinha
foi posta para lhes cobrir.

Uns homens se revezavam
para ao peso resistir
de um velho que carregavam,
constantemente a tossir

Havia um rapaz franzino
que tocava um realejo,
o seu nome era Firmino
e parece que ainda o vejo

Querendo a turma animar
com as músicas que tocava,
só faltava desmaiar
quando uma peça acabava.


Um velho de vozeirão
também cantava emboladas
e sempre nesse rojão
ia alegrando as estradas.

A leva de retirantes
caminhava sem parar,
como um bando de avoantes
sem ter onde repousar.

Sombras quase não havia
onde pudesse parar,
mas a caravana seguia
ansiosa pra chegar.

Com duas semanas contadas
chapinhando na planície
um bando de almas penadas
vagando na superfície

era a impressão que dava
aquela gente acossada
entre a fome que chegava
e o chão seco da estrada.

As roupas muito surradas
já estavam da cor do chão
e não podiam ser lavadas:
faltava água e sabão.


Higiene não havia
à falta de condição
e muito mal se comia
farinha seca e feijão.

Remédios eram raízes
encontradas pelo mato,
morreram alguns infelizes
sem resistência ao maltrato.

A fraqueza era geral
e já faltava a coragem,
a fome era o grande mal
que atrapalhava a viagem.

Cada vez que amanhecia
um de nós era incumbido
de ver se alguém havia,
durante a noite, morrido.

Em certo lugar que passamos
o povo já esperava
e, mal o lugar avistamos,
toda a casa se fechava.

Uma vez vinha correndo
ao nosso encontro um rapaz
que mal chegou foi dizendo
daqui vocês voltem atrás.

O seu vigário implora
que não entrem na cidade,
ali todo mundo chora
com uma estranha enfermidade.

Vocês só podem aumentar
de nós o padecimento
sem a gente ter pra dar
a vocês nenhum alento.

Tiramos o corpo fora,
mudamos de direção,
tratamos de ir embora
para evitar complicação.

O nosso grupo aumentava
cada dia um bom bocado,
muita gente se afastava
de sertão desesperado.

Parecia um quadro bíblico
o pessoal desfilando,
num processo quase cíclico
o sertão esvaziando.

Sempre que não chovia
toda a lavoura minguava,
quando a água se extinguia
o sertanejo emigrava


De ver tanta coisa feia
com meus olhos de menino,
emigrei pra terra alheia
procurando o meu destino.

Nascido em Uruóca
trabalhei em Camocim,
visitei Itapipoca
e residi em Mondubim.


No Crato fui empregado
de firma comercial,
uma vez fui mandado
como fotógrafo a Sobral.

Em Crateús assisti
a cenas impressionantes,
e ali me convenci
como dói ser retirante.

Passando em Baturité,
vi ali muita uva;
almoçando em Cariré
fiquei molhado de chuva;

Muita vezes, com agrado,
visitava Redenção,
onde o primeiro brado
partiu contra a escravidão.


Assisti em Ipueiras
a uma noite de Natal,
em Lavras de Mangabeira
estive, como em Chaval.

Morei em São Benedito
na serra de Ibiapaba,
meu destino estava escrito:
você aqui não se acaba.

Uns rochedos impressionantes
admirei em Quixadá,
cacei muitas avoantes
em terras de Uaiuá.

Uma vez em romaria
eu estive em Canindé,
tanta gente ali se via
atraída péla fé.

Bebi muita água pura
do açude de Acarape,
comi queijo e rapadura
na feira de Maranguape.

Uma noite pernoitei
na cidade de Iguatu,
onde nunca demorei
foi em Maracanaú.

Morei em muito lugares
em outro apenas passei,
conheci terras e mares
cujos nomes decorei.

Vê-se que fui andarilho,
um engolidor de distâncias;
do Ceará sendo filho
não escolho as circunstâncias.

Mas a minha proposição
agora quero instalar,
para o povo ter noção
de como é duro emigrar.

Exemplos tenho na pele
de cicatrizes marcadas,
e um dever que me impele
nestas linhas mal traçadas.

No Brasil, o nordestino
tem fama de andarilho,
eu emigrei pequenino
e já andei maltrapilho,

mas a verdadeira razão
daquela gente emigrar
precisa ir longe, não,
basta você meditar.

A árvore precisa de chão,
chuva e sol para crescer;
o homem, de educação
para poder entender;

Precisa de proteção
para se desenvolver;
sua segurança é seu pão
para a família prover;

Condições para o trabalho
tem-lhe que ser um direito
o homem não é baralho
que já traz o jogo feito.

Ainda hoje me lembro
dum “curral” de emigrantes,
mais ou menos era setembro
quando vi estes flagrantes:

o sol nesse mês é quente
que torra até coração,
não havia ser vivente
mostrando satisfação;

de longe já se ouvia
choros, brados e lamentos,
quase ninguém se entendia
com tantos padecimentos.

Um trabalho excessivo
era o das autoridades
no ambiente opressivo,
pra manter serenidade;

faziam filas enormes
para distribuir ração,
tudo ali sendo conforme
houvesse comida ou não;

Não é preciso dizer
como o asseio faltava,
não preciso descrever
o cheiro que se cheirava;

vinham donas da cidade
para escolher mocinhas
já era muita caridade
levá-las para suas cozinhas;

os brochotes mais fornidos
os pais tinham que alugar
com os olhos muitos compridos
eles iam para não voltar.

E isso não foi só uma
nem duas ou três vezes que vi;
felizmente hoje se esfuma
na memória o que senti.


Uma vez eu assisti
de um trem uma invasão,
confesso que até tremi
vendo aquela confusão.

Os retirantes chegavam
e falavam com o agente,
passagens solicitavam
para uma viagem urgente.

Um navio ia atracar
numa cidade distante,
eles tinham que viajar
sem perca de uma instante;

e cada vez mais chegando
os retirantes encostavam
e iam se aboletando
em qualquer lugar que achavam.

Até que o trem surgiu
numa curva da estrada
e aquela massa investiu
como se fosse empurrada.

O maquinista aflito
fazendo a máquina parar
pendurou-se no apito
até a válvula estourar.


Mas a massa não ligava
para o perigo que havia,
quebrando o que encontrava
e que seu avanço impedia.

Pelas janelas entrava
dos carros superlotados,
as grades logo arrancava
deixando os vidros quebrados.

O agente da estação
nada podia evitar
e deu logo permissão
para o trem continuar.

A máquina foi se arrastando
carregando o que podia
em cada curva bufando
pelo peso que havia.

Tinha gente dependurada
e por cima dos vagões
e pessoas machucadas
por causa dos empurrões.

Foi-se embora o trem sinistro
e, depois de sua partida...
piedade, Jesus Cristo!
-eu pensei em seguida:

tinham ficado crianças
sem os pais ,que prosseguiram
iguais a estas lembranças
outras jamais me feriram.

Este fatos que descrevo
não sei se ainda acontecem...
me pergunto até se devo
com as tintas que oferecem

pintar a dor do emigrante
tal como é na verdade,
evidência tão flagrante
de tamanha crueldade.

Mas, é assim, acredite
o leitor que me acompanha,
o meu verso não transmite
nenhuma batalha ganha.

Menino de Uruóca
dali saí muito cedo,
de tudo que é biboca
saber querendo, o segredo.

Duro fruto do sertão
não escapei, no entanto,
do fenômeno migração
que muda a gente de canto.

Muito estudos são feitos,
séria medidas tomadas
visando o melhor proveito
pra evitar a debandada

Do sertanejo, “ o forte ”
- o disse Euclides da Cunha,
braço impoluto do Norte
cuja sorte se expunha

A um justo abandono
que, aos poucos. Se corrige.
Não sendo mais cão sem dono
mesmo assim ainda aflige

bastante a quem interessa
amparar o sertanejo,
roda viva que atravessa
batalhas como não vejo;

orgulhoso do seu chão,
zelando pela fraternidade;
altivo como um leão,
leal na sua bondade;

experiente na dor,
igual com seu companheiro;
temível quando o valor
expõe, de ser brasileiro.
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