Usina de Letras
Usina de Letras
19 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 

Artigos ( 62298 )

Cartas ( 21334)

Contos (13268)

Cordel (10451)

Cronicas (22541)

Discursos (3239)

Ensaios - (10393)

Erótico (13574)

Frases (50689)

Humor (20042)

Infantil (5462)

Infanto Juvenil (4786)

Letras de Música (5465)

Peça de Teatro (1376)

Poesias (140827)

Redação (3311)

Roteiro de Filme ou Novela (1064)

Teses / Monologos (2435)

Textos Jurídicos (1961)

Textos Religiosos/Sermões (6215)

LEGENDAS

( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )

( ! )- Texto com Comentários

 

Nota Legal

Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cordel-->Antonho das Sete Vidas4-BARBOZA LEITE -Ed. Pedro Marcilio -- 29/01/2008 - 17:15 (pedro marcilio da silva leite) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Antonho das Sete Vidas

Volume 4

Quando cessou a cantoria
e os ânimos esfriaram
os dois contendores, então,
sorriram e se abraçaram

Foi-lhes servido um lanche
de aipim e mel de cana,
queijo-de-coalho, mungunzá
e doce de calda de banana.

Mas, Antonho comovido.
por desfrutar um convívio
que há muito não encontrava,
e lhe trouxera grande alívio;

propôs que a festa continuasse
porque, então, já havia
muita gente da vizinhança
assistindo à cantoria.

Zé da Doca, no entanto,
alegando um compromisso
meteu a viola no saco
e tomou um chá de sumiço

Antonho das Sete Vidas
ficou cantando sozinho
descrevendo impressões
colhidas no seu caminho.


Como compreendo e devo,
Eis de Antonho que transcrevo:

“ Senhores aqui presentes,
Rogo-lhe toda atenção
Para a longa descrição
Que a seguir vou fazer
Do que vi acontecer
Nas bandas do meu sertão.

Muita coisa acontecia
No meu tempo de criança,
De que ainda tenho lembrança:
Fatos aos quais assisti
E nunca mais esqueci,
Sobretudo de vinganças.

Pois nas brenhas onde nasci,
O domínio era do forte,
Que selava com a morte
Qualquer vergonha sofrida,
Quem escapasse com vida,
Estava com muita sorte

É, não era costumeiro
Que alguém pudesse escapar
Tendo ao forte que enfrentar;
Depois de tê-lo ofendido
Por certo estava perdido,
Sem mugir e sem piar.

Não era só a coragem
Que a situação resolvia,
Pelo menos como eu via;
Muitas mortes sem razão,
Depois de uma discussão,
Triunfava a covardia.

Porém, uma coisa era certa:
Sendo um crime cometido,
Antes havia acontecido
Pretexto qualquer de briga
Que alimentasse uma intriga
Para o crime ser cometido.

Era assim aquela gente
Formada no isolamento
tendo cheio o pensamento
De mitos e superstição,
Da luz da civilização
Vivendo no esquecimento.
...

Vou dizer de Jerônimo
A morte como se deu
E a todos entristeceu;
Sendo um rapaz educado,
De brigas sempre afastado
O caso assim ocorreu.

Viera de sua fazenda
Para em uma povoação
Cumprir uma devoção;
Uma promessa fizera
Quando doente estivera
À Virgem da Conceição.

Com a sua genitora
Numa casa se hospedara,
Que pra isso alugara;
Deixando correr os dias
Da festa da Freguesia,
Que na época se instalara.

Era costume da terra
Com festas comemorar
A padroeira do lugar,
Que ao rapaz favoreceu
Quando ele adoeceu,
Sem médico para o tratar.

Da casa que alugara
Quase o rapaz não saía,
A não ser quando ia
Até à igreja para rezar,
Sua promessa pagar,
com a mãe por companhia.

Já estavam terminados
Os dias da obrigação
De pagar sua devoção
E para a fazenda voltar,
O trabalho retomar,
Nos tratos da plantação

Foi, então que aconteceu
Já perto da madrugada...
Uma voz dissimulada
Dizendo-se ser um amigo
Que se encontrava em perigo,
E pedia-lhe uma pousada.

Sem desconfiar da mentira,
E por estar a voz insistindo,
abriu a porta e saindo,
O rapaz foi agarrado
Por quatro homens armados
Que dele ficaram rindo.

Espancaram a pobre velha
Que esboçou reação
E, de um golpe de facão
Ela foi logo prostrada;
Sem poder fazer mais nada,
Num canto qualquer do chão.

O rapaz foi arrastado
Para um beco que havia,
Tendo início a agonia
Que ele teve que sofrer
Sem ninguém lhe socorrer,
Até que nascesse o dia.

Ali ele foi pego
Pelos pés e pelas mãos
E, levantando-o do chão,
Os homens o sacudiram,
Contra as paredes batiam
O seu corpo sem ação.

Como se fosse uma rede
O seu corpo balançava
E, com punhais espetavam,
Num vai-e-vem compassado,
O rapaz ensangüentado,
Ensangüentando as paredes.

Furavam o rapaz e diziam:
“ Peste, tu ‘ s’tá morrendo
Mas, antes, fica sabendo:
O preço da tua vida
Não paga a honra perdida
Que tu “s’tava devendo”

O crime assim cometido
tinha por causa a vingança;
Por motivo, sedução;
A vida de uma criança,
Que provocou a questão,
Depois que fora nascida.

Os irmãos da seduzida
Saíram de estrada afora
Em busca do sedutor...
Não viam dia nem hora
Para vingar o falso amor
Que à moça deixou abatida.

Sua honra limparam, enfim,
Achando justa a razão
Porque a irmã vingaram;
Com sangue lavando as mãos
A justiça executaram...
Naquele tempo era assim.

Outra coisa muito forte
E fonte de muita intriga,
O preconceito de cor
Ainda hoje instiga
Indiferença, amor
E, ás vezes, finda em morte.

Sendo um negro candidato
A uma branca desposar,
Causava espanto este fato
Capaz do céu desabar;
Pois, tamanho desacato
não se podia aceitar.

Em caso de profissão
O problema era dobrado,
Como vou fazer menção
Do que vi com um soldado
Que queria a união
Com a filha de um abastardo.

A moça viu e gostou
Do “praça” uniformizado,
Um bilhete lhe enviou
Com o coração ansiado
Da mesma forma ele achou
Que estava apaixonado.

O pai da moça sentiu
Da filha transformação
E, em seguida, reagiu
Como se visse um vilão,
Quando o rapaz lhe pediu
Licença para a união.

Chamando-lhe de abusado
Que ignorava o lugar
Onde, como soldado,
Devia se colocar
Pois com filha de abastado,
Não podia se casar.

Afinal um pé rapado
Que nem tinha onde cair,
Devia ficar calado,
Da pretensão desistir;
Confessar que estava errado,
E do lugar, logo sair.

E, ainda disse ao rapaz:
- você vai ser transferido,
Porque é muito enxerido.
Não pense que fica assim;
Posso até lhe dar um fim...
Duvide se for capaz.

A moça ficou transtornada
Naquela paixão intensa,
Pelo pai recriminada
Com palavras de ofensa.

O rapaz dali saiu
De tal forma envergonhado,
Foi ao quartel e pediu
Para ser desligado.

Explicando ao comandante
Que desde aquele instante
Por ter sido insultado,
Deixava de ser soldado.

Iria tentar qualquer jeito
Para vencer a partida
E impor-se ao respeito
Do pai da sua querida;

O que afinal conseguiu
Com muito tempo passado,
Mas nunca mais insistiu
Em ser com a moça casado;

Tornara-se do mesmo jeito,
Um cidadão abastado
E, o mesmo preconceito,
Foi por ele adotado.

Pai de uma moça bonita,
Chegou a ser comendador;
Mas um dia muita aflita.
A esposa cheia de horror,

Chegou ao seu escritório
Com o semblante transtornado,
Dizendo-lhe: corre ao escritório,
Para não ser enganado,

Perdeu, porém, a corrida
O homem, chegando atrasado;
Sua filha, às escondidas
Casara-se com um soldado!

Aos quatro cantos do mundo
Coisas assim acontecem
Que às vezes, desgostos profundos
A muita gente oferecem;

Mas, nas brenhas do sertão
Tudo muda de figura;
Ali ou é sim, ou é não,
Desde o berço à sepultura.

Tem o justo sua razão,
O injusto sua medida;
Exercem-se com a mesma mão,
Tanto a morte, quanto a vida.

.


Conheci negro Clemente,
Uma jóia de pessoa
Costumava estar presente
Para qualquer ação boa.

As moças da sociedade
Tinham por ele afeição
Em qualquer necessidade,
Clemente entrava em ação.


Mas o diabo, quando atenta
Não escolhe ocasião;
Mil diabruras inventa,
Para criar confusão.

O pobre e humilde Clemente,
Como era popular,
Estava sempre presente
Nas festas de qualquer lar.

Conheceu então Dolores,
Que o impressionou vivamente,
Fazendo-lhe os temores,
Uma paixão viva e ardente.

Os dois foram se querendo,
Mas revelar não podiam,
Cada vez o amor crescendo
Cada vez que não se viam.

Neta de um figurão
A moça sabia a distância
Que impedia sua paixão,
Crescendo mais sua ânsia.

E, o apaixonado Clemente
Não tinha forças a medir,
Tudo pra estar presente
Onde ela pudesse ir.


Perdera a tranquilidade,
não era mais expansivo;
Consumido na saudade
E sempre muito apreensivo.

Se um encontro conseguiam
Realizar em segredo,
Depois que dali saíam
Tomavam-se do maior medo

Porque afinal, descoberto
O romance proibido,
O desfecho estava perto
Daquele amor ser tolhido.

Sendo o negro Clemente
Pela moça obstinado
O risco de um acidente
Pelo povo era esperado.

Sabia-se que os parentes
Da moça, tinham influência
E estavam impacientes
Para”curar” a insolência

Do negro pretensioso,
Como usavam comentar
Dizendo: “ o negro tinhoso
Não perde por esperar”.


Os parentes esperavam
A época das eleições
Quando então se travavam
Tiroteios sem razões.

Quem estava por baixo, subia,
Já era assim costumeiro:
Quem estava por cima, descia;
Assim fora o tempo inteiro

Clemente, sendo um oprimido,
Da oposição fazia parte,
E, como era instruído,
Desenvolvia com arte

O trabalho de orientar
Aos homens da sua cor,
Como deviam votar,
para ao voto dar valor.

O pleito foi realizado
Na maior apreensão,
Clemente estando informado
Que terminada a eleição,

O melhor era fugir
Para a vida defender;
Se voltasse a insistir,
Arriscava-se a morrer.

E assim aconteceu
Depois da apuração.
O seu partido perdeu
E começou a opressão.
...


Tinham sido contratados
Jagunços de outro lugar,
Que ficaram combinados
Para a sua vida acabar

Num acidente envolvendo,
De qualquer forma, Clemente
Que assim findou, morrendo
Num simulado acidente.

.....

Antonho se via agora
Entre as coxilhas do sul;
compra terras até ver
um céu tão limpo e azul.

Carneirinhos faziam nuvens
com capuchos de algodão.
As lâminas verdes das ervas,
espalhavam flores no chão.

Num passo bem vagaroso,
montado em seu alazão,
o Antonho flutuava
nos braços da solidão.

Quando mal se apercebeu
surgiu-lhe de inopino,
na porta de uma palhoça,
um remelento menino.


Diz-lhe um gesto, a criança
pedindo que ele chegasse,
como se fosse a ternura
que então o abraçasse.

Lá vem danação pra mim
- foi o que Antonho pensou
e, realmente não foi bom
o que ali encontrou.

Uma anciã carcomida
estava estirada no chão;
sem dúvida havia morrido
de profunda inanição.

Antonio benzeu-se e parou
diante do quadro penoso
que fazer? - perguntou-se
se sentindo temeroso.

Sendo de outras plangências
sentiu-se desconfiado.
Aqui tem coisa pensou,
se cercando de cuidados.

Nisto ouviu um relincho
do seu cavalo alazão;
realmente, outra era a coisa
que esperava ocasião.


Na porta surgiu um índio
armado com uma guaiaca.
Pensou Antonho - se eu facilito,
este índio me ataca.

Logo o índio jogou
muito longe o xiripá;
talvez quisesse sua coragem
desse modo demonstrar.

A decisão de Antonho
foi puxar o seu trabuco;
não estava para perder tempo
com um selvagem maluco.

De repente se achava longe
daquele lugar malsinado
sem saber como sumira
aquele índio encantado

Pois não havia ninguém,
nem a choça e nem o meninos
só as coxilhas ondulando
e conduzindo o seu destino.

Era muito sol na cabeça
e os pensamentos sofridos
o que deixaram Antonho
de tal modo confundido..


Andou que andou, Antonho,
quando viu uma carreta
com uns bois comandados
por um gaúcho perneta.

Desta vez, ele e o cavalo,
de tal modo tão cansados,
não viram um esqueleto
e um dos bois escanchados.

A carreta se chegava
pra mais perto de Antonho,
quando ele percebeu
que o quadro era medonho:

Quem montava aquele boi
tinha um comportamento estranho,
e o cheiro que ele exalava
hora de quem não tomava banho.

Antonho se desviou
da carreta malsinada
e quando mal esperava,
numa curva da estrada

Surgiu-lhe uma china faceira
toda em trapos,quase nua;
então, bem distante, no horizonte,
vinha surgindo, cheia, a lua.


Pensou Antonho – “visagens
já estou acostumado a ver;
se isto é um desafio,
vou esperar para crer.

Daí a pouco surgiu
um negrinho com um barrete;
a vontade de Antonho,
foi enfrentá-lo com um cacete.

Mas vinham tantos cavalos
acompanhando o negrinho,
que Antonho se afastou
do meio do seu caminho

Ele vinha com uma vela
em uma das suas mãos;
e conseguia iluminar
dos pampas, a vastidão.


Antonho se recostou
numa touceira de capim,
e ficou esperando
que a cena tivesse fim.

Amanheceu, finalmente,
e ele pegou a estrada;
a sua experiência, no sul,
já estava conturbada.

Foi voltando, voltando
no rumo do Paraná,
estacionou numa aldeia
onde se plantava chá.

Ali pediu um emprego
que era de cortar erva
pensando - ao menos nesse serviço
a saúde se conserva

Pelos efeitos do mate,
aqui vou me demorar
e dar descanso ao meu cavalo,
estou cansado de andar.

Pensou que era uma “boa”
ficar ali sossegado
com um monte de moças louras
quase sempre arrodeado.


E foi ficando, ficando
na terra das araucárias,
cada vez sentindo mais
emoções, as mais várias

Que os lindos cabelos de trigo,
em desenhos tão estranhos,
criava sob os meus olhos
como se, de luz, fossem um banho.

Com a fome de mulher
que a essa altura tinha,
Antonho foi procurando
o que, no caso, lhe convinha.

Mas nem sempre a sorte vem
como dedicada madrinha;
quando mal agente espera,
uma desgraça se avizinha.

Encantado por uma loura
que os sentidos descobriram,
Antonho não podia saber
o que os seus olhos não viram.

Ela disse que era casada,
mas não trazia aliança;
esse detalhe deixou Antonho,
todo cheio de esperança.


Disposto a não sossegar
enquanto não conquistar
o corpo roliço da dona
custasse o que lhe custasse.

E aconteceu, finalmente,
um forte enleio entre os dois,
com a desgraça acompanhando
o que vamos ver depois.

A gringa ficou gamada
pelo astuto sertanejo,
se enfiava nos seus braços
sufocando-lhe com seus beijos;

Mas nunca se decidia
a chegar às conseqüências
que deseja todo casal.
Antonho, com paciência

Ia suportando o suplício
quando tomou uma decisão:
arrastou-a para o mato
e estirou-a no chão.

A mulher, desesperada,
pedia por todos os santos,
pedia-lhe que a matasse
mas não quebrasse o encanto


De um amor casto e gostoso;
deixasse-a com seu segredo
pois, de confessar a verdade,
tinha ela muito medo.

Utilizando o terçado
Antonho cortou-lhe o vestido
desde em cima até embaixo,
e ficou estarrecido:

Era um homem aquela moça
de feições tão delicadas.
Dali Antonho saiu
como um louco pela estrada.

Ainda passou pelo rancho,
onde apanhou o cavalo
e quase esquecia a viola;
furioso, num embalo

Passou três dias correndo
até que o cavalo cedeu
ao cansaço, fome e sede,
estrebuchou e morreu.

Antonho chegou a São Paulo
com”uma mão atrás
outra na frente”,
ressabiado demais.
.................................

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 5Exibido 780 vezesFale com o autor