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Contos-->Contos para elevador - 1ª parte -- 24/11/2000 - 16:52 (guga valente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Do elevador, em si, nada

Havia acabado de adentrar o elevador, o Eduardo quando num momento inesperado, toda a energia do grande prédio acabou. Meu Deus do céu, dizia para si próprio, do quadragésimo terceiro andar.

Sistemas atuais de elevador produzem luz gerada com energia de gerador próprio, de modo que as pessoas não fiquem no escuro. Que maldita exceção aquela daquele maldito elevador, daquele maldito prédio. Não tinha nada lá dentro. Só escuro. Nem os botões de emergência funcionavam.

Por falta de ar eu não morro, pensava Eduardo dentro daquele mundo velho de elevador. Era imenso, cabe mais ou menos umas quinze pessoas aqui dentro, calculava o jovem office-boy que tinha horário para receber dinheiro para seu chefe, e como ele remoía isso.

Para o rapaz, já deviam ter se passado umas duas horas, quando na verdade, vinte e nove minutos acabavam de se completar. Lembrava da moça que o atendera minutos antes de ir embora. Loira, com sorriso tranqüilo e despreocupado como nunca vira numa secretária. Nas poucas palavras que trocaram, ele viu a obstinação da garota em trabalhar um dia com suas pesquisas na área de lingüística contemporânea. Alguns murros em vão foram dados na porta do elevador, porém o que o surpreendia mais, era o fato de ninguém ouvi-lo. Mas o elevador havia parado entre dois andares, de frente para uma parede e eram inúteis suas súplicas.

Eduardo não se lembrava de ter visto espelho naquele elevador. Mas, já com as vistas acostumadas com o escuro, observava um vulto que se mexia, e que, por falta de luz, o fato de estar inquieto o levava a crer que se tratava de sua imagem refletida no espelho que não havia percebido quando entrou no elevador.

Parando um momento para respirar e observando sua imagem no espelho, agora calmamente, notava que ela passava a mão no cabelo. Assustado com o que julgou ver, num sobressalto deu um pulo para trás e gemeu de susto. Durante o pulo, a imagem ficou imóvel. O rapaz agora não lembrava de seu chefe, de seu emprego, da impaciência que o assolava, de nada. Concentrava-se naquilo que o estava intrigando: a imagem independente. Notando que ela se movia descompassadamente dos seus gestos, ele começou a fantasiar o que aquilo realmente poderia ser. Imaginou espíritos! Não, pensou ele, não acredito nessas coisas. Falta de oxigênio no cérebro provoca alucinações... Também não pode ser, há uma certa circulação no vão da porta que me é suficiente. Será que a maconha que eu tô fumando todo dia de noitinha tá fazendo efeito agora, às quatro e meia? Não pode ser, imaginava as aulas de prevenção anti-drogas que tinha vez ou outra em seu colégio que diziam que maconha viciava e era um tremendo de um alucinógeno. Mas ainda não estou convencido. Será que de repente poderia ser o que estou imaginando ser e … Oi, disse a imagem. AAAAAAAAAAARRRRRRRQQQQQQQQGGGGMM!!, disse Eduardo. Socorro, espíritos !!!! berrava desafinadamente. Na hora lembrou-se que não gritava assim há séculos. A vida nas cidades não nos deixa sentir medo assim. Sofremos em silêncio nossos medos. E num desatino a falar, ele dirigiu milhares de perguntas ao espírito que o atormentava, como se espíritos não precisassem de tempo para responder as questões como qualquer outra pessoa. O espectro disse, sou uma mulher, tenho vinte e oito anos, trabalho aqui há dois e sempre fico presa neste elevador, quando pifa. Há quanto tempo você morreu?! Perguntava com voz trêmula, o rapaz. Eu não morri, de onde você tirou esta idéia estúpida?? Mas eu entrei no elevador e... e não me viu, disse a moça interrompendo-o. Desde que você entrou estou aqui aguardando que a energia volte, quieta, na minha. E você aí aprontando todo esse pampeiro. Mas o que você quer, a energia acaba, eu super atrasado, desesperado, você me aparece do nada e ainda espera que eu reaja com calma? Eu só espero a energia voltar, disse a moça. Aqui ninguém nunca me escutou. Já perdi as contas de quantas vezes perdi a voz, berrando como uma louca, como você e sempre a luz volta, alguém acende uma vela pra mim e tá tudo certo.

Desconfiado da companhia, Eduardo dirigia-lhe perguntas incisivas sobre sua origem, o que fazia no prédio e outras perguntas mais. Ela, muito desconexa, respondia ao rapaz, coisas que ele não havia lhe perguntado. Era ela, aquele tipo de gente que quer conversar, simplesmente, sem dar importância a quem ou sobre o que está se falando. Isso o deixava irritado. Como pode essa mulher ficar todo esse tempo calada e agora desbaratinadamente falar sem parar e sem responder minhas perguntas, como é que é isso? pensava perguntando para si o que se passava, Eduardo.

Quando a desconfiança do jovem começou a crescer demais... o quê, exatamente, você faz aqui, moça? Tem uma hora que você fala sem parar e até agora não sei nada de você, só sua idade e o tempo que faz que você trabalha neste prédio, insistia ele encurralando a moça na parede ( claro, num sentido figurado da situação ). Por que você não pergunta isso à Maria Lúcia? Nós fazemos a mesma coisa! , disse a moça deixando Eduardo ainda mais irritado. E eu sei lá quem é Maria Lúcia ? Eu já estou ficando de saco che... sou eu, disse Maria Lúcia ao lado da mulher da cobra. Mais uma vez Eduardo bateu com as costas na porta de madeira que fechava o aparelho. QUEM É VOCÊ? Perguntou o mancebo em maiúsculo. DE ONDE É QUE VOCÊ SAIU, OU MELHOR, COMO ENTROU AQUI, SE SÓ ESTAMOS EU E ESSA OUTRA LOUCA AQUI? Ôpa, louca não, defendia-se a primeira louca. E a cena que se seguiu já havia acontecido, ele fez trilhares de perguntas à estranha figura que, para ele, aparecera naquele instante. Maria Lúcia, também muito desligada, não dava muita atenção ao desvario do garoto que a cada minuto que se passava, desesperava-se mais e mais com a situação amedrontante. Meu Deus, pensava ele mais uma vez, que diabos estou fazendo aqui? Com aquela voz de quem ameaça chorar, perguntou-se: por que comigo?

Sentado escorregado no canto de uma das paredes do móvel, Eduardo olhava para baixo, ouvindo a conversa boba das duas, que tratava de homens que andavam naquele elevador todos os dias . Como se ficassem aqui o dia inteiro só pra olhá-los, matutava.

Já cansado e sentindo a pressão cair, a conversa dos três misturava-se em sua cabeça. Espera aí, tem mais uma pessoa aqui além de nós três? Pensava referindo-se a ele e às duas maluquetes masculinas. Ouvia agora também, uma voz de homem no meio das duas, que não era a dele. Um homem mais velho, que criticava as duas moças, meio que resmungando, insatisfeito com o que ouvia. Agora, acostumado com aquele circo que se formava, Eduardo perguntou calmamente quem era aquele velho. Ora, sou o zelador dessa joça aqui que desde que saí do cargo definitivo, ninguém mais deu atenção para esse pobre elevador. De modo que ninguém saiba, dou um jeito de parar esse prédio de funcionar alguns instantes. Ah, então quer dizer que é tudo proposital, seu Jorge? Perguntaram as moças, num tom meio indignado com o velho zelador. Bem, sabe como é, tentava explicar, a gente é despedido por nada hoje em dia. É uma forma de eu me vingar desses capitalistas. Concordo, disse Eduardo, interessando-se pelo papo daquele senhor gracioso com ar de comunista das antigas. E é justamente por isso que eu estou revoltado aqui há horas! Mentiiiiiiiiiira, disseram as duas debochando das rugas que tentavam se formar no rosto do jovem. A gente nem está aqui há horas, Eduardo. Como você sabe meu nome se eu não lhes disse? Bem... você disse sim... mas não prestou atenção... desconfiado, mais uma vez, só que agora sem tentar fantasiar nada, só desconfiado, o office-boy nem se deu conta de que haviam não quatro, mas cinco pessoas no breu do elevador. Quando olhou bem, todas aquelas pessoas conversando entre si, inclusive o homem de gravata e pasta que parecia um advogado da Justiça Comum, isso porque Eduardo conhece aquele cabelo assanhado, ficou em transe, só ouvindo e começando a suar.

Já sentindo roçar em seus braços, outros braços, ele notava que era como se a cada minuto que se passava, mais e mais pessoas apareciam dentro do recinto que antes era graaaaande, enoooorrrrme, cabiam quinze pessoas.

Com a impressão de que tinha se passado um dia inteiro, Eduardo achava engraçado o fato de não sentir fome, nem medo, nem frio, nem nada…

Num dado momento, estafado com a espera da volta da luz, uma senhora, com um vestido indiano e um lenço na cabeça, tomou a mão de Eduardo que, só observou o olhar singelo e aconchegante da mulher, sem rejeitar seu ato. Ela, dotada de uma voz rouca, disse que aquilo ali não era lugar para ele, que todos que estavam ali, apesar de alguns parecerem mais simpáticos que outros, eram pessoas desorientadas. Mas não foi escolha minha, senhora, o acaso me pôs aqui. O acaso não, o ensinamento, respondeu ela prontamente. Que ensinamento? Parece que todo esse tempo que estive aqui só aturei gente maluca, obstinada demais...além do mais, eu tenho os pés no chão, não quero me perder por qualquer imprevisto que apareça na minha vida!

Então já pode ir, meu filho. Um real dá para o café. E não se esqueça, ela vai ser loira, louca pelo trabalho, mas vai te amar demais. Caminhando olhando fixamente para o chão da avenida larga, Eduardo tentava se situar no acontecido, desde a hora que entrou no elevador e lembrar das primeiras palavras que havia trocado com a velha cigana. E também, das da moça que fazia letras com os olhos lá na frente, e que era linda:
Derretia-se.
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