Sobre Construções
Lá vão eles, os operários
Carregam cansados, nas costas
Os sacos pesados e areias e almas.
De mãos petrificadas,
Por cal calejadas,
Acarinham suas filhas
Soletram palavras erradas e sentidas.
Alicerçam, balizam, rebocam, levantam
Do nada o ferro que também o forja.
É gente que ri, se cança, voa
Andares ainda nem construídos
(Ele próprio era seu construto civil)
O operário que opera a máquina
Não consegue operar a vida.
Lá vão eles, lá vão eles
Bailarinos suicidas
Equilibrance nas vigas
Vingativas e metáligas.
Ingratas vigas que foram apregoadas
Com tamanha prestação,
Escorregadia, corrupta, assassina.
E outro novo ponto marca a sua sina
De vermelho sangue e ex-vida.
E retorna o mais falido de trabalho,
E recria mais um dia de labuta,
E relembra cem minutos de alegria,
E recobra vinte anos de derrota.
Lá vão esses malditos operários
Barulhentos e famintos
Com seus filhos magricelos
Mulher gravida e velhos banguelas
Desfilarem suas feiuras adquiridas
Juntamente com lesões repetidas.
Operários, operários
Otários ou heróicos construtores.
Fantásticos ou fantasmas sob a torre,
Túmulo de tantos, cemitério pioneiro...
Cova rasa, bandeirante.
Lá vão eles, os operários.
Os operários das ascendência nordestina
E da nortista e da sulista e sudestina
Tão brasileiros, mas sem asas
Operários, operários
Construtores do silêncio
Uma inspiração acidental oferecida por domingos lembrou-me de expurgar isso que estava em minha garganta. Esta Brasília esconde seus podres em forma de corpos mortos em sua construção. Cem anos do aniversário de nascimento de J(f)K, darei flore. Aquelas flores que nasceram dos mais de quinhentos corpos desaparecidos no massacre na construção, uns enterrados em terrenos impossíveis, outros em lugares invisíveis e servindo de alicerces ao orgulho brasiliense: A torre. Num buraco infeliz, cova rasa, pessoas que deixaram suas famílias buscando o sonho da "capital da esperança" encontraram um sorriso brejeiramente mineiro, o crime, a morte e a morte. |