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Contos-->Que vontade de tocar instrumentos de soprar! -- 10/07/2004 - 20:16 (Paulo Eduardo Gonçalves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Dizer que não tinha vontade antes seria mentira. Mas foi na festa de aniversário de um ano da prima Janaína que começou a percebê-la como uma necessidade.
Fora ao aniversário só por causa dos brigadeiros, que a parentada mais velha ele via sempre, não precisava de festa pra isso, e os mais novos ele pouco conhecia, entendia, ou se importava. Eram de um comportamento diferente, a seu ver mais idiota, e se preocupavam mais com ficar bonitos do que fortes.
Assim, após empaturrar-se a ponto de sentir que sua barriga ia estourar, pouco lhe restava a fazer além de sentar e esperar pela hora de ir embora. Ou quem sabe pelo fim do mundo. Sempre fazia esse tipo de consideração quando bebia em locais inadequados, como festas de família, pois nessas horas era tomado pela enorme melancolia de saber-se um ser controlado por regras e convenções, incapaz de extrapolar, transcender e comunicar a todos aquilo que ia em seu íntimo.
E o que ia em seu íntimo era a solidão de toda uma vida. Trinta anos de desilusões e expectativas frustradas, as quais aceitava com uma mansidão resignada que se estampava em sua face e fazia as pessoas imaginarem-no um parvo. Por isso riam à sua volta, e insultavam sua inteligência e sensibilidade os grandes e os pequenos, fazendo-o afastar-se e procurar outra forma qualquer de distração.
Encontrou-a na forma de uma corneta, sua distração. Assoprou-a de início timidamente, testando os sons e as intensidades. E pouco depois a tocava com vigor, pú-pú-pú-púúúú,pú-pú-pú-púúúú, incomodando primeiro os mais próximos e logo após todos os que se encontravam no amplo salão de festas. Pú-pú-pú-púúúú, pú-pú-pú-púúúú. Tanto fez que tomando-o por demasiado embriagado um tio logo dispôs-se a levá-lo embora.
Embora ele tenha ido, sua nova mania ficou. No salão de festas, a geração mais nova atentou os parentes por horas a fio: pú-pú-púpú. Eles não tinham o mesmo domínio sobre o instrumento que seu parente mais velho demonstrara. Em casa, e mesmo nas ruas, treinou e treinou, fazendo os cachorros das redondezas uivarem de alegria: Pú-pú-pú-púúúú! Decidido, juntou umas economias e comprou um trompete.
Logo passou a ter aulas também, nas quais se revelou um grande talento. Mas para desespero dos entendidos, logo após demonstrar que podia, recusava-se a tocar qualquer música existente. Seu único prazer era pú-púzear livremente, e em nome deste, largou tudo o mais. Intimamente meditava: "E não é que querem impor convenções à minha música também?"
Desde cedo ele o sabia, mas não cansava de se espantar. Tudo o que lhe diziam revelava que as pessoas acreditavam que convenções sempre houveram, e o que calavam revelava que criam que sempre haveriam. Na matemática, física e química, nas relações sociais e na literatura. No céu, na terra, no mar e no ar. O mundo em que viviam era uma convenção e as pessoas eram convenções ambulantes. Em meio a tudo isso: Pú-pú-pú-púúúú. Uma única verdade a ser alardeada.
Precursor de uma nova onda, morreu aos quarenta e sete, de bronquite, na esquina da Sunset Street com a Florisbela Boulevard. Diz-se que poderia ter-se salvo, se parasse de pú-púzear a tempo, e que ainda hoje se podem ouvir ecos de seus pú-pús pelas ruas do quarteirão. Careca e barbudo, era a cara do Mister Natural. Seu nome era Hermínio João.
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