Uma criança que corre ao meu encontro
Athos Ronaldo Miralha da Cunha
Passaram-se longos onze anos.
A imagem ainda é nítida e seguidamente vem em minha memória: uma criança que corre ao meu encontro. Vem com os braços abertos e tem um sorriso de felicidade. Seus olhos negros brilham de alegria e trazem no fundo uma ansiedade incontida.
Uma menina sapeca e extrovertida. Calça sandálias e veste uma jardineira rosa. Pula sobre mim e abraça-me todo, com os braços e as pernas. Um abraço com gosto de saudade.
Outubro de 1992. No terminal rodoviário do Tietê, aguardava impaciente a chegada dos ónibus vindos do sul. Estava há dois meses ausente da família e a saudade doía como sempre doem as saudades. A espera se prolongava e o burburinho do terminal confundia as pessoas. Sentando em algum banco sonhava com os carinhos e o sorriso dos amores para matar a dor da ausência. No seio dessa metrópole ensandecida de vultos errantes, procurei, incansavelmente, minhas origens. Embora, com a certeza que não encontraria, procurava. Onde estão minhas origens? - perguntava-me vez por outra.
- Isso é uma loucura. - pensava, cabisbaixo, próximo ao box de chegada.
Tomara duas cocas e uma água tónica. E o ónibus vindo do sul não chegava. Estava atrasado, aproximadamente duas horas. A lentidão dos ponteiros do relógio e o intenso vaivém dos passageiros aumentavam minha ansiedade.
- É muita gente. - comentava ensimesmado diante de um terminal rodoviário que fervilhava.
Aliás, São Paulo inteiro fervilha. Qualquer local dessa cidade há intensa agitação. São Paulo é um coração em permanente taquicardia. Parece-me que todos correm para um lugar qualquer e vêem de um lugar incerto. O importante é andar sempre com a vontade de chegar mais cedo ou antes.
Quando temos certeza do reencontro a saudade é generosa não fere tanto quanto a dor da partida sem volta.
Caminhava de um lado a outro do barulhento e desagradável terminal do Tietê.
Finalmente, como por encanto, nossos olhos se encontram. Larga da mão de sua mãe, desvencilha-se de uma mochila e veio em disparada, faceira, ligeira e feliz ao meu encontro. Naquele instante, para nós, não havia mais ninguém na estação Tietê.
Somente nós, no meio da estação, a girar... que maravilha... a girar.
Ainda hoje quando pressinto uma despedida minha memória volta-se para outubro de 1992 e vejo nitidamente a menina que vem correndo ao meu encontro.
E sou capaz de ouvir sua voz.
- Quanta saudade, pai.
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