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Contos-->Contos para elevador - 2ª parte -- 27/11/2000 - 00:24 (guga valente) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
O homem que morava no elevador

Havia muito, Jorge Castello morava num grande elevador de um prédio comercial no centro da cidade. Tinha aproximadamente uns quarenta, quarenta e cinco. Não se sabe bem. Só o que se revela sobre ele, é que saiu de casa quando vivia com uma mulher, já bem conhecida por todos os passantes do elevador: Clara Alvina, uma negra de corpo esguio e temperamento forte. Casado no civil e no religioso, eles moraram juntos uns quatro anos, até que Clara cansou-se de trabalhar sozinha enquanto Jorge dizia procurar emprego e nunca achar; “são os tempos difíceis”, dizia malandro. Mas por quatro anos? Não tinha mesmo mulher que agüentasse.

A partir de então, Jorge foi parar nas ruas. Sabia lá fazer alguma coisinha relacionada à construção. Sabia, mas não queria; um reboco aqui, um acabamento acolá, nada que estressasse demais. Decidiu então que queria ser “motorista de elevador”. E de tanta insistência, o diretor do prédio, um homem de negócios, firme e de pouco tempo para se preocupar com quem iria ou não trabalhar no elevador, decidiu dar esta chance para o desempregado. Perguntou a ele o básico que se pergunta em uma entrevista de admissão, e não prestando muita atenção ao que Jorge respondia, deu-lhe o cargo que viria, num futuro breve, a ser seu lar.

Trabalhando, Jorge se desvinculou do mundo exterior pelo prazer que tinha em desempenhar sua função. Deixou de ir ao barracão que havia alugado para passar os dias que demoraria para construir sua própria casa e tentar novamente uma reconciliação com Clara. Passou a ficar no prédio todo o tempo, mais especificamente dentro do elevador. Detestava sair para fazer outras coisas que lhe pediam, ir a bancos, pagar contas etc. Sempre arrumava alguém para fazer isso para ele. Queria ficar conversando com as pessoas que por lá passavam, que eram as mesmas e às vezes, não. Via gente, contava mentiras sobre sua antiga profissão, que até hoje ninguém descobriu se foi real ou não. E depois de um ano e meio trabalhando no edifício Global Communication Center, o homem havia se adaptado ao modo de viver das pessoas que por ele passavam. Prestava atenção ao que elas diziam e com isso aprendia o que realmente era aquele mundo o qual ele passou a negar. Um mundo cheio de inveja, doenças, desrespeito à liberdade alheia e coisas de quando era vivo, que não lembrava.

Júlia, uma garotinha que se tratou dos dentes desde os seis anos naquele prédio, com o doutor Kamasuki, fizera dezesseis na mesma semana que Jorge fazia aniversário (isso ele contava para todos). Ele descobriu isso tarde. Vivia se lamentando pois já haviam se passado dez anos que ele viu Júlia crescer e passar por diversas fases na vida, lá no prédio. Até um princípio de amizade entre eles fora consumado, então ele achava ruim mesmo saber que não dera os parabéns para a menina.

E assim como a dela, o homem do elevador construíra diversa amizades, todas, para ele, muito sólidas. Mas mal sabia que as pessoas o ignoravam, por mais interessante que ele poderia parecer. Enquanto estavam fazendo a viagem de um andar para outro, tudo era magnífico, Jorge era o cara mais legal que existia naquele prédio frio. Mas ao fechar das portas, todos caíam em si do lado de fora e viam que o mundo não era nada daquilo que o homem idealizava. Jorge era burro, coitado. Assim pensavam os que davam boas gargalhadas do ex-esperto. Um dia ele fora um homem que conseguia ludibriar a todos, conseguia levar qualquer um no papo. Fazia pescador acreditar que o peixe pescado era menor um pouco do que dizia.

Mas preferiu assim. Saiu de mansinho de um mundo bobo, que não lhe dava prazer e se inseriu em outro onde o dia e a noite eram parecidos, mas pelo menos as pessoas mudavam de caráter. Viu muito isso acontecer.

O dia em que descobriu que era possível mudar de caráter, decidiu que queria inovar. Queria que não rissem mais dele quando contasse suas histórias malucas com Clara. Observou então como os jornalistas de um folhetim diário conversavam entre si. Tentou encorpar aquele jeito de falar de coisas trágicas sem drama, de coisas alegres sem riso. Optou pela imparcialidade. A partir de então iria agir como os jornalistas. Paravam num andar que funcionava uma empresa na qual as pessoas trabalhavam em horários estranhos. Não havia jornada regular como nos outros empregos a que tivera oportunidade de conhecer. Às vezes era madrugada e ele conduzia aquele povo todo naquela movimentação. “não sei quem matou fulano com 145 facadas” , que coisa horrível pensava o homem sobre a declaração que o jovem jornalista dava ao outro sem a mínima expressão de espanto. Quando perguntou ao jornalista por que ele não sentia nada em relação àquilo, Jorge ouviu a seguinte pergunta resposta: “ ora, o que é que eu tenho a ver com isso? nem era da minha família”.

Chocado com o jornalismo, passou a observar ao longo dos anos o trabalho dos psicólogos. Bem, estes pelo menos tinham horário fixo. Dava para ele acompanhar bem sua novela sobre a vida dos pacientes, inclusive com os próprios, que tinham que passar por ali de qualquer forma para consultarem.

Dos psicólogos, passou a ver conversarem advogados a respeito de defesas e de petições e de honorários. Aprendeu tudo que eles tinham para dizer e podia até advogar, tamanha era sua confiança no ouvido e no bom senso que julgava ter.

Adiou por alguns anos a mudança de caráter, já que pelo que vira, era necessário ter cursado uma faculdade.

Se negava a sair de dentro do elevador.

Ao longo dos anos, Jorge adoeceu pouco, vivia da comidinha que dona Madalena fazia no seu restaurante, no térreo e levava para ele, no elevador. Tudo o que fazia era mesmo dentro do elevador, onde sua vida não tinha privacidade, mas ele não ligava. Aliás, ele se achava muito mais reservado do que todas aquelas gentes que entravam falando que pensavam uma coisa e saíam se contradizendo. Eram as relações humanas que aquele jovem senhor queria entender.

Despigmentado por não ver o sol, Jorge até que resistia bem.

..................................................

Certo dia, Castello, depois de tomar a decisão de que passaria a falar pouco com medo de que as pessoas que tanto o fascinavam, o recriminassem pela distância que ele insistia em manter do mundo, ele deu bom dia a uma senhora muito bonita. Morena desbotada, de pernas bem torneadas e batom vermelho e cabelos presos e anel de ouro no dedo esquerdo, mal respondeu ao homem por quem seu coração disparou desenfreadamente. Era um engolimento de saliva que parecia não acabar, o dela. Seu coração havia batido forte duas vezes. Duas vezes tão forte, que ela, além de engolir, agora parecia querer chorar e rir e fazer com que o coração descesse pro lugar de onde tivera vindo. Jorge, anêmico, olhava aquelas pernas com o canto do olho, e o encanto dos seus olhos, técnica muito utilizada e aperfeiçoada por ele ao longo do tempo em que morava ali. Olhava. Olhava e parecia reconhecer. Olhava e lembrava. Olhava e triste pensava num poema que vira uma vez, num bar, com um boêmio. “Êta vida besta meu Deus!”. Só lembrava disso. Drummond. Sabia que era Drummond. Mas e as pernas? E a vida besta? Que espécie de ligação tinha essas duas coisas?

O ostracismo ao qual Castello se submetera ao largo de todo o tempo o fizera pensar: são pernas muito bonitas as dessa senhora. O que faço aqui neste elevador se existe vida lá fora e eu aqui, só olhando umas pernas bonitas sem poder tocar, sem poder viver? Êta vida besta meu Deus!!!

De repente um soluço. Jorge olha assustado para a senhora das pernas bonitas: era ela. Mais assustada que o próprio homem, ela soluçava sem coesão com o tempo. Clara? O que faz aqui mulher de Deus, o que faz? Como estou saudoso de ti, como venho vivendo mal sem ti... me escondo nos meus medos, nos meus sonhos... espero morrer logo, à míngua, sem esperança, o que faz, diz!? Um forte abraço parecia parar o elevador entre dois andares. Um peso na cabeça dos dois ocupantes fez com que eles se sentissem mal pelo tempo longe. Por que amar depois de tanto tempo? Jorge, meu bem, como você está branco, acabado! Depois que você foi embora eu não agüentei de solidão... parei de trabalhar normalmente e vim trabalhar aqui, nesse prédio ao lado como condutora de elevadores, como você... só que não queria mais o mundo sem você, era ruim voltar e não poder brigar com você em casa, e te amar depois, como fazíamos... decidi mudar de vez para o prédio. Passei a morar....no elevador, você acredita? Se eu não tivesse feito o mesmo, talvez não acreditasse..., dizia o homem, ainda perplexo em ver tão bela figura de novo. Eu não quero mais viver, Jorge. Não sem você. Vim a esse prédio, porque é mais alto que o meu, e queria um pouco de ar fresco... queria era voar..., divagou a mulher. Que vida besta, mulher? Pra quê isso? Resmungou repreendendo-a, citando seu pensamento vivo em Drummond mais uma vez. Eu não mais trabalho lá. Quero viver com você de novo, homem. Eu também quero minha Alvinha...

Mais um abraço aumentava o tempo do elevador em chegar ao último andar do prédio, o qual era o antigo destino da mulher. Vamos nos casar Alva.... não seja burro Jorge, somos casados até hoje. Só estivemos separados um tempo. Então vamos juntar nossas coisas, mulher. Vamos!, disse ela empolgada. E como eu te quero beijar de novo, como quero saber o que você viveu nesse tempo aqui, o que aprendeu, o que melhorou, o que continua...

Jorge e Clara abandonaram o prédio. Foram para um grande edifício que se localizava no centro, cujo precisava de dois assistentes num só elevador, dado seu tamanho. Mudaram-se para lá, e lá moram, como dantes, mas no mesmo lugar, unicômodo, como um casal que vive a sós numa ilha deserta, que possui gaivotas, cobras, lagartos, animais de toda espécie, e vida inteligente. E, apesar dos riscos, amor inteligível.
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