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Cronicas-->Perdido na Metrópole (28) O incêndio! -- 09/08/2003 - 22:25 (Silvio Alvarez) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Perdido na Metrópole
Silvio Alvarez
Ilustração: Bruno César

Sexta-feira. Onze e meia da noite. Missão cumprida! Mais um dia se encerra. Cansaço. Meus dois neurónios, satisfeitos, relaxam. Esparramado em minha cama leio O Homem Duplicado de José Saramago. Adilsom, o rádio, está mudo. Mafalda, a geladeira, fria e quieta. Epaminondas, o forno que há séculos não faz nada, além de esquentar capuccino, repousa. Genival, meu computador, fiel companheiro, desligado.

Minha kitchenette imensa, refúgio querido, às escuras.

Meu neurónio esquerdo, profundo conhecedor da pré-história do marketing nacional, avisa. - Tá na hora de dormir. Não espere mamãe chamar. Um bom sono pra você e um alegre despertar!

Pronto para nanar. Pálpebras pesadas ameaçam fechar a qualquer momento interrompendo o contato visual com a bagunça generalizada que teimosamente classifico como quarto. Entregue à própria sorte, deixo o sono dominar uma por uma de minhas células. Apenas uma, no topo do dedão do pé direito, insiste em assistir ao Corujão (isto ainda existe?). Não tenho televisão.

Calmaria geral. Até o grupo de pagode da esquina está quieto. Incrível! Os automóveis parecem trafegar com os motores desligados. Os pedestres remanescentes devem estar sem sapatos, dizendo uns aos outros. - Psiu! Quietos. Ele deve estar dormindo.

De repente... Buuuuum!!!

O neurónio direito sussurra. - Algo explodiu ou colidiu com outro algo. Continue dormindo.

Atendi imediatamente. Alguém deve ter derrubado um lenço. Permaneço inerte, entregue ao necessário e agradável sonífero instinto.

- Fogo! Fogo! Desçam daí! Está pegando fogo! Chamem os bombeiros! Gritaria geral! Penso. O Mês de junho já passou. Alguma fogueirinha junina atrasada? Não deve ser festa de São João. Resido na avenida com o nome do mesmo santo, mas a esta hora da madrugada, em agosto, com tantas vozes soando desesperadas... O que será?

É melhor verificar. Com sobrenatural esforço conduzo meus músculos e consequentemente meus ossos (muitos) à janela.

Com os olhos semi abertos miro a calçada, seis andares abaixo. Uma multidão reunida olhava coincidentemente na direção do meu prédio. Será uma passeata da Associação dos Guardas Noturnos Insatisfeitos? Gisele Bundchen resolveu ficar nua no último andar? Não!

Incêndio!!!

Não pode ser. Pode! É um incêndio.

Neurónios acelerados. Coração disparado em ritmo dance music. Tremedeira geral. Preciso pensar. Este fogo vai se alastrar rapidamente e chegar até aqui. Vou morrer. Recordo incêndios famosos do tempo que bombeiro usava balde. Abandonar o navio! Não estou no Titanic e Celine Dion não está cantando! Devo sair do meu apertamento o mais rápido possível.

Como em um vídeo clip de Roberto Carlos, em càmara lenta, viro meu corpo e olho emocionado para o Genival. Vou até Mafalda aos prantos. Epaminondas pisca suas verdes luzinhas freneticamente. Adilsom implora. - Não acredito mais no fogo ingênuo da paixão. São tantas ilusões perdidas na lembrança. Não! Fagner agora, não! Penso em levá-lo. Não o Fagner. O Adilsom. Sacanagem! Levar o rádio e deixar meus outros queridos amigos morrerem sós? Não posso. Dou adeus às criaturas que tanto amo. Resisto em deixar minha kitchenette amada, idolatrada. Salve! Salve! . É muita emoção.

Racionalizo. O que levar? O CD da Kelly Key? Não tenho CD da Kelly Key. Roupas? Não vai dar tempo, compro outras. Teria de lavá-las. Carrego apenas, enfim, somente minha inseparável mala 007, extensão do meu braço, com todos os documentos que encontro pela frente.

Visto a camiseta que ganhei nas eleições de 1988 com a inscrição: Zezinho da Pamonha para vereador, nº 22.789. Não posso sair à rua de cueca. Bermuda de surfista verde-semáforo. Chinelos havaianos legítimos.

Tranco a porta, tomado pela tristeza. Tchau lar! Adeus!

Vou pela escada. Lógico. Li a vida inteira, nos incontáveis edifícios pelos quais passei, a célebre inscrição: em caso de incêndio não utilize o elevador. Desço às pressas. Paro no terceiro andar para socorrer minha amiga portuguesa. Esmurro a porta do seu apartamento. Helena está pronta. De camisola, roupão e tamancos, segurando a Laika, a cadelinha (não entendendo nada), pela coleira. Corremos para o rés do chão (térreo em português - português).

Na calçada frente ao prédio, todos os moradores reunidos pela primeira vez. Todo mundo trajando o necessário. Festa do pijama! Carro do Corpo de Bombeiros com escada Magirus e tudo. Duas viaturas da polícia militar e uma de resgate. Centenas de pessoas aglomeradas. Julgo ter visto um sujeito vendendo pipocas.

O senhor Santos, nosso zelador, acompanhado por todos os outros santos, reuniu a galera e avisou.
- Podem voltar para casa. O incêndio foi no prédio vizinho e já está controlado.

- Um morador do condomínio ao lado perdeu o controle, trancou-se no quarto, atirou a TV pela janela (bum explicado) e ateou fogo no colchão e na cortina. Um herói anónimo arrombou a porta e evitou um desastre maior. Contou Seu Santos, desta vez sozinho, no dia seguinte.

Silvio Alvarez é assessor de imprensa da banda rock pop YSLAUSS, artista plástico de colagem e colunista. silvioalvarez@terra.com.br
Ilustração - Bruno César: brunoartes@uol.com.br
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