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Contos-->Amarga Lembrança -- 27/11/2000 - 14:09 (Annabel Rocha de Castro) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Caminhava pelas ruas tão conhecidas, amigas, acolhedoras, naquele lugar que durante anos fora um pouquinho seu, onde passara bons momentos de sua vida e fizera alguns amigos e muitos colegas. Acostumada a cruzar com diversos desconhecidos e conhecidos no caminho, não estranhou que alguém a olhasse tanto. Mas, ao fixar por um instante seus olhos nos daquele que a olhava, o susto foi tão forte e intenso que ela até esqueceu de respirar e quase sufocou. Num primeiro momento seu coração parou de bater, perdido na confusão de reconhecimento e dor. Passou rapidamente por ele, sentindo que também era reconhecida, sem a menor coragem de olhar para trás. Seguiu adiante em dúvida se realmente era ele. Afinal já se passaram tantos anos! Tantos! Ela tinha apenas dezenove... Não era ingênua nem virgem, mas tinha a alma pura de quem acreditava totalmente nas pessoas. E esse foi o seu maior erro. Conhecera aquele rapaz quando ela tinha dezessete anos, trabalharam na mesma empresa de venda de livros pouco tempo e ele mostrara muito interesse por ela na época. No entanto ela nunca lhe dera esperanças, pois ele não fazia sentido em seu coração adolescente. Mas quando se reencontraram, pouco antes de completar dezenove anos, ela estava tão sozinha e se sentia tão carente que acabou cedendo às suas cantadas repetitivas e insistentes. Ela bebera demais naquela noite, exagerara nos Dry Martinis, perdera o controle da situação e, quando ele a levara para casa, conseguira dominá-la facilmente e a estuprara. Apesar de seus protestos e negativas, de sua resistência embaçada pelo álcool, ele a jogara no chão da garagem de sua própria casa, abrira sua calça e forçosamente a penetrara. De nada adiantara enrijecer o corpo e fechar as pernas diante daquela violência inesperada. Ele satisfizera sua paixão doentia dentro de seu corpo, sem que ela conseguisse fazê-lo parar. Só lhe restara chorar em silêncio e pedir a Deus para que aparecesse alguém e tirasse aquele monstro de cima dela. Porém, ninguém aparecera, apesar de suas súplicas, e hoje, oito anos depois, ela ainda traz um grito preso na garganta. Não se perdoava por não ter conseguido gritar, por não ter conseguido chutar ou arranhar seu agressor (mas suas mãos estavam presas!), por não ter conseguido impedi-lo. A surpresa súbita com tudo aquilo, ter seu corpo e sua alma violados por alguém em quem até então confiara, parecera ter lhe tirado a voz. Mas a verdade é que nunca fora uma pessoa de reações rápidas diante de situações inesperadas e só se dera conta do que lhe acontecera quatro ou cinco anos depois, quando lera em uma revista feminina um artigo sobre o assunto. Acontecera, e ainda doía.
Entrou no banheiro e chorou por muito tempo, derramou lágrimas ardidas e desesperadas. Tudo voltava em sua mente desnorteada: a dor, a humilhação, o pavor. Nunca mais foi a mesma pessoa - já não era mais a mesma garota doce e confiante. Sua mudança fora brusca e dolorosa: já aos vinte anos se tornara uma mulher amarga com o peso, a idade e a cruz do mundo em suas costas. Passara a beber demais, a se vestir de luto e a se entregar facilmente ao primeiro que lhe dissesse uma palavra amiga e agradável. Era como se precisasse se castigar, castigar aquele corpo que já não parecia lhe pertencer. Sobre o qual sentia já não ter mais nenhum controle. Levara a vida (vida?) assim por um tempo infinito, até conhecer aquele que seria seu marido, que lhe trouxera de volta as cores do mundo e a paz no coração. Com ele reaprendera a confiar e a amar. E não sentira mais aquele gosto de fel na boca. Seu marido... O que iria dizer a ele? Ele conhecia parte da história, sem detalhes, não conhecia o tamanho da sua dor. E naquele momento, tudo o que queria era se aconchegar nos braços dele, sentir seus braços fortes abraçando-a e protegendo-a do mundo, de suas dores e aflições, sentir seu calor e seu amor. Mal conseguira trabalhar, passara o dia inteiro revendo as cenas mais amargas do seu passado, e não via a hora de ir para casa, para o colo do marido. Queria se sentir segura como antes, no colo do homem que amava. A volta. O mesmo caminho, a mesma calçada, as mesmas árvores. Fizera aquele percurso centenas de vezes e o conhecia bem, cada pedra do calçamento, cada folha de grama, mas algo mudara, o ar parecia pesado, a noite ficara triste e assustadora. E o medo... Seu corpo ainda tremia e suas mãos estavam geladas. Olhando para todos os lados, se assustava com qualquer vulto que se aproximava. A insegurança a incomodava naquele lugar que sempre fora seu amigo e que agora se tornava um refúgio de sombras escuras para aquele que a machucara. Como poderia viver dali em diante, como enfrentaria a perspectiva de poder encontrá-lo a qualquer momento, em qualquer canto - antes recanto - daquele lugar? Logo ali. Por que logo ali, onde sempre se sentira tão segura, tão em casa? E logo agora, num momento tão importante e feliz de sua vida... Como poderia conviver com todo aquele medo? Como poderia apagar aquela dor que voltara a perturbá-la? Como recuperaria a paz de que tanto precisava?
Em casa o colo antes confortável do marido parecia um tribunal frio e impessoal. Ela buscara carinho, compreensão e segurança e ele só lhe fazia acusações: por que ela não gritara, por que não pedira socorro? Então ele acreditava que ela gostara, pois sim! Se era isto que ele pensava da mulher que tanto o amava, então realmente não a conhecia. Ou sua reação seria apenas demonstração de sua revolta por ela ter sido de outro de alguma forma? Por outro qualquer tê-la possuído antes dele? Mas ele sempre soubera dos outros, dos muitos outros. Ela nunca lhe escondera os erros do passado. Por que ele achava que ela gostara daquilo? Por que a julgava daquela forma tão cruel e mesquinha? O desespero tomou conta dos pensamentos dela e a morte passou por ali. Sentia seu mundo desabar. Mas, depois de algum tempo e muitas lágrimas, ela começou a compreendê-lo: ele era apenas um homem e pensava como tal... Não podia culpá-lo por ser assim. Ele a amava e ela sabia o quanto, nunca duvidara disso. Mas ele a magoara e conseguira machucá-la ainda mais do que o outro. Tudo aquilo era parte de um passado terrível que voltara inesperadamente, mas, apesar da dor, era passado. O marido era o presente e o futuro, e ele a magoara. Porém ela o amava sem restrições e o perdoava, entregava a ele um perdão de que não fora capaz no passado. Tudo passara. Fora como um terremoto em sua vida feliz e tranqüila, mas passara. Apesar disso, havia algo que não poderia mudar ou negar: acontecera, e ainda doía... E aquele grito continuava preso na garganta.
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