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Artigos-->A paciência de Jó (http://pesp.hpg.com.br) -- 11/08/2002 - 15:37 (Penfield Espinosa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
A paciência de Jó (http://pesp.hpg.com.br)



P. Espinosa





É impressionante como algumas lendas e visões mitificadas se formam totalmente à margem dos fatos. Mais impressionante ainda é quando os fatos estão muito à mão e podem ser fácil e rapidamente comparados contra a visão mitificada.



Um caso desses, muito flagrante, é o caso de Jó do Antigo Testamento, que é tido e havido como um modelo de paciência infinita, sem nenhum limite, ao ponto de existir a expressão em português "Paciência de Jó" para designar essa paciência maravilhosa. Maravilhosa em pelo menos duas acepções: uma de coisa admirável e desejável, outra de coisa fantástica, inexistente.



Tanto no texto mitificado quanto no texto original, a idéia geral é praticamente a mesma -- pelo menos isso... Jó é um patriarca virtuoso moralmente e que por isso, à moda do Antigo Testamento, também é vitorioso financeiramente. Sua virtude e generosidade são ao mesmo tempo um exemplo e um auxílio para muitos. Isto faz com que o velho e bom Satanás fique exasperado. Ele então se dirige ao velho e bom Deus e afirma que não há mérito nenhum na virtude e generosidade de Jó, pois qualquer um poderia ser virtuoso e generoso sendo tão rico, saudável e de família ampla e também saudável.



Deus, sendo neste texto um tanto displicente, acha razoável a argumentação e decide fazer uma aposta: permite que Satã, o velho e bom Satã, vá tirando uma por uma das benesses de Jó. Primeiro a família numerosa, depois a riqueza e, finalmente, a saúde.



Aí é onde a versão mitificada e religiosa se descola do texto bíblico literal. E, diferentemente do descolar das situações econômicas argentina e brasileira, neste caso o descolamento é de verdade...



A visão mítica afirma que Jó agüentou bravamente a sucessão de catástrofes que Satã, o velho e bom anjo caído, impingiu a ele, a Jó, o paciente. Até mesmo uma leitura muito destatenta do texto bíblico -- por exemplo, na tradução da Sociedade Trinitariana do Brasil --, mostra que a coisa não é bem assim. Se, de fato, Jó manteve algumas de suas boas qualidades espirituais e religiosas (não matar, não roubar etc.), outras são perdidas durante a tormenta. Por exemplo, Jó perde o moral, o ânimo, e se deprime e entristece. Além disso, perde sua confiança na Justiça Divina, que passa a criticar abertamente.



Sabiamente, Jó diz que ele seria vaidoso se não se permitisse tristeza, desânimo e descrença. Vaidoso porque estaria pretendendo ser muito mais elevado do que seria possível a ele, como humano imperfeito, ser.



Essa passagem é muito sábia e totalmente de acordo com outras, mais conhecidas, da tradição cristã ou católica. Por exemplo, São Paulo, o diligente, que dá alma a uma conhecida cidade da América do Sul, admitiu que existem diferenças entre os espíritos dos homens quanto à sexualidade. Algumas pessoas, como ele, sublimam a sexualidade inteiramente, ao passo que outros não podem. Mais explicitamente, o Dr. Angélico, o grande São Tomás de Aquino, tem a bela frase: para um mínimo de vida espiritual é necessário um mínimo de vida material.



Quem discorda totalmente das idéias sábias de Jó, S. Paulo e S. Tomás de Aquino são os amigos de Jó, que vão até ele para o convencer de que ele não tem de reclamar e contestar a Justiça Divina. Então, entre eles e Jó tem início uma discussão que toma grande parte do texto.



Os detalhes da discussão são relativamente difíceis de se acompanhar, pois se trata de um texto com a linguagem pobre típica do Antigo Testamento, onde são discutidas idéias que, além de relativamente complexas, pertencem a uma outra tradição cultural, perdida na história. Contudo, é claro que todos os amigos insistem que Jó não deva reclamar da Justiça Divina. Não se trata de sadismo: a hipótese de solidariedade é apresentada por um dos amigos, que se propõe a deixar todos seus bens e fazer companhia a Jó agora miserável, agora doente e mendicante.



Como um bom teimoso, Jó declina da solidariedade e dos argumentos de seus amigos. E insiste que gostaria de discutir seu caso diretamente com Deus. O que seus amigos consideram blasfêmia.



De repente, muito mais do que de repente, o próprio Deus, velho e bom, surge e, como o McLuhan do filme antigo de Woody Allen, informa que os amigos estão todos errados e Jó certo. Mais inacreditavelmente ainda, Deus, o velho e bom, pune os amigos que temiam a blasfêmia. E premia Jó, que aparentemente a praticava.



O texto termina com um monólogo divino, que tem certo sabor medieval, pois apresenta um ser fantástico, o leviatã, primo irmão dos dragões e das serpentes do mar, que o famoso filósofo inglês tomou como metáfora do Estado.



Continuando esta série de pensamentos esparsos, talvez se possa explicar a mitificação do livro de Jó porque ele é perigoso, na medida em que mostra que a visão religiosa das aparências é errada. Aparentemente, o livro de Jó é pouco lido, talvez por fazer alusão a criaturas fantásticas e o fato, já mencionado, de que ele trata de discussões teológicas a um tempo complexas e arcaicas, usando a pobre linguagem do Antigo Testamento, que não tem poder para tanto.





S. Paulo, 11 de agosto de 2002

(Copyright © 2002-2006 Penfield da Costa Espinosa)
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