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Contos-->Olhar de Orangotango -- 31/07/2004 - 19:38 (won taylor) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

OLHAR DE ORANGOTANGO























‘ Chega uma hora, em que todos nós precisamos nos olhar no espelho; para ver quem realmente somos.’























OLHAR DE ORANGOTANGO


















‘Estas linhas são todas dedicadas à Maria Angelica de Lima, pelo dia claro de sol quando ela simplesmente olhou-me e sorriu’











Wonderli Taylor Janúario













Prólogo


Ao que me conste, devo adverti-los que se conseguiram chegar até esta página; daqui em diante a leitura seguirá expondo uma idéia clara e talvez subjetiva sobre a rentidão de algumas pessoas. Porém, para alguns isto pode parecer enfadonho e triste; então poupe-se de pequenos sentimentos de recusa e caminhe livremente pelas letras, palavras e frases que constam aqui.

Elle nos conduz para um lugar onde nós queremos estar, é admissível que venhamos a nos apaixonar perdidamente por ela e por suas visões internas, do que realmente somos. Reconheçamos o nosso cansaço, de querer ver as coisas como desejamos que elas sejam. Nossas mentiras particulares, ficam perdidas diante de um simples olhar e assim somos levados ao purgatório.
Uma menina que nos olha, sem pedir nada em troca, sem cobrar nada e sem falar nada; basta que veja dentro de seus olhos para que o nosso arrependimento venha nos consolar. A vergonha das nossas ações essencialmente erradas; digo que por capricho; derruba a condição de chegarmos em primeiro na corrida da liberdade.
Decidi lhes dar a vida de Elle; mesmo que em resumo, para incentiva-los a serem os melhores na corrida, que nos leva ao podium, e não obstante ao delírio de estarmos entre os bons. Acresce que este alerta, não é para esmorecermos, não. Esta passagem é para levantarmos a cabeça e seguirmos em frente. Que assim seja amigos avisados e desavisados; não aceitem mas lutem; por algo melhor, com honestidade e fé.


‘Um último lembrete’


O Orangotango é o único animal, que observa tudo ao seu redor; cada detalhe de cada coisa. E mesmo mantendo uma expressão triste, que é próprio da raça, eles pernanecem a lançar o olhar a mais de mil metros de onde eles estejam. Devemos aprender com esses animais a nos observar, com total atenção e cuidado.





O Autor







Capitulo 01

A síndrome e os nascimentos

Por algum tempo hesitei em falar sobre Gabrielle, não sei se serei totalmente capaz de descrever o mundo dela conforme ela o vê. Então optei em adotar a visão interior dela. Assim iniciarei descrevendo, a não mais discreta, mas com certeza mais formosa entre todas as meninas que conheci. E como deveria ser, nos amanos, ela e eu, muitos anos antes e depois... Perdão amigos, deixe-me descreve-la para que possam vê-la com os meus olhos:

Gabrielle não era alta nem baixa, era forte sem ser gorda e delicada sem magreza. Os olhos de um verde oliva, puro, bem esverdeado, grandes, vivos, cheios de riqueza e de tal majestade, que encanta com doçura ao abri-los e ao fecha-los, que é difícil dizer quando eram mais belos. Os cabelos longos quase da mesma cor do sol, tinha demais um reflexo dourado, vacilante, que ao sol resplandecia ou relampejava, sempre dividido ao meio, como duas cascatas a escorrer pelos dois lados de sua face; até pousarem sob seu colo e suas costas. A cabeça pequena, rosto oval, boca breve, os lábios eram finos e vermelhos como a rosa de cor mais viva, os dentes alvos e miúdos, o pescoço fino pousado num colo de imensa beleza, que harmonizavam com a perfeição das linhas dos ombros. A cintura breve e estreita, mas sem exageros, via-se que era assim por natureza, um corpo airoso. Ah, quase ia me esquecendo um detalhe: Gabrielle, nasceu com uma doença cerebral degenerativa, uma espécie de síndrome, uma demência devida a uma doença cerebral, usualmente de natureza crônica ou progressiva, na qual há comprometimnto de numerosas funções superiores, tais como a memória, o pensamento, a orientação, a compreensão, o calculo, a capacidade de aprendizado, a linguaguem e o julgamento. A síndrome não acompanha de uma obnubilação da consciência. O comprometimento das funções cognitivas se acompanha habitualmente e é por vezes procedida por uma deterioração do controle emocional, do comportamento social ou da motivação. Sei que tudo isso a prendia num mundo só e inteiramente seu. Os anos para ela tinha um outro sentido.

Vou coloca-los dentro dessa estória, que começou no ano de 1984, no Rio de Janeiro, em Bento Ribeiro, o destino nos uniu através das nossas mães, que eram muito amigas e moravam na mesma rua e ficaram grávidas praticamente juntas e nossos nascimentos foram um acontecimento. Eu fui um bebe inqueito, enquanto Elle, como aprendi a chama-la, desde de pequeno, por não conseguir pronunciar o seu nome direito, ao contrario de mim, era quieta, muda e impassível. Provocando desconfiança de sua mãe; já que seu pai saiu de casa, quando sua mãe ficou grávida. Eu esperniava e chorava, quase o tempo todo e Elle sempre quieta, sem movimentos, como se observasse a todos em sua volta.
É imperativo que diga, que nós éramos os bebes mais visitados da redondeza. As nossas casas viviam com pessoas perambulando por entre os comodos; e gente estranha, nos pegando no colo, apertando as nossas bochechas; segundo as nossas mães. E assim seguimos os lastros de estrelas e dávamos um show a cada dia; apesar de Elle ser um bebe lindo, pouco fazia; não chorva; não sorria e quase sempre permanecia imóvel. Mas, era adorável de qualquer forma.
Só perto de fazer um ano de idade é que descobriram a causa de sua quietitude, algo não permitia que seu cerebro se desenvolve normalmente, era como se o bebe não reagisse ao mundo presente ou que ainda estivesse na idade fetal. E por consequencia disso, seu pai que já havia abandonou o lar, com seu egoísmo e culpa deixou a mãe dela, que já não tinha uma condição financeira razoavél, por ser uma boa dona de casa, agora numa condição pior, por saber que Elle teria que tomar medicamentos caros até seus dois primeiros anos de vida e ter um tratamento diferenciado.

O que impressionava a todos; além da beleza de Elle, era o tamanho dela, um bebe enorme, que mal cabia em seu bercinho e em seu carrinho. Quando nos colocavam lado a lado, todas as diferenças poderiam ser notadas de um satélite ou da lua. Mas, ninguém levava isso em consideração e continuavam nos tratando com muito carinho. Nós levávamos uma vida de bebe e as nossas mães cada vez mais irmãs; e meu pai foi de uma compreensão admirável, sua demostração de como é amar verdadeiramente; fez com que nossas mães pudessem ter tranqüilidade para cuidar de nós dois, sem se preocuparem com mais nada.
Meu pai era bancário, convertia seu tempo entre o serviço público e a paternidade, bastante paciente, ele ainda arranjava tempo para passear comigo e com Elle; comprava brinquedos e tinha um prazer de estar conosco. Ajudava com fraldas, com as mamadeiras e com papinhas. Aprendemos a vê-lo sempre a sorrir; éramos rei e rainha daquele diante dele.


Dessa forma, e também com a colaboração, que com seus préstimos, nos mantinham com fraldas e leite o tempo todo. Não chegamos a passar por necessidade, foi por amor da familia e dos vizinhos, que crescemos bem e para Elle esse amor foi fundamental para que ela tivesse um crescimento suportável. Os remédios foram ficando cada vez menos, até que já havia passado o perigo de uma embolia ou qualquer outra coisa. O médico suspendeu o medicamento e Elle começou dali a ter um pouco menos de desconforto. Acabou a preocupação contínua, dali em diante, Elle poderia suportar os dias sem a intensa dor de cabeça, que se acostumara a sentir. E suas noites passaram a ser as mais tranqüilas; Elle não padecia mais do forte abalo no seu organismo.

Dali a pouco, todos acostuamaram a ver pela manhã, uma meninha linda, viam-lhe um sorriso que não existia antes e em seus olhos uma concentração de luz, que era, por assim dizer, contagiante. Céus! Elle transmitia uma força solidária, um algo extraodinário; e porque não, uma contenplação divina; poucas vezes vista numa figura ainda tão pequena; uma graça! Enquanto o outro bebe, que era eu, crescia a parte do que acontecia na casa do lado direito da minha na rua Aurora, 94.







Capitulo 02

As diferenças


Com efeito, tivemos basicamente uma infância tranquila, a cada dia, nós dois nos tornavámos mais amigos e gentis um ao outro, ela sempre atenta a cada coisa que eu fazia, como se estivesse aprendendo comigo ou se divertindo, de alguma forma. As complicações começaram depois do quarto ano de idade, Elle quase não falava e suas palavras, tão breves, saiam destoadas, parecendo ferir-lhe a língua e o som era de uma profunda tristeza, mas, seus olhos sempre em alerta, nos observando em silêncio.

Dali a pouco, não demorou, para que os meninos malvados da outra rua, apelidassem-na de “retardada”, impondo-a a brincadeiras de extrema humilhação. Eu passei então a protege-la de todos, acreditava que o mundo dela era melhor que o nosso. Houve duas vezes que falhei em defende-la; uma vez lhes conto nesse episódio, já a outra vez, deixo para mais tarde. A primeira falha foi no colegio; aos seis anos de nossas vidas, os meninos abriram sua saia atrás e mandaram-na dar bom dia a todos no pátio, enquanto outros me prenderam no vestiário. Lutei e não cedi; a minha derrota. Depois de muito esforço, consegui passar pelo basculhante, mas já era tarde. O resultado dessa maldade, fez com que a diretora pedisse a mãe dela para transferi-la para um colegio de pessoas especiais. Embora Elle tivesse um bom desempenho no colégio; a diretora alegou que algumas mães estivessem forçando para que a tirassem do colégio. Por medo, de que seus filhos pudessm ser contagiados com alguma espécie de doença; um absurdo da solidariedade humana.
Naquele dia, chorei e decidi ser um retardado também, não podia ve-la ir para outro lugar, não aguentaria. Então, passei a me comportar de forma diferente, falava pouco, quase nada, e essa fase durou quase dois anos, mesmo com os apelos dos meus pais, que entendiam a minha reação, mas preocupavam-se comigo e puseram-me numa psicologa infantil. Eu não entendia como a vida funcionava, e só queria estar com a minha amiga e se ela havia sido transferida para outra escola por ser diferente, que mal podia ser, se eu fosse diferente também?. Ninguém conseguia uma resposta para a minha pergunta, e eu também não queria nenhuma resposta.

Passado alguns anos, eu já conseguia aceitar os fatos, e passei a me relacionar com os outros amigos, mas nunca me desgrudei de Elle. Todos os dias, eu, junto com a sua mãe, ía apanha-la no colegio, em casa ajudava-a com as tarefas escolares; lia estórias e na rua fazia com que todos aceitase-na nas brincadeiras: Queimada; bandeirinha; keti; carniça e pique na lata. E nos dias de chuva, todos ficavámos sempre na minha casa e davámos a maior dor de cabeça a nós inventavámos brincadeiras de desenhar ou jogavámos monopolio. Erámos crianças de doze anos e felizes, como deveríamos ser.

Embora passado tanto tempo, Elle ainda se mantinha em silêncio, quase nunca falava mais do que uma ou duas frases, e era sempre com a sua mãe e comigo. Era a estátua do silêncio. Por muitas vezes tentei faze-la falar com as outras meninas, Aninha, Cecilia, Claudinha. Mas, ela se recusava a falar mais do que o necessário com elas.

Às vezes eu cantava uma música em inglês para ela, e dizia que essa era a nossa música, embora o meu inglês fosse péssimo e a minha voz de taquara rachada, ao entoar o coro de “forever by your side” seu sorriso tornavasse brilhante e como sabíamos a tradução desse titulo, sabíamos que isso era o nosso juramento.

Elle a cada dia ficava mais linda, mesmo com seu corpo mudando de forma, já haviam seios no lugar que antes estavam vazio e seus quadris aumentavam centimetros por minutos, mas ainda assim, havia nela uma luz que a tornara especial e mesmo com as mudanças, eu só conseguia ver a beleza dentro de seus olhos. Quando sorria; quando falava; quando dançava e quando ficava em silêncio. Apesar que agora, Elle já falava bastante. A leitura que a mãe lhe empregava diariamente, havia dado claro sinal de melhora em sua fala e em seu raciocínio.

Nos dias de insuportável calor, nós todos íamos tomar banho no rio, mas às vezes, apenas eu e Elle fugiámos para lá. Um rio no meio da mata, um local perfeitamente escondido, caminhavámos por entre árvores e chegavámos até uma bacia de água clara. Depois de estarmos ali por tantas vezes, já nos acostumamos com o ambiente. Houve um dia que ao chegar no rio, fui logo tirando a camiseta e entrando na água, e quando emergi e ao abrir meus olhos, deparei com Elle retirando o vestido e ao vê-la apenas com as roupas de baixo, senti um calafrio percorrer a minha espinha, notei pela primeira vez que ela era mesmo diferente de mim, seu corpo parecia amaciado, a pele macia, de uma cor clara, suas pernas bem desenhadas. Fiquei ali dentro d’agua adimirando-a entrar na água, em silêncio.
Elle naquele dia me deitou os olhos, mas muito sem malicia, ergueu o canto do lábio e franziu a testa, contraiu as sombrancelhas, dando uma expressão enigmática Dali algum tempo, acostumei-me com a situação, e passamos a brincar, como costumavámos fazer, mas ao abraça-la para mergulha-la ao fundo do rio, voltei a sentir o mesmo calafrio na espinha, ao tocar com as minhas mãos em suas costas nuas, tentei disfarçar, mas não tinha como controlar, o meu corpo reagia instintivamente. Afastei-me dela e mesmo sentindo medo do que me acontecia, compreendi que não podia toca-la novamente, até que meu pai explicasse o que eu me tornara, quem era aquele garoto.
Apesar de estranhas, as coisas que senti ao foram ruins, eu fiquei assustado com a reação do meu corpo, e vexado por estar diante de Elle, que longe do que eu sentia, apenas sorria; de forma pueril. Todavia, sua pele tão fresca cedia aos toques de minha visão e arrepiava-se toda ante aos toques de meus dedos.



Capitulo 03
A alma livre

Por algum tempo cheguei em acreditar, que os versos de uma música da legião - aqueles caras de Brasilia. Achava que a letra de ‘será’, falava de ódio. Mas, houve um dia que comentei com Elle sobre esses versos, ela fez observações tão sensíveis a esse respeito e fez-me ler a estrofe final, onde diz: ‘brigar pra quê se é sem querer/ quem é que vai nos proteger/ será que vamos ter que responder/ pelos erros a mais/ eu e você’.
A explicação dela fez alguma coisa mudar em mim, ela disse: ‘quando nós brigamos uns com os outros, deixamos de lado ou simplesmente esquecemos, que temos o ‘bem’ dentro de nós, e nessa hora, deixamos algo mal; tomar conta das nossas ações. E assim falamos coisas que machucam; que magoam; que fere; que humilham; que diminui e que afeta o ‘bem’.
E depois que o mal vai embora e nos deixa, já falamos o que não devíamos e já fizemos o que não queríamos. Na nossa mente, só ficam as falas; os gestos e a incompreensão. Por isso, a letra diz ‘que é sem querer’, porque ninguém quer magoar quem se ama, não se quer fazer mal a essa pessoa. E após brigar, fica sempre um gosto ruim na boca; um amargo na garganta e um peso no estômago.
A sensação de perda, por ter permitido que o mal vencesse naquele instante, onde o nosso ‘bem’ ficou em segundo plano, como um observador. E os sentimentos ruins que ficam em cada um, que em separado, sente-se péssimo, por saber que afez a outra pessoa; ouvir e ver o mal assumir a situação.
E depois de tudo dito e feito; depois de ter colocado mais erros, entre os dois e isolados com tantos sentimentos mesquinhos, egoísta e pequenos. Como reencontrar e ver os olhos apaixonados ou amigos ou humanos, a nos olhar? Por isso – disse Elle: ‘não brigue nunca!’.
Só então entendi que, os versos da canção, falam de amor. E acredite-me, depois de lê-los mais uma vez; chorei. Chorei por ter sido tão negligente e incapaz de perceber, que dias atrás, eu havia brigado com a Elle; por ela ter colocado sal no meu leite, numa brincadeira sem maldade. Gritei e fui embora de sua casa, com fúria. Ali; diante de sua fala, senti-me pequeno e estúpido e fiz uma promessa, de nunca mais brigar; seja com quem eu ame ou com qualquer outro ser humano.
Passado uns dias depois de vê-la sentada no sofa, com aquela letra, no pedaço de papel, em suas mãos a falar, sobre como brigar é feio. Digo que ainda sinto-me abatido e mudo; sem lagrimas a chorar por mim. Mas com lágrimas a chorar por Elle.
Eu que pensava que podia cuidar bem dela, já não podia cuidar bem de mim mesmo, enterrado no meu horror mental. Nunca poderei esquecer a figura hedionda que deixei que Elle visse em mim. Meus olhos haviam se tornados cegos e a minha voz muda; parecia que os oceanos haviam secados, em algum lugar dentro do meu peito. Acho que é culpa; sim, é a culpa!

__ Por que está com essa tristeza no olhar? Você está triste, está triste? – perguntou Elle com excitação na voz.
__ Acho que lhe causei mal, naquele dia... do leite, lembra? – disse eu sem jeito passando as mãos na cabeça.
__ Você não me faz mal, não me faz mal, não faz! – disse ela incorruptível.
__ Perdoe a minha estupidez, por favor. – insisti.
__ Desse jeito você me assusta, me assusta, eh, me assusta.
__ Minha Elle, minha Elle! – repeti seu sagrado nome e sentei-me ao lado dela e abracei-a com sofreguidão e ergui os olhos aos céus.
__ Vamos entrar? Quero ver televisão, sim, quero ver televisão. Não fique assim e esqueça, ok?
__ Tudo bem, vamos entrar. O que vamos assistir?
__ Desenhos, sim, vamos assistir desenhos.
__ Ótimo, adoro desenho! De-me a sua mão que eu vou ajuda-la a se levantar desse chão.
__ Obrigada. – agradeceu ela com o semblante mais sereno.
__ Disponha. – retruquei sorrindo.

Por fim entendi que eu não podia fiar-me entre o egoísmo e a piedade, que a resolução de pedir perdão, não era nada mais que uma maneira subjetiva de meu próprio infortunio e que o egoísmo ainda estava ali e não seria em forma de piedade que eu acabaria com ele.

Ao ligar a televisão, a feição de Elle já havia mudado, não havia mais rusgas em seu rosto. Trazia o espirito refeito. Vi que nós nunca havíamos de ficar como dois inimigos.

__ Quer pipoca? Quer, quer pipoca? - perguntou ela.
__ Sim. Mas fique aqui sentada que eu vou fazer.
__ Palavra?
__ Sim. – pensei que já era hora de acabar de uma vez com aquele episódio.
__ Tanto melhor! Tanto melhor! - respirou ela.


Cresci; e continuei com a mesma opinião sobre Elle, e nisso é que não houve mudanças e por isso meus pais não interveio. Afeiçoei-me à contemplação das atitudes, quase silenciosa de Elle. À vista de gente, ela trancava os gestos e palavras, em particular dava-me beijos por toda a face.
Não cresci num padrão rígido; minha mãe ensinava-me a ser um bom cristão. Aprendi cedo a pedir perdão e a perdoar. Meu pai adorava-me; dizia ele que, eu revelei um único talento precoce; o de ser bom. Porque não havia uma pessoa diante de mim, que eu não respeitasse; jovem, adulto e até as criancinhas.
Por muitas vezes, meu pai babava desse orgulho, cubria-me de olhares de gratidão, pousava a mão sobre a minha cabeça, fitava-me longo tempo, namorado, cheio de si.


Sempre tive uma visão particular, das coisas que nos cerca, houve episódios que fizeram-me valer dessa visão. Certa vez passeando com Elle nas ruas do bairro; ela perguntou-me por que havia pessoas revirando os lixos, procurando o que comer. Por que eles precisavam fazer aquilo, e havia uma expressão nos seus olhos, que me deixou pensativo. Aquilo perturbava-a e incomodava-me muito. Olhei em volta, enquanto Elle calada, tocava a ponta do dedo em sua testa, sinal particular que algo estava errado; seguiram segundos de silêncio e ela não falava nada, nem olhava para mim. Havia alguma afetação naquela mudez.
Percebi que deveria fazer alguma coisa; voltei e juntei uns doze meninos, e fomos em muitas casas naqule dia, pedindo comida: ‘arroz; feijão; ovos; oléo; batata; macarrão e tudo mais. Levei tudo que arrecadamos, para a mãe de Claudinha, e foi muito, devido aos bons corações. A senhora Lia tinha uma cozinha bem grande e fogão industrial. E nem foi preciso insistir para que ela cedesse, e ela é que insisitiu em nos ajudar a preparar o banquete.
Depois de tudo pronto, apanhamos umas mesas e cadeiras, no bar de seu Fabrício e montamos o nosso restaurante ao ar livre; bem embaixo de um velho pé de amendoa, bem em frente a casa de Claudinha. Reunimos naquele dia, alguns moradores de rua, e os alimentamos.
Ninguém jamais pensara que pudessem ver, olhos tão úmidos, e não quero fazer menção à mim, falo dos olhos de Elle, fitos, parados, à contempla-los diante de seus pratos cheios. Sei que a vizinhança veio ou mandou cumprimentar a tarefa, que os meninos, alguns com apenas doze anos, havia feito. E depos daquele memorável dia, os vizinhos adultos iniciaram alguns projetos, que duram até este momento futuro. Pouco fiz, apenas segui os olhos de Elle e senti-me bem, por tanto tempo.

Desde cedo, eu sabia que me importava e que certas coisas incomodava-me; muda-las seria perfeito. Mas, precisava primeiro, mudar algo em mim mesmo, antes de tentar ou querer mudar o mundo. A partir dali, as pessoas que não entendiam o meu comportamento, em relação à jovem Elle – não que eu sentisse piedade por ela, mas amor - e sendo assim passaram a olhar-me com outros olhos.
Compreendiam que nada que eu fizesse mudaria os gestos, a flor, a vida que vazava entre o que eu era com Elle e o que eu poderia ser sem ela. E ao tempo que, constante fazia-me feliz e abençoado, e não por minha vontade; mas pela vontade divina, que me mantinha no caminho de Elle; um encontro, por assim dizer. A devoção que nos mantinham unidos, a falência de nossas vontades; o ímpeto perpétuo, que pairava entre nós dois.
O que não se podia era resistir a tal grandeza de sentimentos; e não resistíamos, era de bom tamanho o desejo de permanecermos juntos e com cada segundo passado, escrevíamos um pouco da nossa estória. Sem duvida que não era apenas eu quem havia sido encantado por Elle; todos compartilhavam da mesma opinião; as meninas a adoravam, os meninos tinham vergonha de admitir; coisa de homem, os visinhos morriamde amores por ela.
Como teria eu condições de escapar de tão bom sentimento? É claro que deixei-me apanhar desprotegidamente por Elle. Não reagi e nem tentei; cedi aos encantos ela; com a força que ela possuía em si; com a sinceridade de suas palavras; com a verdade que existia dentro dela; a fidelidade e franqueza, que quase não existia em outras pessoas. Tudo isso a tornara especial demais.



Capitulo 04

A reação do corpo

Daquele tempo em diante, quando eu já contava com uns quinze para dezesseis anos; o fluxo de hormônios ebuliam dentro de mim. Passei a reparar tanto em Elle e sabia que não seria justo, querer dela, mais do que ela era capaz de entender. E quanto as outras meninas, bem, a que mais chamava-me à atenção, era Claudinha – ela era a mais faceira, sagaz, voluntariosa, espirituosa. Não seria justo dizer que ela era a mais sensual entre as meninas; porque não seria justo com Elle – de um jeito as sardas no seu colo e no seu rosto, davam uma charme especial à ela e as espinhas levemente vermelhas, ah, mas, isso não lhe tirava a beleza, não. Era bonita, macia, com trejeitos bem femininos, que saltavam os olhos. Claudinha de pele clara, bem clara, cabelos ruivos, juvenil, com tanta doçura e vontade; suas pernas, seios empinados e redondos. Defini-a da melhor forma possível, compleixão física e emocional. E digo, ela viria a ser muito importante na minha vida futura, e digo isto com sinceridade.

Num dia de domingo, semana antes do carnaval; vesti-me de farao e fui até a casa de Claudinha, ainda não era dia claro, pulei o muro e bati levemente à janela, com batidelas, que eram um código. Claudinha sonolenta, abriu a janela, e deu uns passos para trás, com os olhos assustados. Fiquei em silêncio e pulei a janela antes que ela pudesse se refazer do susto. E logo comecei a rir e a ser socado nas costas.

__ Como você me faz uma dessa, hein?
__ Para ver essa sua reação! – respondi ainda sorrindo antes de calar-me e olha-la. Acho que no fundo, eu queria vê-la usando apenas camisola. A beleza de seu corpo juvenil, saindo sob o pequeno tecido, fino, leve e pouco, que mal a cobria. Encarei-a sem vexar-me; suspirei ao parar os olhos nos seus seios de bicos rosados e imponentes. Desci um pouco mais os olhos e deixei-os pousarem em seu ventre. O que mais havia por trás daquela pequena calcinha de lycra, sob a camisola?
__ Você não está muito quente...dentro dessa roupa? – sua voz ficou rouca e sensual de repente.
__ Quase fervendo! – respondi puxando o tecido para frente e para trás.
__ Acho que você devia tirar isso? – disse ela mordendo levemente o lábio inferior.
__ Não posso, eu estou quase nú...
__ O que tem de mais? Você está diante de mim e eu estou quase nua. Acha que só você pode ficar aí a me olhar quase nua?
__ Mas... – murmurei.
__ Nada de mais. Vocês meninos são todos metidos a esperto. Pensam que podm tudo, não é?
__ Nem cheguei a pensar nisso...
__ Mas, ficou aí parado olhando para o meu corpo, e com a boca aberta.

Ela tinha razão no que dizia, eu achei maravilhoso estar ali, diante dela, com tão pouca roupa. Deu-me vontade de colocar as mãos naqueles seios e coxas, mas contive os impulsos e cedi, apesar de continuar sentindo o sangue ferver.

__ Vai ficar parado? Estou esperando você tirar essa roupa. – Ela sentou à beira da cama e ajeitou-se ao centro, exibindo as pernas cruzadas, e isso chamou ainda mais a minha atenção.
__ Desculpe-me, eu não quis fazê-la sentir-se como uma obra de arte.
__ Aceito as desculpas, mas, só com uma condição. – sentenciou ela cruzando os braços.
__ Qual condição? – quis saber curioso.
__ A de que você tire essa fantasia.
__ Acontece que estou só de cueca e...
__ E daí? Eu estou só de camisola. Vamos quero vê-lo quase nú, também tenho curiosidade. Ou você faz isso de uma vez ou vou proíbi-lo de vir aqui, no meio da noite ou no inicio da manha. O que vai ser?

Retirei a fantasia e senti que a cueca estava tão apertada, que mal podia cobrir-me. Confesso, que senti-me desconfortável. Os olhos de Claudinha desceram levemente pelo meu corpo, frágil, esquelético e juvenil. Fui ficando tão vexado a ponto de esquecer o que eu tinha ido fazer ali; senti-me sujo e indecente.

__ Dado, tire esse paninho e deixe-me ver tudo.
__ O que?
__ Isso mesmo, quero vê-lo nú.
__ Como assim?
__ É que eu nunca vi um...um... você sabe. E você pode me mostrar, bem aqui na minha frente. Olhe, vou tirar a camisola e depois que me mostrar o seu negocio, eu tiro tudo o resto. Vai me dizer, que você quer ver-me nua também? – disse ela ficando de pé na cama, virando as costa para mim e retirando a camisola e deu uma volta, com as mãos na cintura. E ao ficar de frente, eu já estava nú. – esse negocio fica sempre assim?
__ Não, só às vezes... – disse eu envergonhado e nem consegui respirar quando Claudinha virou-se novamente e retirou a calcinha e perguntou-me com voz de pecado:
__ Ou só fica assim quando pensa bobagem? – disse ela ficando de frente.
__ Não sei! – respondi tentando esconder-me com as mãos, que mal conseguia cobrir o tamanho da minha vergonha.
__ Meninos! É claro que só fica assim...quando pensa em bobagem. Mas, agora tire essa mão daí, vai.

As minhas mãos trêmulas sairam da frente e vi os olhos de Claudinha saltarem das órbitas; uma expressão de felicidade e satisfação surgiu naquele rosto faceiro. Ergui a cueca, coloquei a fantasia, e em segundos lancei-me pela janela, em direção a minha casa. Assim foi a minha primeira experiência sexual; e do modo como me senti, sabia que teria que esperar por um bom tempo, para recuperar-me do trauma.

__ Filho!
__ Sim, o que foi mãe?
__ Já são quase onze horas da manha.não vai levantar?
__ Acho que vou ficar aqui, um pouco mais...
__ O que essa fantasia faz aqui no chão?
__ Eu a experimentei e ficou horrível e não quero usa-la mais.
__ Que pena! Estamos tão próximo do carnaval. – levantei a cabeça e dei uma última olhada naquela roupa no chão. E foi como se eu tentasse deixar as lembranças para trás.

Dali em diante, meus passos passaram a ser direcionados apenas em assuntos que eu conseguia controlar. Apesar da minha recusa, muitas outras vezes senti aquela erupção dentro de mim; mas eu consegui abafar todas as vezes.

Graças a Deus, que Elle nunca percebeu o que ocorria comigo e nós nos davámos bem, do nosso modo. Passei a não cogitar mais sobre o que não era de grande valia e talvez por isso, evitei ir à casa de Claudinha sem a presença de testemunha. E de certa forma evitei-a por um bom tempo.

__ Dado! – a voz doce de Elle dava-me a realidade inocente que eu precisava.
__ Sim!
__ Vamos lavar a bicicleta?
__ Pegue a bicicleta que eu vou apanhar o sabão e o balde.

Ali nos molhando com a mangueira, eu pensava que havia uma parede dentro do cérebro de Elle ou que a sua alma pudesse estar de alguma forma presa. E que por isso ela não conseguia se libertar de vez. Pensamento ou alma, seria alguma coisa que a fazia ficar num outro lugar; num outro tempo. Porém, ao mesmo tempo tão próxima. Devia ser o que eu não conseguia entender e aceitar por completo. Mas, Elle estava feliz e isso era o que me importava.
A razão que logo compreendi, era que ditava o momento e seria inoportuno querer estar pronto para amar, estando verde. Procurei desviar a minha atenção a tais coisas, e não há quem me explique essas diferenças; esses sentimentos, que para mim, eram súpliciosos e importuno. Eu ainda não havia evoluido para chegar a te-los, precisava de algo mais e esse algo mais; era o amor. Havia de estar ligado um ao outro; a mesma ligação que eu tinha com Elle; sim, ali havia amor, éramos como duas almas e bastaria o oportuno momento, para que desencatássemos.
Fiquei preso entre desejo e amor, e digo; venceu o amor! Ao lado de Elle sentia os prazeres variados; a prsença dela valia-me mais do que qualquer coisa viva na face da terra e a urgência de estar em contato, com a sua luz; dava-me a condição de ser melhor; o amo que havia em mim, era exaltado e digo, sem pestanejar; só há um melhor em mim devido a presença de Elle em minha vida; isso que me conste, pode-lhes parecer piegas, mas é o que sinto em verdade.





Capitulo 05

O segundo drama

Descreverei aqui uma drama maior relacionado à sexo; esta foi a segunda vez que falhei com Elle. Tudo aconteceu na terça-feira de carnaval; quando voltavámos de uma matine no clube da cidade. Elle usava um pariô preto e azul, aberto dos lados das pernas e um tomara que caia azul, e em seu pescoço um cordão havaiano e eu, bem, a mesma fantasia de farao, que jurei não usar mais. Isso não é o que importa.
No meio do caminho, desviamos o trajeto, e fomos pela rua de baixo, assim estabelecemos o nosso destino. De mãos dadas e conversando, nós nem percebemos o perigo nos rondando. Foi então, que Diego aproximou-se e disse: ‘Dado, Elle! Que bom encontra-los aqui!’. E nos abordou com papo de cerca lourenço, mas, eu não cheguei a desconfiar das suas verdadeiras intenções. Ele nos fez parar diante de sua casa e pediu-me para ajuda-lo a pegar uma galão de tintas em seu quintal.
Deixei Elle esperando no portão e quando entrei no quintal, ele encostou uma faca no meu pescoço e mandou que eu pussesse as mãos para trás e pôs-me uma algema – que depois soube que seu pai havia sido policial militar – quis gritar para que Elle fugisse, mas ele disse-me que havia um cara com ela lá fora e se eu tentasse alerta-la, o outro iria feri-la.
Depois de amordaçar-me, ele me pôs dentro da jaula – onde certamente vivia algum cachorro de porte médio – e a cobriu com um plástico negro, porém, eu podia ver através dele. Ele entrou em casa e ouvi o som do telefone, e então ele saiu e foi para o portão. E logo entrou com Elle e o outro, que identifiquei sendo o João. E o que vi dali em diante, até hoje tento esquecer. Eu vou lhes narrar exatamente como aconteceu, não sei se em riqueza de detalhe, mas, eis o drama:

__ Venha Elle, entre. O Dado está lá nos fundo. – ele colocova as mãos nos ombros dela e a conduzia pelo quintal.
__ Você nunca falou comigo antes; além de que eu sempre pensei que não quisesse ser meu amigo. Elle parecia presentir algo errado, sua voz estava apreensiva.
__ Poxa, eu agora quero ser seu amigo, eu e o João, aqui, não é amigão?
__ Claro que sim! Somos os teus novos amiguinhos. – disse sorrindo com escárnio.
__ Como nós poderíamos deixar de ser amigos de uma menina tão gostosinha. Vamos brincar uma brincadeira legal – disse ele, conduzindo-a para a lateral esquerda do quintal e colocando-a contra o murro, bem a frente da jaula em que eu estava; queria que eu visse tudo. E então, ele agarrou um dos seus seios e começou a apertar com força.
__ O que você está fazendo? Essa brincadeira está me machucando, pare, por favor. Pediu Elle tentando retirar a mão dele de seus seios.
__ Calma, gatinha! Amigos fazem isto, relaxa que você vai adorar a diversão. – a outra mão dele subiu pela perna de Elle, que nesse momento se contorcia toda tentando desvencilhar-se de seu algoz. Enquanto ele enfiava a cara no pescoço de Elle, ela implorava para que o outro a ajudasse.
__ João, isso não é direito. Vocês estão agindo errado; ele está me machucando com essa brincadeira e eu não fiz nada para vocês, e não quero brincar assim, com vocês. Por favor, ajude-me! – insistiu Elle olhando diretamente nos olhos de João.
__ Ô cara, vai ficar aí parado, dando ouvidos a ela. Ou vai me ajudar aqui. Venha segura ela, merda!
__ Você me chamou aqui para fazer uma brincadeira e isso é sério, cara! – João parecia estar assutado e inqueito.
__ Por favor, menino. Me ajude! Seu coração vai ficar mais limpo e sei que você pode ser melhor do que isso... – Elle teve a sua boca tapada.
__ Eu não vou fazer isso, cara.
__ Por acaso, você tem medo de mulher, seu viadinho?
__ Não está certo, cara! Solte-a! – ordenou.
__ Está querendo bancar o herói? – ele retirou a mão da boca de Elle e deu um soco no rosto de João, que não esperava.
__ Diego, você está bebado. Pare com isso, nós ainda somos amigos. – disse limpando o sangue que escorria do canto de sua boca.
__ Eu não sou amigo de viado! – disse tentando chutar o outro, enquanto Elle assustada; cobria o rosto com as mãos.
__ Pensa, cara. As pessoas vão saber e vão te ferrar, pensa. Falava e se defendia dos socos e pontapés que lhes eram deferidos com violência.
__ Que pessoas? Só eu e você, ô mané. O outro amiguinho viado, o inseparável viadinho que anda com ela, está aí na jaula preso... ele apontou para a cela por cima do ombro do outro.
__ O que? Você enloqueceu. Você planejou tudo isso e diga-me o que fará com ele, depois? Certamnete que, ele o denunciará.
__ Quando vi esse ótario vindo com ela pela rua, pensei que seria fácil pega-los e foi; e depois eu dou cabo desse mané. – concluiu.
__ Você não vai me envolver num crime. Não vai mesmo! – João reagiu agrendindo com um chute na barriga de Diego, que caiu e foi imobilizado. – vamos, levante-se e abra a jaula e deixe-os irem embora.
__ Você está ferrado! – ameaçou descontrolado.

Fui solto; saí cambaleando, totalmente zonzo e logo corri até Elle, que assutada não parava de tremer. Em vão procurei no rosto dela algum vestígio de valentia; nenhum havia; era só a pele clara, mais branca do que o costume. Fitei-a tão penosamente; que flagelo, pensei!. Agradeci ao João e quis sair com ela dali imediatamente, porém, avisei-os que iria até a delegacia dar queixa.

__ Tudo bem, faça o que achar que deve. – quando íamos algema-lo, ele conseguiu escapar e fugiu pulando o muro pelos fundo.
__ Vamos sair daqui depressa, antes que ele possa querer voltar e se vingar de nós todos. – disse ele apanhando a algema no chão.
__ Obrigada, João! – Elle abaixou e deu um beijo no rosto dele, em forma de agradecimento.
__ Eu é que lhe agradeço; você é um anjo e não merece amigos como Diego. - saímos os três dali e fomos direto à delegacia, mas ninguém consegiu acha-lo em parte alguma e só depois de alguns anos é que ficamos sabendo que Diego havia morrido, numa delegacia, onde esperava para ser julgado, por ter sido preso em flagante, num estupro. Os presos o enforcaram com as próprias calças; mas disseram que foi suícidio.

Nossos amigos passaram a entender o nosso relacionamento, e nenhum deles questionava a nossa amizade. Mas, confesso que algo mudou em mim depois daquele banho no rio, uma vergonha tomou conta das minhas ações, apesar do meu pai ter garantido que isso era normal nos garotos da minha idade, mas eu sabia que não era justo para Elle que eu me sentisse assim em relação a ela, meus sentimentos eram para protege-la e não para magoa-la, ela sabia de tudo que acontecia em sua volta, às vezes perscrutava-me com olhares de candura e às vezes de olhares pecadores.

A questão dali em diante era que, cheguei a um ponto, onde havia uma encruzilhada, que poderia levar-me a vários caminhos, bastava que eu me decidisse por um e seguisse em frente. Mas, apenas um me levaria até Elle e já era hora de tomar o caminho certo.
Sem arrependimentos ou egoísmo, nada que maculasse o que era bom, o que era verdadeiro ou que intentasse contra a moral, que meus pais havia me ensinado. Elle já sabia mais sobre o amor do que eu e os livros de romances que ela lia, a ensinava sobre sentimentos, que para mim ainda eram obtusos; meu coração ainda era tosco em relação a essa montanha-russa que é o amar.
Mas sem perceber, creio que já a amava; não estou certo se do mesmo jeito de seus livros, mas a intensidade do que sentimos não pode ser medida ou mesmo comparada. No fundo, aquele bichinho que fica remoendo, dentro de nós; em mim, ele modia-me os pensamentos, quando tudo era voltado a Elle. Se ela não estivesse comigo, vinha um aperto no peito; se ela estivesse comigo, vinha o mesmo aperto no peito. Se pensava; só pensava em coisas onde ela estava presente. Era óbvio, que não podia negar e era claro que não tinha como negar; mas eu precisava abrir os olhos e enxergar o que era cristalino.

Os meninos da rua; bem esses, mesmo sem perceber, eu os mantinha afastado, bem longe de Elle. Eu a cercava o tempo todo e nunca havia espaço para que algum deles pudesse se aproximar dela. Embora, eles respeitassem e suspeitassem, ao tempo, que ali havia mais do que amizade. Algo ainda não dito, que com o tempo seria confirmado; temiam que eu cumprisse a minha promessa de protege-la de tudo e de todos, ou de que pudessem magoa-la, de alguma forma. Eles sabiam que eu estava disposto, a lutar ao limite de minhas forças, para que Elle pudesse ser feliz.

Começo este relato com uma reflexão: ‘Quantas vidas temos que viver até aprendermos quem realmente somos?’. Novamente veio-me a mente a palavra “piegas”; creio que pensar que é um verbo transitivo e que também é próprio a nós humanos. E então devemos exercitar a mente com bons pensamentos. Voltarei ao que deixei por alguns instantes, para trás e dedicarei este capitulo ao ato simples que é o pensar:

Capitulo 06

O desejo e o inicio da realização

‘Não façai acepção de pessoas’; isso bem que podia ser considerado um dos mandamentos bíblico; já que na regra do amar, este mandamento é o número um. Quando se ama, nada vemos de cor, tamanho, classe social ou físico. Nada disso é levado em consideração. Basta que de todas as fomas trouxessêmos até as nossas vidas, este grande mandamento: ‘Não façai acepção de pessoas’.

Deixarei aqui um quadro em registro sobrre este assunto. Certa vez, num desses lampejos cuja a idéia parece ser a melhor do mundo. Eu fui ter com Elle, e isso era um sábado à tarde e chegando lá em sua casa, convidei-a parra irmos ao cinema.
Dali a pouco, nós já estávamos na fila à espera de entrarmos e bem na nossa frente, havia uns garotos e na hora deles passarem pela roleta, o bilheteiro; um senhor impediu que um dos garotos, de passar pela roleta; o senhor apenas alegou que o garoto não passaria pela roleta, devido ao garoto ser obeso. Os amigos do garoto, a partir dali, começaram a rir sem parar e a encarnar no garoto, que constrangido; baixou os ombros e a cabeça, envergou o corpo e não disse nada.
Elle largou da minha mão, e foi até o menino e pegou em sua mão e o conduziu até ao senhor que segurava a corda, para que ele pudesse passar, pela entrada lateral. O menino sorriu para Elle e ergueu a cabeça, e caminhou até a entrada; e eu dei o bilhete dela ao senhor, e ela entrou no hall do cinema junto com o menino. Os outros meninos pararam de rir de imediato, e todos eles pssaram pelo mesmo lugar.
Aquela situação constrangedora acabou tornando-se um agradavel encontro de sorrisos. O menino agradeceu à Elle e entrou na sala com seus amigos, que acenaram para ela. Ao entrar e sentarmos, tudo ficara no silêncio, e ela parecia que não havia feito nada; nenhuma palavra, nada. fiquei quieto também e em adimiração, fitei-a sentada, quita, imóvel, com os olhos voltados à tela, com seus cabelos de fios dourados, escorregando por seus ombros. Então, pensei em como um gesto muda uma situação e como que para ela; aquilo fosse tão normal, casual; sei lá!.
Quase ao término do filme, voltei os olhos em direção a Elle, e a imagem era de alegria, seu sorriso largo dizia tudo. Ela calmamente pegou a mão e colocou-a junto ao seu corpo. Nem foi preciso repreender aquele senhor; a atitude silenciosa de Elle, fez com que todos ali presente, tivesse tido a oportunidade de presenciar um gesto de carinho, e foi o bastante para entendermos algo de valor, bem simples, mas que é preciso estarmos em alerta contra o que nos acostumamos a ser normal; cotidiano.
Cabe aqui dizer, que a sensação de ter estado ali naquela hora; foi ótimo e de uma profundidade dilacerante do que é bom. Com efeito, podia sentir dentro de mim, algo sendo reconstruído; pois, o que eu tinha antes, havia sido demolido e era preciso ser novamente construído. E Elle, dava-me o que eu precisava, para que dos meus olhos fosse retirado o véu da hipocresia.

Com efeito, certo dia quando já estavámos com dessesete anos, fiquei muito emocionado ao encontra-la chorando em seu quarto e ao vê-la atravessar vagarosamente até a janela, como se não tivesse nenhuma pressa de chegar e depois colocar sua mão esquerda no batente e abaixar a cabeça, e seus longos cabelos loiros esconderem seu rosto por segundos, e em seguida ela levantar a cabeça e com um olhar vago, morder os lábios e se debruçar na janela e lançar o olhar como se não olhasse para o dia presente, e falasse meu nome de forma tão doce:

__ Dado!
__ O que foi? – respondi-lhe depois de caminhar até ela e tocar-lhe no ombro.
__ Eu...nunca serei...amada...como as outras meninas? – perguntou-me ela com os olhos úmidos de lágrimas.
__Isso é um absurdo, você é linda e haverá alguém...
__ Não haverá... ninguém... sou uma doente... – os olhos dela tornaram-se fonte d’agua, enquanto virava na direção oposta a minha.
__ Você não deve se culpar. Não se culpe! - Elle virou-se rápidamente e agora com os olhos mais vivos.
__ E de quem será? - sacodi a cabeça negando as palavras dela.
__ De qualquer um, menos sua culpa!
__ Eu sou... um monstro! – o tom de desanimo continuou em sua voz.
__ Não, não, e não! Jamais diga isso! É um absurdo! – olhei-a direto nos olhos antes de perguntar-lhe algo que não queria nunca ter que perguntar – Você está apaixonada por alguém?
__ Não! Mas se estivesse, sei que não daria em nada... – respondeu-me ela.
__ Claro que daria! Eu faria com que lhe amasse!
__ Você não pode...fazer com que me...amem... – prosseguiu ela com o mesmo desanimo.
__ Claro que posso. Eu falo sobre você e de como você é e... – deixei o meu nervosismo fluir, não queria vê-la sofrer.
__ Não pode... ninguém pode! – disse-me mais calma desta vez.
__ Então, será algum idiota que perderá alguém especial... senti um rubor na minha face e terminei a frase.
__ Não sei o que fazer! Não sei o que fazer! – disse-me pondo ambas as mãos no rosto.

Ela estava sentindo-se como se fosse um peso que fôra deixado para trás, por estar atrapalhando a caminhada de alguém. Abracei-a e mantive-a em meus braços até que ela se acalmasse por completo. Por certo tempo cheguei a acreditar que Elle fosse curar-se, que de repente acordaria e tudo estivesse acabado. Com o tmpo, ela tem aprendido tanto, sobre tudo. Seu desenvolvimento na escola, tem deixado seus professores perplexos; a sua capacidade de aprendizado melhorou bastante, sua concentração para as tarefas e seu raciocínio as coisas em sua volta. Mas, Agora sei que não acontecerá, mas de que outra forma seria viver, se não a única que temos. Ter coragem não é por falta de medo, mas por ter que enfrentar o que ganhamos de Deus. E coragem é tudo que Elle tem.

Quanto antes eu pudesse faria tudo para evitar, com que Elle tivesse esses sentimentos ou que fosse incomodada por eles, desdobrei-me para que ela sentisse confortável. Cerquei-a de carinho e cuidados, embora sabendo que ela queria mais do que eu estava tentando lhe dar.
Todavia, algumas vezes, ela parecia ter se esquecido daquela conversa ou passava os dias como se nada tivesse sido falado em seu quarto. Esforcei-me para não chorar quando ela ficou triste por não poder ir a festa de formatura da minha escola no fim do ano. Todo dinheiro que juntei ajudando seu Tião a pintar algumas residências, serviu para que eu pudesse comprar a minha roupa e o convite. Ninguém podia antever como seria a festa, mas para mim, seria apenas uma formalidade e estar lá sem Elle, seria um tormento. Desta forma, depois de me arrumar, peguei um embrulho no meu armário e fui até a casa dela:

__ O que está...fazendo aqui? – Olhava-me com espanto.
__ Vim vê-la, Gabrielle Prado de Almeida. – abaixei a cabeça e curvei o corpo para cumprimenta-la.
__ O conde não deveria estar no baile? – perguntou-me desconfiada.
__ Sim, minha condessa! Que se dane o baile! Pedi à minha mãe que apanhasse o meu diploma. Ah, eu trouxe-lhe um presente!
__ O que é isso? - seu ar de curiosidade ficou visível.
__ Abra logo!

Ao ver o vestido longo azul de alcinha e um par de sandálias brancas e uma bolsa feminina, também de cor branca. Os olhos reluziram a sua alma e seu sorriso, uma mistura de felicidade e de nervosismo, tomou-lhe toda a face alva e sem mácula.

__ Pra que isso?
__ Para que vista e me acompanhe até o Maciel’s, o restaurante. Disse eu sem receio.
__ Maciel’s?
__ E já estamos em cima da hora. É melhor ir se arrumar. Eu já falei com a sua mãe e ela deixou que fosse comigo, mas pediu para que lhe trouxesse cedo.
__ E os seus amigos? – perguntou-me nervosa.
__ Você é a melhor pessoa do mundo e é com você que eu quero estar. – olhei diretamente em seus olhos enquanto gentilmente lhe sorria.

Dali a pouco, Elle surgiu à porta, devo dizer-lhes que a visão era mágica, seus cabelos loiros rondeavam por seus ombros e seus olhinhos rasos faíscavam e estavam rutílantes. Quando dei por mim, meus olhos ficaram detidos em suas coxas alvas, expostas, devido vestido que ficara menor do que supus. Senti um rubor na face de Elle ao notar que meus olhos a admiravam-na:

__ Você está linda! – exclamei baixinho.
__ Obrigada! – agradeceu-me esfregando as mãos, um pouco sem jeito.

Diante daquele momento, até depois de chegarmos ao Maciel’s, desejei não embaraça-la e ao longo das horas freiei meus olhos e dançamos, conversamos e brincamos felizes. Até que hesitei e ao abraça-la para dançar uma música lenta, meu peito foi de encontro aos seios, apenas coberto pelo fino vestido de seda, de Elle. Parecia-me senti-los nus a roçar em mim e tudo foi muito estranho, temia que ela percebesse o que se passava comigo, e um nervosismo invadiu-me e me fazia suar frio. Embora, eu desejasse que a música acabasse logo, pórem, ao mesmo tempo queria que ela nunca tivesse fim. Passei a sentir as coxas dela nas minhas, e as minhas mãos em suas costas nuas e devo admitir que a sensação era de um enorme bem-estar.
Mas, não demorou mais do que alguns segundos para que todo o sentimento bom transformou-se no meu total desespero. Quando senti que tocar em suas costas e coxas, não estava apenas me dando calafrios, algo acontecia comigo que eu não conseguia evitar, algo forte e duro surgiu entre mim e Elle. Algo que parecia ter vida própria, e eu sentindo o perfume de seus cabelos cedia aos caprichos daquele brinquedo novo que acabara de descobrir em mim. E digo isto coberto de culpa, acordei daquele transe e levei-a de volta à mesa:

__ A música ainda não terminou. Achei que estivesse gostando... – disse-me Elle meio cabisbaixa.
__ Eu...eu estava adorando. É que meu...joelho está doendo um pouco. É isso! – desvencilhei.

As pessoas olhavam-nos com disfarces, penso eu que nos analizavam, mas eu não ligava e não me sentia nem um pouco envergonhado de estar ali com Elle. Confesso que aquelas horas foram de muita felicidade. Contei-lhe piadas para vê-la rir, afinal ela já ria de quase tudo e porquê não rir das minhas piadas sem graça.
Tudo estava novamente perfeito, mas ao ouvir a introdução da nossa música, Elle levantou-se, passou por trás da minha cadeira e pegou-me pela mão e conduziu-me até a pista de dança. Sem dizer absolutamente nada, pousou uma da mãos em meu peito, e como os primeiros dois botões estavam abertos, ela passou a acariciar-me o coração.
E novamente senti os calafrios, desta vez segurei-a mais forte e diminui a distancia entre nós, e com os olhos fechados e como rosto enfiado nos cabelos dela, deixei que a música seguisse e terminasse sem efeito. Elle era como se vivesse ainda aos doze anos de idade, apesar do seu corpo já estar com quase dezoito anos, e toda a sua inocência havia de ser preservada:

__ Bem, mocinha. A música terminou e é hora de irmos para casa.

Peguei-lhe pela mão e levei-a de volta à mesa, paguei a conta e apanhei sua bolsa. Estava eu tentando sair dali sem deixar má impreensão, mas ainda tínhamos que passar pela pistade dança, que estava lotada. Elle ía adiante de mim e a única forma que tínhamos de atravessar aquele mar de gente, era pô-la na minha frente, e feito isso, fiquei em contato direto com seu corpo, minhas mãos, uma atravessada na sua cintura e a outra atravessada por sua frente e pousada no seu ombro. Abracei-a desta forma, tendo-a junto do meu corpo. Foi difícil resisti-la em meus braços, sentia seus seios roçarem em meu braço, suas nadegas espremida em meus quadris. Quando foi impossível dar um passo devido a aglomeração em nossa frente e ter que ficar ali parado com ela na minha frente. Todo o meu cuidado perdeu-se de dentro de mim, e desejei senti-la um pouco mais. Elle era linda, estava linda, cheirosa, macia e minha. Sabia que eu estava errado, mas deixei-me levar por um sonho, mesmo que por alguns segundos apenas.

__ Acho que vamos ficar dias assim. – sussurei-lhe em seus ouvidos.
__ Xii! Vamos dormir aqui em pé? – sua voz rouca entrou direto na minha cabeça, talvez para tirar-me do transe em que eu me encontrava ou então para mostrar-me que lá estava a inocência de Elle.
__ É seria ruim dormir em pé! – disse-lhe baixinho e por demais envergonhado.
__ Não escutei! – Elle ao virar o rosto para falar, ficou face a face comigo e meus olhos foram diretos a sua boca e quase podia tocar-lhe os lábios com os meus. Olhei-a nos olhos e ela sorriu-me gentil. Todo meu corpo tremeu, eu tinha que sentir o gosto daqueles lábios, o sabor daquela boca, mas não era para ser, não podia ser. Então, beijei-lhe a face suavemente:
__ Não disse nada demais. Vamos!

De frente ao seu portão, deparei-me novamente com Elle e aquela luz cintilante que do poste refletia sobre ela e dava-me uma bela visão da bela mulher diante de mim. E veio de repente em minha mente, a lembrança de um natal; quando havia passado treze anos da vida de Elle: Como em todos os natais anteriores, nós sempre ficavámos juntos; os cinco. Elle e sua mãe passavam o dia em minha casa, ajudando a preparar a ceia, e a noite comemoravámos juntos. Mas, nesse natal em particular; algo aconteceu e um sentimento veio à mim, que só agora posso entende-lo.
Estavámos todos à mesa, nos fundos do quintal, e Elle naquela noite preferiu arrumar-se em sua casa; sua mãe nos contou que ela queria nos fazer uma surpresa, e então, tive que aguardar ansioso. Um pouco antes da meia-noite, minha mãe avisou-me de que Elle estava no portão.
Ao invés de passar por dentro da casa e aparecer na varanda, eu fui pelo corredor, em volta da casa e a luz da marquise do lado esquerdo, estava apagada. Cheguei em silêncio e da quina da casa; olhei-a. Elle estava vestindo um vestido branco, curto, desses que as alças são amarradas no pescoço e apresenta um decote generoso e deixa as costas nuas.
A pele dela nevava, sob a luz fraca que vinha da rua, talvez por causa da purpurina, espalhada em seus cabelos; pescoço; colo; e braços. Os cabelos loiros repartidos ao meio, dava-me a visão de todo o seu pequeno rosto, os lábios vermelhos de batom, uma maquiagem azul sob os olhos verdes e um avermelhado nas maças do rosto.
A apreensão visível em seu rosto, a espera que eu aparecesse, as mordidelas no lábio inferior, a passada da lingua nos lábios, o olhar vago para a entrada, as esfregadas nas mãos e as ajeitadas no vestido e nos cabelos. Tudo demonstrava a sua beleza e eu ali; sentindo-me privilegiado, por poder assitsti-la nessa intima performace.
Veio de repente uma vontade imensa de abraça-la e dizer-lhe o quanto ela estava linda, segurei-me por mais alguns segundos, quis guarda-la, mantê-la daquele jeito em minha mente por mais tempo.
Apareci e Elle me sorriu, um sorriso largo e abrindo os braços como um convite, apertei seu corpo de encontro ao meu; abriguei-a em meus braços; senti seu perfume; toquei-lhe os cabelos e beijei-lhe o pescoço e o rosto por várias vezes seguidas. Depois, Elle disse-me ao ouvido que havia se arrumado daquele jeito para mim e ainda credulo, eu ouvi a sua pergunta se eu havia gostado da surpresa; repeti que sim! E quis mantê-la ali comigo, sem testemunhas, apenas nós dois.
Levei-a para o corredor e a encostei na parede, dei uma boa olhada, de cima até em baixo, peguei-a no colo e beijei-a no rosto; com a boca tão próxima a dela, senti a sua respiração bater no meu rosto. Ergui-a tão abruptamente, que deixei-lhe as coxas expostas e indefesas ao ataque de minhas mãos, quando a recoloquei no chão.

__ O que está olhando? – o tom curioso e infantil despertou-me.
__ Nada. Vá, quero vê-la entrar em casa. entre! – ordenei-lhe.
__ Ih, para onde mais, eu poderia ir?
__ Não sei. Mas, linda assim, para qualquer lugar.
__ Linda?
__ Sim! – segurei o portão com o pé direito para que ele não se fechasse.
__ Obrigada! – Elle virou-se e beijou-me a face e ao virar-se para entar, segurei-a pelo braço e virei-a de frente e puxei-a de encontro a mim.
__ Boa noite e durma com Deus! – retribui o beijo que ganhei na face, e por centimetros não toquei-lhe os lábios. – espere! Elle, lembrei-me de um natal, quando você estava com treze anos e quero fazer o que eu devia ter feito naquela noite.
__ O que você deixou de fazer naquela noite?
__ Isso! – coloquei os braços em volta de sua cintura e gentilmente; beijei-a nos lábios. Um beijo, o primeiro beijo; o mais medroso e tão candidamente recebido; o disparo dos batimentos, a boca tão fresca de Elle contra a minha. - Ao abrir totalmente os olhos, percebi o vulto de sua mãe, se aproximar na janela da sala, devido ao ranger do portão.
__ Boa noite e durma com. Deus também. – despediu-se feliz pondo a mão na boca.
__ Boa noite, dona Ruth! – acenei para ela que agora já encontrava-se à porta da sala.
__ Boa noite, meu filho! – respondeu-me com um meigo sorriso. - de repente, corri em disparada até a porta e fiz o mais dos esperados pedidos, um que não sei o motivo não foi feito antes:

__ Dona Ruth, eu peço a senhora a permissão para namorar a sua filha. – nervoso falei rápido e ofegante.
__ Meu filho, é claro que eu dou a permissão. Afinal, vocês são ‘namorados’ desde de sempre. – disse isso num tom pausado e dócil.
__ Namorados? – perguntou Elle, perscrutando-me por cima do ombro de sua mãe.
__ Sim! O que você acha? – perguntei animado.
__ Legal! – ela franziu a testa.
__ Como eu lhe disse, Dado. Vocês já eram ‘namorados’ bem antes de você propor. Agora despeça de sua namorada à sos. – passei os olhos de soslaio no rosto de dona Ruth e sorri devagar.
__ Dado, as pessoas não verão com bons olhos, o namoro entre uma menina como eu e um menino como você... Mesmo esse menino sendo um grande homem. – em seu rosto resplandeceu a luz da rua, deixando-o mais sereno.
__ Eu sempre falei com você como falei com qualquer outra pessoa; e qualquer um que me conhece, sabe que meus sentimentos estiveram com você, mais tempo do que com qualquer outra pessoa, nesses anos; todos eles. Onde estão meus pensamentos e desejos, sempre há você. – segurei-a pelas mãos e ergui um pouco seus braços.
__ Nós podemos enfrentar o mundo?. Seremos respeitados aos olhos deste mundo?
__ Eu sei que nunca poderemos declarar todo esse amor, e também sei que aos olhos do mundo; isto, pode não ser entendido, por todas as pessoas. Que se dane! Eu só espero que haja um ‘nós’ amanha e sempre. Você pode suportar algo assim? – a resposta de Elle veio a mim em forma de um beijo doce em minha boca.
__ Bem, eu vou aceitar isso como um ‘sim’. Sendo assim, boa noite, minha namorada! Boa noite, dona Ruth! – despedi-me novamente.
__ Boa noite, meu namorado!
__ Boa noite, meu filho!

Todavia, aquela foi uma noite difícil para pegar no sono, havia muitas novidades para ser pensada, os motivos que me fizeram sentir tais emoções, a presença do corpo de Elle, os incomodos que senti ao toca-la e a forte vontade que me fez beija-la, afinal, ela era minha amiga e por que estaria eu sentindo tais coisas a respeito dela? A única coisa que eu sabia, era que eu adorei ter estado com ela naquela noite e sentia-me feliz com aquele pedido.
O dia amanheceu e era uma bela manha de domingo, levantei e fui direto ao portão, olhei bem para o dia presente, espreguicei-me alçando os braços ao ar, pousei as mãos na cabeça e esfreguei os dedos nos meus curtos fios de cabelos e dei uma boa bocejada.
Olhei a minha rua e tudo que via era uma beleza diferente dos dias anteriores, apesar do meu bairro ser um bairro suburbano, como outro qualquer, sentia-me feliz de morar ali. As ruas exatamente iguais, largas, poucas árvores, bastante casas, algumas lojas, do tipo açougue, mercadinho, farmácia, e padaria. Mas, era um lugar feliz, nos fins de semana, pelada no asfalto, passeio de bicicleta, as meninas brincando de amarelinha na calçada, os meninos com suas pipas, nessa época do ano, o ceú se torna um espetaculo de bambus, rabiolas e papel fino. Depois de olhar tudo com atenção e ver que tudo continuava igual, voltei ao interior da minha casa e senti-me feliz.






Capitulo 07

Um futuro escolhido


Acresce que cheguei ao ponto de tomar a decisão, do caminho a seguir, meus pais esperavam que eu me decidisse sobre o que eu faria: qual curso eu tentaria, embora eu nada sentia a respeito, não era o plano da minha vida, enfiar-me num desses cursinhos e tentar uma faculdade. Eu sabia que isso afastaria-me de Elle ou a veria menos. Tomei a decisão após conversar com Elle e ela me encorajou a seguir em frente, eu não queria, mas era algo preciso.

Tornei-me enjoativo ao caminhar contra o meu coração, cedi a sandice do futuro e passava meio expediente trabalhando na loja de animais e toda a tarde sentado numa sala de aula. Passava o dia contando as horas, para dizer à Elle onde estive e o que estava fazendo por todo o dia. Dizer que nada havia mudado e que eu deveria fazer aquilo, pois de alguma forma, eu precisaria numa outra hora, num outro dia, não naquele, não ali!

__ Oi, Elle! – cheguei de mansinho para que ela não pudesse ver-me entrar em sua casa.
__ Oi, Dado! – seus olhos brilharam ao me ver parado na porta da sala.
__ Como está a minha namorada?
__ Bem e você?
__ Com saudades!
__ Eu também! – disse-me sorrindo e levantando-se do chão onde desenhava num pedaço de papel.
__ O que você está desenhando aí?
__ Nada de mais, apenas o pôr-do-sol.
__ Posso ver?
__ Claro! – respondeu-me ela abaixando-se para apanhar o papel no chão.
__ Lindo! Seus desenhos são todos lindos. Acho que você devia coloca-los num quadro...
__ Estou com saudades também. – sua voz tornou-se triste de repente.
__ Quer que eu pare de estudar? – perguntei incisivo.
__ Seu doido claro que não. Isso aqui é só coisa de menima apaixonada.
__ Não quero vê-la triste ou solitária... Você disse ‘apaixonada’? – aproximei-me dela e estendi-lhe a mão e lhe sorri de volta.
__ Sim, eu disse ‘apaixonada’. E estou feliz e você deve continuar sempre em frente! Eu fico aqui pensando em você. – ela pegou a minha mão e levou-a até o seu rosto e deitou a cabeça delicadamente sobre ela.
__ Fico pesando em você também e louco para chegar o final do dia para vê-la. – passei a mão por todo a sua face.
__ Venha... – ela se afastou num pulo e arrastou-me até o seu quarto.
__ O que há de especial?
__ Espere! – disse-me ela, abrindo sua gaveta e apanhando uma revista e dando-me em seguida.
__ O que quer que eu veja aqui? – perguntei sem entender o que acontecia.
__ Página trinta e dois. Abra depressa!
__ Calma! – com os dedos nervosos desfolhei a revista até a tal página e lá havia uma foto de uns atores abraçados. – Elle, o que isso quer dizer?
__ Eles se casaram! – prosseguiu excitada.
__ E daí? – insisti na minha ignorância.
__ É que um dia, eu gostaria de poder ser a noiva. – subitamente entendi tudo e senti-me um idiota insensível.
__ Sim, um dia você será a noiva. Só não sei se saíra numa revista assim. – disfarcei enquanto Elle olhava-me com melancolia no olhar.
__ Você sabe que não acontecerá.
__ Eu não tenho uma vã ideia do que virá.
__ Você é gentil e bondoso.
__ Você é quem é gentil e bondosa. Não fique pensando nisso, as coisas acontecem quando não pensamos nelas e quando não pensar nisso, vai se aproximar o seu príncipe num cavalo branco e casará com você.
__ Príncipe num cavalo branco. Que coisa antiga! – disse rindo.
__ Assim sorrindo você fica linda.
__ Só tenho você, para fazer-me rir.
__ Por um acaso está insinuando que sou um palhaço?
__ Não! Mas, que é meu amigo. - fui até à ela e abracei-a com suavidade.
__ Amigo e namorado. Nunca se esqueça disso, Elle.
__ Claro! – disse ela encostando a cabeça no meu ombro.
__ Sempre serei! – pus a mão em sua cabeça e alisei-lhe os cabelos.
__ Assim, eu ficarei aqui até adormecer. É como se você estivesse tocando na minha alma. – com a voz lenta e arrastada, ela foi se entregando ao cafuné que eu fazia.


Fosse totalmente desnecessário dizer, que meu coração ficou apertado dentro do peito, que senti-me sufocado. Elle compreendeu o meu infortunio, apesar de sua coenrência caminhar diferentemente da minha, suas conclusões eram acertadamente superiores a minha. O meu hesitamento, creiam-me, estava em decidir se o que eu queria deveria caber na vida dela.
Assim, em silêncio, eu buscava o rosto de Elle a resposta para o meu assombro; mas o rosto dizia-me apenas o quanto eu estavasendo estúpido, os olhos embora parados, dizia-me; avance; dê o sinal; faça da sua vida algo extraórdinario e eu ali; com a atonia de quem reflete e se bem da verdade; meu rosto devia estar amarelo; uma hipocresia e esse era o meu único freio.
A certeza vinha de repente e em outra hora era engolida, com todo o resto, e ficava à tona o assombro que me prendia e me fazia perder o sono; e isso diminuia cada vez mais os dias de minha vida. Era impossível conviver com aquilo, latejando dentro do peito; precisava libertar-me e minha libertação e salvação; era Elle.





Capitulo 08

O endosso


Que suplício foi a visita que Elle, fez-me na loja onde trabalho, e de certo, aquele dia, de alguma forma mudaria um bocado a naturalidade dos absurdos, que existiam em minha mente.
Com efeito, naquele instante em que vi Elle parada, graciosa, porém um tanto acanhada. Ali, na entrada da loja, uma onda de alegria invadiu-me; fiquei tão feliz, ao vê-la; ali, ajeitando os cabelos com movimentos suaves de suas mãos. Acresce que, de repente, tudo ficou em camera lenta; quando olhei em seus olhos e vi toda a tristeza presa dentro deles.
A reação dela, aquela expressão de dor e de profunda infelicidade; a fez refugiar-se em algum lugar, distante dali; seguro, onde ninguém podia estar, e vi os seus olhos imóveis em direção à uma pequena gaiola; onde havia um filhotinho de cachorro – um SRD (sem raça definida) – havia nele, uma mistura de poddle com piquênes.
Era um cachorrinho branco, de pêlos enrolados e sujos. Num espacinho onde o animalzinho sequer podia andar, com uma vasilha com água e nada mais. Olhei de volta para o filhote e pude sentir o que ela estava sentindo.
É engraçado como as reações são diversas, todos esses dias, eu passava ali diante daquele quadro; que medonho, feriria o coração de qualquer criança. Como posso ter sido tão, tão adulto! Acho que cheguei a um ponto, onde fica cada vz mais difícil de se enxergar o obvio.
__ Elle, venha comigo, entre, por favor! – supliquei-lhe.
__ Ele está triste, preso ali! – disse ela apontando para o filhote na gaiola.
__ Sim,ele está! – adimiti com culpa.
__ Posso ficar aqui? Ele vai se sentir melhor se alguém ficar com ele. – o tom dasua voz fez-me sentir ainda mais culpado.
__ Tudo bem! Eu vou buscar um refrigerante para você. – enquanto eu entrava pelo salão da loja; ao meu redor; vários animais em minuscúlas celas e pelo mal dos meus pecados; eu trabalhava nesse mesmo espaço e devia estar cego, todos os dias, para não ver tudo isso.

Dali a pouco, quando passava sob a sala de consultas, fui chamado pelo Sr. Lima:

__ Precisamos fazer algo à respeito. – disse-me com emoção.
__ Do que o senhor está falando? – perguntei-lhe parado diante da porta.
__ Os meus dois filhinhos, você os conhece. Eles não entram aqui também e acho que Elle acabou de lhe mostrar o por quê. Você acha que podemos mudar esse quadro? – sentado atrás da mesa e com ar de arrependimento nas palavras, ele estava sendo sincero em admitir a culpa.
__ Bem, senhor. Amanha, eu posso trazer-lhe um projeto.
__ Um projeto!? Interresante! Agora, vá cuidar de Elle, ela parece estar muito triste. – da mesa com a porta aberta, ele podia ver a entrada da loja.

Eu procurei amenizar a tristeza de Elle, prometendo-a cuidar dos bichos que ali estavam, com mais carinho e humanidade. Mesmo assim; não consegui retirar o remorso que sentia. Então, naquela noite, Elle fez uns desenhos e eu umas plantas; coisas que ajudariam os pobres bichos, que tiveram a sorte de estarem à venda, ali.

Logo na outra tarde, fui procurar o senhor Lima, cheio de esperança e de orgulho por Elle.

__ Vejo que trouxe o ‘projeto’. Ponha-o aqui na mesa. – disse retirando alguns objetos que estavam sob a mesa.
__ Sim, aqui está, dê uma boa olhada! – espalhei os desenhos por toda a mesa.
__ Do que se trata isso?
__ De uma mudança que poderíamos fazer e isso melhoraria a loja e seus clientes vão adorar e também osseus filhos. Bem, podemos tudo isso neste terreno aí do lado, já que pertence ao senhor. E acredite-me, não será preciso gastar muito... Apenas precisaremos de telhas e cimento. Lá tem tijolos e tábuas; e as obras, bem, eu mesmo faço, se o senhor permitir, é claro! – argumentei.
__ De jeito nenhum! Está maluco! Chamarei uns rapazes e você vai orienta-los. Você fez um desenho lindo que me dá vontade de vê-lo pronto. – concluiu ele depois de dar mais uma olhada nos desenhos.
__ Na verdade, esses desenhos são de Elle, a planta; foi eu quem eu fiz. – disse orgulhoso.
__ Que lindo! Vou agradece-la pessoalmente. Nossa, ela tem talento! – a estupefação dele era evidente e contagiosa.
__ O senhor vai ganhar um show room, onde as pessoas poderam circular entre os animais e podendo assim interagirm num ambiente saudável.
__ Deixe-me imaginar: os pássaros terão um espaço de vinte metros de comprimento por quatro de altura?
__ Sim! – apontei para o desenho cheios de pássaros voando por entre os galhos da mangueira que há no quintal.
__ Os filhotes, de gatos e cachorros, ficarão em cômodos, como se estivessem numa casa e terão bebedoros e tanque para tomarem banho, e tudo o mais?
__ Sim! Como pode ver neste desenho!
__ Então, graças a Elle, meus filhos voltarão a ter orgulho de mim. – ele saiu de trás da mesa e abraçou-me e começou a pular feito uma criança feliz.


Com as obras em andamentos a vontade de ver pronto tudo, que Elle pôs no papel era imensa e se fechasse os olhos com bastante força podia-se ver tudo pronto. Os filhotes felizes andando livremente pelos comodos; as crianças correndo com eles; os pais observando os pássaros voando dentro de um enorme viveiro. Até a enfermaria havia ganho o seu espaço nos fundos da loja, que já não parecia mais como uma loja e sim, como uma clinica de animais.
Um sonho infantil que estava se realizando, e mesmo com as vendas, a visão já não seria de condenação para os animais, e seria de transição. Apenas uma triagem dali até um lar.

Capitulo 09

Compromisso timido


Dali em diante os anos passaram arrastados, entrava estações e saia estações, e a saudade crescia dentro do meu peito e mesmo assim conseguia estar atento ao que fazia. Entrei para faculdade de jornalismo e tive que continuar no mesmo emprego e sobrava-me um quarto do dia e os finais de semana para ver a minha doce Elle.

__ Elle! Elle! Venha até o portão! – eu gritava do portão de sua casa.
__ Oi! – lá estava ela, sorrindo em minha direção.
__ Vamos passear! O dia está lindo nessa manhã!
__ Vou avisar minha mãe!

Fiquei ali no portão vendo-a entrar correndo e feliz, ela parecia agora ter apenas uns oito anos de idade e eu bem menos do que isso.

__ Onde...vamos?
__ Vamos ao shopping!
__ Preciso trocar de roupa e arrumar o cabelo.
__ Não seja vaidosa! Essa saia jeans e essa blusa estão perfeitas e seu cabelo está maravilhoso. Deixe-me entrar e avisar a sua mãe onde estamos indo.

Passeamos no shopping, entramos em tantas lojas e sempre de mãos dadas, sem dar importância a nada e depois de comprar perfumes e brincos, fomos fazer um lanche.

__ Está feliz? – fiz a pergunta antes de levantarmos para irmos embora.
__ Muito! – respondeu-me com um sorriso nos lábios.
__ Ótimo!
__ E se não estivesse?
__ Eu teria que comprar-lhe um sorvete de chocolate!

Elle colocou as mãos no rosto e segurou a cabeça com os cotovelos apoiados na mesa e falou baixinho:

__ Estou triste... – Elle começou a rir com as mãos ainda no rosto.
__ Quando parar de rir, vamos comprar o sorvete e irmos. – disse-lhe rindo. – e o riso nos acompanhou até chegarmos em casa e nos outros dias que seguiram depois.

O momento podia não ser o melhor, mas, era um momento único e se ainda não estávamos preparados para o amor, porque estaríamos tão felizes juntos. Depois de anos após aquele beijo natalino, ainda sentíamos o gosto doce em nossas bocas.

Veio então, a fase do romance entre nós dois, de certo, que não cabe descreve-la toda, porém, é merecedor que esse episódio seja descrito: - apanhados na rua, por uma forte chuva, paramos embaixo de uma marquise e ficamos sob os olhares incredulos de alguns dos nossos vizinhos; não que nos condenassem, mas a expressão contida naqueles rostos, fazia uma pergunta simples e de fácil entendimento; eles desejavam saber se íriamos chegarem algum lugar.

__ O que está incomodando você? – Elle presentiu algo de errado comigo.
__ Acho que estão nos encarando!
__ E isso lhe incomoda? – ela insistiu com a mesma pergunta.
__ Não há mal nos olhares dessas pessoas. Algumas estão preocupadas e outras apenas curiosas; só isso! – a franqueza de suas palavras, deixou claro que Elle não estava dispersa.
__ Tudo bem! Deixe-os com suas analises e pensamentos. – concordei com ela e senti-me mais moderado. Saímos dali e fomos embora e eu, bem, um pouco mais feliz.

Corriam os anos, já tínhamos vinte e um ano; e bastava vê-la, e eis-me a ama-la, mas nós éramos substancialmente amigos, e eu, à minha delirante duvida: ‘Elle seria capaz de amar-me?’. Porque eu era uma espécie de animal, velhaco e lascivo. Enquanto a beleza de Elle não tinha nenhum grau de apuro.
Acresce que caminhávamos sem saber até onde poderíamos chegar, mas cuja solução entreguei ao destino. Seria o que Deus quisesse. Era a nossa sorte amar-nos; senão. Como explicar tais sentimentos. Uma vez, disse-lhe que sentia uma espécie de pontada na mente, parecendo ser remorso, e Elle confessou-me, que se fosse remorso, é que não haveria de ama-la e que seria frio, dor e nem mesmo paixão nenhuma. Dos livros lido por ela, nenhuma havia remorso por amar.
Estremeci, fitei-a, vi que a indignação era sincera; e que nunca havia provocado nela, aquela careta. Descobri que nós tinhámos a mesma contida vontade, mas ainda faltava a minha certeza. Deixei que o tempo levasse embora, um pouco da duvida e selasse o envelope aberto.

Dissipadas as barreiras, entre Elle e eu, enamorados, fluimos com jatadas d’água sob as plantas. Nas brincadeiras; nos toques das mãos; nos carinhos e nos cuidadas. Ainda purros o bastante, nós começamos a ser os ‘namorados’, que todos já sabiam que éramos e que já haviam acostumados a ver. A diferença, é porque agora, nós passamos a nos comportar com mais romance.
Apesar do pudor que ainda havia em mim, eu já não conseguia pensar que as pessoas estivessem a me olhar, com quaisquer que fossem seus julgamentos; repulsa ou duvida. Eu já não ligava mais; nada disso me incomodava mais e tudo que eu dsesejava, era estar com Elle.
Passeavámos de mãos dadas, confesso que do mesmo jeito de outrora, com efeito, a sensação que sentia era muito mais prazeiroza e dava-me grande alegria; de poder ter me liberto do abrigo, em que mantive-me preso.

__ Em que está pensando? – perguntou-me ela, retirando os cabelos da frente de seu rosto e parando de andar.
__ Por que sempre prende o cabelo desse jeito?
__ Quem além de você poderia amar-me somente, e não aos meus cabelos dourados e soltos?
__ Amo-a mesmo sem todo o seu cabelo. Mesmo que não houvesse um fio de cabelo dourado em sua cabeça, ainda sim, eu a amaria. – encarei-a.
__ Enlouqueceu? Nem gosto de pensar nisso. Eu não consigo ver-me careca. O que foi?
__ Bem, eu estou pensando que se um carro vier agora, nós poderemos ser atropelados no meio da rua. – disse-lhe puxando-a pelo braço, afins de terminarmos de atravessar a rua.
__ Ih, não era isso que eu queria saber, não mesmo.
__ Eu estava pensando em como é bom, estar assim, passeando com você. – sorri.
__ Nós sempre passeamos assim. Qual é a diferença? – perguntou ela pensativa.
__ Temos sorte então. E é isso que a maioria quer. Eu não sei. Só o que eu posso afirmar, é que você é a melhor compania do mundo. – abracei-a e sorri com alegria.
__ Ainda bem que você gosta! Penso que depois desses anos todos em que saímos, se você não gostasse, seria estranho, não seria? – encurralou-me com uma pergunta simples, que eu não poderia ter outra reesposta.
__ Você tem razão! – confirmei piguareando.
__ Quando chegarmos em casa, eu vou direto para o meu quarto desenhar.
__ Por que a presa de chegar? Que me conste, ainda temos uns quarenta minutos. – falei com penalidade, não queria que o passeio terninasse.
__ Porque eu quero desenhar aquela árvore e aquele banco em que estavámos sentados; lá daquela praça. – concluiu ela, sorrindo e me puxando pela cintura.

Senti uma enorme vergonha, dos pensamentos egoísta que tive; e pela ironia, ambos queríamos a mesma coisa, perpetuar aquele momento, a diferença é que eu queria mantermos fisicamente lá para sempre e enquanto Elle queria colocar tudo num papel.
Deixei-a no quarto, com suas tintas e pinceis, e antes de sair; fiquei parado na porta e Elle; ali sentada em sua mesinha de pintura. Havia encanto, havia amor pleno. Corri até os fundos de sua casa e apanhei uma rosa, dos galhos da roseira da outra casa; da vizinha. Subi no murro e roubei-a; uma rosa de um rosinha bem claro. Voltei e entrei no quarto e pus a rosa nos cabelos de Elle; prendi-a na orelha. Ela subitamente segurou a minha mão e beijou-me a face direita. Arquiei o corpo para frente e beijei-a de volta e pensei comigo mesmo: ‘por que não beija-la na boca, afinal somos namorados?’. E deixei a razão de lado e coloquei a emoção a frente e cingindo-lhe a cintura, olhei seus olhos tão cheios de lucidez e senti seus lábios contra os meus.








Capitulo 10

Com barreiras


Houve uma certa vez, uma conversa muito peculiar entre Elle e eu. Senti que ela estava tomada de uma recusa em seus sentimentos e um bloqueio a impedia de expressar-se livremente sobre o que sentia. Implorei para que ela conversasse comigo e fiz naquele dia o meu maior esforço para traze-la de volta.

__ O que a fez ficar assim? – perguntei delicadamente enquanto nós sentavámos no banco na frente de seu portão.
__ Medo, suponho. Medo de ser consumida pelo amor. Olha só o que estamos fazendo. – a frieza em seu rosto palido fez-me empalidecer também.
__ Nós não somos tão modernos como pensamos. – disfarcei.
__ Eu não quero tirar nada de você.
__ Fizemos juntos, um pacto selado. Uma escolha de vida, com a qual vivo feliz e sei que você compartilha desse sentimento. Eu fiz a minha escolha e preciso mantê-la, seja paciente. Essa é a chama do amor e se temos que arder nela, nos queimar; teremos que enfrentar juntos, já que essa á a única forma de estarmos juntos para sempre.
__ No inicio, não fiquei assustada por sentir tais coisas. Sei que existia razões que poderia explicar o porquê desse amor por você. Mas, é que sinto que o nosso amor tem sido mais profundo. E temo por você...
__ Penso em que devo me apoiar e penso em você. Entendendo a causa involuntária dessa dor. Não me esqueço do vislumbre do seu rosto iluminado pela luz da rua, e nem um só minuto, eu consigo esquece-lo. Sonho à noite com você e de dia ainda há você em meus pensamentos. Jamais esquecerei também do progresso tão brilhante, que houve entre nós e nunca havia tomado consciência de todo o meu ser. Eu não posso resisti-lhe e tampouco evitar as chamas desse amor; nenhum ser humano pode ficar no fogo sem ser consumido. – e segurei a sua mão. Minha mão repousou na sua com confiança e alivio.
__ Eu não quero tirar nada de você.
__ Então estamos perfeitamente do mesmo lado.
__ Como suportaremos isso, sabendo que a cada dia teremos menos.
__ Você preferiria não ter nada?
__ Eu pedi a Deus que, se houvesse um amor, que fosse você. Por tempo pensei que seríamos apenas amigos. – disse ela satisfeita e ao mesmo tempo aliviada.
__ A alegria que senti enquanto estive com você é simples e honesta. Quero que essas emoções vivam.
__ Você me tira o fôlego, sabia? – disse ela sorridente.
__ Quero estar com você; é só!

As coisas tremem e mudam, cintilam, brilham e piscam, quando se fossem luzes dentro de seus olhos. Lembro-me de ter passado a tarde inteira sentado com Elle naquele banco; cedendo ao braseiro do sol que estavase apagando, para o qual estava nos conduzindo ao pó da vida.

Que me conste, ainda tenho guardado na mente, aquele dia que, sem peso corria e eu aguardava o término dele para chegar em casa, quando fui chamado a secretária com urgência e vi meu pai parado na porta apreensivo:

__ Precisamos ir para casa, meu filho! - dizia ele em tom passivo.
__ Antes, peço-me que conte o que houve? – indaguei em súplicas.
__ A mãe de Gabrielle...sinto muito!
__ Quando? – senti que aconteceu o inevitável.
__ Há uma hora atrás! Eu tentei leva-la ao hospital, mas o infarto fôra fatal. – explicou-me.
__ Onde está Elle?
__ No Salgado Filho, com sua mãe.

Enquanto eu pensava, íamos devorando o caminho, um frio incômodo, apesar do hospital não ser longe, parecíamos não chegar nunca e o resultado impalpável.. Ao entrar no corredor, logo avistei-as sentadas e ao aproximar-me delas, deparei com Elle e pela primeira vez, eu a vi chorando; chorando, de verdade. Uma figura no corredor; parecia um fantasma em decomposição. O corpo estava ali, mas a alma estava ausente e podia-se ver claramente que lhe faltava chão sob seus pés. A dor fisíca, espalhada pelo seu corpo e seus olhos úmidos de lágrimas, não conseguiam enxergar nada e uma expressão de medo cravado neles. Ao ver-me, ela arqueou o corpo para frente o o ergueu de forma lenta e serena. Cheguei tarde, o sofrimento havia se alojado em todo o seu ser.

__ Que bom...que você...está aqui! – disse-me chorosa.
__ Vai ficar tudo bem! – ajeitei-a e acalmei-a em meus braços.

Lembro-me perfeitamente de uma mulher morena, estatura mediana, de olhos e cabelos negros, e de um andar lento. Apontar no fim do corredor e sem pressa caminhar até onde estávamos e chamar minha mãe até uma sala e em menos de vinte minutos, as duas saírem de lá. Minha mãe com uma rusga enorme na fronte e a mulher sem nenhuma expressão facial.
Depois disso, apenas lembro-me de ter ficado aturdido. Com efeito, abri os olhos e tentei falar, mas apenas engasguei com o pensamento. Não pude dizer nada, não cheguei sequer a soltar um grito; mas, ao cabo de algum tempo, recompus-me. O silêncio daquele ambiente era contagiante, e eu estupefato, não dizia nada, apenas olhava tudo em volta e não conseguia ver coisa alguma, apenas, Elle e a sensação de frio aumentava, cheguei a pensar estar na região dos gelos eterno. Isto acontecendo, apanhei a tal mulher pelos braços e lancei-a contra a parede, depois de olha-la no fundo de seus negros olhos, indaguei:

__ Como leva-la a uma casa de custódia? – perguntei eu, enterrando as unhas em seu braços.
__ Por favor, solte-me, você está machucando os meus braços e deixe-me explicar. – suplicou a tal mulher.
Dizendo isto, a minha visão estendeu até seus braços nus. Só então pude ver-lhe nos olhos, não fiz mais nenhuma contorsão violenta, nnhuma expresão de ódio ou ferocidade, e a raiva inicial, ficou encerrada no coração. Ao mesmo tempo, sentia-me o mais débil e decrépito dos seres. Fiquei parado, mudo, apenas ouvindo-a dizer que Elle, não tinha parentes legais e que ela precisaria de cuidados especiais, e que nesses casos é preciso que o estado assuma a posição de tutor.
Soltei-a e cambalei até o centro do corredor, deferri alguns golpes no ar, acho que tentei nocautear aquela injustiça, estúpida e absurda que investira contra mim.

Por instantes, recolhi os pensamentos e procurei por meu pai e o avistei num outro corredor a conversar com uma outra mulher, e essa pareceu-me ser mais velha do que a outra:

__ Meu filho, fique calmo! Nós vamos resolver tudo isso! – ele dizia as palavras que saiam vacilantes de sua boca.
__ Pai, eu vou leva-la comigo. Ninguém vai afasta-la de mim. – minhas palavras eclodiam dentro de um espaço vazio.
__ Calma filho! Existem leis que temos que obedecer... – insistiu.
__ Que leis? Foram essas leis que colocaram esse amor dentro do meu peito? Foram essas leis que me fizeram ama-la assim? Eu a amo, meu pai! E isso é tudo que me importa. Não vou aceitar ficar sem ela, não vou.
__ Tenha paciência e confie em Deus. Tudo acabará bem. Você deve acreditar nisso.
__ Como? Como acreditar se eles estão tirando-a de mim; me diga como?
__ Sendo forte e homem nesse momento!
__ Serei forte até onde eu agüentar...
__ Você não pode fraquejar, filhinho. Gabrielle depende de você, ela só tem você agora. – disse meu pai apertando-me em seus braços.
__ Obrigado, pai. Eu não vou decepciona-la. – prometi.
__ Acredito em você e Gabrielle também!
__ Eu vou tira-la de onde quer que a levem... eu vou tira-la...
__ Eu lhe ajudo, filhinho.


Após a cerimonia funebre, vi duas pessoas vestidas de branco, colocarem minha Elle dentro de uma kombi, e depois partiram para Paracambi, e soube então, que o destino era a casa de saúde Dr. Eira. Confiei em meu pai, que garantiu-me tira-la de lá em quarenta e oito horas. Mas, como esperar tanto tempo, sabendo que Elle estaria num lugar como aquele?
Entrei em sua casa e fui procurar por alguns documentos de Elle e talvez seja errado escrever aqui, o que sem querer eu descobri. Diz-se a respeito da descendêcia direta de Elle. encontrei uma carta dentro de uma pequena e velha caixa de papelão, que encontrava-se no interior do armário de sua mãe. Pensei em usar as minhas palavras, mas decidi transcreve-la no original; eis aqui:





Capitulo 11
A descendência de Elle

‘Carrego um segredo, que eu deveria ter contado para Gabrielle, há bastante tempo atrás; mas não pude, não consegui. Escrevo aqui, como um desabafo; por miha covardia. Eu sou descendente de holandez; depois que eles invadiram o Brasil, alguns deles permaneceram em São Luis, em Maranhão. E criaram raízes, floreceram. Meu bisavô paterno, era um holandez que casou-se com minha bisavó maranhense. Bem, por isso as minhas feições diferente e a cor tão clara. Mas, meu drama não envolve a minha cor, e sim, a minha familia em si. Minha mãe, sempre foi muito ligada as tradições e convenções; mas eu falhei nesse aprndizado. E aos vinte e dois anos de idade, não resisti aos encantos que eu nutria pelo filho da minha tia. Uma paixão que cresceu comigo. Daniel era um rapaz encantador e nós a principio resistimos muito ao que sentíamos um pelo outro.
Durante um tempo evitamos o escandalo, que seria a nossa relação; porém, o amor foi mais forte do que nós e mesmo sabendo que a pressão seria enorme; nós não queríamos magoar ninguém. Então; decidimos fugir, depois que fomos banidos, pela mudez e indiferença de todos da familia; dos mais novos aos mais velhos; fomos condenados por olhares, parecíamos leprosos no seculo dezoito. Chegamos ao Rio de Janeiro, onde fiquei grávida, depois de quinze anos e mesmo contra a vontade de Daniel, que temia ter um filho com sua prima, medo da maldição, talvez. E então, eu tive Gabrielle, um lindo bebe.
Por um bom tempo, vivi sentindo que o amor me transformou numa assassina; eu cito aqui, a minha filha Gabrielle cujo o nascimento me tormentava diariamente. Esse segredo precisa ser mantido, não por covardia, mas pelo que é certo que se faça. Por anos fui punida por minha consciência; vendo-a crescer e passei tanto tempo zangada, por Daniel terido embora e achando que fui cruxificada por ter amado um primo. Mas, quando Gabrielle, olhava-me nos olhos, eu finalmente descobri, que eu havia ganho, um presente de Deus, e sinto-me abençoada pela presença dela em minha vida, e só lamento que Daniel, não tenha conseguido ficar, para vê-la crescer e se tornar quem ela é. Agradeço a Deus por Gabrielle me fazer ser uma pessoa melhor’.

Bem, eu não sou capacitado para dizer que talvez, esse amor entre os dois primos, tenha resultado direto no espírito de Gabrielle. Mas, jurei não mostrar esta carta, nem a Elle e nem a ninguém. Certo de que assim, eu vou poupa-la, não mancharei a imagem de sua mãe ante seus olhos.

Por alguns instantes voltarei ao tempo e noutros seguirei em frente, espero que esse vai e vem não os confunda; sinceramente não, mas sim que os esclareça. Certa vez, Elle e eu estávamos sentados no correto da praça olhando os trens passarem pela linha ferrea. Às vezes costumávamos ir lá, acho que fazíamos isso tão constantemente, que nos acostumanos a ir lá e apenas sentar e ver o desfile de trem. O silêncio entre nós e o som dos trilhos cortando qualquer tentativa que podíamos ter de querer dizer alguma coisa; ficava na mente apenas o som dos trens, que seguiam ligeiros de um lado para o outro, indo para algum lugar. Às vezes eu virava a cabeça e dava uma olhadela em Elle, e ali estava ela, serena, distante e pensativa. Mas, em seu rosto havia algo feliz; podia ser os trens ou o som que eles produziam ou simplesmente por estar ali cumprindo uma rotina da qual nos habituamos. Rotina! Antes de julgar isto; pensem, que é melhor termos uma rotina do que vivermos perdidos sem uma direção. Dali a pouco, como um relógio interno infalível, Elle levantava, sorria e pegava-me pela mão e descia as escadas do correto; como se o espetaculo tivesse terminado. Nós moravámos a dois quarteirões da praça e sempre íamos lá à tarde e ficávamos umas poucas horas, o suficiente para que dezenas de trens passassem ante aos nossos olhos.

__ Vamos tomar um sorvete? - resolvi quebrar o silêncio.
__ Só se for de morango.
__ Pensei que gostasse de chocolate.
__ Gosto, mas é que pensi em morango primeiro.
__ Tudo bem! Desde de que esteja gelado. – brinquei.
__ Espero que esteja! – antes que tudo voltasse a mudez anterior arrisquei.
__ Elle, nós estamos vindo aqui há anos e confesse que não entendo porque continuamos vindo...
__ Você é o meu melhor amigo e você se preocupa comigo, mas ainda não entendeu, não é?
__ Receio que não. Sinto muito...
__ Não precisa se desculpar, Dado. Quando nós nos sentamos lá, e olhamos os trens passando velozes, percebo que eles são como os nossos pensamentos, que passam velozes, e sempre param em algum lugar e desembarcam as idéias. Algumas simples, algumas complicadas, algumas ruins e algumas boas. Mas, elas sempre são deixadas em algum lugar; assim como as pessoas que estão dentro desses trens. – enquanto ela falava, eu ficava boquiaberto com a racionalidade da explicação.
__ E eu que achava que íamos lá para ouvir o som estridente dos trilhos.
__ Muitas vezes sim. É que às vezes eu não consigo pensar em nada, fica um vazio imenso na minha mente. E quando os trens passam ajudam-me a lembrar que devo insistir em pensar. - Depois de muito tempo aprendi que nada é o que parece ser. E o que eu pensava não fazia o menor sentido. Achei-me um completo idiota por viver no fogo e não me queimar.
__ Você me parece triste. – Elle pos a sua pequena mão em minha testa.
__ Às vezes eu sou bastante estúpido...
__Que nada! você é meu amigo e meu amigo não é estupido.
__ É que eu não presto muita atenção nas coisas...
__ Ah, então eu sou a rainha da estupidez. Metade do meu dia passa sem que eu perceba ou que me recorde dele.
__ Não seja cruel com você mesma. Você é melhor do que isso...
__ E você não seja cruel e generoso ao mesmo tempo.
__ Eu posso ser cruel comigo mesmo, Elle. mas, nunca com você!
__ Desculpe-me, eu sei o quanto você é generoso comigo. Mas, você precisa aceitar as coisas como elas são...
__ Algumas sim e outras eu quero muda-las e não consigo. Vê? Eu não consigo nem ver; ver de verdade. – Elle parou de andar, e aindade mãos dadas, lançou-me um olhar profundamente sério, que me acalmou de imediato. E voltamos andar em silêncio.
Capitulo 12

Idéia nascida


Naquela tarde, fui até o meu portão e olhei a rua, e tudo estava diferente, triste, sujo e sem vida. Permaneci imóvel, quieto, em completa mudez. Não percebi quando Claudinha se aproximou de mim, mas senti a sua mão queimar o meu ombro:

__ Como você está meu amigo? – perguntou ela sabendo a resposta.
__ Destruido! – respondi eu, soltando um longo gemido que quebrou a mudez das coisas externas.
__ Não fique receioso, nós não vamos perde-la, esse sofrimento será breve. É apenas um percurso que temos que passar.
__ E por que Elle?
__ Não permita que issa colera lhe consuma e lhe torne um farrapo de si mesmo. Elle vai precisar de você vivo, forte e racional. – as palavras de Claudinha acertaram em algum ponto dentro de mim, que me trouxe uma certa esperança e sagacidade que pareciam estar perdidas para sempre.
__ Obrigado, minha amiga. – disse eu, olhando-a nos olhos.

Decerto, pareceu-me lógico que se eu deixasse a colera morder os meus pensamentos, eu não teria como ajudar Elle e de alguma forma assimilei bem o que acontecia e os motivos que a levaram até aquela clinica. Olhei novamente para Claudinha, menina pequenina, sábia, de cor palida e de olhos rasos e de enorme coração. Abracei-a feliz e mesmo sem que ela entendesse, puxei-a para o meio da rua e dancei com ela, ao som de uma valsa imaginária e lhe repeti várias vezes ao ouvido:

__ Você acaba de salvar duas vidas!

Enlacei-a pela cintura e a conduzi sob meu délirio particular, em passos valsados, pórem bem lúcidos.
Renunciei tudo; tinha o espírito restaurado, as horas iam sendo levadas ao tempo de um minuto; minha preocupação estendia-se até o “não pensar”. Entrei em casa e fui direto à sala falar com meu pai, que me abraçou cheio de ternura.

__ Dado, meu filho. O advogado está tentando transferi-la para uma clinica ainda hoje.
__ Está certo! Ela não é uma paciente psiquiatrica e jamais poderia estar lá.
__ Quanta injustiça com essa menina. – disse-me cabisbaixo.
__ Pai, eu confio em Deus e sei que vamos tira-la desses lugares, onde ela não merece estar. E tenho um plano para isso. – insinuei.
__ O que você tem em mente, meu filho?
__ Casar-me com Elle! – minha voz saiu mais segura do que os meus pensamentos.

Vi meu pai andar até a sofa e sentar-se e vi também a neutralidade deste momento, que nos leva ao silêncio, pareceu-me que doía muito aceitar a minha intenção. Olhava-me como se desfiasse uma infinidade de reflexões, que sentia haver eu deixado ir embora. Ele virou-se em direção à cozinha, e chamou por minha mãe:

__ Dona Glória, a senhora vai ganhar uma nora! – disse em tom solene.
__ Nora? – minha mãe farejou a minha intenção e creio que chorava, mesmo parencendo estar feliz.

Quando obtive a confiança dos dois, imaginei uma rejeição à minha idéia, mas eles cederam, aceitaram-nas todas. Era uma necessidade de consciência. Anterior a minha idéia de casamento, ao longo desses anos todos de nossas existências, não há quem nos visse sempre juntos, e muitos já dizia que Elle era minha namorada.

__ Filho, não posso deixar de encoraja-lo, nesse momento e dizer que lhe apoio em sua decisão. – disse-me meu pai com lágrimas nos olhos.
__ Você está disposto a renunciar a tantas coisas, e coisas que ainda nem conheceu. E tudo que posso fazer é pedir à Deus, para proteger vocês dois. Vocês merecem ser felizes. – bastanta emocionada, minha mãe abraçou-me apertado.

De noite, no dia seguinte, em toda aquela semana, não hesitei um instante, creio que por amor à Elle, não era o acaso e não podia ser outra coisa. Os vizinhos já sabiam da noticia que se espalhou pelo vento. Muitos me desejaram felicidades e outros apenas olhava-me como se eu estivesse louco, mas até direi que a minha felicidade era merecida, porque eu não me sentia mau, em indigno dos benefícios da Providência Divina.
Neste mesmo dia onde avaliaram-me mentalmente, cuja a idéia de casar-me andava já espalhada entre as pessoas que me conhecia e as que nem sabiam que eu existia antes; uns recebiam-me com delicadas palavras e a outros eu os respondia enfadado que toda aquela coisa não valia a pena tamanho estrondo.
Deixei claro, que Elle estava concentrada em mim, nos meus olhos, na minha vida, no meu pensamento; era a mais pura verdade. Unimos nessa vida, e não se pode ter nenhuma certeza de quando começou essa união; às vezes nem chegamos a perceber o inicio, mas ninguém se esquece do fim, e não estar perto dela seria o fim. Meu pai resgatou-me à realidade:

__ Liguei para o advogado e pedi para que veja o que era preciso fazer, para que seja possível que vocês se casem logo. – as rugas saltavam-lhe a fronte de meu pai.
__ Pai, o senhor acha que haverá problemas?
__ Sim. E esteja você preparado. – disse sem reticência.
__ O que pode dar errado?
__ Não sei, sinceramente não sei.



Depois do advogado ter sido consultado, meu pai pareceu-me estar incomodado com alguma duvida e percebia-se que não era nada agradável, o que ele estava sentindo. Busquei ficar calmo, para ouvir as condições que esse caso teria, simples; cheguei a pensar que seria:

__ Filhinho, o advogado pedirá uma avaliação psiquiátrica, à uma junta médica e o juiz estará presente. Se Elle mostrar que tem condições de responder por alguns de seus atos; os médicos lhe daram alta e vocês poderam se casar.
__ Avaliação? Mas, Elle é apenas uma menina. Eles não aceitarão que ela se case.
__ O juiz pedirá por algumas testemunhas, para dar depoimentos sobre Elle. Junto com essas declarações e com a opinião médica é que ele terá condições de decidir-se.
__ E? – indaguei.
__ E, teremos que esperar. Confio em Gabrielle, ela saíra bem. Sua capacidade de aprendizado é fantastica e se não fosse a falta de preparo desses colégio, ela teria certamente terminado o segundo grau. Ela opera o computador melhor do que muitas pessoas que fazem cursos; ela entra na internet e sabe fazer essas inscrições de e-mails; que são um porre.
__ Pai, o senhor acha que isso será suficiente?
__ Isso é o que será avaliado.
__ Então teremos chance. Elle é bem esperta.
__ Não vamos morrer na vespera como peru. Vamos aguardar! Vá dormir um pouco, você precisa descançar, o dia amanha será longo.
__ O senhor tem razão. Amanha eu preciso estar bem caso seja preciso sair de lá carregando Elle nas costas. – disse rindo.
__ Se for preciso eu lhe ajudo a carrega-la um pouco. Sabe como é, né? Na minha idade, não posso fazer certas estripulias. – começamos a rir feito dois moleques.
__ Eu lhe dou cobertura.
__Que bom filhinho, vê-lo rir assim. É muito bom.
__ O senhor é o melhor pai do mundo, sabia? – estendi a mão e lhe sorri.
__E você é o melhor filho do mundo. Agora vá dormir antes que veja esse velho pai chorando. – disse segurando as palavras entre os soluços.
__ Durma com Deus.
__ Durma com Deus, você também!
__Vou me despedir da mamãe, que já ser recolheu.
__ Ela deve estar fazendo uma daquelas novenas.


Entrei no quarto de mansinho, e fui até a beirada da cama e beijei-a na face e logo ela despertou.

__ Boa noite, mãe. Durma com Deus!
__ Boa noite, filho. Durma com Deus!
__ Eu vou apagar a luz e acender a do abajur. O papai está lá na sala lendo o jornal.
__ Ele lê o jornal o dia inteiro, parece que as nóticias vão mudar. A aposentadoria não fez muito bem ao seu pai. – beijei-a novamente no rosto e sai de mansinho.

Capitulo 13

Quando a voz é ouvida


Não pude dormir naquela noite, estirei-me na cama, é certo, mas foi o mesmo que nada. de olhos aberto a cada instante, como se tivesse um minuto a menos de ar nos pulmões; os meus instantes perdidos, a separação prolongada, os primeiros dias sem a presença de Elle; depois de tantos anos, ela estava longe de mim, logo eu que às vezes pensava que a minha presença constante lhe causava mal. Ali estava eu; ferido por não vê-la, por não escuta-la, e por não toca-la.
As agitações da noite anterior, levaram-me a crer que, havia mais amor por Elle em mim do que eu sequer imaginava. Não obstante, se eu opusesse a esse sentimento, estaria sendo covarde, saltar este epitáfio e escapar à vida.

O dia claro de sol à pino, como em todos os meses que antecedem ao verão no Rio, dirigi-me ao ponto de ônibus e fui à clinica em Botafogo, onde Elle estava hospedada. O juiz e os medicos teriam que ouvir a minha versão antes de qualquer julgamento, e ninguém melhor do que eu, para conta-la. Ao ficar diante do juiz e dos doutores que pareciam estar ali, mas ao mesmo tempo estavam ausentes, eram frios, calados e convictos. E das pessoas que testemunhariam a favor de Elle, dona Margarida, Claudinha e a professora, Karen e Elle:

__ Dado, compreendemos a sua situação e o seu interesse; mas devemos zelar pela melhoria nas condições de vida da paciente. – argumentou uma doutora, já senhora, de pele morena, que logo descobri ser a chefe daquele grupo.
__ Elle não é paciente! Ela só está aqui por causa do destino e durante os seus vinte e poucos anos, ela nunca foi ‘paciente’ de lugar nenhum. – repliquei de imediato.
__ Mas, agora ela é. Meu rapaz. – disse um outro médico em total arrogância.
__ Quantos anos você tem? – perguntei-o olhando dentro de seus olhos.
__ Vinte e seis anos – respondeu-me o jovem doutor.
__ Eu tenho vinte e um e Elle também...
__ Onde você quer chegar? – o terceiro médico, esse de aparência mais séria e de uns quarenta e oito anos, que não largava a sua prancheta.
__ Sim, onde você quer chegar? - o juiz fez-me a mesma pergunta com autoridade na voz.
__ Olha, eu não estou aqui para meter-me no trabalho de vocês, mas preciso que pensem com o coração sobre Elle. Ela nunca precisou de tratamento e eu quero cuidar dela; sei que posso faze-lo, sei que sou capaz. Elle nunca usou remedios, ela vivia a sua vida feliz, até então.
__ E como será de agora em diante? – novamente o mesmo doutor fez-me a pergunta com a mesma autoridade do sissudo juiz.
__ Quero casar-me com Elle e ficar ao dela para sempre ou até que Deus nos permita.
__ Isso é um absurdo! A mentalidade dela não acampanha a sua biologia. – retrucou a doutora.
__ Senhora, sei que pode lhe soar como uma heresia, o que lhe digo, mas desde de que me entendo por gente, eu sempre estive ao lado de Elle. Nascemos quase no mesmo dia e desde de então, estivemos sempre juntos; menos nessa semana. Não sei como lhe explicar o que sinto em relação ao seu sistema, do que é normal, mas creia-me, não posso permitir de braços cruzados, que me separem dela.
__ Você quer dizer que a ama? – o juiz que parecia ser mais jovem, pareceu-me um pouco mais humano.
__ De todo o meu coração! – ao ouvir-me o jovem médico deixou um sorriso escapar.
__ Isso não é certo. – retrucou a doutora.
__ Doutora, nada é certo. Levei esses anos escondendo de mim, o que todos já sabiam, eu sempre vou estar com Elle, como eu sempre estive até agora.
__ Ela não poderá ser como uma verdadeira esposa e você poderá estar estragando a sua vida e a dela.
__ Doutora, estragarei a minha vida se não lutar pelo que acredito.
__ Mas, essa é uma decisão realmente difícil. A pacie... digo Gabrielle, ainda assim, é uma pessoa que não tem capacidade mental de ser responsável por seus atos e sendo assim de tomar decisões.
__ Como a senhora toma as suas decisões?
__ Sendo coerente e buscando o que será melhor. Mas, eu não estou sendo avaliada aqui.
__ Desculpe-me. Não quero ser mal-interpletado. Elle também sabe tomar decisões. No supermrcado, ela sabe o que escolher, a melhor oferta; o melhor produto e na feira, os bons tomates; as boas fruta, qual livro ler. O que fazer para o almoço ou para o jantar. O que vestir e todas essas decisões díarias, que tomamos sem perceber. Agora, decidir entre dois pacientes que precisam ser operarados, com urgência e só poder escolher um deles e saber que um morrerá. Essa decisão, acho que Elle não saberia tomar...
__ Muito bem, sei onde quer chegar. – interrompeu-me o juiz.

O juiz apanhou uns papeis e leu em voz baixa algumas anotações e chamou por algumas testemunhas para dar depoimentos:

__ Devo lembra-los que isso não é um julgamento. Por isso peço que não haja manifestação, da parte dos que estão presente. – salientou o juiz. – A senhora dona Margarida Ribeiro, é vizinha de Gabrielle?
__ Sim, meritíssimo!
__ Como é Gabrielle?
__ Uma menina feliz!
__ E seu dia a dia?
__ Bastante comum. Ela vai a escola, brinca, assiste televisão, lê seus livros e todo o resto.
__ Você a considera uma mulher ou uma criança?
__ Não entendi, meritíssimo.
__Gostaria que a senhora nos disesse como a senhoa vê, Gabrielle, só isso.
__ Ela é uma menina igual as meninas da idade dela. Toma conta da casa; vai à escola; brinca e todo o resto.
__ Sabe a idade dela?
__ Sim, ela já fez vinte e um.
__ E ela quando está em casa age de acordo com essa idade?
__ A menina tem uma deficiência e o senhor sabe disso. Mas, apesar disso, ela é muito esperta. Vai ao supermercado sozinha, à padaria e sabe lidar com as pessoas. E é muito inteligente, tem melhor cabeça que muitas meninas lá do bairro.
__ Ela já agrediu algum vizinho?
__ Claro que não! Ela é a pessoa mais doce que eu conheço.
__ Obrigado, dona Margarida. Vamos dar uma parada de trinta minutos.
__ Meritíssimo, será que eu poderia ir vê-la na enfermaria? – perguntei cheio de esperança.
__ Ei, você não pode ir lá! Ela está no isolamento – bradou a doutora, batendo com força na mesa.
__ Darei a autorização. Eu não vejo que mal pode haver nisso. – replicou o juiz.
__ Muito obrigado, meritíssimo. – desviei das mesas que foram improvisadas para dar um ar de tribunal e fui apertar a mão do juiz, que me sorriu.


O pior era o despropósito da médica que insistia em querer manter Elle ali, ameaçando até o céu nessa luta, o olhar dela em minha direção causava-me arrepios e nada do que era dito naquela sala a fazia recuar de suas intenções. A cada minuto parecia mais decidida em sua empreitada. Até parecia que Elle necessitava de tratamento médico ou de um suporte para respirar. Os outros médicos de sua equipe pareciam não compartilhar de sua gana, e mesmo impassíveis, podia-se ver em seus olhos, que eles estavam ouvindo e vendo o que se passava ali.

Eu estava estava enjoado dessa abjeção triste e queria refugiar-me nos braços de Elle, para escapar às opressões; as comparações e as conclusões, que estavam sendo submetidas a vida de Elle. saí da sala, e fui acha-la no quarto onde estava e a idéia de renegar a decisão; se contrária deles, surgiu-me como uma forte necessidade. Prometi a mim mesmo, mais de mil vezes de fugir dali com Elle e eu começava a sentir um bem-estar, uma elevação, uma admiração de mim próprio, um respeito enchia-me o coração; abjeto, mendigo e gatuno.

Na minha mente, a imagem de Elle tranqüilamente bela, mas não apática e nem distante. Ao contrário, tinha o aspecto das belezas vivas. Agora mesmo, custava-me acreditar que alguma coisa fosse dar errado e impedir-me de estar com ela, mas ainda sim, eu sentia os motivos de sua ausência e isso provavelmente acabaria com quaquer criatura humana.
A consciência concordou e fui devagar até o quarto, com cuidado para que não deixasse passar a minha impaciência e irritação. Mantive-me calmo por conviniência e não por posição, já que eu poria tudo a perder, se na hora eu fosse contra Elle e não a favor dela.





Capitulo 14

De onde vem o amor?


Grande importância era haver rcebido o raciocinio, como forma de inteligência, de discernir, de reparar e de concluir. Um talento psíquico que não me serve além de mim. Dei por mim que havia de preparar-me para o momento de estar com Elle, estaríamos vulneráveis.
Deixei um suspiro escapar de minha garganta e ajeitei os ombros e depois de respirar fundo, coloquei um sorriso no rosto e entrei no pequeno quarto, com uma cama dessas de hospital, uma mesinha, um banheiro, uma pequena janela e nada mais. E lá estava ela, deitada num sono profundo, reclinada, o gesto mole e cansado, uma das pernas pendentes, os cabelos soltos, derramados, o olhar quieto e sonolento. Aproximei-me pé ante pé e quis surpreende-la. Parei ao lado da cama e fiquei alisando-lhe os cabelos e seu pequeno rosto, até que ela pudesse acordar:
Elle teve um sobresalto, ergueu metade do corpo, e, apoiada num cotovelo, olhou-me durante alguns instantes curtos. Então, eu lancei-lhe as mãos aos cabelos, enlacei-os sem nenhum alinho e ela abanando a cabeça, com um ar de repressão:

__ Pensei que fosse ficar dormindo o dia todo. – disse-lhe sorrindo apesar das lágrimas nos olhos.
__ Dado! Graças a Deus...você está aqui. - os espirítos de Elle serenaram de repente, foi como se um anjo triste que estivesse ali tivesse ido embora.
__ Estou aqui! – meus olhos inundaram e derramaram lágrimas pelo meu rosto.
__ Não quero ficar mais um minuto sem você. – disse ela agarrando-se à mim desesperada.
__ Eu vou tira-la daqui! Eu prometo! – beijei-a em várias partes de seu rosto.
__ Saudades sua, Dado!

Que perdoem-me os anjos, mas resisti por muito tempo ao que sentia, foi difícil e doído, agora eu sei. Levantei-lhe a cabeça e deitei-lhe os lábios nos lábios dela; suavemente e com tanto cuidado, como se Elle fosse de cristal e que pudesse quebrar-se em milhões pedaços.

__ Por que fez isso? – perguntou-me ela com a mão na boca.
__ Desculpe-me se lhe assustei! – dei um pulo da cama e afastei-me dela.
__ Por que? – insistiu ela.
__ Porque amo você e quero que você, seja a minha noiva. O que você me diz?
__ Eu de noiva? Que lindo! – seu sorriso iluminou aquele quarto pequeno.
__ Vai dar-me uma resposta ou não?
__ Sim...e sim! – Elle desceu da cama e lançou-se em meus braços. – Quando?
__ Calma, que será em breve. Primeiro tenho que tira-la daqui. – que sorriso.

O modo desmentia da pessoa, cheia de alegria e não aparentemente alheia. Fitei-a; e ela pareceu saborear o meu sorriso. No fim de alguns segundos, pegou-me na mão e beijou-a e lembro-me que depois disso, disse-me muitos agradecimentos. Chegou uma mulher e chamou-me, despedi e sai sem pressa. No fim do corredor, parei alguns instantes para respirar, apalpar-me, convocar as idéias, reaver-me enfim no meio de tantas sensações profundas. Achava-me feliz e seguro; sabia que Elle poderia amar-me e que ela podia ter seus defeitos, mas amava-me:
‘Um anjo!’ – murmurei olhando para o teto do corredor. Quando olhei para a mulher que me conduzia no retorno à sala, vi o olhar zombateiro, que antes me lançara cheio de desconfiança.
__ Vem comigo. – disse ela sem olhar-me nos olhos.


Transportei a idéia pelo trapezio do meu cérebro, e nela não havia nada de absurda ou injusta, era a melhor idéia nascida de mim. Consegui o intuito de ouvir o um coração, o mesmo tosco de antes; porém um pouco mais sábio. Do corredor podia-se ouvir o som de uma música entrando pela janela; era uma balada de um velho filme sobre a Segunda Guerra Mudial, Casablanca. Romäntica e sentimental, a canção parecia zombar dos meus planos. Logo a música foi terminando, pensei; ainda bem!
Concentrei-me no plano A, mas de certo, eu tinha o plano B, que deveria colocar em prática caso o A desse errado. Rezava para que não fosse preciso ter que fazê-lo, já que incluía fugir e tentar desaparecer pelo mundo. Só não podia aceitar a idéia de ver Elle internada, numa clinica psiquiatrica para sempre.

Novamente o impasse entre a razão e a emoção; aceitar que trancafiassem-na era inadimisível e ficar sem ela, era inponderável; então só havia uma solução, livra-la desse pesadelo cujo o assombro chega até a mim.

__ Acha que o juiz vai liberar a sua amiga? – o tom de voz da enfermeira era calmo, mas havia uma certa dose de ironia indisfarçavel.
__ Se ele não o fizer, faço eu! – disse sério encarando-a friamente.
__ Mas por que você faria isso? Digo; por que você quer se casar com ela? – a ironia desapareceu de sua voz, que agora continha medo.
__ Volte lá atrás e converse uns dez minutos com Elle e terá sua resposta.
__ Sinto por ter debochado de você, acho que entendi o que se passa. Sinto muito! – a voz que antes ironizava-me, agora estava coberta de arrependimento e vergonha.
__ Deixa para lá. Você não nos conhece e não sabe quem somos. E Elle, para vocês é só uma paciente; mas creia-me, ela é muito mais do que isso. Ser paciente é fácil, qualquer um de nós podemos ser; mas é raro ser um ser humano especial, íntegro e honesto. E isso, Elle é! E você pode ter certeza.
__ Já não tenho duvidas. Ninguém tem tanto amor por uma pessoa em vão. Queria eu que pudesse ser amada assim. – ela colocou a mão no meu ombro e sorriu de forma gentil.

Contei-lhe um pouco mais sobre Elle e a enfermeira sorveu cada pequena coisa que contei sobre o carater, e a coragem, que possuía aquela menina que estava lá, a mercê de um julgamento impreciso e injusto.
Capitulo 15

Sábio Salomão

Na pequena saleta; todos já estavam à postos e seus olhares eram desafiadores e misteriosos. Ia mastigando o meu desespero, como uma espécie de gula mórbida, pensava que tudo aquilo era um engano, ao, enganando-me a mim mesmo, um fardo inútil.

__ Vamos prosseguir! – disse o juiz com ar aborrecido. – Doutora Eulália, a senhora é a chefe do departamento psíquiatrico do hospital do estado. E com o seu conhecimento nessa area; pode nos dizer como é o comportamento dessa menina.
__ Seu comportamento é bastante transitório; ela fica em total mudez, quase catatônica e noutras parece agitar-se. Esse estado é o que chamanmos de “estado esquizofrenico”.
__Desculpe-me a minha ignorância, mas, isso é perigoso?
__ No caso de Elle ainda não tivemos tempo para avalia-la. Teríamos que certificarmos; pois, existem casos, em que o individuo possuí uma raiva repremida, que fica, ameaçando sua própria segurança. Com isso, projeta as coisas ruins que existem neles nos outros.
__ Explique-se melhor. Disse o juiz reflexivo.
__ Nós temos duas “amúdalas”, que são feixes em forma de amêndoa interligadas no cérebro, e elas ficam no tronco cerebral. Elas são ligadas à afeição, todas as paixões dependem delas. Funcionam como alarme, ativam as sensações que sentimos.
__ Ela está sob algum medicamento?
__ Apenas “placebo”!
__ Isto é alguma droga antipsicótica?
__ Na verdade, isto é apenas pílula de açucar.
__ Sim, entendi! Obrigado! – a expresão de preocupação do rosto do juiz desapareceu como que por encanto. – Claudia Lins, você acha Gabrielle agressiva?
__ Elle, é a pessoa mais doce desse mundo. Nesses anos todos, ela sempre esteve em paz, consigo e com os outros.
__Nesses anos todos! Quantos exatamente?
__ Eu já tinha quatro anos quando Elle nasceu. Desde então.
__ E você já a viu ser agressiva?
__ Nunca! – respondeu-lhe secamente.
__ Obrigado! Eduardo Viera Fagundes de Mello, gostaria que você levanta-se e fosse até a sala do lado. Gabrielle será chamada aqui para algumas, não quero influência-la.

Na antesala sentado, custava-me pensar numa outra coisa, mas quando Elle estava passando no corredor, ela veio a mim, tomou-me o braço e levou-me até a sala novamente, onde queixou-se da minha ausência e disse-me outras coisas com ar pueril que costumava ter; e eu ouvi-a sem responder nada. Elle estava tão feliz; derramada; tão cheia de si! Quando notou a ruga em minha fronte, não procedeu de nenhum susto, mas veio a mim novamente, deu-me pancadinhas na testa, com um só dedo e riu. Ri também, mas ao olhar nos olhos do juiz, confesso que nunca vi olhos tão pasmados; a boca semi-aberta; as sombracelhas arqueadas; uma estupefação visível; tangível, que se não podia negar. Ele olhou-me de volta e abanou a cabeça com um sorriso de piedade e ternura, que me confundiu por completo:

__ Elle, preste atenção! Eles querem fazer-lhe algumas perguntas. Basta que você as responda e eu não vou poder estar aqui; mas estarei na sala ao lado. – expliquei-lhe calmamente.
__ Tudo bem! – respondeu-me batendo os dedos de sua mão esquerda, uns nos outros, deste modo ela fazia quando sentia vergonha.

Foi difícl vê-la sentar-se envergonhada e trêmula! Velado o rosto, envolvida numa espécie de véu, com os olhos no chão. Acanhada, mas devo dizer que nunca a vi tão bela.

__ Tudo bem, Gabrielle? – a voz do juiz saiu delicada
__ Tudo! – respondeu-lhe ainda de cabeça baixa.
__ Quantos anos você tem?
__ Vinte e um.
__ Qual é o seu endereço?
__ Atual?
__ O da sua casa! – disse o juiz sorrindo e tudo transformou-se numa galhofa.
__ Rua Aurora, noventa e quatro.
__ Qual é o bairro?
__ Bento Ribeiro.
__ Sabe cozinhar? Ler?
__ Sei, sim. Si fazer as duas coisas que me perguntou.
__ Que tipo de leitura você gosta?
__ Romance, são os meus preferido. - disse ela um pouco mais animada.
__ Tem prefência por algum autor?
__ Dante, Shakeaspere, Wilde, Keats, Pessoa e tantos outros. A minha mãe sempre deu-me livros para ler, desde que eu tinha oito anos.
__ Pode me dizer o que você entende de Shakeaspere?
__ Seus livros são como um brilhante, um empoeirado ninho de mistérios, um gabinete de curiosidades. – a voz firme e doce ecoou pela sala e todos mudos a ouvi-la docemente falar.
__ Muito bem! Sabe o motivo de estar aqui hoje?
__ Sei!
__ E qual é o motivo?

Vi da porta entreaberta, de onde permaneci vendo aquele massacre, quando Elle ergueu seus olhos e olhou para o juiz e disse-lhe:
__ Porque o senhor quer saber; se eu posso tomar conta de mim mesma.
__ O que eu quero?
__ Fazer-me perguntas. – disse-lhe baixando a cabeça novamente.
__ Você está bem, Gabrielle?
__ Sim!
__ Bem, tenho outras perguntas a fazer-lhe: O que você sente pelo Eduardo?
__ O Dado é meu amigo.
__ Gosta dele?
__Sim!
__ O quanto?
__ Muito!
__ O ama?
__ Sim! Sei que vivo de forma isolada, é melhor assim. Não quero sonhar que sou uma princesa em seu quarto ou uma aranha em sua teia; inclinada a acabar com visitantes ou intrusos. – todos permaneceram em silêncio.
__ E ele sabe desse amor?
__ Não! – os olhos de Elle avermelharam-se.
__ Você não o disse? – insistiu.
__ Não!
__ E por que?
__ Tenho medo de que ele saiba.
__ Por que?
__ Ele não vai me amar, de verdade. Sei que sou uma retardada. – disse em lágrimas.
__ O que você acha que ele diria?

Abri a porta tão inesperadamente e entrei arfando, sentindo o meu peito apertado; nunca senti-me tão lisonjeado. E aproximei-me do juiz e disse-lhe:

__ Essa pergunta, eu respondo, seu meretíssimo! – arguí. – Elle, eu amo você! E não me importa nada senão puder ficar com você. Esses dias em que estamos separados, serviram para mostrar-me que não posso ficar sem você. Eu amo você! - Todos na sala ficaram perplexos, mudos, totalmente estáticos. Lembro-me de chegar até Elle e beija-la na boca, sem medo, sem culpa e sem demora.

__ Senhor Eduardo, por favor. Peço que retire-se agora. Por favor!
__ Sim, meritíssimo! – disse-lhe soltando-a dos meus braços.
__ Por favor, alguém conduza Gabrielle até o seu quarto. Doutora Eulalia, Gabrielle ficará aqui mais uma semana, e não indique nenhuma medicação. Ela ficará aqui, até que lhe sejam aprontados seus documentos, para que ela possa voltar para sua casa. Não vejo necessidade de interdita-la e vejo que as pessoas aqui presente estarão com Gabrielle, para ajuda-la no que for necessário.
__ Mas, senhor. Essa menina não tem condições de se casar... – disse a doutora em coleras.
__ A minha ex-mulher também não tinha, doutora!
__ Meritíssimo, se o senhor aprovar, eu posso leva-la para minha casa e ficar com ela lá nesse tempo. Acho que será melhor para ela do que ficar aqui.
__ Dona Margarida, a senhora quer hospeda-la?
__ Sim e será um prazer te-la em minha casa.
__ Vou liberar a documentação agora mesmo. Fico feliz com tudo isso! Se eu aprendi com ela nesse últimos minutos, mais do que aprendi nesses últimos anos da minha vida; imagino vocês que têm a sorte de conviver com ela. – disse ele com os olhos em total vazio.
Capitulo 16

A teoria


De repente, veio-me a cabeça a teoria de Lacan. Uma teoria que diz que as fantasias têm que ser irreal, que elas não podem ser algo sólido, porque no momento segundo em que se obtem, não há mais nada a se lutar por; já conseguiu, acabou a luta. Para continuar a existir, o desejo têm de ter os objetos eternamente ausente. Não se deseja ‘algo’, desejam a fantasia desse ‘algo’. É o desejo que leva a fantasias desvairadas. Foi essa a idéia de Pascoal Lacan, ao dizet que somos mais felizes quando acordados sonhamos, com a felicidade que está por vir.
Daí diz os ditados: ‘o melhor da festa é esperar por ela’ ou ‘cuidado com seus desejos, eles podem se tornar real’. Não pelo fato de conseguir o que quer, mas pelo simples fato de não ter mais o que querer, depois de conseguir. Então a lição de Lacan é: ‘viver de desejos não traz a felicidade. O verdadeiro significado de ser humano é a luta para viver por idéias e ideiais. E não medir a vida pelo que conquistaram em termos de desejos, mas pelo momento de integridade, compaixão, racionalidade e até mesmo auto-sacrificio. Porque no final, a única forma de medir o significado de nossas vida é valorizando a vida dos outros.

Pensando isto entendi, o que acabara de acontecer, o que estava desejando não era real. Eu ainda teria que lutar muito e que teria a felicidade a cada dia, e isso seria, pouco a pouco e levaria todos os anos da minha vida. Sendo assim, ela jamais viria por completo, mas ficaria cada vez mais próxima.


__ Dado! – chamou-me meu pai.
__ Sim! – respondi pensativo.
__ Pronto para ir para casa?
__ Desde de que eu saía daqui ao lado dela. – sentenciei.
__ Lamento, mas perderá a minha carona então. Vejo-os em casa.
__ Obrigado, pai! – abracei-o gentilmente.


O bairro voltou ao que era ou pelo menos ao que era parecido antes da tormenta; o velho asfalto destrurído no chão; as calçadas esfacelando; os muros desformes; os bueiros sem as tampas de ferro; as casas mal pintadas e tudo estava lindo novamente.

Com os olhos fitos a aquela imensidão, meditei um pouco sobre a saciedade, que às vezes nos vem em camadas até que obtivamos por completo, e era assim que eu me sentia naquele instante; completamente pleno e apenas precisa daquilo para continuar e mesmo depois, sei que ainda continuaria a ir o mais longe que me fosse permitido ir. Se o caminho era para ser seguido ao lado de Elle, que fosse um caminho longo; com curvas, retas, largadas e chegadas. Mas, que fosse com ela

Capitulo 17

O que pode se explicar


A casa de Elle com as janelas abertas, o grito acordando a todos pela manha, a maldade ausente, e a coragem prevalecida. Meus olhos abertos e vendo tudo, vendo minha vida e tudo mais.

__ Dado! – chamou-me Claudinha.
__ Oi! Não a vi chegar, desculpe-me. – disfarcei.
__ Você pensa em casar-se, de verdade? – perguntou-me com olhos curiosos.
__ Sem duvida! – respondi de imediato.
__ Mas agora não será preciso. Elle já está a salva. – insistiu.
__ Eu sou conciso no que faço...
__ Sem duvida!
__ Então, já sabia a resposta.
__ Sim! Mas, tinha a esperança de que algo fosse mudar; depois da sentença do juiz.
__ Como assim? Pode explicar-se melhor? Não entendi a que ponto quer chegar.
__ Você nunca entendeu, não é? Eu sempre estive do seu lado; enquanto você a defendia dos outros, eu o defendia dos outros. – confessou envergonhada e depois sentou-se na calçada a olhar para o outro lado da rua.
__ Sinto muito, eu não sabia! – disse eu, abaixando-me ao lado dela e pondo a minha mão em sua cabeça.
__ Dado, você não precisa ser complacente comigo. – disse ainda de cabeça baixa.
__ Acredite-me, eu não estou sendo nada disso. Eu tenho muitos sentimentos por você, mas pena, isso eu tenho certeza de que não tenho. Você é minha amiga. – puxei-a de encontro ao meu peito.
__ Mas, você já mais me amará, não é? – sua voz era toda melosa.
__ Não sei se do jeito que você quer.
__ Dado, eu estou tão sem graça. Só agora percebo que estou sendo estúpida e insensível. Acontece que me fragilizei com a possibilidade...de vê-lo perder-se de mim; de minhas esperanças.
__ Como eu posso não ter visto! Pensei que aquele lance no seu quarto, tivesse sido apenas, uma coisa de adolescentes. Há quanto tempo?
__ Desde de sempre! – respondeu-me erguendo os olhos castanhos em direção aos meus.
__ E por que ficou em silêncio?
__ Você só tinha espaço para Elle e eu não tinha o direito de confundi-lo. Eu não podia fazer isso com ela e nem com você. Por isso, eu estou morrendo de vergonha, por estar fazendo agora; estou sendo injusta e mesquinha. Por favor, jamais tocarei nesse assunto outra vez. Esqueça! – pediu-me com lágrimas nos olhos.
__ Você não é nada disso. Não sei o que lhe falar...
__ Não diga nada! Um dia nós vamos rir sobre isso...
__ Espero que seja logo !Minha ruivinha!
__ É mesmo; esse desconforto está nos matando. – ela soltou um sorriso inocente.
__ O dia chegou rápido, já estamos rindo...

Claudinha era uma menina cheia de vida e sua inteligência era notável, além de ser linda, com um corpo lindo. Os garotos da rua sempre a cercaram de olhares, embora nenhum deles a tenha namorado.

__ Você não vai me ignorar a partir de agora, vai?
__ Ignorar você? Nunca! Claudinha, embora eu não tenha percebido o que você sentia, eu sempre admirei-a. Seu jeito, sua voz, seu tudo. Acho-a linda! Pensa que sou santo? Já peguei-me olhando para seu corpo, notando que você tinha mudado e já não era aquela garotinha de antes. Quando usava aquele shortinho preto ou aquela saia de jeans com aquela flor laranja bordada.... – parei de falar ao ver o rubor em sua face.
__ Pensei que munca tivesse reparado em mim? – disse envergonhada.
__ Seria cego se não a tivesse notado. Mas, esse sentimento é dissonante. Não posso conduzir os meus sentimentos pelo seu corpo. Esse sentimento que tenho por Elle, é pelo o que eu não vejo...
__ Não precisa explicar-me o que é o amor.
__ Isso é amor?
__ O que seria então?

A pergunta dela ficou na minha cabeça por mais tempo, do que pensei e cheguei a pensar nos anos anteriores e que me levaram a decidir casar-me com Elle. Eu não tinha pensado em sexo ou em como seria com ela, e sei que isso não me preocupava, até Claudinha despertar-me.
Seria para Elle algo que ela não estaria preparada, e acho que ela jamais se prepararia, a sua mente ainda não chegava a imaginar, que o sexo existisse, embora curiosa em muitos assuntos, esse era algo totalmente descabível. Percebi que eu não saberia como agir, em relação a isso e se isso também teria tanto peso assim.

Num dia quente onde acordei arranhado, confudido com os pensamentos, que não conseguia controlar. Já não sabia se era melhor nascer ou acordar. Levantei meu corpo da cama e atravessei a rua e pulei no quintal da casa da Claudinha e fui até a sua janela e bati com cuidado para não acordar a todos. Ela abriu a janela e eu pulei para dentro de seu quarto:

__ O que aconteceu, Dado? – disse ela; tentando sair da luz do poste. Ela usava uma camisola negra, lisa e transparente; seus seios redondos saltavam para fora do fino tecido e eu podia ver uma calcinha verde, tão minuscula quanto o meu raciocinio naquele momento:
__ Acordei e não consegui mais dormir...Estou morrendo de medo...
__ O que lhe assusta, para não perceber que horas são e nem onde estamos?
__ O sexo! Acho que isso pode magoa-la?
__ Como?
__ Elle não está pronta e tenho certeza de que nunca estará...e ao acordar hoje, eu pecebi que não posso controlar-me...
__ Claro que pode! Você não é um animal!
__ Claudinha, sei que será difícil. Olhe para mim e veja o quanto estou me sentindo diferente. Por que está tudo assim?
__ Porque você é um homen. – afirmou ela e ao me ver sentado em sua cama, aproximou-se de mim e abraçou-me de pé.
__ Eu estou sentindo-me um lixo. – disse eu e ao colocar meu braço em volta da sua cintura, as minhas mãos tocaram em sua pele macia e meu rosto encostado em seus seios, fez-me suar frio.
__ Só há uma coisa a fazer para ajuda-lo, eu vou lhe mostrar o caminho.

Claudinha abriu as pernas e sentou-se em meu colo e olhando-me dentro dos olhos ergueu a camisola e lançou-a longe, em seguida colocou o joelho direito sob a cama e depois o esquerdo.

__ O que você está fazendo? – questionei-a e acreditai-me, que é verdade, eu poderia tirar o proveito se porventura a frieza e o ânimo, que havia por trás de outro cérebro, a vontade dissimulada, o constrangimento de se resolver na cama ou nas lágrimas. Antes ou depois, acreditai-me, é a pura realidade. A comoção que tive, nem ainda agora cheguei a discernir o que experimentei; o que engoli em pecado. Era medo; era dó; era vaidade; enfim, não era amor, tudo dava uma combinação assaz completa e vaga, uma coisa que não pude entender, como eu não entendi. Suponhamos que não disse nada. Deus me livre falar alguma coisa, naquela triste ocasião, onde a razão principal era o meu desastre, mas não foi; a principal razão foi a reflexão que me fez cuja a fragilidade dos meus sentidos, era suficiente para entender que eu era humano e menos ainda, que para praticar essa humanidade, eu precisaria de muito mais de mim.

Deixarei aqui um relato que poderá ser usado para comparar o que senti:

Houve duas tribos indigenas, no Peru; onde viviam, de um lado uma princesa e do outro um guerreiro. O destino dos se cruzaram e logo veio o amor; claro que proíbido. A princesa estava comprometida ao principe de uma aldeia da Bolivia. Inconformado com o destino, o guerreiro entrou à noite sorrateiramente na aldeia e desposou a princesa; pela manhã descobertos, o rei baniu a princesa da presença de todos, e a colocou no alto de uma montanha a kilometros da aldeia e o guerreiro foi posto numa jaula.
Durante um tempo, o guerreiro tentou escapar da prisão a qual lhe foi imposta; e numa dessas tentativas; ele consegiu escapar. Na sua fuga obteve a ajuda de uma jovem aldeã, que o conduziria até a o pé da montanha onde em algum lugar estaria a princesa. Eles passaram quatro meses juntos, antes de chegarem a tal montaha; a aldeã adoeceu e o guerreiro cuidou dela; fez remédios, para que sua febre cedesse; deu-lhe banho e velou-a durante os dias que se seguiram. Ao ficar boa, a aldeã pôs sua vida a disposição do guerreiro, que mesmo depois de cura-la, ainda tratava-a com carinho e cuidado. E antes de encontrar sua princesa, ele ainda velava aquela aldeã durante a noite; por Deus, reflitam antes de me julgarem.
Capitulo 18

Enfim o amor e seu rebento


Sol a pino, e eu ali no portão, parado, olhando as pessoas movimentando-se lentas nas ruas, como se o sol lhes tirassem suas energias, ao contrário dos dias de chuva quando todos parecem se apressar.

__ Meu filho, o que faz aí, nesse lindo sábado de sol? – argumentou minha mãe.
__ Oi, mãe! Bom dia! – cumprimentei-a.
__ Vamos tomar café.
__ Sim, vamos. – aceitei o convite carinhoso. Enquanto entravámos dei uma olhada por cima do ombro, acho que planejava ver Elle no portão da casa de dona Margarida.
__ Espere um pouco e depois vá até lá vê-la. – disse mnha mãe dando-me palmadas no bumbum.
__ Estou tão transparente assim?
__ Como um cristal.
__ Mãe, diga-me uma coisa, o que a senhora pensa de verdade sobre a minha idéia de casar-se com Elle.
__ Meu filho, sempre achei que isso pudesse acontecer; seu modo com ela e tudo mais, vocês sempre juntos, seria impossível vê-los separados. Você tem um bom coração e deve saber o quanto quer isso.
__ Eu atravessaria um oceano para estar com ela, mãe. Sei que a vida dela será breve, mas eu quero que ela seja feliz e farei o meu melhor para tornar isso possível.
__ Seu pai e eu também tivemos a nossa jura de amor e mesmo que não fosse por Elle, nós criamos você para que seja um homem de bem e nisso; você nunca nos decepcionou. Protegeremos você quando precisar, agora queremos que você seja feliz e se a sua felicidade for casar-se com Elle; saiba que eu e seu pai o apoiaremos e faremos isso felizes. – concluiu ela; alisando o meu rosto.
__ Obrigado! – agradeci emocionado.
__ O que pensa em fazer? – perguntou meu pai entrando na sala com o jornal embaixo do braço.
__ Eu gostaria que não mudasse muito para Elle. Ficar na casa dela seria muito bom.
__ Filhinho, nada será como antes. Elle sabe o que aconteceu e com você lá, ela saberá que algo mudou. – disse ele; sentando à mesa e jogando o jornal sob a mesinha de centro.
__ Sei que ela sente as mudanças, mas quero suaviza-las. Fazer com que ela sinta menos. Leva-la ao colegio; assistir um filme na TV ou no cinema; ouvir música; passear; brincar e todo o resto que fazíamos antes.
__ E você dormirá com ela? – a pergunta veio seca e direta.
__ Sim!
__ E sobre...você sabe! – emendou minha mãe.
__ Filhinho, nos diga como será. – completou meu pai.
Levantei os olhos e engoli seco, eu sabia que não tinha muito o que argumentar sobre isso; a minha demora em pensar propagou segundos de interminável angústia, acho que apenas eu é que estava sentindo o corpo contra a espada. Meus pais, apenas sentados ali; aguardando-me.

__ Minha vida com Elle será como eu descrevi e eu não posso pensar em ter uma vida sexual com ela; não seria justo para com ela.
__ E para você? – emendou minha mãe.
__ Estando ao lado dela será o suficiente para mim. Acho que eu tenho essa missão aqui na terra e não estou fazendo nada por obrigação e pode acreditar-me; para mim ficar com Elle é uma benção. Ela é meu porto seguro e nada me dá mais prazer do que vê-la sorrindo.
__ Filhinho, fico feliz por você estar seguro ao que se sucederá. – meu pai sempre amavel comigo; apertou a minha mão.
__ Espero que vocês possam ficar tranqüilos quanto a isso, pois, eu não estou fazendo nenhum sacrificio. E se tiver que ter alguma coisa séria com ela, será de alguma forma que não a magoe.
__ Filhinho, você nunca fará nada que a magoe, seu amor é sincero.
__ Obrigado, meu pai. – agradeci.
__ Vamos tomar esse café, antes que tudo fique gelado. – completou minha mãe.

Levantei da mesa e fui até a janela, olhei para rua e tudo estava tão normal, as nuvens foram dissipadas e voltava a nossa antiga visão das mesmas coisas de antes. Virei-me para meus pais e lhes sorri, um sorriso de pura felicidade.

__ O que foi? Viu um passarinho verde?
__ Sim, minha mãe! Um verde, um azul, um vermelho, um amarelo...
__ Joel, veja se esse menino está com febre!
__ A febre dele está aí do lado, na casa da dona Margarida...
__ Então, meu filho é hora de ir lá e tomar o seu remédio, não acha?
__ Bem, esse remédio e tudo que eu quero!
__ Mande um beijo para Elle e diga que nós vamos lá daqui a pouco.
__ Pode deixar que eu digo a ela.


Com efeito, ali estava eu; vivendo a felicidade completa, sabendo que nada poderia ser mais especial do que sentir-se bem por estar fazendo aquilo que se quer. As memórias do que ficou guardado por tanto tempo, espalhavam-se no meu cérebro e se perdiam num deserto mental. Eu vivia um dia de cada vez e isso era a razão de chegar até onde eu estava chegando.

__ Dona Margarida! – gritei do portão, quase que pulando o muro.
__ Entre, Dado! Não precisa chamar daí. Venha, nós estavámos a sua espera. – disse dona Margarida acenando lá dos fundo do quintal.
__ Obrigado! – acenei de volta.
__ Elle, está escondida e espera que vocêa encontre.
__ Num minuto. Está ouvindo Elle; num minuto

Capitulo 19


O casamento da saudade


No fim de dois anos, já casados; tudo ía as mil maravilhas, os impulsos que me levaram até o matrimônio. Não falo dos anos, não os sentia, mas foi nessa ocasião, que deitados um no peito do outro; olhos fitos nos olhos, a noite quente e longa, invadia-nos o cansaço. Os olhos de Elle e tudo foi se transformando; até que descobri a gravidez de Elle e tudo ficou perfeito.

Os meses que passaram foram de entrega e de cuidados; até o nascimento da pequena Maria da graça, todos nós nos portamos abobalhados, e depois guardar a ansiedade, até o momento em que veio ao mundo, aquele bebe lindo, saudável e cheiroso.

Esvaindo alegria por todos os meus poros, olhando as duas já em casa, deitadas descansando no quarto. A casa já vazia; e em seguida, como se tivesse perdido toda a pressa, sentei tranqüilamente encostado à parede, totalmente adormecido.

__ Dado! O que você.está fazendo? - Elle inclinou-se e falou num tom muito suave, mas os lábios se apertavam comprimindo as palavras e os olhos tinham aquela expressão de cansaço.

Elle nunca se exaltava, nunca elevava a voz. Mas eu sabia que, quando ela falava assim, algo lhe incomodava.

__ Descanse um pouco, meu amor. Você é o meu nenezinho, ouviu bem? É o meu nenezinho. – inclinei para beija-la e afundei a cabeça no colo perfumado de Elle.
__ Você acha...Maria da Graça bonitinha? – murmurou ela sonolenta.
__ É bonitinha, sim. Ela é igualzinha à você. – ela deu uma risadinha e revelou no rosto uma vermelhidão feliz.
__ Obri...gada! – o tom mais baixo trazia o sono mais perto dela.
__ Agora, durma um pouco. Eu estarei aqui! – prometi.

Vê-las juntas, ama-las de modo diferente, era uma novidade que eu aprendia em cada momento, e sentia que eu, era o que mais tinha necessidade delas, era eu, que precisava delas. Elas davam a minha vida o frescor e ardor, que me impulsionava a caminhar sempre em frente.

O ano passando depressa, Maria da Graça crescendo depressa, e ao redor tudo parecia estar mais lento, que estranho é essa sensação que sentimos, quando olhamos apenas para as nossas vidas, e de repente olhamos para fora; tudo parece parado, arrastado e lento.
Lançei os olhos para a rua, com a atonia de quem reflete ou relembra; eu deixei-me ir então ao passado, e, no meio das recordações e saudades, perguntei a mim mesmo por que motivo a beleza de outro tempo valia uma parte do que agora eu tinha? Era o que eu buscava saber, interrogando o rosto de Elle, num retrato. O rosto dizia-me que não; ao mesmo tempo os olhos inertes, me contavam que outrora, como hoje, ardia neles a flama da vida. Nos meus é que não a tinha mais, eram olhos sumidos. A verdade é que eu me sentia pungido e aborrecido, ao mesmo tempo, e ansiava por me ver longe dali. Enquanto eu fazia comigo mesmo aquela reflexão.

Claudinha entrou na sala, trazendo pela mão, minha filhinha, já com seus quatro aninhos.

__ Como passou de hoje de manhã? – disse ela.
__ Assim, assim. Vem cá, Graça. – levantei-a pelos braços e rodopiei no meio da sala.
__ Você é mais criança do que a sua filha, sabia disso? – alfinetou-me Claudinha, com ar de deboche.
__ Ela deu-lhe trabalho? – quis saber.
__ Maria da Graça é maravilhosa e é sempre um prazer cuidar dela. – disse ela arqueando o corpo para beija-la. – quer que eu faça mais alguma coisa por vocês? – disse me ela estendendo-me a mão.

Não respondi nada. Claudinha compreendeu a causa do meu silêncio, e só hesitou, creio eu, em decidir o que dominava mais, se o assombro do presente, se a memória do passado. Lembrou longamente do tempo que ajudou-me na doença de Elle, quando ela teve sucessivos infartos cerebrais e na sua ausência. Eu adiantei-me na decadência, e é verdade que fiquei com a alma decrépita. Pensei que perdi tudo, ou quase tudo; uma mulher que aprendi a amar outrora, e que desapareceu nos meus braços. Vivi um momento como para esconder-se ou fugir; era o instinto da vaidade, que não durou mais de um instante. Claudinha aproximou-se e sorriu.

__ Volto logo para preparar um jantar. - calei-me, profundamente abatido, com os olhos no ar, parecendo não ouvir nada, a não ser o eco de meus pensamentos. Após alguns instantes, ela estendeu-me a mão novamente:

__ Sei o que está sentindo. E hoje, é um dia especial; faz três anos sem Elle. Mas, eu não vou deixa-lo com suas amofinações. Estarei aqui! – disse me com tranqüilidade na voz.

Creio que tenho passado horas e dias assim, não há constância de sentimentos, não há gratidão, não há nada...nada. não é preciso dizer que refutei tão perniciosa vontade, com os mais elementares argumentos; mas ela estava tão segura, que resistiu até o fim, mostrando certa coerência, talvez para atordoar a minha consciência.


Claudinha, manifestava claramente as esperanças que trazia no peito, cumulava as intenções e afagos que poderia render. As formas graciosamente curvas, a palavra doce, a mesma fraqueza física, uma cor local, um aspecto legítimo. A mulher há de ter sempre uns ares de mãe ou de irmã, ou ainda de enfermeira, em que o mais tosco dos homens carecerá um dia.
Era o que eu via em Claudinha, quando ela chegava e se desfazia toda em afagos a minha menina. Na casa dela, recebia-nos à porta, falando e rindo. Ia fchar ajanela próxima, se havia alguma brisa, ou abri-la, se estava calor, mas com cuidado.

__ O que está olhando? Parece que nunca me viu! O que foi? – quis saber ela.
__ Nunca a vi tão linda! – disse desconcertado.
__ É impressão minha ou isso é um elogio? – Claudinha interrogava-me com os olhos.
__ Acho que é um elogio! – afirmei baixinho.
__ Não precisa se envergonhar. Eu sou mesmo linda, afinal. – disse ela segurando a saia com ambas as mãos e a erguendo até a altura dos joelhos e inclinando o corpo para frente; fazendo uma referência a si mesma.
__ Caramba, eu só estava sendo gentil. Não precisa levar a sério!
__ Espere aí que eu vou mostrar o que é ser gentil! – ela veio para cima de mim e bateu de leve em meu peito.
__ Calma, eu só estava brincando!
__ Agora não adianta pedir arrego, eu não vou aceitar as suas desculpas. Estou ofendida e só depois de espanca-lo é que ficarei bem. – e continuou a bater-me no peito.
__ Batendo forte assim, é provavel que eu fique tuberculoso. – disse rindo e segurando-a pelas mãos, ficando cara a cara com ela. Num impulso imediato, soltei-a e desviei meus olhos.
__ O que foi?
__ Nada! É que preciso tomar água, um pouco d’água. Você quer?
__ Não, obrigada! Sabe, essa foi a primeira vez que eu o vejo sorrir; sorrir de verdade! – falou ela em voz alta para que eu pudesse ouvi-la da cozinha.
__ Parece fácil quando se sabe! – disse eu, olhando-a de cabeça baixa.
__ Você precisa viver. – ela veio até mim e ergueu minha cabeça, segurando o meu queixo.
__ Sei que preciso... – falei encostando a cabeça em seu ombro e logo em seguida desabando em lágrimas.
__ Isso chore, desabafe. Sinta a dor e deixa-a ir embora. Você vai estar melhor depois que deixa-la ir embora.
__ Obrigado, Claudinha! Mas, eu estou molhando toda sua blusa...
__ Não importa. Lembra no cinema, quando você durmiu no meu ombro? Naquele dia você babou-me toda, e eu já me acostumei. – começamos a rir e quando fui erguer a cabeça, apoiei uma das mãos e ao fazer força para trás, desabotoei dois de seus primeiros botões e fiquei frente a frente, aos seios dela. Senti um repuxo tão forte, que contraí o abdomen como se tivesse levado um soco no estômago. Claudinha ligeira controlou a situação sem dizer nada, apenas sorriu e alinhou-se calada e eu compartilhei do seu silêncio.

Capitulo 20


Duas vidas


Certo dia, meses depois, entrei em casa, e lá estava Claudinha e Graça, brincando feito duas crianças. Atirei-me no sofa, sem saber o que faria. Enfim, cheguei-me a minha filhinha que estava sentada, e estendi-lhe a mão.

__ Nesta pequenina mão está toda a minha existência. – disse eu.

Claudinha teve um gesto aflitivo; eu fui encostar-me no sofa. Decorreram alguns instantes de silêncio; ouvia-mos somente o latir de um cão lá fora. Vendo que não falava, olhei para ela sorrindo, para minha filhinha querida. Claudinha tinha os olhos no chão, parados, sem luz, as mãos deiadas sobre os jolhos, com os dedos cruzados, na atitude da suprema desesperança. Se fosse numa outra ocasião, por motivo diferente, é certo que eu me lançaria aos pés dela, e a ampararia com a minha razão e a minha ternura; agora porém, era preciso compeli-la ao esforço de si mesma, ao sacrifício, à responsabilidade da nossa vida e conseguintemente desampará-la, deixá-la e sair dali; foi o que fiz.

__ A felicidade está nas suas mãos! – gritou ela antes que eu saísse da sala.

Vacilava entre um querer e um não querer, entre a piedade que me empurrava ao desconforto e outro sentimento; egoísmo, suponhamos – que me dizia: ‘deixaque ela o resolverá no sentido do amor. Creio que essas duas forças tinham igual intensidade, invetiam e resistiam ao mesmo tempo, com ardor, com tenacidade, e nenhuma cedia definitivamente. Às vezes sentia um remorso; parecia-me que abusava da fraqueza de uma mulher, que me amava, sem nada a sacrificar nem arriscar de mim próprio; e, quando ia a capitular, vinha outra vez o amor, e me repetia o conselho egoísta. E eu ficava irresoluto e inquieto, desejoso de a ver, e receoso de que a vista m levasse a compartir a responsabilidade da solução.
Por fim interveio um compromisso entre o egoísmo e a piedade; eu iria vê-la em casa, e só em casa, em presença da minha filhinha, para não lhe dizer nada, deste modo poderia conciliar as duas forças. Agora, que isto que revelo, quer-me parecer que o compromisso era uma burla, que essa piedade era ainda uma forma de egoísmo, e que a resolução de ir consolar-me com Claudinha não passava de uma sugestão do meu próprio padecimento.

__ Chegamos cedo para o jantar?
__ Não, as duas crianças podem ir lavar as mãos.
__ Vamos Graça. Antes que ela peça para ver as nossas orelhas.
__ A minha está limpa papai. – disse Graça de forma ingenua.
__ Claro, filhinha claro que sim.
__ Quanto as do seu pai, não sei não!
__ Venha e veja! Que absurdo! Me demito!
__ Papai, você quer que eu lave as suas orelhas?
__ Sim, filhinha. Só que depois, agora nós vamos jantar...
__ Venham e vejam o que eu preparei para gente.
__ Tem batata frita?
__ Claro, meu docinho.
__ Humm, que bom!

A culpa é algo que chega e fica; e nos machuca o tempo todo, fiquei preso ao que sentia e ao que não podia sentir. Escapando das agruras que as situações provocava. Não queria ser tão mesquinho, mas não conseguia livrar-me desse sentimento, que insistia em acompanhar-me, dia e noite; e não importava o que eu fizesse, ali estava ele, vivo dentro do meu retorcido cérebro.
Sentia falta de Elle e sabia que seria assim, por todo o tempo e que ela não voltaria, mas o que eu podia fazer? Consumia-me a vontade de algo mais, apegava-me ao que tinha em cuidado; a aliança com aquela criança linda, que crescia inocente, ao lado do que sobrou de mim. Mas, cedia à indiferença, que era um sono sem sonhos, ou ao prazer, que era uma dor bastarda.

Ao contemplar tanta calamidade em mim, Claudinha não pôde reter um grito de angústia, que escutei sem protestar, e não sei por que lei de transtorno cerebral, fui eu que me pus a rir, de um riso descompasado e idiota.


__ Ainda vale a pena. A vida ainda vale a pena. – disse ela.

A resposta que desferi, foi compelir-me fortemente a olhar para baixo, e ver os séculos que continuavam a passar, velozes e turbulentos. Quis fugir, mas uma força misteriosa me retinha os pés; então disse comigo: ‘e daí que os séculos estão passando?!’. Fixei os olhos nos olhos dela, e vi a idade lhe passando, e ela tranqüila e resoluta, não sei até se alegre. Talvez alegre. A sua porção de sombra e de luz, minha apatia e seu combate, a sua verdade e meu erro. Mas ainda vou resistir por mais tempo.

__ Ainda sinto falta dela aqui! – larguei-me de vez ao meu desespero particular, amoleci o corpo, já que o espírito estava leve.
__ Entendo a sua dor, mas precisa continuar. – concluiu.
__ Eu vou continuar.
__ Sei que vai, sei que vai...
__ Você tem sido muito minha amiga; e todo esse tempo, eu não sei se tenho correspondido. Sido seu amigo também. Você tem cuidado da minha filhinha e de mim. Obrigado.
__ Você não tem que me agradecer. Já te falei do prazer que isso me dá? E não estou sempre cuidando de vocês, seus pais estão sempre com a neta e eu só fico com vocês, nas horas que me são vagas.
__ Eu sempre acabo lhe exigindo demais. Retendo a sua vida social...
__ Espere, um pouco. – interrompeu-me bruscamente. – sei onde quer chegar, mas acontece que tudo que faço é por querer-lhes bem e você não vai me afastar assim.
__ Seria um total estúpido se tentasse algo assim. – disse a ela, afagando-lhe os cabelos que lhe caiam no rosto ainda de menina.
__ Então, por que tudo isso? Por que tanto medo?
__ Não sei; não tenho tanta certeza e nenhuma razão latente. E não quero magoar você...
__ Deixe de ser pretencioso. – cochichou ela ao meu ouvido.
__ Oh, Deus! – lamentei em voz alta.
__ Nós vamos conseguir superar isso, juntos! – disse-me apertando a minha mão, tão fortemente que senti a pressão no braço inteiro.
__ Obrigado por estar do meu lado por todo esse tempo.
__ Vai continuar insistindo nesse agradecimento?
__ Não!
__ Assim está melhor. – rimos como dois idiotas que ri por qualquer motivo, ainda que fosse com um sorriso amarelo estampado no rosto.

Creiam-me, o menos mau é recoradar; ninguem se fie da felicidade presente; corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode ver uma luz, porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer.

O passado fizera recuar o sol até os dias juvenis. Recuou o sol, sacudi todas as misérias, e este punhado de pó, que a morte ia espalhar na eternidade do nada, pôde mais do que o tempo, que é o ministro da morte.

Claudinha sempre me apanhara em desvantagem mental; estava prestes a deitar, quando ela entrou e sem defesas, veio ao meu encontro com um sorriso no rosto; andando lentamente, erguendo os ante-braços e pendendo a cabeça para o lado. Expressão exata de que eu não poderia gostar da idéia que se passava em sua mente; voz macia, e, silêncio a parte; que ninguém me julgue indolente. Tão sêco quanto a um cancer na garganta, segurei as palavras e voltei ao inicio. Que vergonha, fiquei preso ao inicio e revi tudo de trás para frente.

__ Se você encolher-se um pouco mais; tenho certeza de que sumirá de vez. – a voz doce continua a tentar-me, e nem mesmo a boca provocara tanto gosto.

Vi em meio as minhas neblinas, seu vestido rosa, rasgado em pedaços, se recompor diante de mim, e sua silueta dançar nos meus pensamentos.

__ O que quer de mim?
__ Que levante e vá trocar-se. Que vamos sair. Na verdade vamos passear. – ameaçou ela.
__ Passear? – deixei meu corpo cair de vez.
__ Não esmoleça!
__ Espere que vou me enforcar e já volto. – brinquei.
__ Seja rápido! – disse ela acompanhado-me até a porta do quarto.
__ Onde vamos?
__ Será surpresa!
__ Adoro surpresas! – disse eu cabisbaixo e arrastando os pés.
__ Vamos! E ponha uma roupa linda; veja como eu estou vestida. – disse ela empurrando o meu corpo para dentro do quarto.

Vi ante os meus olhos as imagens trocarem de lugar, dando a impressão de cobrir o quarto com uma neblina, era uma ilusão, mas eu podia ver claramente que já não era o mesmo quarto de antes. Olhei e reconheci o altar da igreja; o mesmo santo cruxificado na parede, o mesmo padre. Era a igreja onde casamos e voltava naquele instante, ao dia do casamento.

Elle parecia nervosa, e eu tranquilizei-a como pude, disse que teríamos uma vida só nossa a partir dali e que o mundo seria nosso. E sendo assim, ela concordou, mas ainda ficou excitada. Estávamos ali; recebendo os ritos, às vezes enfadonhos, mas era assim que todos sentiam repousar as sensações más. O padre citava alguns trechos enquanto nós dois sentíamos uma contemplação mútua. Quando ela disse o ‘sim’ ao padre; Elle suspirou e passou seus braços em volta do meu pescoço, e todos sabiam que aquela resposta era a verdade.


Com os braços em meu pescoço, calada, respirando muito, deixou-se ficar a olhar para mim, com seus olhos rasos, fitei-os e senti que a sua beleza tornara diferente; senti que Elle tinha agora uma beleza que não possuíra antes do casamento. Era na verdade o resumo do amor e aquela ocasião em que calados dizemos tudo, embora imóveis parecessêmos duas estátuas. Deslacei-lhe os braços de meu pescoço e peguei-lhe os pulsos e respondi ao padre que ‘sim’.
Embora a mudez no ambiente fosse total, pude ouvir os sinos repicarem dentro de minha cabeça, num som calmo e latente. Olhei-a e a vi feliz; linda em seu branco vestido, com sua cabeça enfeitada por rosas e quase coberta pelo véu. Nunca tinha visto Elle tão encantadoramente silenciosa. Depois de lançado o buquê e fotografados, a nuvem começou a dissipar-se e novamente vi o mesmo quarto de antes.

__ O que foi? – quis saber Claudinha.
__ Sinto falta dela. – murmurei.
__ Você pode sentir falta dela. Mas, não pode se abandonar nessa falta. Não pode ficar sozinho o tempo todo... Ainda vai estar aqui quando tudo isso acabar.
__ O que deu em você? Acha que posso simplesmente fazer o que é para fazer. Eu não sei o que fazer? Você viu o rosto dela! Ela era real! Por dentro, uma luz, um universo e por fora... ela era como se fosse uma criança, uma criança. Não posso aceitar isso! – o medo havia tomado conta de mim, eu não sabia como lidar com a falta de Elle.
__ Você não precisa aceitar, mas tentar. – insistiu ela tentando abraçar-me.
__ Pare! Pare! – desvencilhei-me dela e afastei-me em desespero. – você não entende as razões, mas eu não vou deixar que esse amor se vá!
__ O amor que você sente por ela será gravado em sua memória e ficará com você para sempre. – ela aproximou-se de mim novamente e desta vez eu não reagi. – não haverá nada que substitua o que você sente.
__ Tenho certeza disso. – afirmei pondo as mãos no rosto.
__ Mas, eu não vou deixa-lo aqui sozinho. – tão carinhosamente ela abraçou-me.
__ Precisamos ir agora! – disse eu, limpando as lágrimas de meu rosto.
__ Papai, vamos passear?

Então voltei os olhos e vi a minha filhinha, Maria da Graça; e constatei que a presença de Elle estaria comigo por muito tempo e entendi que assim como a sua mãe, que desafiou a vida e teve seu bebe; Elle também cometeu a mesma bravura, ambas queriam a mesma coisa, perpetuar o amor que sentiam. Graça, era a cópia de Elle; os mesmos olhos rasos; os mesmos cabelos dourados; a mesma cor de pele; o mesmo sorriso e a mesma valentia no olhar.
Tomei-a pela mão e fiz como fazia com Elle, comparei a cor clara de sua pele com a cor escura da minha. Graça fez exatamente o que Elle fazia; soltou um risinho voluntárioso e sonoro.



FIM





































































































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