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Contos-->Mais um crime inventado -- 12/08/2004 - 13:59 (Bruno D Angelo) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Definitivamente aquela era uma manhã gelada. Eu não havia dormido bem. Aliás, eu não havia dormido. Foi o sol raiar, para eu sair das cobertas, tomar um banho gelado e ir correr no clube... Não, eu nunca faço isso! Sair do meu aconchego as seis da manhã, tomar um banho gelado, nem morno, e correr? Realmente, parece inverossímil! Talvez, a parte da insônia tenha sido legítima. Sim, eu sofro de insônia, mas meu personagem não dormiu porque sofresse de insônia e sim porque havia cometido um crime na noite anterior. Um assassinato! Sem sombra de dúvida, não escrevo sobre mim! Matar alguém! Sou incapaz de tal ato, sou muito sensato é o que dizem. Não mato nem mosca. Minto, agora minto sobre mim mesmo. Nem sei mais quem sou. Sim, já matei moscas é claro. Quem não as matou? Até membros do Greenpeace já o fizeram. Mas se este personagem matou um homem na noite anterior, com certeza, este personagem não sou eu, com certeza, esta história não é sobre mim. Não sei deixem ludibriar leitores. Eu não escrevo uma história sobre mim e por mais que a coloque em primeira pessoa e que as coisas ditas, soem tão reais, pareçam tão pessoais, e pareçam ter sido vividas por mim, não, não fui eu quem as viveu.
Corria sozinho e senti meu corpo ferver. Não podia agüentar. Mesmo com o frio, tirei a camiseta. Era como se algo estivesse preste a explodir dentro de mim. Suava em demasia. Ali, com o dorso nu, percebi umas marcas vermelhas na lateral direita de minha barriga. Aquela piranha havia me arranhado na noite anterior e eu... Mas que homem cruel eu sou, que mata uma mulher e vai correr no dia seguinte como se nada o preocupasse. Pelo menos o fato de não ter conseguido dormir demonstra que o personagem, que definitivamente não sou eu, ainda tem preocupações morais.
Recapitulando: eu acabara de acordar, dormira como um bebê e resolvera correr, porque sou uma pessoa saudável e sempre faço isso todas as manhãs. Fiquei com calor, apesar do frio, e resolvi tirar a camiseta branca que vestia. Foi quando atentei para os arranhões que aquela piranha havia me feito na noite anterior. “Vou ligar para ela, hoje, e marcar um encontro. Ela tentou me dissuadir de matar aquele cara e agora vai me pagar na cama. E como vai!”, disse baixinho. Eu faço brincadeirinhas para não descobrir que sou eu. Mas digo e repito: esta história não é sobre mim. Vou além: nenhuma história é sobre mim. Nenhum poema, nenhum verso, nenhuma linha sequer de qualquer coisa que eu tenha escrito até agora. Nada. Nadinha de nada. Nem se escrevo de outro e fica claro que, na realidade, estou falando de mim através daquela mascara. Você pode retirar a mascara e vai encontrar ainda muitas depois. Aliás, é só o que encontrará. Estas coisas que escrevo e acho que vivo, não as vivo realmente, porque as coisas que vivo já foram consumidas e se dissiparam no momento. Apenas posso reproduzir aquilo que me aconteceu e através de uma versão tão deturpada que já não se trata mais de realidade e de algo que senti, porque, o que senti esvaiu-se no beijo que dei em quem amei de fato. As palavras são brinquedos poderosos!
Aqueles arranhões eram um tremendo chamariz, por isso, resolvi colocar a camiseta de novo. Estava num clube de família, o quê as pessoas pensariam de mim se vissem aquelas marcas ali? Que pensamento mais pudico foi este que me acometeu? Não vou colocar merda nenhuma! As pessoas, danem-se as pessoas! Elas não pensariam nada, talvez nem percebessem. Mas correr sem camiseta ali já não era de bom tom, melhor coloca-la, repensei já mais ponderado. Não deu tempo; uma dona surgida, sabe-se lá de onde, vinha correndo em sentido contrário ao meu e percebeu meus arranhões, antes que meu corpo fosse de todo coberto pela vestimenta. Eu vi! Ela tentou disfarçar, mas fixou aqueles olhinhos impertinentes sobre mim. Quem aquela vadia pensa que é para ficar olhando os outros daquele jeito? Gelei. Fervi. Quis esganá-la. Apesar de meu jeito aparentemente dócil e bem educado, às vezes e eu digo às vezes, não sou uma pessoa muito centrada. Prossegui com o meu trote porém. Iria pegá-la na volta. Se ela olhasse para mim novamente com aquele olhar de bisbilhoteira, fifizinha do bairro, ah ela iria se ver comigo. E não na cama, como a Judith o faria mais tarde.
Não, não estava preocupado que ela tivesse visto os arranhões e desconfiasse de algo pior. Eu não sou do tipo paranóico. Como ela poderia ligar arranhões no corpo a um assassinato? Mas o simples gesto de ter me fitado já despertara em mim a vontade de pegá-la pelo pescoço e dizer: “O que está olhando? Nunca viu? Arranhões sim, vergões!” E eu diria: “Nunca fez sexo não, sua cretina!”. Para que esta agressividade?, refleti novamente. Coitada da moça. Ela só é curiosa e além do mais, aqueles vergões estavam escandalosos mesmos. Quem iria me pagar? Ah! A Judith, aquela piranha! Quem mandou defender o irmãozinho; ladrãozinho safado!
Corri mais um pouco e parei estafado. Desliguei o gravador. Já estava tudo ali. Mais um crime arquitetado. Mais um conto inventado. E fim.


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