O DITO PELO NÃO DITO
Ouvi dizer de um poeta,
Cordelista muito esperto,
Que escreve em linha reta,
Mas embora esteja perto
Faz de conta que está longe,
E seu silêncio de monge
Leva a crer que ele está certo.
Seu poema é um deserto
De amplitude vazia,
Deixando sempre aberto
A todos, por cortesia,
Uma nova inspiração
A surgir do coração
Para toda a freguesia.
Tem ele a fantasia
De imaginar o insólito
Para nossa poesia;
É portanto um acólito
De nós todos cordelistas,
Que lhe seguimos as pistas
De seu inspirar monólito.
Sendo eu poeta rizólito,
Só tenho a lhe agradecer
Por esse seu atuar sólito,
No qual posso me embeber
Os motes de meus escritos
Que, mesmo não favoritos,
Distraem a quem os ler.
Sei que a arte de escrever
Requer, além de pesquisa,
Também muito ouvir e ver
Para marcar a divisa
Sobre os muitos demarcados
Limítrofes insondados
Entre o ser e o não ser.
Não julgo e não vou dizer
Se esse poeta mudo
Quer fazer ou desfazer,
Mas se é surdo, ouve tudo
E sabe bem transmitir,
Mesmo que sem redigir,
Todo o seu conteúdo.
Ele é culto e, sobretudo,
É leitor de todos nós,
Sua pena de veludo
Não escreve, mas tem voz,
Diz muito sem falar nada;
Esse nosso camarada
É amigo e não algoz.
Não é animal feroz,
Mas cordeiro transvestido
De lobo muito veloz,
Por isso ele é temido,
Porém esse seu uivar,
Que ninguém pode escutar,
É em prol do oprimido.
Não deixemos esquecido
Esse poeta eloqüente,
Pois que ouve e é ouvido
Pelo prosador vidente;
De minha parte eu digo
A esse secreto amigo
Um obrigado somente.
Tão pura e simplesmente,
É dever homenagear
O poeta inteligente
Que não gosta de falar,
Mas exalta nossos dons,
Mostrando que somos bons
Na arte de cordelar.
Não quer se identificar,
Nem se apresenta de frente,
Um urutau a gorjear
Canta escondido da gente,
Mas não é gato no escuro,
Nem cahorro atrás do muro,
Tampouco é uma serpente.
Alegria permanente
Começa sempre assim:
Vai do incrédulo ao crente,
De Abel até Caim,
Da cozinha vai pra sala,
Porque o mudo também fala,
Quem é surdo ouve, enfim.
Há quem discorde de mim,
Porém isso é normal,
Todo começo tem fim
E cada bem tem seu mal;
Na dualidade da vida,
A morte vem em seguida
Num processo natural.
BENEDITO GENEROSO DA COSTA
benegcosta@yahoo.com.br
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