Era um fofinho pimpão e branquelo, quando chegou a Tupinambica das Linhas. Tinha os olhos verdes e vivia metido com livros. Sua mãe, desconfiada que o garoto logo descambaria pra boiolagem ou danação mental, tratou de encaminha-lo a uma professora particular.
A mestra, porém, era pratica nos assuntos referentes a astrologia, pêndulo de Foucault, tarô, quiromancia, magia, telepatia e levitação. Daí toda a faceta mística da personalidade do Bichel.
O professor, tendo simpatia pela seita maligna do pavão louco, oferecia seus serviços, nessa área das ciências ocultas, a fim de que por intermédio do tráfico de influência, pudessem lançar maus agouros ferozes contra os adversários e dissidentes.
Você, portentoso leitor, já conhece Tupinambica das Linhas e o grupo malvado que domina o local. Mas nunca é excessivo repetir que esse pessoal usa e abusa de práticas excludentes, preconceituosas escoradas num sadismo terrível. Alguém já observou, e muito bem, que grande parte da população da cidade é composta por gente maniqueísta que desconhece a virtude do caminho do meio, do equilíbrio. Para aquelas pessoas ou o sujeito é bom e prestável, ou um inútil desavergonhado.
Ocorre que para você ser considerado bom, deve concordar com as crenças místicas e fazer sempre o que sugere o grupelho autoritário da região. Esse tipo de ingerência estava sendo monitorado pela comissão dos direitos humanos da ONU e gerava inquietação até nos governos democratas dos países desenvolvidos.
O professor bichola, era solteiro e desconhecia a magia do afeto. Igual aos saduceus afirmava não existir a ressurreição e, quando pirava na batatinha, gostava de freqüentar a ATTL Associação das Traíras de Tupinambica das Linhas.
Bichel não considerava Tupinambica das Linhas uma cidade. Ele a comparava a um enorme condomínio horizontal, semelhante às fazendas escravocratas, onde o grupo da seita maligna ainda tinha grande influência. O professor arrefeceu um pouco nas suas convicções, quando soube que o hospital psiquiátrico, usado para dominar os dissidentes foi fechado.
Como então não podiam mais usar a força contra os dissonantes, praticavam agora o mau agouro, colocando, por meio de funcionários corruptos, nos documentos, e placas de veículos, números evocativos de situações nefastas e horripilantes.
Uma de suas vítimas foi o Chuma, que ao solicitar sua inscrição nos quadros de sócios do clube Sargento Barbosa, teve sua carteira grafada com numerais evocatórios de situações trágicas para o Brasil.
Assim era Tupinambica das Linhas, um lugarejo do fim do mundo onde, quem perguntasse sobre o buraco negro do Stephen Hawking, ou afirmasse que ele já não era mais aquele, corria o sério risco de ser taxado de maluco e encomendado à danação por meio dos sortilégios terríveis.
Quando o Chuma anunciou que escreveria um livro enumerando as vantagens da mancebia no INSS, grande parte da população arrepiou os pelos.
O escritor queria provar que, se a mulher não casasse, poderia viver todo o resto da sua vida, sustentada por um dispositivo legal que dava às filhas solteiras, dos funcionários públicos, o direito de recebimento da grana do extinto. Ocorre que a mulherada, ajuntando os trapos e, em amancebamento, testemunhavam ser o instituto do casamento, um troço dispensável e até danoso.
Meu amigo, alguns aguardavam com ansiedade o tal do livro do Chuma. Outros garantiam que o caldeirão ferveria.
Fernando Zocca é escritor, advogado e jornalista.
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