Não que eu esteja ficando velho, mas sabe como é, a gente tem de pensar no futuro. Por isso, resolvi investir minhas economias numa urna funerária. (vulgarmente conhecida como caixão). Não fique chocado, caro leitor, mas quando chegar minha hora posso estar com problemas de crédito, a madeira andar escassa ou as funerárias estarem de greve, sabe-se lá o que pode acontecer para atrapalhar o derradeiro descanso de um mortal. Enquanto outros gastam com farras e bebidas, invisto em meu conforto futuro. Escolhi um modelo 2004, super incrementado (futuramente, se Deus quiser, troco por modelo mais novo). Se você o visse iria ficar com inveja.
Quando chegou a encomenda, novinho em folha, com belos desenhos em alto relevo, todos de casa quiseram dar uma experimentadinha. O filho menor chamou os amiguinhos para brincarem de Drácula.
Depois, surgiu um problema, aliás vários problemas: primeiro - e se nesse meio tempo eu engordasse e meu esqueleto não coubesse mais no caixão? Segundo - mais prosaico - onde guardar esse belo móvel, para que não impressionasse as visitas? A solução foi desarmar minha cama e colocá-lo em seu lugar. Com uma colcha bordada, um travesseiro confortável, ninguém notou a diferença. Aí apareceu outro dos problemas: na hora de fechar a urna para dormir, descobri que sofro de claustrofobia. Me subiu um calor no corpo, as pernas amoleceram, tive impressão de que ia morrer. Menos mal, já morria dentro do próprio caixão.
Descartada a intenção de transformá-lo em cama, o que restava? O triste destino de outras geringonças compradas anteriormente (cadeira do papai, bicicleta ergométrica, esteira, etc): servir de cabide, ou - neste caso - de guarda-trecos. Ajeitado num canto do escritório, nele foram se acumulando discos, revistas, cadernos, eletrodomésticos quebrados, ferramentas, sapatos velhos, etc. Ficou pior que um ninho de ratos. Tenho a impressão de que, quando aquela boa senhora de foice na mão vier me buscar, vai ser melhor comprar outro.
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