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Contos-->Nhá Lua -- 01/12/2000 - 02:28 (LUIZ CARLOS LEMOS) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Nhá Lua nem sempre foi Nhá Lua. Esse nome veio depois, quando muita coisa sumiu da cabeça -as lembranças - e outras tantas apareceram, criaram vida. As visões, que ninguém entendia.
Nhá Lua nasceu Maria Tereza, filha de Norberto Seleiro, homem calado lá com ele sempre, no comércio de Bamberg, interior esquecido de Minas Gerais.
Infância triste, de sozinha filha única. "Pai tá é velho, não faz mais cria" sópensava Maria, que se falasse, apanhava.
E aprendia, mesmo sem saber, a imitar o silêncio e o olhar triste de Mãe. Mãe lavava, passava, cozinhava, sofria e se calava, sempre. Maria Tereza também.
Amigos?... Não. Pai tinha birra de gente outra, os de fora, como ele chamava. Falar com eles, só ele, mesmo assim, para tratar serviços, donde vimham os réis pra despesa. Mãe e Maria confinadas lá dentro, cuidando da vida lá delas, quando os de fora chegavam. E eram tão poucos!
Escola? Coisa de rico, Pai falava. Homem é pro eito, mulher, pro fogão. Carece o que?...
E essa era a vida (vida?...) de Maria Tereza, até o dia mais terrível. O dia em que Mãe nunca mais acordou. Daí, mudou.
Mãe era primeira a levantar, todo dia. Acendia o fogo, botava água na chocolateira velha e logo o cheiro do café acordava o mundo. Isso, todo dia, todo santo dia, porque cada dia tem seu santo. Menos naquele.
Naquele dia Mãe não acordou. O café não fez o mundo ficar cheiroso, com cheiro de levanta-povo.
O silêncio na cozinha assustou Maria, que pulou da cama. -Mãe, tá doente?
Mãe, quieta, fria. Já não estava mais ali.
Pai... vigia Mãe!... Tá esquisista!...
O de resto Nhá Lua, hoje, não se lembra mais. A casa cheia de gente, os de fora, de roupa de missa e falando baixo. Pai, calado, sentado no batente da porta da cozinha, vigiando formigas passeadeiras, entre seus pés. O povo, dono da casa, fazendo café e biscoito frito, arranjando flores, enfeitando Mãe, no caixão. E Maria Tereza, pra dentro e pra fora, assuntando tudo e entendendo nada...
O padre veio, disse coisas. Saiu o enterro. Pai foi. Maria não. Ficou mais Donana de Lucas, para arrumar a casa.
De noitinha Pai voltou. E, com ele, o silêncio maior. Nunca mais que Pai falou palavra, fosse com quem fosse. Quando muito, hum hum, inhor sin, inhor não, de necessidade absoluta. No mais, só o olhar triste, no chão, buscando o que não perdeu.
Pra mais de um ano depois que Mãe tinha morrido, nasceu, por fim, Nhá Lua.
Noite de chuva fina, friozinho gostoso de sentir coberta e imaginar, na cama, o que seria -Deusmelivre- estar lá fora, feito pinto molhado. No quase-dorme, momento misteriso entre sono e sonho, o susto. A mão pesada sobre a boca, o corpo pesado sobre o corpo, a respiração afobada, o cheiro de cigarro e cachaça...
A boca na boca, as mãos ásperas no corpo todo, a roupa rasgada, a coisa estranha e grande forçando entrar lá nela... A dor... A dor... A dor...
Uma vida, durou aquilo. O que era aquilo? Castigo? Pesadelo? Loucura?...
Quando terminou, o homem saiu de cima dela e se foi, num silêncio de quem matou e não se arrepende. No passar pela porta do quarto, se voltou e olhou Maria, demoradamente. E Maria, ainda Maria, reconheceu os olhos de Pai. Era Pai.
E Maria nunca mais foi Maria Tereza, de Norberto Seleiro. Sumiu de casa, naquele mesma noite fria. Andou, andou até não mais guentar, até não mais lembrar, até não saber de mais nada.
Andou até parar de sofrer.
E hoje, aluada, vive pelas estradas do mundo, procurando Mãe, porque só Mãe pode lhe dizer o que era aquilo.
Na boca dos meninos, na boca do povo, Maria Tereza não existe. Existe Nhá Lua, a doida, que conversa sozinha, que canta muito, que olha e não vê... Nhá Lua, que pergunta sempre por Mãe, nos insondáveis caminhos de Minas.


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